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Documento de Aparecida

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Título: A V Conferência Geral do Episcopado Latino-Americano e do Caribe em Aparecida: Reflexões sobre o Documento Final

Introdução

A V Conferência Geral do Episcopado Latino-Americano e do Caribe, realizada em Aparecida, Brasil, foi um encontro significativo para os bispos da região, guiados pela luz do Senhor ressuscitado e fortalecidos pelo Espírito Santo. O Documento Final resultante desse encontro reflete a busca contínua pela ação evangelizadora da Igreja, chamando todos os seus membros a serem discípulos e missionários de Cristo.

O Contexto da Conferência

Os bispos expressaram a alegria de estar reunidos com o Sucessor de Pedro, o Papa Bento XVI, que os confirmou no primado da fé em Deus, sua verdade e amor. A oração do povo católico e a presença dos fiéis em Aparecida, bem como a multidão de peregrinos, foram testemunhos significativos durante a conferência. Maria, a Mãe de Jesus, foi invocada como aquela que acolhe, cuida e ampara, como fez com João Diego e com todos os povos.

O Evangelho e a Diversidade Cultural

O Documento destaca que o Evangelho chegou às terras latino-americanas em meio a um encontro dramático e desigual de culturas. Reconhece as “sementes do Verbo” presentes nas culturas autóctones, facilitando a resposta das comunidades indígenas ao Evangelho. Destaca também a importância da visitação de Nossa Senhora de Guadalupe como um evento decisivo para o anúncio e reconhecimento de Cristo.

A História da Igreja na América Latina e Caribe

A Igreja na América Latina escreveu páginas de sua história com sabedoria e santidade, mas também enfrentou tempos difíceis, marcados por torturas, perseguições e incoerências por parte de seus membros. No entanto, o Documento ressalta que o mais decisivo na Igreja é a ação santa do Senhor.

A Gratidão e o Reconhecimento das Riquezas

Os bispos expressam gratidão a Deus pelas riquezas do Continente, incluindo a fé madura, a piedade popular e a caridade que anima gestos solidários. Reconhecem as raízes católicas como fundamentais para a identidade e unidade da América Latina e do Caribe, apesar das debilidades humanas.

A V Conferência como Novo Passo na História da Igreja

Esta V Conferência é vista como um novo passo no caminho da Igreja, dando continuidade ao Concílio Vaticano II e recapitulando os esforços de fidelidade, renovação e evangelização das conferências anteriores. Diante dos desafios contemporâneos, a Conferência se propõe a proteger e alimentar a fé do povo de Deus, reafirmando a vocação de todos os batizados como discípulos e missionários de Jesus Cristo.

Conclusão

O Documento Final da V Conferência Geral do Episcopado Latino-Americano e do Caribe é um testemunho do compromisso contínuo da Igreja com a evangelização, destacando a importância da fé, da tradição católica e da solidariedade em meio aos desafios atuais. A Conferência representa um novo capítulo na história da Igreja na região, chamando todos os fiéis a serem portadores da luz do Evangelho em meio às complexidades da sociedade contemporânea.

Continuação: Os Dez Avanços da V Conferência

  1. Renovação da Espiritualidade Mariana: A presença da V Conferência em Aparecida, no Santuário Nacional, reforçou a espiritualidade mariana. Maria, como Mãe e intercessora, foi reconhecida como guia e amparo para a Igreja na América Latina.
  2. Compromisso com os Pobres: A opção pelos pobres foi reafirmada como central para a missão da Igreja na América Latina. A Conferência reconheceu as iniquidades sociais como desafios urgentes e destacou a necessidade de criar estruturas mais justas.
  3. Diálogo com os Desafios Contemporâneos: A V Conferência enfrentou de frente desafios contemporâneos, como a globalização, as desigualdades sociais, a ecologia, a cultura, o machismo e a erosão do Catolicismo. O diálogo aberto e corajoso buscou respostas e orientações à luz da fé.
  4. Prioridade aos Campos Pastorais: O reconhecimento dos campos pastorais prioritários, como a família, os sacerdotes, religiosos, religiosas, jovens e a pastoral vocacional, demonstra a atenção especial da V Conferência a áreas cruciais para a vida da Igreja.
  5. Foco na Identidade Católica: A V Conferência reconheceu o desgaste da identidade católica e destacou a necessidade de fortalecer a vida cristã, superar o secularismo e o pluralismo, e renovar o testemunho católico na sociedade.
  6. A Retomada do Concílio Vaticano II: A Conferência revitalizou o compromisso com o Concílio Vaticano II, incorporando temas essenciais como a opção pelos pobres, os jovens, as comunidades eclesiais de base (CEBs), a promoção humana e a verdadeira libertação.
  7. Abertura para o Ecumenismo e o Diálogo Inter-religioso: O Documento de Aparecida reflete uma abertura ao ecumenismo e ao diálogo inter-religioso, reconhecendo a importância do diálogo intercultural e inter-religioso na busca pela justiça e na construção de pontes entre diferentes tradições de fé.

As Esperanças e Expectativas de Aparecida

A V Conferência carrega consigo a esperança de ser uma Igreja atraente, com discípulos apaixonados e missionários ousados a serviço da vida. A leitura orante da Bíblia é apresentada como um meio para a Igreja estar a serviço do reino da vida, encantando-se e fascinando-se por Jesus. A síntese destaca a importância de aproveitar a “hora da Graça” para a recepção da V Conferência e o compromisso de colocar em prática suas diretrizes.

II PARTE: “O DISCIPULADO”

A segunda parte do Documento de Aparecida aborda o tema do discipulado. São apresentados dez pontos-chave desse discipulado, as sete alegrias do discípulo missionário, as características do encontro com Jesus Cristo, os lugares desse encontro, os pilares da Igreja discípula, as luzes e sombras da Igreja na América Latina, as características da Igreja discípula, os pontos do caminho à santidade, os eixos a reforçar na Igreja hoje e as etapas do processo de formação dos discípulos.

Continue a leitura para obter uma análise mais aprofundada desses temas e sua relevância para a vida da Igreja na América Latina e no Caribe.

V CONFERÊNCIA GERAL
DO EPISCOPADO LATINO-AMERICANO e DO CARIBE
aparecida, 13-31 de maio de 2007
DOCUMENTO FINAL
SIGLAS
AA Apostolicam Actuositatem
AG Ad Gentes
CIC Catecismo da Igreja Católica
CDSI Compêndio da Doutrina Social da Igreja
CDC Código de Direito Canônico
ChD Decreto Christus Dominus
ChL Christifideles Laici
DCE Deus Caritas est
Dl Discurso Inaugural de S.S. Bento XVI na V Conferência
Geral do Episcopado Latino-americano.
DP Documento de Puebla
DV Dei Verbum
EAm Exortação Apostólica Ecclesia in América.
ECE Ex Corde Ecclesiae
EMCC Instrução Erga Migrantes Caritas Christi
EN Evangelii Nuntiandi
EV Evangelium Vitae
FC Familiaris Consortio
FR Fides et Ratio
GE Gravissimum Educationis
GS Gaudium et Spes
HV Humanae vitae
IM Decreto Inter Mirifica
LÊ Laborem Exercens
LG Lumen Gentium
NAe Declaración Nostra Aetate
NMI Novo millenio ineunte
OT Optatam Totius
PC Perfectae Caritatis
PDV Pastores Dabo Vobis
PG Pastores gregis
 CELAM
PP Populorum Progressio
PO Presbyterorum Ordinis
RM Redemptoris Missio
RVM Rosarium Virginis Mariae
SC Sacrosanctum Concilium
SCa Sacramentum caritatis
SD Documento de Santo Domingo
SRS Sollicitudo Rei Socialis
TMA Tertio millenio adveniente
UR Unitatis Redintegratio
UUS Ut unum sint
VC Vita consecrata
Carta de S.S. Bento XVI aos irmãos
no Episcopado da América Latina e Caribe
Em 13 de maio passado, aos pés da Santíssima Virgem Nossa Senhora Aparecida, no Brasil, inaugurei com grande alegria a
V Conferência Geral do Episcopado Latino-americano e do Caribe.
Conservo viva a grata recordação desse encontro, no qual
estive unido a vocês no mesmo afeto por seus queridos povos e
na mesma solicitude por ajudá-los a serem discípulos e missionários de Jesus Cristo, para que nEle tenham vida.
Ao mesmo tempo que expresso meu reconhecimento pelo
amor a Cristo e à Igreja, e pelo espírito de comunhão que caracterizou a Conferência Geral, autorizo a publicação do Documento Conclusivo, pedindo ao Senhor que, em comunhão com a
Santa Sé e com o devido respeito pela responsabilidade de cada
Bispo em sua própria Igreja local, ele seja luz e alento para um
rico trabalho pastoral e evangelizador nos anos vindouros.
Neste documento há numerosas e oportunas indicações
pastorais, motivadas por ricas reflexões à luz da fé e do atual
contexto social. Entre outras, li com particular apreço as palavras
que exortam a dar prioridade à Eucaristia e à santificação do Dia
do Senhor nos programas pastorais (cf. n. 251-252), assim como
as que expressam o desejo de reforçar a formação cristã dos fiéis,
em geral, e dos agentes de pastoral, em particular. Neste sentido,
para mim foi motivo de alegria conhecer o desejo de realizar uma
“Missão Continental” que as Conferências Episcopais e cada dio-
 CELAM
cese são chamadas a estudar e a realizar, convocando para isso
todas as forças vivas, de modo que, caminhando a partir de Cristo, busque-se sua face (cf. Novo millenio ineunte, 29).
Ao mesmo tempo em que invoco a proteção da Santíssima
Virgem em sua invocação de Aparecida, Patrona do Brasil, e também em sua advocação de Nossa Senhora de Guadalupe, Patrona
da América e Estrela da Evangelização, com afeto invoco sobre
vocês a Bênção Apostólica.
Vaticano, 29 de junho de 2007, solenidade dos santos Apóstolos Pedro e Paulo.
Introdução

  1. Com a luz do Senhor ressuscitado e com a força do Espírito Santo, nós os bispos da América nos reunimos em Aparecida, Brasil, para celebrar a V Conferência Geral do Episcopado
    Latino-Americano e do Caribe. Fizemos isso como pastores que
    querem seguir estimulando a ação evangelizadora da Igreja,
    chamada a fazer de todos os seus membros discípulos e missionários de Cristo, Caminho, Verdade e Vida, para que nossos
    povos tenham vida nEle. Fazemos isso em comunhão com todas as Igrejas locais presentes na América. Maria, Mãe de Jesus Cristo e de seus discípulos, tem estado muito perto de nós,
    tem-nos acolhido, tem cuidado de nós e de nossos trabalhos,
    amparando-nos, como a João Diego e a nossos povos, na dobra
    de seu manto, sob sua maternal proteção. Temos pedido a ela,
    como mãe, perfeita discípula e pedagoga da evangelização, que
    nos ensine a ser filhos em seu Filho e a fazer o que Ele nos disser
    (cf. Jo 2,5).
  2. Com alegria estivemos reunidos com o Sucessor de Pedro, Cabeça do Colégio Episcopal. Sua Santidade Bento XVI confirmou-nos no primado da fé em Deus, de sua verdade e amor,
    para o bem das pessoas e dos povos. Agradecemos a todos os
    seus ensinamentos, que foram iluminação e guia seguro para
    nossos trabalhos, especialmente seu Discurso inaugural. A lembrança agradecida dos últimos Papas, e em especial do seu rico
    Magistério que tem estado também presente em nossos trabalhos, merece especial memória e gratidão.
    10 CELAM
  3. Sentimo-nos acompanhados pela oração de nosso povo
    católico, representado visivelmente pela companhia do Pastor
    e dos fiéis da Igreja de Deus em Aparecida, e pela multidão de
    peregrinos de todo o Brasil e de outros países da América ao Santuário, que nos edificaram e evangelizaram. Na comunhão dos
    santos, tivemos presentes todos aqueles que nos antecederam
    como discípulos e missionários na vinha do Senhor e especialmente a nossos santos latino-americanos, entre eles Santo Toríbio de Mogrovejo, patrono do Episcopado latino-americano.
  4. O Evangelho chegou a nossas terras em meio a um dramático e desigual encontro de povos e culturas. As “sementes do
    Verbo”1 presentes nas culturas autóctones, facilitaram a nossos
    irmãos indígenas encontrarem no Evangelho respostas vitais
    às suas aspirações mais profundas: “Cristo era o Salvador que
    esperavam silenciosamente”.2 A visitação de Nossa Senhora de
    Guadalupe foi acontecimento decisivo para o anúncio e reconhecimento de seu Filho, pedagogia e sinal de inculturação da fé,
    manifestação e renovado ímpeto missionário de propagação do
    Evangelho.3
  5. Desde a primeira evangelização até os tempos recentes,
    a Igreja tem experimentado luzes e sombras.4 Ela escreveu páginas de nossa história com grande sabedoria e santidade. Sofreu
    também tempos difíceis,tanto portorturas e perseguições como
    pelas debilidades, compromissos mundanos e incoerências, em
    outras palavras, pelo pecado de seus filhos, que desfiguraram a
    novidade do Evangelho, a luminosidade da verdade e a prática
    1 Cf. Puebla, 401. 2 Bento XVI, Discurso Inaugural da V Conferência, Aparecida, n. 1. Será citado como DI. 3 Cf. SD 15. 4 Bento XVI, Audiência Geral, quarta-feira 23 de maio de 2007. “Certamente que a recordação de um passado glorioso não pode ignorar as sombras que acompanharam a obra
    de evangelização do continente latino-americano: não é possível esquecer os sofrimentos
    e as injustiças que infligiram os colonizadores às populações indígenas, pisoteadas em seus
    direitos humanos fundamentais. Mas, a obrigatória menção desses crimes injustificáveis – já
    condenados por missionários como Bartolomeu de las Casas e por teólogos como Francisco
    de Vitória, da Universidade de Salamanca – não deve impedir de reconhecer com gratidão a
    admirável obra realizada pela graça divina entre essas populações ao longo destes séculos”.
    V CONFERÊNCIA GERAL DO EPISCOPADO LATINO-AMERICANO E DO CARIBE- aparecida – DOCUMENTO FINAL 11
    da justiça e da caridade. No entanto, o mais decisivo na Igreja é
    sempre a ação santa de seu Senhor.
  6. Porisso, diante de tudo damos graças aDeus e o louvamos
    por tudo o que nos tem sido dado. Acolhemos toda a realidade
    do Continente como dom: a beleza e fecundidade de suas terras,
    a riqueza de humanidade que se expressa nas pessoas, famílias,
    povos e culturas do Continente. Sobretudo nos tem sido dado
    Jesus Cristo, a plenitude da revelação de Deus, um tesouro incalculável, a “pérola preciosa” (cf. Mt 13,45-46), o Verbo de Deus
    feito carne, Caminho, Verdade e Vida dos homens e das mulheres, aos quais abre um destino de plena justiça e felicidade. Ele é
    o único Libertador e Salvador que, com sua morte e ressurreição,
    rompeu as cadeias opressivas do pecado e da morte, revelando o
    amor misericordioso do Pai e a vocação, dignidade e destino da
    pessoa humana.
  7. As maiores riquezas de nossos povos são a fé no Deus
    amor e a tradição católica na vida e na cultura. Manifesta-se na
    fé madura de muitos batizados e na piedade popular que expressa “o amor a Cristo sofredor, o Deus da compaixão, do perdão e
    da reconciliação (…), o amor ao Senhor presente na Eucaristia
    (…), – o Deus próximo dos pobres e dos que sofrem, – a profunda devoção à Santíssima Virgem de Guadalupe, de Aparecida ou
    dos diversos títulos nacionais e locais”.5 Expressa-se também na
    caridade que em qualquer lugar anima gestos, obras e caminhos
    de solidariedade para com os mais necessitados e desamparados.
    Está presente também na consciência da dignidade da pessoa,
    na sabedoria diante da vida, na paixão pela justiça, na esperança contra toda esperança e na alegria de viver que move o coração de nossos povos, ainda que em condições muito difíceis. As
    raí­zes católicas permanecem na sua arte, linguagem, tradições
    e estilo de vida, ao mesmo tempo dramático e festivo, e no enfrentamento da realidade. Por isso, o Santo Padre nos responsa5 DI 1.
    12 CELAM
    bilizou ainda mais, como Igreja, na “grande tarefa de proteger e
    alimentar a fé do povo de Deus”.6
  8. O dom da tradição católica é um cimento fundamental de
    identidade, originalidade e unidade da América Latina e do Caribe: uma realidade histórico-cultural, marcada pelo Evangelho de
    Cristo, realidade na qual é grande o pecado – abandono de Deus,
    comportamentos viciosos, opressão, violência, ingratidões e misérias – porém, onde é bem maior a graça da vitória pascal. Nossa Igreja goza, não obstante as debilidades e misérias humanas,
    de alto índice de confiança e de credibilidade por parte do povo.
    A Igreja é morada de povos irmãos e casa dos pobres.
  9. A V Conferência do Episcopado Latino-americano e Caribenho é novo passo no caminho da Igreja, especialmente a partir do Concílio Ecumênico Vaticano II. Ela dá continuidade e, ao
    mesmo tempo, recapitula o caminho de fidelidade, renovação e
    evangelização da Igreja latino-americana ao serviço de seus povos, que se expressou oportunamente nas Conferências Gerais
    anteriores do Episcopado (Rio, 1955; Medellín, 1968; Puebla,
    1979; Santo Domingo, 1992). Em todas elas reconhecemos a
    ação do Espírito. Também nos lembramos da Assembléia Especial do Sínodo dos Bispos para a América (1997).
  10. Esta V Conferência se propõe “a grande tarefa de proteger e alimentar a fé do povo de Deus e recordar também aos fiéis
    deste Continente que, em virtude de seu batismo, são chamados
    a ser discípulos e missionários de Jesus Cristo”.7 Com desafios
    e exigências, abre-se a passagem para um novo período da história, caracterizado pela desordem generalizada que se propaga
    por novas turbulências sociais e políticas, pela difusão de uma
    cultura distante e hostil à tradição cristã e pela emergência de
    variadas ofertas religiosas que tratam de responder, à sua maneira, à sede de Deus que nossos povos manifestam.
    6 Ibid. 3. 7 Ibid. 3.
    V CONFERÊNCIA GERAL DO EPISCOPADO LATINO-AMERICANO E DO CARIBE- aparecida – DOCUMENTO FINAL 13
  11. A Igreja é chamada a repensar profundamente e a relançar com fidelidade e audácia sua missão nas novas circunstâncias latino-americanas e mundiais. Ela não pode fechar-se
    frente àqueles que só vêem confusão, perigos e ameaças ou
    àqueles que pretendem cobrir a variedade e complexidade das
    situações com uma capa de ideologias gastas ou de agressões
    irresponsáveis. Trata-se de confirmar, renovar e revitalizar a
    novidade do Evangelho arraigada em nossa história, a partir
    de um encontro pessoal e comunitário com Jesus Cristo, que
    desperte discípulos e missionários. Isso não depende tanto de
    grandes programas e estruturas, mas de homens e mulheres
    novos que encarnem essa tradição e novidade, como discípulos
    de Jesus Cristo e missionários de seu Reino, protagonistas de
    uma vida nova para uma América Latina que deseja reconhecerse com a luz e a força do Espírito.
  12. Não resistiria aos embates do tempo uma fé católica reduzida a uma bagagem, a um elenco de algumas normas e de
    proibições, a práticas de devoção fragmentadas, a adesões seletivas e parciais das verdades da fé, a uma participação ocasional
    em alguns sacramentos, à repetição de princípios doutrinais, a
    moralismos brandos ou crispados que não convertem a vida dos
    batizados. Nossa maior ameaça “é o medíocre pragmatismo da
    vida cotidiana da Igreja, no qual, aparentemente, tudo procede
    com normalidade, mas na verdade a fé vai se desgastando e degenerando em mesquinhez”.8 A todos nos toca recomeçar a partir de Cristo,9 reconhecendo que “não se começa a ser cristão por
    uma decisão ética ou uma grande idéia, mas pelo encontro com
    um acontecimento, com uma Pessoa, que dá um novo horizonte
    à vida e, com isso, uma orientação decisiva”.10
    8 RATZINGER, J. Situação atual da fé e da teologia. Conferência pronunciada no Encontro
    de Presidentes de Comissões Episcopais da América Latina para a doutrina da fé, celebrado
    em Guadalajara, México, 1996. Publicado em L’Osservatore Romano, em 1º de novembro de
  13. 9 Cf. NMI 28-29. 10 DCE 1.
    14 CELAM
  14. Na América Latina e no Caribe, quando muitos de nossos povos se preparam para celebrar o bi-centenário de sua independência, encontramo-nos diante do desafio de revitalizar nosso modo de ser católico e nossas opções pessoais pelo Senhor,
    para que a fé cristã se enraíze mais profundamente no coração
    das pessoas e dos povos latino-americanos como acontecimento fundante e encontro vivificante com Cristo. Ele se manifesta
    como novidade de vida e missão em todas as dimensões da existência pessoal e social. Isso requer, a partir de nossa identidade
    católica, uma evangelização muito mais missionária, em diálogo
    com todos os cristãos e a serviço de todos os homens. Do contrário, “o rico tesouro do Continente Americano… seu patrimônio
    mais valioso: a fé no Deus de amor…”11 corre o risco de seguir
    desgastando-se e diluindo-se de maneira crescente em diversos
    setores da população. Hoje se propõe escolher entre caminhos
    que conduzem à vida ou caminhos que conduzem à morte (cf. Dt
    30,15). Caminhos de morte são os que levam a dilapidar os bens
    que recebemos de Deus através daqueles que nos precederam na
    fé. São caminhos que traçam uma cultura sem Deus e sem seus
    mandamentos ou inclusive contra Deus, animada pelos ídolos
    do poder, da riqueza e do prazer efêmero, a qual termina sendo
    uma cultura contra o ser humano e contra o bem dos povos latino-americanos. Caminhos de vida verdadeira e plena para todos,
    caminhos de vida eterna, são aqueles abertos pela fé que conduzem à “plenitude de vida que Cristo nos trouxe: com esta vida
    divina também se desenvolve em plenitude a existência humana, em sua dimensão pessoal, familiar, social e cultural”.12 Essa
    é a vida que Deus nos partilha por seu amor gratuito, porque “é
    o amor que dá a vida”.13 Esses caminhos frutificam nos dons de
    verdade e amor que nos foram dados em Cristo, na comunhão
    dos discípulos e missionários do Senhor, para que a América La11 Bento XVI, Homilia na Eucaristia de inauguração da V Conferência Geral do Episcopado Latino-americano, 13 de maio de 2007, Aparecida, Brasil. 12 DI 4. 13 Bento XVI, Homilia na Eucaristia de inauguração da V Conferência Geral do Episcopado Latino-americano, 13 de maio de 2007, Aparecida, Brasil.
    V CONFERÊNCIA GERAL DO EPISCOPADO LATINO-AMERICANO E DO CARIBE- aparecida – DOCUMENTO FINAL 15
    tina e o Caribe sejam efetivamente um continente no qual a fé, a
    esperança e o amor renovem a vida das pessoas e transformem
    as culturas dos povos.
  15. O Senhor nos diz: “Não tenham medo” (Mt 28,5). Como
    às mulheres na manhã da Ressurreição ele nos repete: “Por que
    buscam entre os mortos aquele que está vivo?” (Lc 24,5). Os sinais da vitória de Cristo ressuscitado nos estimulam enquanto
    suplicamos a graça da conversão e mantemos viva a esperança
    que não engana. O que nos define não são as circunstâncias dramáticas da vida, nem os desafios da sociedade ou as tarefas que
    devemos empreender, mas acima de tudo o amorrecebido do Pai
    graças a Jesus Cristo pela unção do Espírito Santo. Essa prioridade fundamental é a que tem presidido todos os nossos trabalhos,
    que oferecemos a Deus, à nossa Igreja, ao nosso povo, a cada um
    dos latino-americanos, enquanto elevamos ao Espírito Santo
    nossa confiante súplica para redescobrir a beleza e alegria de ser
    cristãos. Aqui está o desafio fundamental que afrontamos: mostrar a capacidade da Igreja para promover e formar discípulos e
    missionários que respondam à vocação recebida e comuniquem
    por toda parte, transbordando de gratidão e alegria, o dom do
    encontro com Jesus Cristo. Não temos outro tesouro a não ser
    este. Não temos outra felicidade nem outra prioridade senão a
    de sermos instrumentos do Espírito de Deus na Igreja, para que
    Jesus Cristo seja encontrado, seguido, amado, adorado, anunciado e comunicado a todos, não obstante todas as dificuldades
    e resistências. Este é o melhor serviço – o seu serviço! – que a
    Igreja deve oferecer às pessoas e nações.14
  16. Nesta hora em que renovamos a esperança, queremos
    fazer nossas as palavras de SS. Bento XVI no início de seu Pontificado, fazendo eco a seu predecessor, o Servo de Deus, João
    Paulo II, e proclamá-las para toda a América Latina: Não temam! Abram, abram de par em par as portas a Cristo!… Quem
    14 Cf. EN 1.
    16 CELAM
    deixa Cristo entrar não perde nada, nada – absolutamente nada
    – do que faz a vida livre, bela e grande. Não! Só com esta amizade abrem-se as portas da vida. Só com esta amizade abrem-se
    realmente as grandes potencialidades da condição humana. Só
    com esta amizade experimentamos o que é belo e o que nos
    liberta… Não tenham medo de Cristo! Ele não tira nada e dá
    tudo. Quem se dá a Ele, recebe cem por um. Sim, abram, abram
    de par em par as portas a Cristo e encontrarão a verdadeira
    vida.15
  17. “Esta V Conferência Geral se celebra em continuidade
    com as outras quatro que a precederam no Rio de Janeiro, Medellín, Puebla e Santo Domingo. Com o mesmo espírito que as
    animou, os pastores querem dar agora novo impulso à evangelização, a fim de que estes povos sigam crescendo e amadurecendo
    em sua fé, para serem luz do mundo e testemunhas de Jesus
    Cristo com a própria vida”.16 Como pastores da Igreja, estamos
    conscientes de que, “depois da IV Conferência Geral, em Santo
    Domingo, muitas coisas mudaram na sociedade. A Igreja, que
    participa dos gozos e esperanças, das tristezas e alegrias de seus
    filhos, quer caminhar ao seu lado neste período de tantos desafios, para infundir-lhes sempre esperança e consolo”.17
  18. Nossa alegria, portanto, baseia-se no amor do Pai, na
    participação no mistério pascal de Jesus Cristo que, pelo Espírito Santo, nos faz passar da morte para a vida, da tristeza para
    a alegria, do absurdo para o sentido profundo da existência, do
    desalento para a esperança que não engana. Esta alegria não
    é sentimento artificialmente provocado nem estado de ânimo
    passageiro. O amor do Pai nos foi revelado em Cristo que nos
    convidou a entrar em seu reino. Ele nos ensinou a orar dizendo
    “Abba, Pai” (Rm 8,15; cf. Mt 6,9).
    15 Cf. Bento XVI, Homilia no solene início do Ministério Petrino do Bispo de Roma, 24
    de abril de 2005. 16 DI 2. 17 Ibid.
    V CONFERÊNCIA GERAL DO EPISCOPADO LATINO-AMERICANO E DO CARIBE- aparecida – DOCUMENTO FINAL 17
  19. Conhecer a Jesus Cristo pela fé é nossa alegria; segui-lo
    é uma graça, e transmitir este tesouro aos demais é uma tarefa
    que o Senhor nos confiou ao nos chamar e nos escolher. Com os
    olhos iluminados pela luz de Jesus Cristo ressuscitado, podemos
    e queremos contemplar o mundo, a história, os nossos povos da
    América Latina e do Caribe, e cada um de seus habitantes.

PRIMEIRA PARTE
A VIDA DE NOSSOS POVOS HOJE

  1. Em continuidade com as Conferências Gerais anteriores do Episcopado Latino-americano, este documento faz uso do
    método “ver, julgar e agir”. Este método implica em contemplar
    a Deus com os olhos da fé através de sua Palavra revelada e o
    contato vivificador dos Sacramentos, a fim de que, na vida cotidiana, vejamos a realidade que nos circunda à luz de sua providência e a julguemos segundo Jesus Cristo, Caminho, Verdade
    e Vida, e atuemos a partir da Igreja, Corpo Místico de Cristo e
    Sacramento universal de salvação, na propagação do Reino de
    Deus, que se semeia nesta terra e que frutifica plenamente no
    Céu. Muitas vozes, vindas de todo o Continente, ofereceram
    contribuições e sugestões nesse sentido, afirmando que este
    método tem colaborado para que vivamos mais intensamente
    nossa vocação e missão na Igreja: tem enriquecido nosso trabalho teológico e pastoral e, em geral, tem-nos motivado a assumir nossas responsabilidades diante das situações concretas de
    nosso continente. Este método nos permite articular, de modo
    sistemático, a perspectiva cristã de ver a realidade; a assunção de
    20 CELAM
    critérios que provêm da fé e da razão para seu discernimento e
    valorização com sentido crítico; e, em conseqüência, a projeção
    do agir como discípulos missionários de Jesus Cristo. A adesão
    crente, alegre e confiante em Deus Pai, Filho e Espírito Santo e a
    inserção eclesial, são pressupostos indispensáveis que garantem
    a eficácia deste método.18
    18 Cf. CELAM, Síntese das contribuições recebidas para a V Conferência Geral do Episcopado Latino-americano, 34-35.
  2. Nossa reflexão a respeito do caminho das Igrejas da
    América Latina e do Caribe tem lugar em meio a luzes e sombras de nosso tempo. Afligem-nos, mas não nos confundem, as
    grandes mudanças que experimentamos. Temos recebido dons
    incalculáveis, que nos ajudam a olhar a realidade como discípulos missionários de Jesus Cristo.
  3. A presença cotidiana e cheia de esperança de incontáveis
    peregrinos nos lembra os primeiros seguidores de Jesus Cristo
    que foram ao Jordão, onde João batizava, com a esperança de
    encontrar o Messias (cf. Mc 1,5). Eles se sentiram atraídos pela
    sabedoria das palavras de Jesus, pela bondade de seu trato e pelo
    poder de seus milagres. E pelo assombro inusitado que a pessoa de Jesus despertava, acolheram o dom da fé e vieram a ser
    discípulos de Jesus. Ao sair das trevas e das sombras de morte
    (cf. Lc 1,79), a vida deles adquiriu plenitude extraordinária: a de
    haver sido enriquecida com o dom do Pai. Viveram a história de
    seu povo e de seu tempo e passaram pelos caminhos do Império
    Romano, sem esquecer o encontro mais importante e decisivo
    de sua vida que os havia preenchido de luz, força e esperança: o
    encontro com Jesus, sua rocha, sua paz, sua vida.
  4. Assim ocorre também a nós olhar a realidade de nossos povos e de nossa Igreja, com seus valores, suas limitações,
    Capítulo I
    OS DISCÍPULOS MISSIONÁRIOS
    22 CELAM
    suas angústias e esperanças. Enquanto sofremos e nos alegramos, permanecemos no amor de Cristo, vendo nosso mundo e
    procurando discernir seus caminhos com a alegre esperança e a
    indizível gratidão de crer em Jesus Cristo. Ele é o Filho de Deus
    verdadeiro, o único Salvador da humanidade. A importância
    única e insubstituível de Cristo para nós, para a humanidade,
    consiste em que Cristo é o Caminho, a Verdade e a Vida. “Se não
    conhecemos a Deus em Cristo e com Cristo, toda a realidade se
    torna um enigma indecifrável; não há caminho e, não havendo
    caminho, não há vida nem verdade”.19 No clima cultural relativista que nos circunda se faz sempre mais importante e urgente
    enraizar e fazer amadurecer em todo o corpo eclesial a certeza de
    que Cristo, o Deus de rosto humano, é nosso verdadeiro e único
    salvador.
    1.1. Ação de graças a Deus
  5. Bendito seja Deus, Pai de nosso Senhor Jesus Cristo,
    que nos abençoou com toda sorte de bênçãos na pessoa de Cristo
    (cf. Ef 1,3). O Deus da Aliança, rico em misericórdia, nos amou
    primeiro; imerecidamente amou a cada um de nós; por isso o
    bendizemos, animados pelo Espírito Santo, Espírito vivificador,
    alma e vida da Igreja. Ele, que foi derramado em nossos corações, geme e intercede por nós e com seus dons nos fortalece em
    nosso caminho de discípulos e missionários.
  6. Bendizemos a Deus com ânimo agradecido, porque
    nos chamou para sermos instrumentos de seu reino de amor e
    vida, de justiça e paz, pelo qual tantos se sacrificaram. Ele mesmo nos encomendou a obra de suas mãos para que cuidemos
    dela e a coloquemos a serviço de todos. Agradecemos a Deus
    porque nos faz colaboradores seus para que sejamos solidários
    com sua criação pela qual somos responsáveis. Bendizemos a
    Deus que nos deu a natureza criada que é seu primeiro livro,
    19 Cf. DI 3.
    V CONFERÊNCIA GERAL DO EPISCOPADO LATINO-AMERICANO E DO CARIBE- aparecida – DOCUMENTO FINAL 23
    para que possamos conhecer a Ele e viver nela como em nossa
    casa.
    25.Damos graças aDeus que nos deu o dom da palavra, com
    a qual podemos comunicar-nos com Ele por meio de seu Filho,
    que é sua Palavra (cf. Jo 1,1), e entre nós. Damos graças a Ele que
    por seu grande amor fala a nós como a amigos (cf. Jo 15,14-15).
    Bendizemos a Deus que se nos dá na celebração da fé, especialmente na Eucaristia, pão de vida eterna. A ação de graças a Deus
    pelos numerosos e admiráveis dons que nos outorgou culmina
    com a celebração central da Igreja, que é a Eucaristia, alimento
    substancial dos discípulos e missionários. Também pelo Sacramento do Perdão que Cristo nos alcançou na cruz. Louvamos
    ao Senhor Jesus pelo presente de sua Mãe Santíssima, Mãe de
    Deus e Mãe da Igreja na América Latina e no Caribe, estrela da
    evangelização renovada, primeira discípula e grande missionária
    de nossos povos.
    26.Iluminados pelo Cristo, o sofrimento, a injustiça e a cruz
    nos desafiam a viver como Igreja samaritana (cf. Lc 10,25-37),
    recordando que “a evangelização vai unida sempre à promoção
    humana e à autêntica libertação cristã”.20 Damos graças a Deus
    e nos alegramos pela fé, solidariedade e alegria características
    de nossos povos, transmitidas ao longo do tempo pelas avós e
    avôs, as mães e pais, os catequistas, os rezadores e tantas pessoas anônimas, cuja caridade mantém viva a esperança em meio
    às injustiças e adversidades.
  7. A Bíblia mostra reiteradamente que, quando Deus criou
    o mundo com sua Palavra, expressou satisfação, dizendo que era
    “bom” (Gn 1,21), e quando criou o ser humano, homem e mulher, disse que “era muito bom” (Gn 1,31). O mundo criado por
    Deus é belo. Procedemos de um desígnio divino de sabedoria e
    amor. Mas, através do pecado essa beleza originária foi desonrada e essa bondade ferida. Deus, por nosso Senhor Jesus Cris20 DI 3.
    24 CELAM
    to em seu mistério pascal, recriou o homem fazendo-o filho e
    dando-lhe a garantia de novos céus e de uma nova terra (cf. Ap
    21,1). Levamos a imagem do primeiro Adão, mas somos chamados também, desde o princípio, a produzir a imagem de Jesus
    Cristo, novo Adão (cf. 1 Cor 15,45). A criação leva a marca do
    Criador e deseja ser libertada e “participar da gloriosa liberdade
    dos filhos de Deus” (Rm 8,21).
    1.2. A alegria de ser discípulos emissionários de JesusCristo
  8. Neste encontro, queremos expressar a alegria de sermos discípulos do Senhor e de termos sido enviados com o tesouro do Evangelho. Ser cristão não é uma carga, mas um dom:
    Deus Pai nos abençoou em Jesus Cristo seu Filho, Salvador do
    mundo.
  9. Desejamos que a alegria que recebemos no encontro
    com Jesus Cristo, a quem reconhecemos como o Filho de Deus
    encarnado e redentor, chegue a todos os homens e mulheres feridos pelas adversidades; desejamos que a alegria da boa nova do
    Reino de Deus, de Jesus Cristo vencedor do pecado e da morte,
    chegue a todos quantos jazem à beira do caminho, pedindo esmola e compaixão (cf. Lc 10,29-37; 18,25-43). A alegria do discípulo é antídoto frente a um mundo atemorizado pelo futuro e
    oprimido pela violência e pelo ódio. A alegria do discípulo não
    é um sentimento de bem-estar egoísta, mas uma certeza que
    brota da fé, que serena o coração e capacita para anunciar a boa
    nova do amor de Deus. Conhecer a Jesus é o melhor presente
    que qualquer pessoa pode receber;tê-lo encontrado foi o melhor
    que ocorreu em nossas vidas, e fazê-lo conhecido com nossa palavra e obras é nossa alegria.
    1.3. Amissão da Igreja é evangelizar
  10. A história da humanidade, história que Deus nunca
    abandona, transcorre sob seu olhar compassivo. Deus amou
    V CONFERÊNCIA GERAL DO EPISCOPADO LATINO-AMERICANO E DO CARIBE- aparecida – DOCUMENTO FINAL 25
    tanto nosso mundo que nos deu o seu Filho. Ele anuncia a boa
    nova do Reino aos pobres e aos pecadores. Por isso, nós, como
    discípulos e missionários de Jesus, queremos e devemos proclamar o Evangelho, que é o próprio Cristo. Anunciamos a nossos
    povos que Deus nos ama, que sua existência não é ameaça para
    o homem, que Ele está perto com o poder salvador e libertador
    de seu Reino, que Ele nos acompanha na tribulação, que alenta
    incessantemente nossa esperança em meio a todas as provas. Os
    cristãos somos portadores de boas novas para a humanidade,
    não profetas de desventuras.
  11. A Igreja deve cumprir sua missão seguindo os passos de
    Jesus e adotando suas atitudes (cf. Mt 9,35-36). Ele, sendo o Senhor, se fez servidor e obediente até à morte de cruz (cf. Fl 2,8);
    sendo rico, escolheu ser pobre por nós (cf. 2 Cor 8,9), ensinandonos o caminho de nossa vocação de discípulos e missionários. No
    Evangelho aprendemos a sublime lição de ser pobres seguindo a
    Jesus pobre (cf. Lc 6,20; 9,58), e a de anunciar o Evangelho da
    paz sem bolsa ou alforje, sem colocar nossa confiança no dinheiro nem no poder deste mundo (cf. Lc 10,4 ss). Na generosidade
    dos missionários se manifesta a generosidade de Deus, na gratuidade dos apóstolos aparece a gratuidade do Evangelho.
  12. No rosto de Jesus Cristo, morto e ressuscitado, maltratado por nossos pecados e glorificado pelo Pai, nesse rosto doente
    e glorioso,21 com o olhar da fé podemos ver o rosto humilhado de
    tantos homens e mulheres de nossos povos e, ao mesmo tempo,
    sua vocação à liberdade dos filhos de Deus, à plena realização de
    sua dignidade pessoal e à fraternidade entre todos. A Igreja está
    a serviço de todos os seres humanos, filhos e filhas de Deus.
    21 Cf. NMI 25 e 28.

2.1 A realidade que nos desafia como discípulos emissionários

  1. Os povos da América Latina e do Caribe vivem hoje uma
    realidade marcada por grandes mudanças que afetam profundamente suas vidas. Como discípulos de Jesus Cristo, sentimo-nos
    desafiados a discernir os “sinais dos tempos”, à luz do Espírito
    Santo, para nos colocar a serviço do Reino, anunciado por Jesus,
    que veio para que todos tenham vida e “para que a tenham em
    plenitude” (Jo 10,10).
  2. A novidade dessas mudanças, diferentemente do ocorrido em outras épocas, é que elas têm alcance global que, com diferenças e matizes, afetam o mundo inteiro. Habitualmente são
    caracterizadas como o fenômeno da globalização. Um fator determinante dessas mudanças é a ciência e a tecnologia, com sua
    capacidade de manipular geneticamente a própria vida dos seres
    vivos, e com sua capacidade de criar uma rede de comunicações
    de alcance mundial, tanto pública como privada, para interagir
    em tempo real, ou seja, com simultaneidade, não obstante as
    distâncias geográficas. Como se costuma dizer, a história se acelerou e as próprias mudanças se tornam vertiginosas, visto que
    se comunica com grande velocidade a todos os cantos do planeta.
    Capítulo II
    OLHAR DOS DISCÍPULOS MISSIONÁRIOS
    SOBRE A REALIDADE
    28 CELAM
  3. Essa nova escala mundial do fenômeno humano traz
    conseqüências em todos os campos de atividade da vida social,
    impactando a cultura, a economia, a política, as ciências, a educação, o esporte, as artes e também, naturalmente, a religião.
    Interessa-nos, como pastores da Igreja, saber como esse fenômeno afeta a vida de nossos povos e o sentido religioso e ético
    de nossos irmãos que buscam infatigavelmente o rosto de Deus,
    e que, no entanto, devem fazê-lo agora desafiados por novas linguagens do domínio técnico, que nem sempre revelam, mas que
    também ocultam o sentido divino da vida humana redimida em
    Cristo. Sem uma clara percepção do mistério de Deus, torna-se
    opaco também o desígnio amoroso e paternal de uma vida digna
    para todos os seres humanos.
  4. Nesse novo contexto social, a realidade para o ser humano se tornou cada vez mais sem brilho e complexa. Isso quer
    dizer que qualquer pessoa individual necessita sempre mais informação, se deseja exercer sobre a realidade o senhorio a que,
    por vocação, está chamada. Isso nos tem ensinado a olhar a
    rea­lidade com mais humildade, sabendo que ela é maior e mais
    complexa que as simplificações com que costumávamos vê-la
    em passado ainda não muito distante e que, em muitos casos,
    introduziram conflitos na sociedade, deixando muitas feridas
    que ainda não chegaram a cicatrizar. Também se tornou difícil
    perceber a unidade de todos os fragmentos dispersos que resultam da informação que reunimos. É freqüente que alguns queiram olhar a realidade unilateralmente a partir da informação
    econômica, outros a partir da informação política ou científica,
    outros a partir do entretenimento ou do espetáculo. No entanto, nenhum desses critérios parciais consegue propor-nos um
    significado coerente para tudo o que existe. Quando as pes­soas
    percebem essa fragmentação e limitação, costumam sentir-se
    frustradas, ansiosas, angustiadas. A realidade social parece
    muito grande para uma consciência que, levando em consideração sua falta de saber e informação, facilmente se crê insignificante, sem ingerência alguma nos acontecimentos, mesmo
    V CONFERÊNCIA GERAL DO EPISCOPADO LATINO-AMERICANO E DO CARIBE- aparecida – DOCUMENTO FINAL 29
    quando soma sua voz a outras vozes que procuram ajudar-se
    reciprocamente.
  5. Essa é a razão pela qual muitos estudiosos de nossa época sustentam que a realidade traz inseparavelmente uma crise
    do sentido. Eles não se referem aos múltiplos sentidos parciais
    que cada um pode encontrar nas ações cotidianas que realiza,
    mas ao sentido que dá unidade a tudo o que existe e nos sucede
    na experiência, e que os cristãos chamam de sentido religioso.
    Habitualmente, este sentido se coloca à nossa disposição através de nossas tradições culturais que representam a hipótese de
    realidade com que cada ser humano pode olhar o mundo em que
    vive. Em nossa cultura latino-americana e caribenha conhecemos o papel tão nobre e orientador que a religiosidade popular
    desempenha, especialmente a devoção mariana, que contribuiu
    para nos tornar mais conscientes de nossa comum condição de
    filhos de Deus e de nossa comum dignidade perante seus olhos,
    não obstante as diferenças sociais, étnicas ou de qualquer outro
    tipo.
  6. No entanto, devemos admitir que essa preciosa tradição
    começa a diluir-se. A maioria dos meios de comunicação de massa nos apresentam agora novas imagens, atrativas e cheias de
    fantasia. Ainda que todos saibam que elas não podem mostrar
    o sentido unitário de todos os fatores da realidade, oferecem ao
    menos o consolo de ser transmitidas em tempo real, ao vivo e
    diretamente, com atualidade. Longe de preencher o vazio produzido em nossa consciência pela falta de um sentido unitário da
    vida, em muitas ocasiões a informação transmitida pelos meios
    só nos distrai. A falta de informação só se resolve com mais informação, retro-alimentando a ansiedade de quem percebe que
    está em um mundo opaco e que não compreende.
  7. Esse fenômeno talvez explique um dos fatos mais desconcertantes e originais que vivemos no presente. Nossas tradições culturais já não se transmitem de uma geração à outra com
    a mesma fluidez que no passado. Isso afeta, inclusive, esse nú-
    30 CELAM
    cleo mais profundo de cada cultura, constituído pela experiência
    religiosa, que se torna agora igualmente difícil de ser transmitido através da educação e da beleza das expressões culturais, alcançando inclusive a própria família que, como lugar do diálogo
    e da solidariedade inter-geracional, havia sido um dos veículos
    mais importantes da transmissão da fé. Os meios de comunicação invadiram todos os espaços e todas as conversas, introduzindo-se também na intimidade do lar. Ao lado da sabedoria das
    tradições, localizam-se agora, em competição, a informação de
    último minuto, a distração, o entretenimento, as imagens dos
    vencedores que souberam usar a seu favor as ferramentas tecnológicas e as expectativas de prestígio e estima social. Isso faz
    com que as pessoas busquem denodadamente uma experiência
    de sentido que preencha as exigências de sua vocação, ali onde
    nunca poderão encontrá-la.
  8. Entre os pressupostos que enfraquecem e menosprezam a vida familiar, encontramos a ideologia de gênero, segundo
    a qual cada um pode escolher sua orientação sexual, sem levar
    em consideração as diferenças dadas pela natureza humana. Isso
    tem provocado modificações legais que ferem gravemente a dignidade do matrimônio, o respeito ao direito à vida e a identidade
    da família.22
  9. Por essa razão, os cristãos precisam recomeçar a partir de Cristo, a partir da contemplação de quem nos revelou em
    seu mistério a plenitude do cumprimento da vocação humana e
    de seu sentido. Necessitamos fazer-nos discípulos dóceis, para
    aprendermos dEle, em seu seguimento, a dignidade e a plenitude da vida. E necessitamos, ao mesmo tempo, que o zelo missionário nos consuma para levar ao coração da cultura de nosso
    tempo aquele sentido unitário e completo da vida humana que
    22 Cf. Congregação para a Doutrina da Fé, Carta aos Bispos da Igreja Católica sobre a colaboração do homem e da mulher na Igreja e no mundo, n, 2, 31 de maio de 2004, que cita o Pontifício Conselho para a Família, Família, matrimônio e “uniões de fato”, n. 8, 21 de novembro
    de 2000.
    V CONFERÊNCIA GERAL DO EPISCOPADO LATINO-AMERICANO E DO CARIBE- aparecida – DOCUMENTO FINAL 31
    nem a ciência, nem a política, nem a economia nem os meios
    de comunicação poderão proporcionar-lhe. Em Cristo Palavra,
    Sabedoria de Deus (cf. 1 Cor 1,30), a cultura pode voltar a encontrar seu centro e sua profundidade, a partir de onde é possível
    olhar a realidade no conjunto de todos seus fatores, discernindoos à luz do Evangelho e dando a cada um seu lugar e sua dimensão adequada.
  10. Como nos disse o Papa em seu discurso inaugural: “só
    quem reconhece a Deus, conhece a realidade e pode responder a
    ela de modo adequado e realmente humano”.23 A sociedade que
    coordena suas atividades só mediante múltiplas informações,
    acredita que pode agir de fato como se Deus não existisse. Mas a
    eficácia dos procedimentos conseguida mediante a informação,
    ainda que com as tecnologias mais desenvolvidas, não consegue
    satisfazer o desejo de dignidade inscrito no mais profundo da
    vocação humana. Porisso, não basta supor que a mera diversidade de pontos de vista, de opções e, finalmente, de informações,
    que costuma receber o nome de pluri ou multiculturalidade, resolverá a ausência de um significado unitário para tudo o que
    existe. A pessoa humana é, em sua própria essência, o lugar da
    natureza para onde converge a variedade dos significados em
    uma única vocação de sentido. As pessoas não se assustam com
    a diversidade. O que de fato as assusta é não conseguirem reunir
    o conjunto de todos esses significados da realidade em uma compreensão unitária que lhes permita exercer sua liberdade com
    discernimento e responsabilidade. A pessoa sempre procura a
    verdade de seu ser, visto que é esta verdade que ilumina a realidade de tal modo que possa nela se desenvolver com liberdade e
    alegria, com prazer e esperança.
    2.1.1 Situação sócio-cultural
  11. Portanto, a realidade social que em sua dinâmica atual
    descrevemos com a palavra globalização, antes que qualquer ou23 DI 3.
    32 CELAM
    tra dimensão, impacta a nossa cultura e o modo como nos inserimos e nos apropriamos dela. A variedade e riqueza das culturas latino-americanas, desde as mais originárias até aquelas que
    com a passagem da história e a mestiçagem de seus povos foram
    se sedimentando nas nações, nas famílias, nos grupos sociais,
    nas instituições educativas e na convivência cívica, constitui um
    dado bastante evidente para nós e que valorizamos como riqueza singular. O que hoje em dia está em jogo não é a diversidade
    que os meios de comunicação são capazes de individualizar e registrar. O que ninguém esquece é, pelo contrário, a possibilidade de que essa diversidade possa convergir em uma síntese que,
    envolvendo a variedade de sentidos, seja capaz de projetá-la em
    um destino histórico comum. Nisso reside o valor incomparável do ânimo mariano de nossa religiosidade popular que, sob
    distintos nomes, tem sido capaz de fundir as diversas histórias
    latino-americanas em uma história compartilhada: aquela que
    conduz a Cristo, Senhor da vida, em quem se realiza a mais alta
    dignidade de nossa vocação humana.
  12. Vivemos uma mudança de época, e seu nível mais profundo é o cultural. Dissolve-se a concepção integral do ser humano, sua relação com o mundo e com Deus; “aqui está precisamente o grande erro das tendências dominantes do último
    século… Quem exclui Deus de seu horizonte, falsifica o conceito
    da realidade e só pode terminar em caminhos equivocados e com
    receitas destrutivas.24 Surge hoje, com grande força, uma sobrevalorização da subjetividade individual. Independentemente de
    sua forma, a liberdade e a dignidade da pessoa são reconhecidas.
    O individualismo enfraquece os vínculos comunitários e propõe
    uma radical transformação do tempo e do espaço, dando papel
    primordial à imaginação. Os fenômenos sociais, econômicos e
    tecnológicos estão na base da profunda vivência do tempo, o
    qual se concebe fixado no próprio presente, trazendo concepções de inconsistência e instabilidade. Deixa-se de lado a preo24 Ibid.
    V CONFERÊNCIA GERAL DO EPISCOPADO LATINO-AMERICANO E DO CARIBE- aparecida – DOCUMENTO FINAL 33
    cupação pelo bem comum para dar lugar à realização imediata
    dos desejos dos indivíduos, à criação de novos e muitas vezes
    arbitrários direitos individuais, aos problemas da sexualidade,
    da família, das enfermidades e da morte.
  13. A ciência e a técnica quando colocadas exclusivamente a serviço do mercado, com os critérios únicos da eficácia, da
    rentabilidade e do funcional, criam uma nova visão da realidade.
    A utilização dos meios de comunicação de massa está introduzindo na sociedade um sentido estético, uma visão a respeito
    da felicidade, uma percepção da realidade e até uma linguagem,
    que querem impor-se como autêntica cultura. Desse modo, termina-se por destruir o que de verdadeiramente humano há nos
    processos de construção cultural, que nascem do intercâmbio
    pessoal e coletivo.
  14. Verifica-se, em nível massivo, uma espécie de nova colonização cultural pela imposição de culturas artificiais, desprezando as culturas locais e com tendências a impor uma cultura
    homogeneizada em todos os setores. Essa cultura se caracteriza
    pela auto-referência do indivíduo, que conduz à indiferença pelo
    outro, de quem não necessita e por quem não se sente responsável. Prefere-se viver o dia-a-dia, sem programas a longo prazo
    nem apegos pessoais, familiares e comunitários. As relações humanas estão sendo consideradas objetos de consumo, conduzindo a relações afetivas sem compromisso responsável e definitivo.
  15. Também se verifica uma tendência para a afirmação
    exasperada de direitos individuais e subjetivos. Essa busca é
    pragmática e imediatista, sem preocupação com critérios éticos.
    A afirmação dos direitos individuais e subjetivos, sem um esforço semelhante para garantir os direitos sociais culturais e solidários, resulta em prejuízo da dignidade de todos, especialmente
    daqueles que são mais pobres e vulneráveis.
  16. Nesta hora da América Latina e do Caribe, é imperativo tomar consciência da situação precária que afeta a dignidade
    34 CELAM
    de muitas mulheres. Algumas, desde crianças e adolescentes,
    são submetidas a múltiplas formas de violência dentro e fora de
    casa: tráfico, violação, escravização e assédio sexual; desigualdades na esfera do trabalho, da política e da economia; exploração
    publicitária por parte de muitos meios de comunicação social
    que as tratam como objeto de lucro.
  17. As mudanças culturais modificaram os papéis tradicionais de homens e mulheres, que procuram desenvolver novas atitudes e estilos de suas respectivas identidades, potencializando todas as suas dimensões humanas na convivência
    cotidiana, na família e na sociedade, às vezes por vias equivocadas.
  18. A avidez do mercado descontrola o desejo de crianças, jovens e adultos. A publicidade conduz ilusoriamente a
    mundos distantes e maravilhosos, onde todo desejo pode ser
    satisfeito pelos produtos que têm caráter eficaz, efêmero e até
    messiânico. Legitima-se que os desejos se tornem felicidade.
    Como só se necessita do imediato, a felicidade se pretende alcançar através do bem-estar econômico e da satisfação hedonista.
  19. As novas gerações são as mais afetadas por essa cultura
    do consumo em suas aspirações pessoais profundas. Crescem
    na lógica do individualismo pragmático e narcisista, que desperta nelas mundos imaginários especiais de liberdade e igualdade. Afirmam o presente porque o passado perdeu relevância
    diante de tantas exclusões sociais, políticas e econômicas. Para
    elas o futuro é incerto. Assim mesmo, participam da lógica da
    vida como espetáculo, considerando o corpo como ponto de
    referência de sua realidade presente. Têm nova atração pelas
    sensações e crescem na grande maioria sem referência aos valores e instâncias religiosas. Em meio à realidade de mudança
    cultural, emergem novos sujeitos, com novos estilos de vida,
    maneiras de pensar, de sentir, de perceber e com novas formas
    de se relacionar. São produtores e atores da nova cultura.
    V CONFERÊNCIA GERAL DO EPISCOPADO LATINO-AMERICANO E DO CARIBE- aparecida – DOCUMENTO FINAL 35
  20. Entre os aspectos positivos dessa mudança cultural
    aparece o valor fundamental da pessoa, de sua consciência e experiência, a busca do sentido da vida e da transcendência. Para
    dar resposta à busca mais profunda do significado da vida, o fracasso das ideologias dominantes permitiu que a simplicidade e o
    reconhecimento do fraco e do pequeno na existência surgissem
    como valor, com grande capacidade e potencial que não podem
    ser desvalorizados. Essa ênfase na apreciação da pessoa abre novos horizontes, onde a tradição cristã adquire renovado valor,
    sobretudo quando a pessoa se reconhece no Verbo encarnado
    que nasce em um estábulo e assume uma condição humilde, de
    pobre.
  21. A necessidade de construir o próprio destino e o desejo de encontrar razões para a existência podem colocar em movimento o desejo de se encontrar com outros e compartilhar o
    vivido, como maneira de dar a si uma resposta. Trata-se de uma
    afirmação da liberdade pessoal e, por isso, da necessidade de
    questionar em profundidade as próprias convicções e opções.
  22. Porém, junto com a ênfase na responsabilidade individual em meio a sociedades que promovem o acesso aos bens
    através dos meios, paradoxalmente, se nega às grandes maiorias
    o acesso aos mesmos bens que constituem elementos básicos e
    essenciais para viverem como pessoas.
  23. A ênfase na experiência pessoal e no vivencial nos leva
    a considerar o testemunho como componente chave na vivência
    da fé. Os fatos são valorizados quando são significativos para a
    pessoa. Na linguagem testemunhal podemos encontrar um ponto de contato com as pessoas que compõem a sociedade e delas
    entre si.
  24. Por outro lado, a riqueza e a diversidade cultural dos
    povos da América Latina e do Caribe se tornam evidentes. Existem em nossa região diversas culturas indígenas, afro-americanas, mestiças, camponesas, urbanas e suburbanas. As culturas
    36 CELAM
    indígenas se caracterizam sobretudo por seu apego profundo à
    terra, pela vida comunitária e por uma certa procura de Deus.
    Os afro-americanos se caracterizam, entre outros elementos,
    pela expressividade corporal, o enraizamento familiar e o sentido de Deus. A cultura camponesa se relaciona ao ciclo agrário. A cultura mestiça, que é a mais extensa entre muitos povos
    da região, tem buscado em meio às contradições sintetizar ao
    longo da história essas múltiplas fontes culturais originárias,
    facilitando o diálogo das respectivas cosmovisões e permitindo
    sua convergência em uma história compartilhada. A essa complexidade cultural se deveria acrescentar também a de tantos
    imigrantes europeus que se estabeleceram nos países de nossa
    região.
  25. Essas culturas coexistem em condições desiguais com
    a chamada cultura globalizada. Elas exigem reconhecimento e
    oferecem valores que constituem uma resposta aos anti-valores
    da cultura que se impõem através dos meios de comunicação
    de massas: comunitarismo, valorização da família, abertura à
    transcendência e solidariedade. Essas culturas são dinâmicas e
    estão em interação permanente entre si e com as diferentes propostas culturais.
  26. A cultura urbana é híbrida, dinâmica e mutável, pois
    amalgama múltiplas formas, valores e estilos de vida e afeta todas as coletividades. A cultura suburbana é fruto de grandes migrações de população, em sua maioria pobre, que se estabeleceu
    ao redor das cidades nos cinturões de miséria. Nessas culturas
    os problemas de identidade e pertença, relação, espaço vital e lar
    são cada vez mais complexos.
  27. Existem também comunidades de migrantes que deixaram as culturas e tradições trazidas de suas terras de origem,
    sejam cristãs ou de outras religiões. Por sua vez, essa diversidade inclui comunidades que se foram formando com a chegada
    de diferentes denominações cristãs e outros grupos religiosos.
    Assumir a diversidade cultural, que é imperativo do momento,
    V CONFERÊNCIA GERAL DO EPISCOPADO LATINO-AMERICANO E DO CARIBE- aparecida – DOCUMENTO FINAL 37
    envolve superar os discursos que pretendem uniformizar a cultura, com enfoques baseados em modelos únicos.
    2.1.2 Situação econômica
  28. O Papa, em seu Discurso Inaugural, vê a globalização
    como um fenômeno “de relações de nível planetário”, considerando-o “uma conquista da família humana”, porque favorece o
    acesso a novas tecnologias, mercados e finanças. As altas taxas
    de crescimento de nossa economia regional e, particularmente,
    seu desenvolvimento urbano, não seriam possíveis sem a abertura ao comércio internacional, sem acesso às tecnologias de última geração, sem a participação de nossos cientistas e técnicos
    no desenvolvimento internacional do conhecimento e sem o alto
    investimento registrado nos meios eletrônicos de comunicação.
    Tudo isso leva também consigo o surgimento de uma classe média tecnologicamente letrada. Ao mesmo tempo, a globalização
    se manifesta como a profunda aspiração do gênero humano à
    unidade. Não obstante esses avanços, o Papa também assinala
    que a globalização “comporta o risco dos grandes monopólios
    e de converter o lucro em valor supremo”. Por isso, Bento XVI
    enfatiza que “como em todos os campos da atividade humana,
    a globalização deve reger-se também pela ética, colocando tudo
    a serviço da pessoa humana, criada à imagem e semelhança de
    Deus”.25
  29. A globalização é um fenômeno complexo que possui
    diversas dimensões (econômicas, políticas, culturais, comunicacionais, etc). Para sua justa valorização, é necessária uma
    compreensão analítica e diferenciada que permita detectar tanto seus aspectos positivos quanto os negativos. Lamentavelmente, a face mais difundida e de êxito da globalização é sua
    dimensão econômica, que se sobrepõe e condiciona as outras
    dimensões da vida humana. Na globalização, a dinâmica do
    mercado absolutiza com facilidade a eficácia e a produtividade
    25 DI 2.
    38 CELAM
    como valores reguladores de todas as relações humanas. Esse
    caráter peculiar faz da globalização um processo promotor de
    iniqüidades e injustiças múltiplas. A globalização, tal como está
    configurada atualmente, não é capaz de interpretar e reagir em
    função de valores objetivos que se encontram além do mercado
    e que constituem o mais importante da vida humana: a verdade, a justiça, o amor, e muito especialmente a dignidade e os
    direitos de todos, inclusive daqueles que vivem à margem do
    próprio mercado.
  30. Conduzida por uma tendência que privilegia o lucro
    e estimula a concorrência, a globalização segue uma dinâmica de concentração de poder e de riqueza em mãos de poucos.
    Concentração não só dos recursos físicos e monetários, mas sobretudo da informação e dos recursos humanos, o que produz
    a exclusão de todos aqueles não suficientemente capacitados e
    informados, aumentando as desigualdades que marcam tristemente nosso continente e que mantêm na pobreza uma multidão de pessoas. O que existe hoje é a pobreza de conhecimento
    e do uso e acesso a novas tecnologias. Por isso, é necessário que
    os empresários assumam sua responsabilidade de criar mais
    fontes de trabalho e de investir na superação dessa nova pobreza.
  31. Não se pode negar que o predomínio dessa tendência
    não elimina a possibilidade de se formarem pequenas e médias
    empresas. Elas se associam ao dinamismo exportador da economia, prestam-lhe serviços colaterais ou aproveitam nichos
    específicos do mercado interno. No entanto, sua fragilidade econômica e financeira e a pequena escala em que se desenvolvem,
    as tornam extremamente vulneráveis frente às taxas de juros,
    ao risco do câmbio, aos custos previsíveis e à variação nos preços
    de seus insumos. A debilidade dessas empresas se associa à precariedade do emprego que estão em condições de oferecer. Sem
    uma política de proteção específica dos Estados frente a elas,
    corre-se o risco de que as economias de escala dos grandes con-
    V CONFERÊNCIA GERAL DO EPISCOPADO LATINO-AMERICANO E DO CARIBE- aparecida – DOCUMENTO FINAL 39
    sórcios termine por se impor como única forma determinante
    do dinamismo econômico.
  32. Por isso, frente a essa forma de globalização, sentimos
    forte chamado para promover uma globalização diferente, que
    esteja marcada pela solidariedade, pela justiça e pelo respeito
    aos direitos humanos, fazendo da América Latina e do Caribe
    não só o Continente da esperança, mas também o Continente do
    amor, como propôs SS. Bento XVI no Discurso Inaugural desta
    Conferência.
  33. Isso nos deveria levar a contemplar os rostos daqueles
    que sofrem. Entre eles, estão as comunidades indígenas e afroamericanas que, em muitas ocasiões, não são tratadas com dignidade e igualdade de condições; muitas mulheres são excluí­das,
    em razão de seu sexo, raça ou situação sócio-econômica; jovens
    que recebem uma educação de baixa qualidade e não têm oportunidades de progredir em seus estudos nem de entrar no mercado de trabalho para se desenvolver e constituir uma família;
    muitos pobres, desempregados, migrantes, deslocados, agricultores sem terra, aqueles que procuram sobreviver na economia
    informal; meninos e meninas submetidos à prostituição infantil,
    ligada muitas vezes ao turismo sexual; também as crianças vítimas do aborto. Milhões de pessoas e famílias vivem na miséria
    e inclusive passam fome. Preocupam-nos também os dependentes das drogas, as pessoas com limitações físicas, os portadores
    e vítimas de enfermidades graves como a malária, a tuberculose
    e HIV–AIDS, que sofrem a solidão e se vêem excluí­dos da convivência familiar e social. Não esquecemos também os seqüestrados e os que são vítimas da violência, do terrorismo, de conflitos
    armados e da insegurança na cidade. Também os anciãos que,
    além de se sentirem excluídos do sistema produtivo, vêem-se
    muitas vezes recusados por sua família como pessoas incômodas e inúteis. Sentimos as dores, enfim, da situação desumana
    em que vive a grande maioria dos presos, que também necessitam de nossa presença solidária e de nossa ajuda fraterna. Uma
    40 CELAM
    globalização sem solidariedade afeta negativamente os setores
    mais pobres. Já não se trata simplesmente do fenômeno da exploração e opressão, mas de algo novo: a exclusão social. Com
    ela a pertença à sociedade na qual se vive fica afetada na raiz,
    pois já não está abaixo, na periferia ou sem poder, mas está fora.
    Os excluídos não são somente “explorados”, mas “supér­fluos” e
    “descartáveis”.
  34. As instituições financeiras e as empresas transnacionais
    se fortalecem ao ponto de subordinar as economias locais, sobretudo debilitando os Estados, que aparecem cada vez mais impotentes para levar adiante projetos de desenvolvimento a serviço
    de suas populações, especialmente quando se trata de investimentos de longo prazo e sem retorno imediato. As indústrias
    extrativistas internacionais e a agroindústria, muitas vezes, não
    respeitam os direitos econômicos, sociais, culturais e ambientais
    das populações locais e não assumem suas responsabilidades.
    Com muita freqüência mse subordina a preservação da natureza ao desenvolvimento econômico, com danos à biodiversidade,
    com o esgotamento das reservas de água e de outros recursos
    naturais, com a contaminação do ar e a mudança climática. As
    possibilidades e eventuais problemas da produção de agrocombustíveis devem ser estudadas, de tal maneira que prevaleça o
    valor da pessoa humana e de suas necessidades de sobrevivência. A América Latina possui os aqüíferos mais abundantes do
    planeta, junto com grandes extensões de território selvagem,
    que são pulmões da humanidade. Assim se dão gratuitamente
    ao mundo serviços ambientais que não são reconhecidos economicamente. A região se vê afetada pelo aquecimento da terra e a
    mudança climática provocada principalmente pelo estilo de vida
    não sustentável dos países industrializados.
  35. A globalização tem celebrado freqüentes Tratados de
    Livre Comércio entre países com economias assimétricas, que
    nem sempre beneficiam os países mais pobres. Ao mesmo tempo, pressiona-se aos países da região com exigências desmedidas
    V CONFERÊNCIA GERAL DO EPISCOPADO LATINO-AMERICANO E DO CARIBE- aparecida – DOCUMENTO FINAL 41
    em matéria de propriedade intelectual, a tal ponto que se permitem direitos de patente sobre a vida em todas as suas formas.
    Além disso, a utilização de organismos geneticamente manipulados tem mostrado quê nem sempre a globalização contribui
    para o combate contra a fome, nem para o desenvolvimento rural sustentável.
  36. Ainda que se tenha progredido muitíssimo no controle da inflação e na estabilidade macro-econômica dos países da
    região, muitos governos se encontram severamente limitados
    para o financiamento de seu orçamento público pelos elevados
    serviços da dívida externa26 e interna, enquanto, por outro lado,
    não contam com sistemas tributários verdadeiramente eficientes, progressivos e eqüitativos.
  37. A atual concentração de renda e riqueza acontece principalmente pelos mecanismos do sistema financeiro. A liberdade concedida aos investimentos financeiros favorecem o capital
    especulativo, que não tem incentivos para fazer investimentos
    produtivos de longo prazo, mas busca o lucro imediato nos negócios com títulos públicos, moedas e derivados. No entanto,
    segundo a Doutrina Social da Igreja, “o objeto da economia é a
    formação da riqueza e seu incremento progressivo, em termos
    não só quantitativos, mas qualitativos: tudo é moralmente correto se está orientado para o desenvolvimento global e solidário
    do homem e da sociedade na qual vive e trabalha. O desenvolvimento, na verdade, não se pode reduzir a mero processo de
    acumulação de bens e serviços. Ao contrário, a pura acumulação,
    ainda que para o bem comum, não é condição suficiente para a
    realização de uma autêntica felicidade humana”.27 A empresa é
    chamada a prestar uma contribuição maior na sociedade, assumindo a chamada responsabilidade social-empresarial, a partir
    dessa perspectiva.
    26 Cf. TMA 51; Bento XVI, Carta à Chanceler da República Federal da Alemanha, Ângela
    Merkel, 12 de dezembro de 2006. 27 Compêndio da Doutrina Social da Igreja, 334.
    42 CELAM
  38. É também alarmante o nível de corrupção nas economias, envolvendo tanto o setor público quanto o setor privado,
    ao que se soma notável falta de transparência e prestação de
    contas à cidadania. Em muitas ocasiões, a corrupção está vinculada ao flagelo do narcotráfico ou do narconegócio, e por outro
    lado vem destruindo o tecido social e econômico em regiões inteiras.
  39. A população economicamente ativa da região é afetada
    pelo subemprego (42%) e pelo desemprego (9%), e quase a metade está empregada no trabalho informal. O trabalho formal, por
    sua vez, se vê submetido à precariedade das condições de emprego e à pressão constante da subcontratação, que traz consigo
    salários mais baixos e falta de proteção na área da seguridade
    social, não permitindo a muitos o desenvolvimento de uma vida
    digna. Nesse contexto, os sindicatos perdem a possibilidade de
    defender os direitos dos trabalhadores. Por outro lado, é possível destacar fenômenos positivos e criativos para enfrentar tal
    situação por parte dos afetados, que vêm estimulando diversas
    experiências, como por exemplo micro-finanças, economia local
    e solidária e comércio justo.
  40. Os homens do campo, em sua maioria, sofrem por causa da pobreza, agravada por não terem acesso à terra própria.
    No entanto, existem grandes latifúndios em mãos de poucos.
    Em alguns países, essa situação tem levado a população a exigir
    uma Reforma Agrária, estando atentos aos males que lhes podem ocasionar os Tratados de Livre Comércio, a manipulação da
    droga e outros fatores.
  41. Um dos fenômenos mais importantes em nossos países
    é o processo de mobilidade humana, em sua dupla expressão de
    migração e itinerância, em que milhões de pessoas migram ou se
    vêem forçadas a migrar dentro e fora de seus respectivos paí­ses.
    As causas são diversas e estão relacionadas com a situação econômica, a violência em suas diversas formas, a pobreza que afeta
    as pessoas e a falta de oportunidades para a pesquisa e o de-
    V CONFERÊNCIA GERAL DO EPISCOPADO LATINO-AMERICANO E DO CARIBE- aparecida – DOCUMENTO FINAL 43
    senvolvimento profissional. Em muitos casos, as conseqüências
    são de enorme gravidade em nível pessoal, familiar e cultural. A
    perda do capital humano de milhões de pessoas, de profissionais
    qualificados, de pesquisadores e amplos setores camponeses, vai
    nos empobrecendo cada vez mais. A exploração do trabalho chega, em alguns casos, a gerar condições de verdadeira escravidão.
    Acontece também um vergonhoso tráfico de pessoas, que inclui
    a prostituição, inclusive de menores. Merece especial menção a
    situação dos refugiados, que questiona a capacidade de acolhida
    da sociedade e das igrejas. Por outro lado, no entanto, a remessa
    de divisas dos emigrados a seus países de origem se tem tornado uma importante e, às vezes, insubstituível fonte de recursos
    para diversos países da região, ajudando o bem-estar e a mobilidade social ascendente daqueles que conseguem participar com
    êxito nesse processo.
    2.1.3 Dimensão sócio-política
  42. Constatamos um certo progresso democrático que se
    demonstra em diversos processos eleitorais. No entanto, vemos com preocupação o acelerado avanço de diversas formas
    de regressão autoritária por via democrática que, em certas
    ocasiões, resultam em regimes de corte neo-populista. Isso
    indica que não basta uma democracia puramente formal, fundada em procedimentos eleitorais honestos, mas que é necessária uma democracia participativa e baseada na promoção e
    respeito dos direitos humanos. Uma democracia sem valores
    como os mencionados torna-se facilmente ditadura e termina
    traindo o povo.
  43. Com a presença da Sociedade Civil assumindo uma
    atitude mais protagonista e a irrupção de novos atores sociais
    como os indígenas, os afro-americanos, as mulheres, os profissionais, uma extensa classe média e os setores marginalizados
    organizados, vem se fortalecendo a democracia participativa
    e estão se criando maiores espaços de participação política.
    Esses grupos estão tomando consciência do poder que têm
    44 CELAM
    nas mãos e da possibilidade de gerarem mudanças importantes para a conquista de políticas públicas mais justas, que
    revertam sua situação de exclusão. Nesse plano, percebe-se
    também uma crescente influência de organismos das Nações
    Unidas e de Organizações Não-Governamentais de caráter internacional, que nem sempre ajustam suas recomendações a
    critérios éticos. Não faltam também atuações que radicalizam
    as posições, fomentam a conflitividade e a polarização extremas e colocam esse potencial a serviço de interesses alheios
    aos seus, o que ao final pode frustrar e reverter negativamente
    suas esperanças.
  44. Depois de uma época de enfraquecimento dos Estados
    devido à aplicação de ajustes estruturais na economia, por recomendação de organismos financeiros internacionais, vê-se
    atualmente com bons olhos um esforço dos Estados em definir
    e aplicar políticas públicas nos campos da saúde, educação, seguridade alimentar, previdência social, acesso à terra e à moradia,
    promoção eficaz da economia para a criação de empregos e leis
    que favorecem as organizações solidárias. Tudo isso mostra que
    não pode existir democracia verdadeira e estável sem justiça social, sem divisão real de poderes e sem a vigência do Estado de
    direito.28
  45. Cabe assinalar, como grande fator negativo em boa
    parte da região, o recrudescimento da corrupção na sociedade e
    no Estado, envolvendo os poderes legislativos e executivos em
    todos os níveis, alcançando também o sistema judiciário que,
    muitas vezes, inclina seu juízo a favor dos poderosos e gera impunidade, o que coloca em sério risco a credibilidade das instituições públicas e aumenta a desconfiança do povo, fenômeno
    que se une a um profundo desprezo pela legalidade. Em amplos
    setores da população, e especialmente entre os jovens, cresce
    o desencanto pela política e particularmente pela democracia,
    28 Cf. EAm 56.
    V CONFERÊNCIA GERAL DO EPISCOPADO LATINO-AMERICANO E DO CARIBE- aparecida – DOCUMENTO FINAL 45
    pois as promessas de uma vida melhor e mais justa não se cumpriram ou se cumpriram só pela metade. Nesse sentido, esquece-se de que a democracia e a participação política são fruto da
    formação que se faz realidade somente quando os cidadãos são
    conscientes de seus direitos fundamentais e de seus deveres
    correspondentes.
  46. A vida social em convivência harmônica e pacífica está
    se deteriorando gravemente em muitos países da América Latina e do Caribe pelo crescimento da violência, que se manifesta em roubos, assaltos, seqüestros, e o que é mais grave, em
    assassinatos que a cada dia destroem mais vidas humanas e
    enchem de dor as famílias e a sociedade inteira. A violência se
    reveste de várias formas e tem diversos agentes: o crime organizado e o narcotráfico, grupos paramilitares, violência comum sobretudo na periferia das grandes cidades, violência de
    grupos juvenis e crescente violência intra-familiar. Suas causas
    são múltiplas: a idolatria do dinheiro, o avanço de uma ideologia individualista e utilitarista, a falta de respeito pela dignidade de cada pessoa, a deterioração do tecido social, a corrupção
    inclusive nas forças da ordem e a falta de políticas públicas de
    eqüidade social.
  47. Alguns parlamentos ou assembléias legislativas aprovam leis injustas contra os direitos humanos e a vontade popular, precisamente por não estarem perto de seus representados,
    nem saberem escutar e dialogar com os cidadãos, mas também
    por ignorância, por falta de acompanhamento e porque muitos
    cidadãos abdicam de seu dever de participar na vida pública.
  48. Em alguns países tem aumentado a repressão, a violação dos direitos humanos, inclusive o direito à liberdade religiosa, a liberdade de expressão e a liberdade de ensino, assim como
    o desprezo à objeção de consciência.
  49. Ainda que alguns países tenham conseguido acordos de
    paz superando dessa forma conflitos antigos, em outros conti-
    46 CELAM
    nua a luta armada com todas as suas seqüelas (mortes violentas,
    violações dos Direitos Humanos, ameaças, crianças na guerra,
    seqüestros etc.), sem que se possam prever soluções a curto prazo. A influência do narconegócio nesses grupos dificulta ainda
    mais as possíveis soluções.
  50. Na América Latina e no Caribe vê-se com bons olhos
    uma crescente vontade de integração regional mediante acordos multilaterais, envolvendo crescente número de países que
    geram suas próprias regras no campo do comércio, dos serviços
    e das patentes. À origem comum unem-se a cultura, a língua e a
    religião, que podem contribuir para que a integração não seja só
    de mercados, mas de instituições civis e sobretudo de pessoas.
    Também é positiva a globalização da justiça, no campo dos direitos humanos e dos crimes contra a humanidade, que permitirá
    a todos viver progressivamente sob normas iguais chamadas a
    proteger sua dignidade, sua integridade e sua vida.
    2.1.4 Biodiversidade, ecologia, Amazônia e Antártida
  51. A América Latina é o Continente que possui uma das
    maiores biodiversidades do planeta e uma rica sócio-diversidade, representada por seus povos e culturas. Estes possuem grande acervo de conhecimentos tradicionais sobre a utilização dos
    recursos naturais, assim como sobre o valor medicinal de plantas e outros organismos vivos, muitos dos quais formam a base
    de sua economia. Tais conhecimentos são atualmente objeto de
    apropriação intelectual ilícita, sendo patenteados por indústrias
    farmacêuticas e de biogenética, gerando vulnerabilidade dos
    agricultores e suas famílias que dependem desses recursos para
    sua sobrevivência.
  52. Nas decisões sobre as riquezas da biodiversidade e da
    natureza, as populações tradicionais têm sido praticamente excluídas. A natureza foi e continua sendo agredida. A terra foi
    depredada. As águas estão sendo tratadas como se fossem mercadoria negociável pelas empresas, além de terem sido transfor-
    V CONFERÊNCIA GERAL DO EPISCOPADO LATINO-AMERICANO E DO CARIBE- aparecida – DOCUMENTO FINAL 47
    madas num bem disputado pelas grandes potências. Exemplo
    muito importante nessa situação é a Amazônia.29
  53. Em seu discurso aos jovens, no Estádio do Pacaembu,
    em São Paulo, o Papa Bento XVI chamou a atenção sobre a “devastação ambiental da Amazônia e as ameaças à dignidade humana de seus povos”30 e pediu aos jovens “um maior compromisso nos mais diversos espaços de ação”.31
  54. A crescente agressão ao meio-ambiente pode servir de
    pretexto para propostas de internacionalização da Amazônia,
    que só servem aos interesses econômicos das corporações internacionais. A sociedade panamazõnica é pluriétnica, pluricultural e plurirreligiosa. Nela, cada vez mais, se intensifica a disputa
    pela ocupação do território. As populações tradicionais da região
    querem que seus territórios sejam reconhecidos e legalizados.
  55. Além disso, constatamos o retrocesso das geleiras em
    todo o mundo: o degelo do Ártico, cujo impacto já está se vendo na flora e fauna desse ecossistema; também o aquecimento
    global se faz sentir no estrondoso crepitar dos blocos de gelo
    ártico que reduzem a cobertura glacial do Continente e que regula o clima do mundo. Profeticamente, há 20 anos, desde a
    fronteira das Américas, João Paulo II assinalou: “Desde o Cone
    Sul do Continente Americano e frente aos ilimitados espaços da
    Antártida, lanço um chamado a todos os responsáveis de nosso
    planeta para proteger e conservar a natureza criada por Deus:
    não permitamos que nosso mundo seja uma terra cada vez mais
    degradada e degradante”.32
    29 A Amazônia pan-americana ocupa uma área de 7,01 milhões de quilômetros quadrados e corresponde a 5% da superfície da terra, 40% da América do Sul. Contém 20% da
    disponibilidade mundial de água doce não congelada. Abriga 34% das reservas mundiais
    de florestas e gigantesca reserva de minerais. Sua diversidade biológica de eco-sistemas é a
    mais rica do planeta. Nessa região se encontram cerca de 30% de todas as espécies da fauna
    e flora do mundo. 30 Bento XVI, Mensagem aos jovens no Pacaembu 2; Brasil, 10 de maio de 2007. 31 Ibid. 32João Paulo II, Homilia na Celebração da Palavra para os fiéis da Zona Austral do Chile 7;
    Punta Arenas, 4 de abril de 1987.
    48 CELAM
    2.1.5 Presença dos povos indígenas e afro-americanos na Igreja
  56. Os indígenas constituem a população mais antiga do
    Continente. Estão na raiz primeira da identidade latino-americana e caribenha. Os afro-americanos constituem outra raiz que
    foi arrancada da África e trazida para cá como gente escravizada.
    A terceira raiz é a população pobre que migrou da Europa a partir do século XVI, em busca de melhores condições de vida, e o
    grande fluxo de imigrantes de todo o mundo a partir de meados
    do século XIX. De todos esses grupos e de suas correspondentes
    culturas se formou a mestiçagem que é a base social e cultural
    de nossos povos latino-americanos e caribenhos, como já o reconheceu a III Conferência Geral do Episcopado Latino-americano
    celebrada em Puebla, México.33
  57. Os indígenas e afro-americanos são, sobretudo, “outros” diferentes que exigem respeito e reconhecimento. A sociedade tende a menosprezá-los, desconhecendo o porquê de suas
    diferenças. Sua situação social está marcada pela exclusão e pela
    pobreza. A Igreja acompanha os indígenas e afro-americanos
    nas lutas por seus legítimos direitos.
  58. Hoje, os povos indígenas e afros estão ameaçados em
    sua existência física, cultural e espiritual; em seus modos de
    vida; em suas identidades; em sua diversidade; em seus territórios e projetos. Algumas comunidades indígenas se encontram
    fora de suas terras porque estas foram invadidas e degradadas,
    ou não têm terras suficientes para desenvolver suas culturas.
    Sofrem graves ataques à sua identidade e sobrevivência, pois a
    globalização econômica e cultural coloca em perigo sua própria
    existência como povo diferentes. Sua progressiva transformação
    cultural provoca o rápido desaparecimento de algumas línguas e
    culturas. A migração, forçada pela pobreza, está influindo profundamente na mudança de costumes, de relacionamentos e inclusive de religião.
    33 DP 307, 409.
    V CONFERÊNCIA GERAL DO EPISCOPADO LATINO-AMERICANO E DO CARIBE- aparecida – DOCUMENTO FINAL 49
  59. Os indígenas e afro-americanos emergem agora na sociedade e na Igreja. Este é um “kairós” para aprofundar o encontro da Igreja com esses setores humanos que reivindicam o
    reconhecimento pleno de seus direitos individuais e coletivos,
    serem levados em consideração na catolicidade com sua cosmovisão, seus valores e suas identidades particulares, para viverem
    um novo Pentecostes eclesial.
  60. Já, em Santo Domingo, os pastores reconhecíamos que
    “os povos indígenas cultivam valores humanos de grande significado”;34 valores que “a Igreja defende… diante da força dominadora das estruturas de pecado manifestas na sociedade moderna”;35
    “são possuidores de inumeráveis riquezas culturais, que estão na
    base de nossa identidade atual”;36e, a partir da perspectiva da fé,
    “esses valores e convicções são fruto de ‘sementes do Verbo’, que
    já estavam presentes e operavam em seus antepassados”.37
  61. Entre eles podemos assinalar: “abertura à ação de Deus
    pelos frutos da terra, o caráter sagrado da vida humana, a valorizaçãoda família, o sentidode solidariedade e a co-responsabilidadeno trabalho comum, a importância do cultual, a crença emuma
    vida ultra-terrena”.38 Atualmente, o povo tem enriquecido amplamente esses valores através da evangelização e os tem desenvolvido em múltiplas formas de autêntica religiosidade popular.
  62. Como Igreja que assume a causa dos pobres, estimulamos a participação dos indígenas e afro-americanos na vida eclesial. Vemos com esperança o processo de inculturação discernido à luz do magistério. É prioritário fazer traduções católicas da
    Bíblia e dos textos litúrgicos nos idiomas desses povos. Necessita-se, igualmente, promover mais as vocações e os ministérios
    ordenados procedentes dessas culturas.
    34 SD 245. 35 Ibid. 243. 36 Mensagem da IV Conferência aos Povos da América Latina e do Caribe, 38. 37 SD 245. 38 Ibid. 17.
    50 CELAM
  63. Nosso serviço pastoral à vida plena dos povos indígenas exige que anunciemos Jesus Cristo e a Boa Nova do Reino
    de Deus, denunciemos as situações de pecado, as estruturas de
    morte, a violência e as injustiças internas e externas e fomentemos o diálogo intercultural, interreligioso e ecumênico. Jesus
    Cristo é a plenitude da revelação para todos os povos e o centro fundamental de referência para discernir os valores e as deficiências de todas as culturas, incluindo as indígenas. Por isso,
    o maior tesouro que podemos oferecer a eles é que cheguem ao
    encontro com Jesus Cristo ressuscitado, nosso Salvador. Os indígenas que já receberam o Evangelho, como discípulos e missionários de Jesus Cristo, são chamados a viver com imensa alegria
    sua realidade cristã, a explicar a razão de sua fé em meio a suas
    comunidades e a colaborar ativamente para que nenhum povo
    indígena da América Latina renegue sua fé cristã, mas ao contrário, sintam que em Cristo encontram o sentido pleno de sua
    existência.
  64. A história dos afro-americanos tem sido atravessada
    por uma exclusão social, econômica, política e sobretudo racial,
    onde a identidade étnica é fator de subordinação social. Atualmente, são discriminados na inserção do trabalho, na qualidade
    e conteúdo da formação escolar, nas relações cotidianas e, além
    disso, existe um processo de ocultamento sistemático de seus
    valores, história, cultura e expressões religiosas. Permanece, em
    alguns casos, uma mentalidade e um certo olhar de menor respeito em relação aos indígenas e afro-americanos. Desse modo,
    descolonizar as mentes, o conhecimento, recuperar a memória
    histórica, fortalecer os espaços e relacionamentos inter-culturais, são condições para a afirmação da plena cidadania desses
    povos.
  65. A realidade latino-americana conta com comunidades
    afro-americanas muito vivas que participam ativa e criativamente na construção deste continente. Os movimentos pela
    recuperação das identidades, dos direitos dos cidadãos e con-
    V CONFERÊNCIA GERAL DO EPISCOPADO LATINO-AMERICANO E DO CARIBE- aparecida – DOCUMENTO FINAL 51
    tra o racismo e os grupos alternativos de economias solidárias,
    fazem das mulheres e homens negros sujeitos construtores de
    sua história e de uma nova história que se vai desenhando na
    atualidade latino-americana e caribenha. Essa nova realidade
    se baseia em relações inter-culturais onde a diversidade não
    significa ameaça, não justifica hierarquias de um poder sobre
    outros, mas sim diálogo a partir de visões culturais diferentes,
    de celebração, de inter-relacionamento e de reavivamento da
    esperança.
    2.2 Situação de nossa Igreja nesta hora histórica de desafios
  66. A Igreja Católica na América Latina e no Caribe, apesar
    das deficiências e ambigüidades de alguns de seus membros,tem
    dado testemunho de Cristo, anunciado seu Evangelho e oferecido seu serviço de caridade principalmente aos mais pobres, no
    esforço por promover sua dignidade e também no empenho de
    promoção humana nos campos da saúde, da economia solidária,
    da educação, do trabalho, do acesso à terra, da cultura, da habitação e assistência, entre outros. Com sua voz, unida à de outras
    instituições nacionais e mundiais, tem ajudado a dar orientações prudentes e a promover a justiça, os direitos humanos e
    a reconciliação dos povos. Isso tem permitido que a Igreja seja
    reconhecida socialmente em muitas ocasiões como instância de
    confiança e credibilidade. Seu empenho a favor dos mais pobres
    e sua luta pela dignidade de cada ser humano tem ocasionado,
    em muitos casos, a perseguição e inclusive a morte de alguns de
    seus membros, os quais consideramos testemunhas da fé. Queremos recordar o testemunho valente de nossos santos e santas,
    e aqueles que, inclusive sem terem sido canonizados, viveram
    com radicalidade o Evangelho e ofereceram sua vida por Cristo,
    pela Igreja e por seu povo.
  67. Os esforços pastorais orientados para o encontro com
    Jesus Cristo vivo deram e continuam dando frutos. Entre outros, destacamos os seguintes:
    52 CELAM
    a) Devido à animação bíblica da pastoral, aumenta o conhecimento da Palavra de Deus e do amor por ela. Graças à
    assimilação do Magistério da Igreja e à formação melhor
    de generosos catequistas, a renovação da Catequese tem
    produzido fecundos resultados em todo o Continente,
    chegando inclusive a países da América do Norte, Europa
    e Ásia, para onde muitos latino-americanos e caribenhos
    têm emigrado.
    b) A renovação litúrgica acentuou a dimensão celebrativa e
    festiva da fé cristã centrada no mistério pascal de Cristo
    Salvador, em particular na Eucaristia. Crescem as manifestações da religiosidade popular, especialmente a piedade eucarística e a devoção mariana. Esforços têm sido
    realizados para inculturar a liturgia nos povos indígenas
    e afro-americanos. Estão sendo superados os riscos de
    reduzir a Igreja a sujeito político, com melhor discernimento dos impactos sedutores das ideologias. Têm-se
    fortalecido a responsabilidade e a vigilância com relação
    às verdades da Fé, ganhando em profundidade e serenidade de comunhão.
    c) Nosso povo tem grande estima pelos sacerdotes. Reconhece a santidade de muitos deles, como também seu
    testemunho de vida, seu trabalho missionário e sua criatividade pastoral, particularmente daqueles que estão em
    lugares distantes ou em contextos de maior dificuldade.
    Muitas de nossas Igrejas contam com uma pastoral sacerdotal e com experiências concretas de vida em comum e
    de uma retribuição do clero mais justa. Em algumas Igrejas desenvolve-se o diaconato permanente. Contam também com ministérios confiados aos leigos e outros serviços pastorais, como ministros da Palavra, animadores
    de assembléia e de pequenas comunidades, entre elas as
    comunidades eclesiais de base, os movimentos eclesiais
    e um grande número de pastorais específicas. Grande esforço se faz para a formação em nossos Seminários, nas
    V CONFERÊNCIA GERAL DO EPISCOPADO LATINO-AMERICANO E DO CARIBE- aparecida – DOCUMENTO FINAL 53
    casas de formação para a vida consagrada e nas escolas
    para o diaconato permanente. É significativo o testemunho da vida consagrada, sua participação na ação pastoral e sua presença em situações de pobreza, de risco e
    de fronteira. Estimula a esperança o incremento de vocações para a vida contemplativa masculina e feminina.
    d) Ressalta-se a abnegada entrega de tantos missionários
    e missionárias que, até o dia de hoje, têm desenvolvido
    valiosa obra evangelizadora e de promoção humana em
    todos os nossos povos, com multiplicidade de obras e serviços. Desse modo se reconhece o trabalho de numerosos sacerdotes, consagradas e consagrados, leigos e leigas
    que, a partir do nosso Continente, participam da missão
    ad gentes.
    e) Crescem os esforços de renovação pastoral nas paróquias,
    favorecendo o encontro com Cristo vivo, mediante diversos métodos de nova evangelização que se transformam
    em comunidade de comunidades evangelizadas e missionárias. Contata-se em alguns lugares um florescimento
    de comunidades eclesiais de base, segundo o critério das
    Conferências Gerais anteriores, em comunhão com os
    Bispos e fiéis ao Magistério da Igreja.39 Valoriza-se a presença e o crescimento dos movimentos eclesiais e novas
    comunidades que difundem sua riqueza carismática, educativa e evangelizadora. Tem-se tomado consciên­cia da
    importância da pastoral Familiar, da Infância e Juvenil.
    f) A Doutrina Social da Igreja constitui uma riqueza sem
    preço, que tem animado o testemunho e a ação solidária
    dos leigos e leigas, que se interessam cada vez mais por
    sua formação teológica como verdadeiros missionários da
    caridade, e se esforçam por transformar de maneira efetiva o mundo segundo Cristo. Hoje, inumeráveis iniciativas
    39 Cf. Puebla, 261, 617, 638, 731 e 940; Santo Domingo, 62.
    54 CELAM
    leigas no âmbito social, cultural, econômico e político deixam-se inspirar pelos princípios permanentes, pelos critérios de juízo e pelas diretrizes de ação provenientes da
    Doutrina Social da Igreja. Valoriza-se o desenvolvimento
    que tem tido a Pastoral Social, como também a ação da
    Cáritas em seus vários níveis, e a riqueza do voluntariado nos mais diversos apostolados com incidência social.
    Tem-se desenvolvido a pastoral da comunicação social, e
    mais do que nunca a Igreja tem contado com mais meios
    de comunicação para a evangelização da cultura, resistindo em parte a outros grupos religiosos que ganham constantemente adeptos usando com perspicácia o rádio e a
    televisão. Temos rádios, televisão, cinema, jornais, internet, páginas de web e a RIIAL que nos enchem de esperança.
    g) A diversificação da organização eclesial, com a criação de
    muitas comunidades, novas jurisdições e organismos pastorais, permitiu que muitas Igrejas locais avançassem na
    estruturação de uma Pastoral Orgânica, para servir melhor às necessidades dos fiéis. Não com a mesma intensidade em todas as Igrejas, tem-se desenvolvido o diálogo ecumênico. Também o diálogo interreligioso, quando
    segue as normas do Magistério, pode enriquecer os participantes em diversos encontros.40 Em outros lugares,
    têm-se criado escolas de ecumenismo ou de colaboração
    ecumênica em assuntos sociais e outras iniciativas. Manifesta-se, como reação ao materialismo, uma busca de
    espiritualidade, de oração e de mística que expressa fome
    e sede de Deus. Por outro lado, a valorização da ética é um
    sinal dos tempos que indica a necessidade de superar o
    hedonismo, a corrupção e o vazio dos valores. Alegra-nos,
    além disso, o profundo sentimento de solidariedade que
    40 Cf. Congregação para a Doutrina da Fé, artigo de comentário à Notificação a propósito
    do livro do Pe. Jacques Dupuis “Hacia uma teologia del pluralismo religioso”, 12 de março de
    2001.
    V CONFERÊNCIA GERAL DO EPISCOPADO LATINO-AMERICANO E DO CARIBE- aparecida – DOCUMENTO FINAL 55
    caracteriza nossos povos e a prática de compartilhar e de
    ajuda mútua.
  68. Apesar dos aspectos positivos que nos alegram na esperança, observamos sombras, entre as quais mencionamos as
    seguintes:
    a) Para a Igreja Católica, a América Latina e o Caribe são de
    grande importância, por seu dinamismo eclesial, por sua
    criatividade e porque 43% de todos os seus fiéis vivem
    nesses locais; no entanto, observamos que o crescimento percentual da Igreja não segue o mesmo ritmo que o
    crescimento populacional. Na média, o aumento do clero,
    e sobretudo das religiosas, distancia-se cada vez mais do
    crescimento populacional em nossa região.41
    b) Lamentamos, seja algumas tentativas de voltar a um
    certo tipo de eclesiologia e espiritualidade contrárias à
    renovação do Concílio Vaticano II,42seja algumas leituras e aplicações reducionistas da renovação conciliar;
    lamentamos a ausência de uma autêntica obediência e
    do exercício evangélico da autoridade, das infidelidades à doutrina, à moral e à comunhão, nossas débeis
    vivências da opção preferencial pelos pobres, não poucas recaídas secularizantes na vida consagrada influenciada por uma antropologia meramente sociológica
    e não evangélica. Tal como manifestou o Santo Padre
    no Discurso Inaugural de nossa Conferência: “percebe-se um certo enfraquecimento da vida cristã no conjunto da sociedade e da própria pertença à Igreja Católica”.43
    c) Constatamos o escasso acompanhamento dado aos fiéis
    leigos em suas tarefas de serviço à sociedade, particular41 Enquanto no período 1974 a 2004 a população latino-americana cresceu quase 80%,
    os sacerdotes cresceram 44,1% e as religiosas só 8%. Cf. Annuarium Statisticum Ecclesiae. 42 Cf. Bento XVI, “Discurso aos Cardeais, Arcebispos, Bispos e Prelados superiores da
    Cúria Romana”, quinta-feira, 22 de dezembro de 2005. 43 DI 2.
    56 CELAM
    mente quando assumem responsabilidades nas diversas
    estruturas de ordem temporal. Percebemos uma evangelização com pouco ardor e sem novos métodos e expressões,
    uma ênfase no ritualismo sem o conveniente caminho de
    formação, descuidando outras tarefas pastorais. De igual
    forma, preocupa-nos uma espiritualidade individualista.
    Verificamos, desse modo, uma mentalidade relativista no
    ético e no religioso, a falta de aplicação criativa do rico
    patrimônio que contém a Doutrina Social da Igreja e, em
    certas ocasiões, uma compreensão limitada do caráter secular que constitui a identidade própria e específica dos
    fiéis leigos.
    d) Na evangelização, na catequese e, em geral, na pastoral,
    persistem também linguagens pouco significativas para a
    cultura atual e em particular para os jovens. Muitas vezes
    as linguagens utilizadas parecem não levar em consideração a mutação dos códigos existencialmente relevantes
    nas sociedades influenciadas pela pós-modernidade e
    marcadas por amplo pluralismo social e cultural. As mudanças culturais dificultam a transmissão da Fé por parte
    da família e da sociedade. Frente a isso, não se vê uma
    presença importante da Igreja na geração de cultura, de
    modo especial no mundo universitário e nos meios de comunicação social.
    e) O número insuficiente de sacerdotes e sua não eqüitativa
    distribuição impossibilitam que muitíssimas comunidades possam participar regularmente na celebração da Eucaristia. Recordando que a Eucaristia faz Igreja, preocupanos a situação de milhares dessas comunidades privadas
    da Eucaristia dominical por longos períodos de tempo. A
    isso se acrescenta a relativa escassez de vocações ao ministério e à vida consagrada. Falta espírito missionário
    em membros do clero, inclusive em sua formação. Muitos católicos vivem e morrem sem assistência da Igreja,
    à qual pertencem pelo batismo. Enfrentam-se dificulda-
    V CONFERÊNCIA GERAL DO EPISCOPADO LATINO-AMERICANO E DO CARIBE- aparecida – DOCUMENTO FINAL 57
    des para assumir a sustentação econômica das estruturas
    pastorais. Falta solidariedade na comunhão de bens no
    interior das igrejas locais e entre elas. Em muitas das nossas Igrejas locais não se assume suficientemente a pastoral penitenciária, nem a pastoral de menores infratores e
    em situações de risco. É insuficiente o acompanhamento
    pastoral para os migrantes e itinerantes. Alguns movimentos eclesiais nem sempre se integram adequadamente na pastoral paroquial e diocesana; por sua vez, algumas
    estruturas eclesiais não são suficientemente abertas para
    acolhê-los.
    f) Nas últimas décadas, vemos com preocupação, por um
    lado, que numerosas pessoas perdem o sentido transcendental de suas vidas e abandonam as práticas religiosas;
    e, por outro lado, que significativo número de católicos
    estão abandonando a Igreja para entrar em outros grupos
    religiosos. Ainda que este seja um problema real em todos os países latino-americanos e caribenhos, não existe
    homogeneidade no que se refere a suas dimensões e sua
    diversidade.
    g) Dentro do novo pluralismo religioso em nosso continente, não se tem diferenciado suficientemente os cristãos
    que pertencem a outras igrejas ou comunidades eclesiais,
    tanto por sua doutrina como por suas atitudes, dos que
    fazem parte da grande diversidade de grupos cristãos (inclusive pseudo-cristãos) que se têm instalado entre nós.
    Isso porque não é adequado englobar a todos em uma só
    categoria de análise. Muitas vezes não é fácil o diálogo
    ecumênico com grupos cristãos que atacam a Igreja Católica com insistência.
    h) Reconhecemos que, ocasionalmente, alguns católicos se
    têm afastado do Evangelho, o qual requer um estilo de
    vida mais simples, austero e solidário, mais fiel à verdade
    e à caridade, como também nos tem faltado valentia, persistência e docilidade à graça de prosseguir, fiel à Igreja
    58 CELAM
    de sempre, a renovação iniciada pelo Concílio Vaticano
    II, impulsionada pelas Conferências Gerais anteriores, e
    para assegurar o rosto latino-americano e caribenho de
    nossa Igreja. Reconhecemo-nos como comunidade de
    pobres pecadores, mendicantes da misericórdia de Deus,
    congregada, reconciliada, unida e enviada pela força da
    Ressurreição de seu Filho e pela graça de conversão do
    Espírito Santo.
    SEGUNDA PARTE
    A VIDA DEJESUSCRISTO
    NOS DISCÍPULOS MISSIONÁRIOS
  69. Neste momento, com incertezas no coração, perguntamos com Tomé: “Como vamos saber o caminho?” (Jo 14,5).
    Jesus nos responde com uma proposta provocadora: “Eu sou o
    Caminho, a Verdade e a Vida” (Jo 14,6). Ele é o verdadeiro caminho para o Pai, o qual tanto amou ao mundo que lhe deu o
    seu Filho único, para que todo aquele que nele crer tenha a vida
    eterna (cf. Jo 3,16). Esta é a vida eterna: “que te conheçam a ti, o
    único Deus verdadeiro, e a Jesus Cristo teu enviado” (Jo 17,3). A
    fé em Jesus como o Filho do Pai é a porta de entrada para a Vida.
    Como discípulos de Jesus, confessamos nossa fé com as palavras
    de Pedro: “Tuas palavras dão Vida eterna” (Jo 6,68). “Tu és o
    Messias, o Filho do Deus vivo” (Mt 16,16).
  70. Jesus é o Filho de Deus, a Palavra feita carne (cf. Jo
    1,14), verdadeiro Deus e verdadeiro homem, prova do amor de
    Deus aos homens. Sua vida é uma entrega radical de si mesmo
    a favor de todas as pessoas, consumada definitivamente em sua
    morte e ressurreição. Por ser o Cordeiro de Deus, Ele é o Salvador. Sua paixão, morte e ressurreição possibilita a superação
    Capítulo III
    A ALEGRIA DESER DISCÍPULOS
    MISSIONÁRIOS PARA ANUNCIAR
    O EVANGELHO DEJESUSCRISTO
    62 CELAM
    do pecado e a vida nova para toda a humanidade. NEle, o Pai se
    faz presente, porque quem conhece o Filho conhece o Pai (cf. Jo
    14,7).
  71. Como discípulos de Jesus reconhecemos que Ele é o
    primeiro e maior evangelizador enviado por Deus (cf. Lc 4,44)
    e ao mesmo tempo o Evangelho de Deus (cf. Rm 1,3). Cremos e
    anunciamos “a boa nova de Jesus, Messias, Filho de Deus” (Mc
    1,1). Como filhos obedientes à voz do Pai, queremos escutar a
    Jesus (cf. Lc 9,35) porque Ele é o único Mestre (cf. Mt 23,8).
    Como seus discípulos, sabemos que suas palavras são Espírito
    e Vida (cf. Jo 6,63.68). Com a alegria da fé, somos missionários
    para proclamar o Evangelho de Jesus Cristo e, nEle, a boa nova
    da dignidade humana, da vida, da família, do trabalho, da ciência e da solidariedade com a criação.
    3.1. A boa nova da dignidade humana
  72. Bendizemos a Deus pela dignidade da pessoa humana,
    criada à sua imagem e semelhança. Ele nos criou livres e nos fez
    sujeitos de direitos e deveres em meio à criação. Agradecemos a
    Ele ter-nos associado ao aperfeiçoamento do mundo, dando-nos
    inteligência e capacidade para amar; e lhe agradecemos a dignidade, que recebemos também como tarefa que devemos proteger, cultivar e promover. Bendizemos a Deus pelo dom da fé que
    nos permite viver em aliança com Ele até o momento de compartilhar a vida eterna. Bendizemos a Deus por nos fazer suas
    filhas e filhos em Cristo, por nos haver redimido com o preço
    de seu sangue e pelo relacionamento permanente que estabelece
    conosco, que é fonte de nossa dignidade absoluta, inegociável e
    inviolável. Se o pecado deteriorou a imagem de Deus no homem
    e feriu sua condição, a boa nova, que é Cristo, o redimiu e o restabeleceu na graça (cf. Rm 5,12-21).
  73. Louvamos a Deus pelos homens e mulheres da América Latina e do Caribe que, movidos por sua fé, têm trabalhado
    incansavelmente na defesa da dignidade da pessoa humana,
    V CONFERÊNCIA GERAL DO EPISCOPADO LATINO-AMERICANO E DO CARIBE- aparecida – DOCUMENTO FINAL 63
    especialmente dos pobres e marginalizados. Em seu testemunho, levado até à entrega total, resplandece a dignidade do ser
    humano.
    3.2 A boa nova da vida
  74. Louvamos a Deus pelo dom maravilhoso da vida e por
    aqueles que a honram e a dignificam ao colocá-la a serviço dos
    demais; pelo espírito alegre de nossos povos que amam a música, a dança, a poesia, a arte, o esporte e cultivam uma firme esperança em meio a problemas e lutas. Louvamos a Deus porque,
    sendo nós pecadores, Ele nos mostrou seu amor reconciliandonos consigo pela morte de seu Filho na cruz. Louvamos a Deus
    porque Ele continua derramando seu amor em nós pelo Espírito
    Santo e nos alimentando com a Eucaristia, pão da vida (cf. Jo
    6,35). A Encíclica “Evangelho da Vida”, de João Paulo II, ilumina
    o grande valor da vida humana, da qual devemos cuidar e pela
    qual continuamente devemos louvar a Deus.
  75. Bendizemos ao Pai pelo dom de seu Filho Jesus Cristo,
    “rosto humano de Deus e rosto divino do homem”.44 “Na realidade, tão só o mistério do Verbo encarnado explica verdadeiramente o mistério do homem. Cristo, na própria revelação do
    mistério do Pai e de seu amor, manifesta plenamente o homem
    ao próprio homem e lhe descobre sua altíssima vocação”.45
  76. Bendizemos ao Pai porque, mesmo entre dificuldades
    e incertezas, todo homem aberto sinceramente à verdade e ao
    bem comum pode chegar a descobrir, na lei natural escrita em
    seu coração (cf. Rm 2,14-15), o valor sagrado da vida humana
    desde seu início até seu fim natural, e afirmar o direito de cada
    ser humano de ver respeitado totalmente este seu bem primário. “A convivência humana e a própria comunidade política”46 se
    fundamenta no reconhecimento desse direito.
    44 Bento XVI, Oração pela V Conferência. 45 GS 22. 46 EV 2.
    64 CELAM
  77. Diante de uma vida sem sentido, Jesus nos revela a
    vida íntima de Deus em seu mistério mais elevado, a comunhão
    trinitária. É tal o amor de Deus, que faz do homem, peregrino
    neste mundo, sua morada: “Viremos a ele e viveremos nele” (Jo
    14,23). Diante do desespero de um mundo sem Deus, que só vê
    na morte o final definitivo da existência, Jesus nos oferece a ressurreição e a vida eterna na qual Deus será tudo em todos (cf. 1
    Cor 15,28). Diante da idolatria dos bens terrenos, Jesus apresenta a vida em Deus como valor supremo: “De que vale alguém
    ganhar o mundo e perder a própria vida?” (Mc 8,36).47
  78. Diante do subjetivismo hedonista, Jesus propõe
    entregar a vida para ganhá-la, porque “quem aprecia sua vida
    terrena, a perderá” (Jo 12,25). É próprio do discípulo de Jesus gastar a vida como sal da terra e luz do mundo. Diante do
    indivi­dualismo, Jesus convoca a viver e caminhar juntos. A vida
    cristã só se aprofunda e se desenvolve na comunhão fraterna.
    Jesus nos diz: “Um é o seu Mestre, e todos vocês são irmãos”
    (Mt 23,8). Diante da despersonalização, Jesus ajuda a construir
    identidades integradas.
  79. A própria vocação, a própria liberdade e a própria
    originalidade são dons de Deus para a plenitude e o serviço ao
    mundo.
  80. Diante da exclusão, Jesus defende os direitos dos fracos e a vida digna de todo ser humano. De seu Mestre, o discípulo tem aprendido a lutar contra toda forma de desprezo da vida
    e de exploração da pessoa humana.48 Só o Senhor é autor e dono
    da vida. O ser humano, sua imagem vivente, é sempre sagrado,
    desde a sua concepção até a sua morte natural, em todas as circunstâncias e condições de sua vida. Diante das estruturas de
    morte, Jesus faz presente a vida plena. “Eu vim para dar vida aos
    homens e para que a tenham em plenitude” (Jo 10,10). Por isso,
    47 Cf. EN 8. 48 Cf. Bento XVI, Mensagem para a Quaresma, 2007.
    V CONFERÊNCIA GERAL DO EPISCOPADO LATINO-AMERICANO E DO CARIBE- aparecida – DOCUMENTO FINAL 65
    cura os enfermos, expulsa os demônios e compromete os discípulos na promoção da dignidade humana e de relacionamentos
    sociais fundados na justiça.
  81. Diante da natureza ameaçada, Jesus, que conhecia o
    cuidado do Pai pelas criaturas que Ele alimenta e embeleza (cf Lc
    12,28), convoca-nos a cuidar da terra para que ela ofereça abrigo
    e sustento a todos os homens (cf. Gn 1,29; 2,15).
    3.3 A boa nova da família
  82. Proclamamos com alegria o valor da família na América Latina e no Caribe. O Papa Bento XVI afirma que a família,
    “patrimônio da humanidade, constitui um dos tesouros mais
    importantes dos povos latino-americanos e caribenhos. Ela tem
    sido e é escola da fé, palestra de valores humanos e cívicos, lar
    em que a vida humana nasce e se acolhe generosa e responsavelmente… A família é insubstituível para a serenidade pessoal e
    para a educação de seus filhos”.49
  83. Agradecemos a Cristo que nos revela que “Deus é amor
    e vive em si mesmo um mistério pessoal de amor”50 e, optando
    por viver em família em meio a nós, a eleva à dignidade de ‘Igreja
    Doméstica’.
  84. Bendizemos a Deus por haver criado o ser humano,
    homem e mulher, ainda que hoje se queira confundir esta verdade: “Criou Deus os seres humanos à sua imagem; à imagem
    de Deus os criou, homem e mulher os criou” (Gn 1,27). Pertence
    à natureza humana que o homem e a mulher busquem um no
    outro sua reciprocidade e complementaridade.51
  85. O fato de sermos amados por Deus enche-nos de alegria. O amor humano encontra sua plenitude quando participa
    49 DI 5. 50 Cf. FC 11. 51 Cf.Congregação para a Doutrina da Fé, Carta aos Bispos da Igreja Católica sobre a colaboração do homem e da mulher na Igreja e no mundo, 31 de maio de 2004.
    66 CELAM
    do amor divino, do amor de Jesus que se entrega solidariamente
    por nós em seu amor pleno até o fim (cf. Jo 13,1; 15,9). O amor
    conjugal é a doação recíproca entre um homem e uma mulher, os
    esposos: é fiel e exclusivo até à morte e fecundo, aberto à vida e à
    educação dos filhos, assemelhando-se ao amor fecundo da Santíssima Trindade.52 O amor conjugal é assumido no Sacramento
    do Matrimônio para significar a união de Cristo com sua Igreja.
    Por isso, na graça de Jesus Cristo encontra sua purificação, alimento e plenitude (Ef 5,23-33).
  86. No seio de uma família, a pessoa descobre os motivos
    e o caminho para pertencer à família de Deus. Dela recebemos a
    vida que é a primeira experiência do amor e da fé. O grande tesouro da educação dos filhos na fé consiste na experiência de uma
    vida familiar que recebe a fé, a conserva, a celebra, a transmite e
    dá testemunho dela. Os pais devem tomar nova cons­ciência de
    sua alegre e irrenunciávelresponsabilidade na formação integral
    dos filhos.
  87. Deus ama nossas famílias, apesar de tantas feridas e
    divisões. A presença invocada de Cristo através da oração em
    família nos ajuda a superar os problemas, a curar as feridas e
    abre caminhos de esperança. Muitos vazios de lar podem ser atenuados através de serviços prestados pela comunidade eclesial,
    família de famílias.
    3.4 A boa nova da atividade humana
    3.4.1 O trabalho
  88. Louvamos a Deus porque na beleza da criação, que
    é obra de suas mãos, resplandece o sentido do trabalho como
    participação na sua tarefa criadora e como serviço aos irmãos
    e irmãs. Jesus, o carpinteiro (cf. Mc 6,3), dignificou o trabalho
    e o trabalhador e recorda que o trabalho não é mero apêndice
    52 HV 9.
    V CONFERÊNCIA GERAL DO EPISCOPADO LATINO-AMERICANO E DO CARIBE- aparecida – DOCUMENTO FINAL 67
    da vida, mas que “constitui uma dimensão fundamental da existência do homem na terra”,53 pela qual o homem e a mulher se
    realizam como seres humanos.54 O trabalho garante a dignidade
    e a liberdade do homem, e é provavelmente “a chave essencial de
    toda ‘a questão social’”.55
  89. Damos graças a Deus porque sua palavra nos ensina
    que, apesar do cansaço que muitas vezes acompanha o trabalho,
    o cristão sabe que este, unido à oração, serve não só para o progresso terreno, mas também para a santificação pessoal e a construção do Reino de Deus.56 O desemprego, a injusta remuneração pelo trabalho e o viver sem querer trabalhar são contrários
    ao desígnio de Deus. O discípulo e o missionário, respondendo a
    esse desígnio, promovem a dignidade do trabalhador e do trabalho, o justo reconhecimento de seus direitos e de seus deveres,
    desenvolvem a cultura do trabalho e denunciam toda injustiça.
    A salvaguarda do domingo, como dia de descanso, de família e de
    culto ao Senhor, garante o equilíbrio entre trabalho e repouso.
    Cabe à comunidade criar estruturas que ofereçam trabalho às
    pessoas deficientes, segundo suas possibilidades.57
    122.LouvamosaDeuspelos talentos, estudoedecisãodehomensemulheresparapromoveriniciativaseprojetosgeradoresde
    trabalhoeprodução,que elevamacondiçãohumanaeobem-estar
    da sociedade. A atividade empresarial é boa e necessária quando
    respeita a dignidade do trabalhador, o cuidado do meio-ambiente
    e se orienta para o bem comum. Perverte-se quando, buscando
    só o lucro, atenta contra os direitos dos trabalhadores e a justiça.
    3.4.2 A ciência e a tecnologia
  90. Louvamos a Deus por aqueles que cultivam as ciências
    e a tecnologia, oferecendo imensa quantidade de bens e valores
    53 LE 4. 54 Cf. LE 9. 55 Cf. Ibid. 3. 56 Cf. Ibid. 27; 2 Ts 3,10. 57 Ibid. 22.
    68 CELAM
    culturais que têm contribuído, entre outras coisas, para prolongar a expectativa de vida e sua qualidade. No entanto, a ciência
    e a tecnologia não têm as respostas às grandes interrogações da
    vida humana. A resposta última às questões fundamentais do
    homem só pode vir de uma razão e ética integrais, iluminadas
    pela revelação de Deus. Quando a verdade, o bem e a beleza se
    separam; quando a pessoa humana e suas exigências fundamentais não constituem o critério ético, a ciência e a tecnologia voltam-se contra o homem que as criou.
  91. Hoje em dia as fronteiras traçadas entre as ciências
    se desvanecem. Com este modo de compreender o diálogo, sugere-se a idéia de que nenhum conhecimento é completamente
    autônomo. Esta situação abre um terreno de oportunidades à
    teologia para interagir com as ciências sociais.
    3.5. A boa nova do destino universal dos bens e da ecologia
  92. Junto com os povos originários da América, louvamos
    ao Senhor que criou o universo como espaço para a vida e a convivência de todos os seus filhos e filhas e no-los deixou como sinal
    de sua bondade e de sua beleza.Acriação também é manifestação
    do amor providente deDeus;foi-nos entregue para que cuidemos
    dela e a transformemos em fonte de vida digna para todos. Ainda que hoje se tenha generalizado maior valorização da natureza, percebemos claramente de quantas maneiras o homem ameaça e inclusive destrói seu ‘hábitat’. “Nossa irmã a mãe terra”58
    é nossa casa comum e o lugar da aliança de Deus com os seres
    humanos e com toda a criação. Desatender as mútuas relações e
    o equilíbrio que o próprio Deus estabeleceu entre as realidades
    criadas, é uma ofensa ao Criador, um atentado contra a biodiversidade e, definitivamente, contra a vida. O discípulo missionário, a quem Deus confiou a criação, deve contemplá-la, cuidar
    dela e utilizá-la, respeitando sempre a ordem dada pelo Criador.
    58 Francisco de Assis, Cântico das Criaturas 9.
    V CONFERÊNCIA GERAL DO EPISCOPADO LATINO-AMERICANO E DO CARIBE- aparecida – DOCUMENTO FINAL 69
  93. A melhor forma de respeitar a natureza é promover
    uma ecologia humana aberta à transcendência que, respeitando
    a pessoa e a família, os ambientes e as cidades, segue a indicação
    paulina de recapitular as coisas em Cristo e de louvar com Ele ao
    Pai (cf. 1 Cor 3,21-23). O Senhor entregou o mundo para todos,
    para os das gerações presentes e futuras. O destino universal dos
    bens exige a solidariedade com as gerações presentes e as futuras. Visto que os recursos são cada vez mais limitados, seu uso
    deve estar regulado segundo um princípio de justiça distributiva, respeitando o desenvolvimento sustentável.
    3.6 O Continente da esperança e do amor
  94. Como discípulos e missionários agradecemos a Deus
    porque a maioria dos latino-americanos e caribenhos estão batizados. A providência de Deus nos confiou o precioso patrimônio de pertencer à Igreja pelo dom do batismo que nos tem feito
    membros do Corpo de Cristo, povo de Deus peregrino em terras
    americanas há mais de quinhentos anos. Alenta nossa esperança
    a multidão de nossas crianças, os ideais de nossos jovens e o heroísmo de muitas de nossas famílias que, apesar das crescentes
    dificuldades, seguem sendo fiéis ao amor. Agradecemos a Deus
    a religiosidade de nossos povos que resplandece na devoção ao
    Cristo sofredor e à suaMãe bendita, na veneração aos Santos com
    suas festas patronais, no amor ao Papa e aos demais pastores, no
    amor à Igreja universal como grande família de Deus que nunca
    pode nem deve deixar seus próprios filhos a sós ou na miséria.59
  95. Reconhecemos o dom da vitalidade da Igreja que peregrina na América Latina e no Caribe, sua opção pelos pobres,
    suas paróquias, suas comunidades, suas associações, seus movimentos eclesiais, novas comunidades e seus múltiplos serviços sociais e educativos. Louvamos ao Senhor por ter feito deste
    continente um espaço de comunhão e comunicação de povos e
    59 DI 1.
    70 CELAM
    culturas indígenas. Também agradecemos o protagonismo que
    vão adquirindo setores que foram deslocados: mulheres, indígenas, afro-americanos, homens do campo e habitantes de áreas
    marginais das grandes cidades. Toda a vida de nossos povos fundada em Cristo e redimida por Ele, pode olhar para o futuro com
    esperança e alegria, acolhendo o chamado do Papa Bento XVI:
    “Só da Eucaristia brotará a civilização do amor que transformará
    a América latina e o Caribe para que, além de ser o Continente da
    esperança, seja também o Continente do amor!”60
    60 DI 4.
    4.1 Chamados ao seguimento de JesusCristo
  96. Por assim dizer, Deus Pai sai de si para nos chamar a
    participar de sua vida e de sua glória. Mediante Israel, povo que
    fez seu, Deus nos revela seu projeto de vida. Cada vez que Israel
    procurou e necessitou de seu Deus, sobretudo nas desgraças nacionais, teve singular experiência de comunhão com Ele, que o
    fazia partícipe de sua verdade, sua vida e sua santidade. Por isso,
    não demorou em testemunhar que seu Deus – diferentemente
    dos ídolos – é o “Deus vivo” (Dt 5,26) que o liberta dos opressores (cf. Ex 3,7-10), que perdoa incansavelmente (cf. Ex 34,6; Eclo
    2,11) e que restitui a salvação perdida quando o povo, envolvido
    “nas redes da morte” (Sl 116,3), suplicante a Ele se dirige (Cf. Is
    38,16). Deste Deus – que é seu Pai – Jesus afirmará que “não é
    um Deus de mortos, mas de vivos” (Mc 12,27).
  97. Nestes últimos tempos, Ele nos tem falado por meio
    de seu Filho Jesus (Hb 1,1ss), com quem chega a plenitude dos
    tempos (cf. Gl 4,4). Deus, que é Santo e nos ama, nos chama por
    meio de Jesus a sermos santos (cf. Ef 1,4-5).
  98. O chamado que Jesus Mestre faz, implica uma grande novidade. Na antiguidade, os mestres convidavam seus disCapítulo IV
    A VOCAÇÃO DOS DISCÍPULOS
    MISSIONÁRIOS À SANTIDADE
    72 CELAM
    cípulos a se vincular com algo transcendente e os mestres da
    Lei propunham a adesão à Lei de Moisés. Jesus convida a nos
    encontrar com Ele e a que nos vinculemos estreitamente a Ele,
    porque é a fonte da vida (cf. Jo 15,1-5) e só Ele tem palavras de
    vida eterna (cf. Jo 6,68). Na convivência cotidiana com Jesus e
    na confrontação com os seguidores de outros mestres, os discípulos logo descobrem duas coisas bem originais no relacionamento com Jesus. Por um lado, não foram eles que escolheram
    seu mestre, foi Cristo quem os escolheu. E por outro lado, eles
    não foram convocados para algo (purificar-se, aprender a Lei…),
    mas para Alguém, escolhidos para se vincularem intimamente à
    Pessoa dele (cf. Mc 1,17; 2,14). Jesus os escolheu para “que estivessem com Ele e para enviá-los a pregar” (Mc 3,14), para que o
    seguissem com a finalidade de “ser dEle” e fazer parte “dos seus”
    e participar de sua missão. O discípulo experimenta que a vinculação íntima com Jesus no grupo dos seus é participação da Vida
    saída das entranhas do Pai, é formar-se para assumir seu estilo
    de vida e suas motivações (cf. Lc 6,40b), correr sua mesma sorte
    e assumir sua missão de fazer novas todas as coisas.
  99. Com a parábola da Videira e dos Ramos (cf. Jo 15,1-
    8), Jesus revela o tipo de vínculo que Ele oferece e que espera
    dos seus. Não quer um vínculo como “servos” (cf. Jo 8,33-36),
    porque “o servo não conhece o que seu senhor faz” (Jo 15,15). O
    servo não tem entrada na casa de seu amo, muito menos em sua
    vida. Jesus quer que seu discípulo se vincule a Ele como “amigo” e como “irmão”. O “amigo” ingressa em sua Vida, fazendo-a
    própria. O amigo escuta a Jesus, conhece ao Pai e faz fluir sua
    Vida (Jesus Cristo) na própria existência (cf. Jo 15,14), marcando o relacionamento com todos (cf. Jo 15,12). O “irmão” de Jesus (cf. Jo 20,17) participa da vida do Ressuscitado, Filho do Pai
    celestial, porque Jesus e seu discípulo compartilham a mesma
    vida que procede do Pai: o próprio Jesus, por natureza (cf. Jo
    5,26; 10,30) e o discípulo por participação (cf. Jo 10,10). A conseqüência imediata desse tipo de vínculo é a condição de irmãos
    que os membros de sua comunidade adquirem.
    V CONFERÊNCIA GERAL DO EPISCOPADO LATINO-AMERICANO E DO CARIBE- aparecida – DOCUMENTO FINAL 73
  100. Jesus faz dos discípulos seus familiares, porque compartilha com eles a mesma vida que procede do Pai e lhes pede,
    como discípulos, uma união íntima com Ele, obediência à Palavra
    do Pai, para produzirem frutos de amor em abundância. Desta
    forma o testemunha São João no prólogo de seu Evangelho: “A
    todos aqueles que crêem em seu nome, deu-lhes a capacidade de
    serem filhos de Deus”, e são filhos de Deus que “não nascem por
    via de geração humana, nem porque o homem o deseje, mas sim
    nascem de Deus” (Jo 1,12-13).
  101. Como discípulos e missionários, somos chamados a
    intensificar nossa resposta de fé e anunciar que Cristo redimiu
    todos os pecados e males da humanidade, “no aspecto mais paradoxal de seu mistério, a hora da cruz. O grito de Jesus: “Deus,
    meu, Deus meu, por que me abandonaste?” (Mc 15,34) não revela a angústia de um desesperado, mas a oração do Filho que
    oferece a sua vida ao Pai no amor para a salvação de todos”.61
  102. A resposta a seu chamado exige entrar na dinâmica
    do Bom Samaritano (cf. Lc 10,29-37), que nos dá o imperativo
    de nos fazer próximos, especialmente com quem sofre, e gerar
    uma sociedade sem excluídos, seguindo a prática de Jesus que
    come com publicanos e pecadores (cf. Lc 5,29-32), que acolhe os
    pequenos e as crianças (cf. Mc 10,13-16), que cura os leprosos
    (cf. Mc 1,40-45), que perdoa e liberta a mulher pecadora (cf. Lc
    7,36-49; Jo 8,1-11), que fala com a Samaritana (cf. Jo 4,1-26).
    4.2 ParecidoscomoMestre
  103. A admiração pela pessoa de Jesus, seu chamado e seu
    olhar de amor despertam uma resposta consciente e livre desde
    o mais íntimo do coração do discípulo, uma adesão a toda a sua
    pessoa ao saber que Cristo o chama pelo nome (cf. Jo 10,3). É
    um “sim” que compromete radicalmente a liberdade do discípulo
    a se entregar a Jesus, Caminho, Verdade e Vida (cf. Jo 14,6). É
    61NMI, 25-26.
    74 CELAM
    uma resposta de amor a quem o amou primeiro “até o extremo”
    (cf. Jo 13,1). A resposta do discípulo amadurece neste amor de
    Jesus: “Eu te seguirei por onde quer que vás” (Lc 9,57).
  104. O Espírito Santo, que o Pai nos presenteia, identificanos com Jesus-Caminho, abrindo-nos a seu mistério de salvação
    para que sejamos filhos seus e irmãos uns dos outros; identifica-nos com Jesus-Verdade, ensinando-nos a renunciar a nossas
    mentiras e ambições pessoais; e nos identifica com Jesus-Vida,
    permitindo-nos abraçar seu plano de amor e nos entregar para
    que outros “tenham vida nEle”.
  105. Para ficar verdadeiramente parecido com o Mestre, é
    necessário assumir a centralidade do Mandamento do amor, que
    Ele quis chamar seu e novo: “Amem-se uns aos outros, como eu
    os amei” (Jo 15,12). Este amor, com a medida de Jesus, com total dom de si, além de ser o diferencial de cada cristão, não pode
    deixar de ser a característica de sua Igreja, comunidade discípula
    de Cristo, cujo testemunho de caridade fraterna será o primeiro
    e principal anúncio: “Todos reconhecerão que sois meus discípulos” (Jo 13,35).
  106. No seguimento de Jesus Cristo, aprendemos e praticamos as bem-aventuranças do Reino, o estilo de vida do próprio Jesus: seu amor e obediência filial ao Pai, sua compaixão
    entranhável frente à dor humana, sua proximidade aos pobres e
    aos pequenos, sua fidelidade à missão encomendada, seu amor
    serviçal até à doação de sua vida. Hoje, contemplamos a Jesus
    Cristo tal como os Evangelhos nos transmitem para conhecermos o que Ele fez e para discernirmos o que nós devemos fazer
    nas atuais circunstâncias.
  107. Identificar-se com Jesus Cristo é também compartilhar seu destino: “Onde eu estiver, aí estará também o meu
    servo” (Jo 12,26). O cristão vive o mesmo destino do Senhor,
    inclusive até a cruz: “Se alguém quer vir após mim, negue-se a si
    mesmo, carregue a sua cruz e me siga” (Mc 8,34). Estimula-nos
    V CONFERÊNCIA GERAL DO EPISCOPADO LATINO-AMERICANO E DO CARIBE- aparecida – DOCUMENTO FINAL 75
    o testemunho de tantos missionários e mártires de ontem e de
    hoje em nossos povos que têm chegado a compartilhar a cruz de
    Cristo até à entrega da própria vida.
  108. A Virgem Maria é a imagem esplêndida da conformação ao projeto trinitário que se cumpre em Cristo. Desde a sua
    Concepção Imaculada até sua Assunção, recorda-nos que a beleza do ser humano está toda no vínculo do amor com a Trindade,
    e que a plenitude de nossa liberdade está na resposta positiva
    que lhe damos.
  109. Na América Latina e no Caribe, inumeráveis cristãos
    procuram buscar a semelhança do Senhor ao encontrá-lo na escuta orante da Palavra, no receber seu perdão no Sacramento da
    Reconciliação, e sua vida na celebração da Eucaristia e dos demais sacramentos, na entrega solidária aos irmãos mais necessitados e na vida de muitas comunidades que reconhecem com
    alegria o Senhor em meio a eles.
    4.3 Enviados a anunciar o Evangelho do Reino da vida
  110. Jesus Cristo, verdadeiro homem e verdadeiro Deus,
    com palavras e ações e com sua morte e ressurreição, inaugura
    no meio de nós o Reino de vida do Pai, que alcançará sua plenitude lá onde não haverá mais “nem morte, nem luto, nem pranto, nem dor, porque tudo o que é antigo terá desaparecido” (Ap
    21,4). Durante sua vida e com sua morte na cruz, Jesus permanece fiel a seu Pai e à sua vontade (cf. Lc 22,42). Durante o ministério dele, os discípulos não foram capazes de compreen­der
    que o sentido de sua vida selava o sentido de sua morte. Muito
    menos podiam compreender que, segundo o desígnio do Pai,
    a morte do Filho era fonte de vida fecunda para todos (cf. Jo
    12,23-24). O mistério pascal de Jesus é o ato de obediência e
    amor ao Pai e de entrega por todos seus irmãos. Com esse ato, o
    Messias doa plenamente aquela vida que oferecia nos caminhos
    e aldeias da Palestina. Por seu sacrifício voluntário, o Cordeiro
    de Deus oferece sua vida nas mãos do Pai (cf. Lc 23,46), que o faz
    76 CELAM
    salvação “para nós” (1 Cor 1,30). Pelo mistério pascal, o Pai sela a
    nova aliança e gera um novo povo que tem por fundamento seu
    amor gratuito de Pai que salva.
  111. Ao chamar os seus para que o sigam, Jesus lhes dá uma
    missão muito precisa: anunciar o evangelho do Reino a todas
    as nações (cf. Mt 28,19; Lc 24,46-48). Por isso, todo discípulo é
    missionário, pois Jesus o faz partícipe de sua missão, ao mesmo
    tempo que o vincula a Ele como amigo e irmão. Dessa maneira,
    como Ele é testemunha do mistério do Pai, assim os discípulos
    são testemunhas da morte e ressurreição do Senhor até que Ele
    retorne. Cumprir essa missão não é tarefa opcional, mas parte
    integrante da identidade cristã, porque é a extensão testemunhal da vocação mesma.
  112. Quando cresce no cristão a consciência de pertencer
    a Cristo, em razão da gratuidade e alegria que produz, cresce
    também o ímpeto de comunicar a todos o dom desse encontro. A missão não se limita a um programa ou projeto, mas é
    compartilhar a experiência do acontecimento do encontro com
    Cristo, testemunhá-lo e anunciá-lo de pessoa a pessoa, de comunidade a comunidade e da Igreja a todos os confins do mundo (cf. At 1,8).
  113. Bento XVI nos recorda que “o discípulo, fundamentado assim na rocha da Palavra de Deus, sente-se motivado a levar
    a Boa Nova da salvação a seus irmãos. Discipulado e missão são
    como as duas faces da mesma moeda: quando o discípulo está
    apaixonado por Cristo, não pode deixar de anunciar ao mundo
    que só Ele nos salva (cf. At 4,12). De fato, o discípulo sabe que
    sem Cristo não há luz, não há esperança, não há amor, não há
    futuro”.62 Essa é a tarefa essencial da evangelização, que inclui a
    opção preferencial pelos pobres, a promoção humana integral e
    a autêntica libertação cristã.
    62 DI 3.
    V CONFERÊNCIA GERAL DO EPISCOPADO LATINO-AMERICANO E DO CARIBE- aparecida – DOCUMENTO FINAL 77
  114. Jesus saiu ao encontro de pessoas em situações muito diferentes: homens e mulheres, pobres e ricos, judeus e estrangeiros, justos e pecadores… convidando-os a segui-lo. Hoje,
    continua convidando a encontrar nEle o amor do Pai. Por isso
    mesmo, o discípulo missionário há de ser um homem ou uma
    mulher que torna visível o amor misericordioso do Pai, especialmente para com os pobres e pecadores.
  115. Ao participar dessa missão, o discípulo caminha
    para a santidade. Vivê-la na missão o conduz ao coração do
    mundo. Por isso, a santidade não é fuga para o intimismo
    ou para o individualismo religioso, tampouco abandono da
    rea­lidade urgente dos grandes problemas econômicos, sociais
    e políticos da América Latina e do mundo, e muito menos
    fuga da realidade para um mundo exclusivamente espiri­tual.63
    4.4 Animados pelo Espírito Santo
  116. No começo de sua vida pública, depois de seu batismo, Jesus foi conduzido pelo Espírito Santo ao deserto para se
    preparar para a sua missão (cf. Mc 1,12-13) e, através da oração
    e do jejum, discerniu a vontade do Pai e venceu as tentações
    de seguir outros caminhos. Esse mesmo Espírito acompanhou
    Jesus durante toda sua vida (cf. At 10,38). Uma vez ressuscitado, Ele comunicou seu Espírito vivificador aos seus (cf. At
    2,33).
  117. A partir de Pentecostes, a Igreja experimenta de imediato fecundas irrupções do Espírito, vitalidade divina que se expressa em diversos dons e carismas (cf. 1 Cor 12,1-11) e variados
    ofícios que edificam a Igreja e servem à evangelização (cf. 1 Cor
    12,28-29). Através desses dons, a Igreja propaga o ministério
    salvífico do Senhor até que Ele de novo se manifeste no final
    dos tempos (cf. 1 Cor 1,6-7). O Espírito na Igreja forja missioná63 Cf. DI 3.
    78 CELAM
    rios decididos e valentes como Pedro (cf. At 4,13) e Paulo (cf. At
    13,9), indica os lugares que devem ser evangelizados e escolhe
    aqueles que devem fazê-lo (cf. At 13,2).
  118. A Igreja, enquanto marcada e selada “com Espírito
    Santo e fogo” (Mt 3,11), continua a obra do Messias, abrindo
    para o crente as portas da salvação (cf. 1 Cor 6,11). Paulo o afirma deste modo: “São vocês uma carta de Cristo redigida por
    nosso ministério e escrita não com tinta, mas com o Espírito do
    Deus vivo” (2Cor 3,3). O mesmo e único Espírito guia e fortalece
    a Igreja no anúncio da Palavra, na celebração da fé e no serviço
    da caridade, até que o Corpo de Cristo alcance a estatura de sua
    Cabeça (cf. Ef 4,15-16). Desse modo, pela presença eficaz de seu
    Espírito, Deus assegura até à parusia sua proposta de vida para
    homens e mulheres de todos os tempos e lugares, impulsionando a transformação da história e seus dinamismos. Portanto, o
    Senhor continua derramando hoje a sua Vida pelo trabalho da
    Igreja que, com “a força do Espírito Santo enviado do céu” (1Pd
    1,12), continua a missão que Jesus Cristo recebeu de seu Pai (cf.
    Jo 20,21).
  119. Jesus nos transmitiu as palavras de seu Pai e é o Espírito quem recorda à Igreja as palavras de Cristo (cf. Jo 14,26).
    Desde o princípio, os discípulos haviam sido formados por Jesus
    no Espírito Santo (cf. At 1,2); é, na Igreja, o Mestre interior que
    conduz ao conhecimento da verdade total, formando discípulos e missionários. Essa é a razão pela qual os seguidores de Jesus devem deixar-se guiar constantemente pelo Espírito (cf. Gl
    5,25), e tornar a paixão pelo Pai e pelo Reino sua própria paixão:
    anunciar a Boa Nova aos pobres, curar os enfermos, consolar os
    tristes, libertar os cativos e anunciar a todos o ano da graça do
    Senhor (cf. Lc 4,18-19).
  120. Essa realidade se faz presente em nossa vida por obra
    do Espírito Santo, o qual também nos ilumina e vivifica através
    dos sacramentos. Em virtude do Batismo e da Confirmação, somos chamados a ser discípulos missionários de Jesus Cristo e
    V CONFERÊNCIA GERAL DO EPISCOPADO LATINO-AMERICANO E DO CARIBE- aparecida – DOCUMENTO FINAL 79
    entramos na comunhão trinitária na Igreja. Esta tem seu ponto
    alto na Eucaristia, que é princípio e projeto da missão do cristão.
    “Assim, pois, a Santíssima Eucaristia conduz a iniciação cristã à
    sua plenitude e é como o centro e fim de toda a vida sacramental”.64
    64 SC 17.

5.1 Chamados a viver emcomunhão

  1. Jesus, no início de seu ministério, escolhe os doze
    para viver em comunhão com Ele (cf. Mc 3,14). Para favorecer
    a comunhão e avaliar a missão, Jesus lhes pede: “Venham só
    vocês a um lugar desabitado, para descansar um pouco” (Mc
    6,31-32). Em outras oportunidades, Jesus se encontrará com
    eles para lhes explicar o mistério do Reino (cf. Mc 4,11.33-34).
    Jesus age da mesma forma com o grupo dos setenta e dois
    discípulos (cf. Lc 10,17-20). Ao que parece, o encontro a sós
    indica que Jesus quer falar-lhes ao coração (cf. Os 2,14). Também hoje o encontro dos discípulos com Jesus na intimidade é
    indispensável para alimentar a vida comunitária e a atividade
    missionária.
  2. Os discípulos de Jesus são chamados a viver em comunhão com o Pai (1 Jo 1,3) e com seu Filho morto e ressuscitado,
    na “comunhão no Espírito Santo” (1 Cor 13,13). O mistério da
    Trindade é a fonte, o modelo e a meta do mistério da Igreja: “um
    povo reunido pela unidade do Pai, do Filho e do Espírito”, chamado em Cristo “como sacramento ou sinal e instrumento da
    íntima união com Deus e da unidade de todo o gênero humaCapítulo V
    A COMUNHÃO DOS DISCÍPULOS
    MISSIONÁRIOS NA IGREJA
    82 CELAM
    no”.65 A comunhão dos fiéis e das Igrejas locais do Povo de Deus
    se sustenta na comunhão com a Trindade.
  3. A vocação ao discipulado missionário é con-vocação
    à comunhão em sua Igreja. Não há discipulado sem comunhão.
    Diante da tentação, muito presente na cultura atual, de ser cristãos sem Igreja e das novas buscas espirituais individualistas,
    afirmamos que a fé em Jesus Cristo nos chegou através da comunidade eclesial e ela “nos dá uma família, a família universal
    de Deus na Igreja Católica. A fé nos liberta do isolamento do
    eu, porque nos conduz à comunhão”.66 Isso significa que uma
    dimensão constitutiva do acontecimento cristão é o fato de pertencer a uma comunidade concreta na qual podemos viver uma
    experiência permanente de discipulado e de comunhão com os
    sucessores dos Apóstolos e com o Papa.
  4. Ao receber a fé e o batismo, os cristãos acolhem a ação
    do Espírito Santo que leva a confessar a Jesus como Filho de
    Deus e a chamar Deus “Abba”. Todos os batizados e batizadas
    da América Latina e do Caribe, “através do sacerdócio comum
    do Povo de Deus”,67 somos chamados a viver e a transmitir a
    comunhão com a Trindade, pois “a evangelização é um chamado
    à participação da comunhão trinitária”.68
  5. Igual às primeiras comunidades de cristãos, hoje nos
    reunimos assiduamente para “escutar o ensinamento dos apóstolos, viver unidos e tomar parte no partir do pão e nas orações”
    (At 2,42). A comunhão da Igreja se nutre com o Pão da Palavra
    de Deus e com o Pão do Corpo de Cristo. A Eucaristia, participação de todos no mesmo Pão de Vida e no mesmo Cálice de
    Salvação, nos faz membros do mesmo Corpo (cf. 1 Cor 10,17).
    Ela é a fonte e o ponto mais alto da vida cristã,69 sua expressão
    65 LG 1. 66 DI 3. 67 Ibid. 5. 68 DP 218. 69 Cf. LG 11.
    V CONFERÊNCIA GERAL DO EPISCOPADO LATINO-AMERICANO E DO CARIBE- aparecida – DOCUMENTO FINAL 83
    mais perfeita e o alimento da vida em comunhão. Na Eucaristia,
    nutrem-se as novas relações evangélicas que surgem do fato de
    sermos filhos e filhas do Pai e irmãos e irmãs em Cristo. A Igreja
    que a celebra é “casa e escola de comunhão”70, onde os discípulos
    compartilham a mesma fé, esperança e amor a serviço da missão
    evangelizadora.
  6. A Igreja, como “comunidade de amor”71 é chamada
    a refletir a glória do amor de Deus, que é comunhão, e assim
    atrair as pessoas e os povos para Cristo. No exercício da unidade
    desejada por Jesus, os homens e mulheres de nosso tempo se
    sentem convocados e recorrem à formosa aventura da fé. “Que
    também eles vivam unidos a nós para que o mundo creia” (Jo
    17,21). A Igreja cresce, não por proselitismo mas “por ‘atração’:
    como Cristo ‘atrai tudo para si’ com a força do seu amor”.72 A
    Igreja “atrai” quando vive em comunhão, pois os discípulos de
    Jesus serão reconhecidos se amarem uns aos outros como Ele
    nos amou (cf. Rm 12,4-13; Jo 13,34).
  7. A Igreja peregrina vive antecipadamente a beleza do
    amor que se realizará no final dos tempos na perfeita comunhão
    com Deus e com os homens.73 Sua riqueza consiste em viver, já
    neste tempo, a “comunhão dos santos”, ou seja, a comunhão nos
    bens divinos entre todos os membros da Igreja, em particular
    entre os que peregrinam e os que já gozam da glória.74 Constatamos que em nossa Igreja existem numerosos católicos que
    expressam sua fé e sua pertença de forma esporádica, especialmente através da piedade a Jesus Cristo, à Virgem e sua devoção
    aos santos. Convidamos esses a aprofundarem sua fé e participarem mais plenamente na vida da Igreja recordando-lhes que,
    70 NMI 43. 71 DCE 19. 72 Bento XVI, Homilia na Eucaristia de inauguração da V Conferência Geral do Episcopado Latino-americano, 13 de maio de 2007, Aparecida, Brasil. 73 Cf. ibid. 74 Cf. LG 49.
    84 CELAM
    “em virtude do batismo, são chamados a ser discípulos e missionários de Jesus Cristo”.75
  8. A Igreja é comunhão no amor. Esta é sua essência e o
    sinal através do qual é chamada a ser reconhecida como seguidora de Cristo e servidora da humanidade. O novo mandamento é
    o que une os discípulos entre si, reconhecendo-se como irmãos e
    irmãs, obedientes ao mesmo Mestre, membros unidos à mesma
    Cabeça e, por isso, chamados a cuidarem uns dos outros (1Cor
    13; Cl 3,12-14).
  9. A diversidade de carismas, ministérios e serviços, abre
    o horizonte para o exercício cotidiano da comunhão através da
    qual os dons do Espírito são colocados à disposição dos demais
    para que circule a caridade (cf. 1Cor 12,4-12). De fato, cada batizado é portador de dons que deve desenvolver em unidade e
    complementaridade com os dons dos outros, a fim de formar
    o único Corpo de Cristo, entregue para a vida do mundo. O reconhecimento prático da unidade orgânica e da diversidade de
    funções assegurará maior vitalidade missionária e será sinal e
    instrumento de reconciliação e paz para nossos povos. Cada comunidade é chamada a descobrir e integrar os talentos escondidos e silenciosos que o Espírito presenteia aos fiéis.
  10. No povo de Deus, “a comunhão e a missão estão profundamente unidas entre si… A comunhão é missionária e a
    missão é para a comunhão”.76 Nas Igrejas particulares, todos os
    membros do povo de Deus, segundo suas vocações específicas,
    somos convocados à santidade na comunhão e na missão.
    5.2 Lugares eclesiais para a comunhão
    5.2.1 A diocese, lugar privilegiado da comunhão
  11. A vida em comunidade é essencial à vocação cristã. O
    discipulado e a missão sempre supõem a pertença a uma comu75 DI 3. 76 ChL 32.
    V CONFERÊNCIA GERAL DO EPISCOPADO LATINO-AMERICANO E DO CARIBE- aparecida – DOCUMENTO FINAL 85
    nidade. Deus não quis salvar-nos isoladamente, mas formando
    um Povo.77 Este é um aspecto que distingue a experiência da
    vocação cristã de um simples sentimento religioso individual.
    Por isso, a experiência de fé é sempre vivida em uma Igreja Particular.
  12. Reunida e alimentada pela Palavra e pela Eucaristia,
    a Igreja Católica existe e se manifesta em cada Igreja particular,
    em comunhão com o Bispo de Roma.78 Esta é, como afirma o
    Concílio, “uma porção do povo de Deus confiada a um bispo para
    que a apascente com seu presbitério”.79
  13. A Igreja particular é totalmente Igreja, mas não é toda
    a Igreja. É a realização concreta do mistério da Igreja Universal
    em determinado lugar e tempo. Para isso, ela deve estar em comunhão com as outras Igrejas particulares e sob o pastoreio supremo do Papa, Bispo de Roma, que preside a todas as Igrejas.
  14. O amadurecimento no seguimento de Jesus e a paixão por anunciá-lo requerem que a Igreja particular se renove
    constantemente em sua vida e ardor missionário. Só assim pode
    ser, para todos os batizados, casa e escola de comunhão, de participação e solidariedade. Em sua realidade social concreta, o
    discípulo tem a experiência do encontro com Jesus Cristo vivo,
    amadurece sua vocação cristã, descobre a riqueza e a graça de ser
    missionário e anuncia a Palavra com alegria.
  15. A Diocese, em todas as suas comunidades e estruturas, é chamada a ser “comunidade missionária”.80 Cada Diocese necessita fortalecer sua consciência missionária, saindo
    ao encontro dos que ainda não crêem em Cristo no espaço de
    seu próprio território e responder adequadamente aos grandes problemas da sociedade na qual está inserida. Mas tam77 LG 9. 78 ChL 85. 79 ChD 11. 80 Cf. ChL 32.
    86 CELAM
    bém, com espírito materno, é chamada a sair em busca de todos os batizados que não participam na vida das comunidades
    cristãs.
  16. A Diocese, presidida pelo Bispo, é o primeiro espaço da
    comunhão e da missão. Ele deve estimular e conduzir uma ação
    pastoral orgânica renovada e vigorosa, de maneira que a variedade de carismas, ministérios, serviços e organizações se orientem
    no mesmo projeto missionário para comunicar vida no próprio
    território. Esse projeto, que surge de um caminho de variada
    participação, torna possível a pastoral orgânica, capaz de dar
    resposta aos novos desafios. Porque um projeto só é eficiente se
    cada comunidade cristã, cada paróquia, cada comunidade educativa, cada comunidade de vida consagrada, cada associação ou
    movimento e cada pequena comunidade se inserem ativamente na pastoral orgânica de cada diocese. Cada uma é chamada a
    evangelizar de modo harmônico e integrado no projeto pastoral
    da Diocese.
    5.2.2 A paróquia, comunidade de comunidades
  17. Entre as comunidades eclesiais, nas quais vivem e se
    formam os discípulos e missionários de Jesus Cristo, sobressaem
    as Paróquias. São células vivas da Igreja81 e o lugar privilegiado
    no qual a maioria dos fiéis tem uma experiência concreta de Cristo e a comunhão eclesial.82 São chamadas a ser casas e escolas de
    comunhão. Um dos maiores desejos que se têm expressado nas
    Igrejas da América Latina e do Caribe, motivando a preparação
    da V Conferência Geral, é o de uma valente ação renovadora das
    Paróquias, a fim de que sejam de verdade “espaços da iniciação
    cristã, da educação e celebração da fé, abertas à diversidade de
    carismas, serviços e ministérios, organizadas de modo comunitário e responsável, integradoras de movimentos de apostolado
    já existentes, atentas à diversidade cultural de seus habitantes,
    81 AA 10; SD 55. 82 EAm 41.
    V CONFERÊNCIA GERAL DO EPISCOPADO LATINO-AMERICANO E DO CARIBE- aparecida – DOCUMENTO FINAL 87
    abertas aos projetos pastorais e supra-paroquiais e às realidades
    circundantes”.83
  18. Todos os membros da comunidade paroquial são responsáveis pela evangelização dos homens e mulheres em cada
    ambiente. O Espírito Santo, que atua em Jesus Cristo, é também
    enviado a todos enquanto membros da comunidade, porque sua
    ação não se limita ao âmbito individual. A tarefa missionária se
    abre sempre às comunidades, assim como ocorreu em Pentecostes (cf. At 2,1-13).
  19. A renovação das paróquias no início do terceiro milênio exige a reformulação de suas estruturas, para que seja uma
    rede de comunidades e grupos, capazes de se articular conseguindo que seus membros se sintam realmente discípulos e missionários de Jesus Cristo em comunhão. A partir da paróquia, é
    necessário anunciar o que Jesus Cristo “fez e ensinou” (At 1,1)
    enquanto esteve entre nós. Sua pessoa e sua obra são a boa nova
    de salvação anunciada pelos ministros e testemunhas da Palavra
    que o Espírito desperta e inspira. A palavra acolhida é salvífica e
    reveladora do mistério de Deus e de sua vontade. Toda paróquia
    é chamada a ser o espaço onde se recebe e se acolhe a Palavra,
    onde se celebra e se expressa na adoração do Corpo de Cristo, e
    assim é a fonte dinâmica do discipulado missionário. Sua própria renovação exige que se deixe iluminar de novo e sempre
    pela Palavra viva e eficaz.
  20. A V Conferência Geral é uma oportunidade para que
    todas as nossas paróquias se tornem missionárias. O número de
    católicos que chegam à nossa celebração dominical é limitado; é
    imenso o número dos distanciados, assim como o número daqueles que não conhecem a Cristo. A renovação missionária das
    paróquias se impõe, tanto na evangelização das grandes cidades
    como do mundo rural de nosso Continente, que está exigindo de
    nós imaginação e criatividade para chegar às multidões que de83 Ibid.
    88 CELAM
    sejam o Evangelho de Jesus Cristo. Particularmente no mundo
    urbano, é urgente a criação de novas estruturas pastorais, visto
    que muitas delas nasceram em outras épocas para responder às
    necessidades do âmbito rural.
  21. Os melhores esforços das paróquias neste início do
    terceiro milênio devem estar na convocação e na formação de
    leigos missionários. Só através da multiplicação deles poderemos chegar a responder às exigências missionárias do momento
    atual. Também é importante recordar que o campo específico da
    atividade evangelizadora leiga é o complexo mundo do trabalho,
    da cultura, das ciências e das artes, da política, dos meios de comunicação e da economia, assim como as esferas da família, da
    educação, da vida profissional, sobretudo nos contextos onde a
    Igreja se faz presente somente por eles84.
  22. Seguindo o exemplo da primeira comunidade cristã (cf
    At 2,46-47), a comunidade paroquial se reúne para partir o pão
    da Palavra e da Eucaristia e perseverar na catequese, na vida sacramental e na prática da caridade85. Na celebração eucarística,
    ela renova sua vida em Cristo. A Eucaristia, na qual se fortalece a
    comunidade dos discípulos, é para a Paróquia uma escola de vida
    cristã. Nela, juntamente com a adoração eucarística e com a prática do sacramento da reconciliação para comungar dignamente,
    seus membros são preparados para dar frutos permanentes de
    caridade, reconciliação e justiça para a vida do mundo.
    a) A Eucaristia, fonte e ponto alto da vida cristã, faz com
    que nossas paróquias sejam sempre comunidades eucarísticas que vivem sacramentalmente o encontro com o
    Cristo Salvador. Elas também celebram com alegria:
    b) No batismo: a incorporação de um novo membro a Cristo
    e a seu corpo que é a Igreja.
    84 LG 31.33; GS 43; AA 2. 85 Bento XVI, Audiência Geral, Viagem Apostólica ao Brasil, 23 de maio de 2007.
    V CONFERÊNCIA GERAL DO EPISCOPADO LATINO-AMERICANO E DO CARIBE- aparecida – DOCUMENTO FINAL 89
    c) Na Confirmação: a perfeição do caráter batismal e o fortalecimento da pertença eclesial e da maturidade apostólica.
    d) Na Penitência ou Reconciliação: a conversão que todos
    necessitamos para combater o pecado que nos faz incoerentes com os compromissos batismais.
    e) Na Unção dos Enfermos; o sentido evangélico dos membros da comunidade, seriamente enfermos ou em perigo
    de morte.
    f) No sacramento da Ordem: o dom do ministério apostólico que continua sendo exercido na Igreja para o serviço
    pastoral a todos os fiéis.
    g) No Matrimônio: o amor entre o casal que como graça de
    Deus germina e cresce até a maturidade, tornando efetiva
    na vida cotidiana a doação total que mutuamente fizeram
    ao se casar.
  23. A Eucaristia, sinal da unidade com todos, que prolonga e faz presente o mistério do Filho de Deus feito homem (cf. Fl
    2,6-8), nos propõe a exigência de uma evangelização integral. A
    imensa maioria dos católicos de nosso continente vive sob o flagelo da pobreza. Esta tem diversas expressões: econômica, física, espiritual, moral etc. Se Jesus veio para que todos tenhamos
    vida em abundância, a paróquia tem a maravilhosa ocasião de
    responder às grandes necessidades de nossos povos. Para isso,
    tem que seguir o caminho de Jesus e chegar a ser a boa samaritana como Ele. Cada paróquia deve chegar a concretizar em sinais solidários seu compromisso social nos diversos meios em
    que se move, com toda “a imaginação da caridade”.86 Não pode
    ser alheia aos grandes sofrimentos que a maioria de nossa gente
    vive e que com muita freqüência são pobrezas escondidas. Toda
    autêntica missão unifica a preocupação pela dimensão transcen86 NMI 50.
    90 CELAM
    dente do ser humano e portodas as suas necessidades concretas,
    para que todos alcancem a plenitude que Jesus Cristo oferece.
  24. Bento XVI nos recorda que “o amor à Eucaristia leva
    também a apreciar cada vez mais o Sacramento da Reconciliação”.87 Vivemos numa cultura marcada por forte relativismo e
    perda do sentido do pecado que nos leva a esquecer a necessidade do sacramento da Reconciliação para nos aproximarmos
    dignamente a fim de recebermos a Eucaristia. Como pastores,
    somos chamados a fomentar a confissão freqüente. Convidamos
    nossos presbíteros a dedicar tempo suficiente para oferecer o
    sacramento da reconciliação com zelo pastoral e entranhas de
    misericórdia, a preparar dignamente os lugares da celebração, de
    maneira que sejam expressão do significado deste sacramento.
    Igualmente, pedimos a nossos fiéis que valorizem esse presente
    maravilhoso de Deus e se aproximem dele para renovar a graça
    batismal e viver, com maior autenticidade, o chamado de Jesus a
    serem seus discípulos e missionários. Nós, bispos e presbíteros,
    ministros da reconciliação, somos chamados a viver, de maneira
    particular, na intimidade com o Mestre. Somos conscientes de
    nossa fraqueza e da necessidade de sermos purificados pela graça do sacramento, que se nos oferece para nos identificarmos,
    cada vez mais, com Cristo, Bom Pastor e missionário do Pai. Simultaneamente, com plena disponibilidade, temos a alegria de
    ser ministros da reconciliação, e também nós temos de nos aproximar freqüentemente, em caminho penitencial, do Sacramento
    da Reconciliação.
    5.2.3 Comunidades Eclesiais de Base e Pequenas Comunidades
  25. Na experiência eclesial de algumas Igrejas da América
    Latina e do Caribe, as Comunidades Eclesiais de Base têm sido
    escolas que têm ajudado a formar cristãos comprometidos com
    sua fé, discípulos e missionários do Senhor, como o testemunha
    a entrega generosa, até derramar o sangue, de muitos de seus
    87 SC 20.
    V CONFERÊNCIA GERAL DO EPISCOPADO LATINO-AMERICANO E DO CARIBE- aparecida – DOCUMENTO FINAL 91
    membros. Elas abraçam a experiência das primeiras comunidades, como estão descritas nos Atos dos Apóstolos (At 2,42-47).
    Medellín reconheceu nelas uma célula inicial de estruturação
    eclesial e foco de fé e evangelização.88 Puebla constatou que as
    pequenas comunidades, sobretudo as comunidades eclesiais de
    base, permitiram ao povo chegar a um conhecimento maior da
    Palavra de Deus, ao compromisso social em nome do Evangelho,
    ao surgimento de novos serviços leigos e à educação da fé dos
    adultos;89 no entanto, também constatou “que não têm faltado
    membros de comunidade ou comunidades inteiras que, atraídas
    por instituições puramente leigas ou radicalizadas ideologicamente, foram perdendo o sentido eclesial”.90
  26. As comunidades eclesiais de base, no seguimento
    missionário de Jesus, têm a Palavra de Deus como fonte de sua
    espiritualidade e a orientação de seus pastores como guia que
    assegura a comunhão eclesial. Demonstram seu compromisso
    evangelizador e missionário entre os mais simples e afastados,
    e são expressão visível da opção preferencial pelos pobres. São
    fonte e semente de variados serviços e ministérios a favor da
    vida na sociedade e na Igreja. Mantendo-se em comunhão com
    seu bispo e inserindo-se no projeto de pastoral diocesana, as
    CEBs se convertem em sinal de vitalidade na Igreja particular.
    Atuando dessa forma, juntamente com os grupos paroquiais,
    associações e movimentos eclesiais, podem contribuir para revitalizar as paróquias, fazendo delas uma comunidade de comunidades. Em seu esforço de corresponder aos desafios dos tempos
    atuais, as comunidades eclesiais de base terão o cuidado de não
    alterar o tesouro precioso da Tradição e do Magistério da Igreja.
  27. Como resposta às exigências da evangelização, junto
    com as comunidades eclesiais de base, existem outras formas
    válidas de pequenas comunidades, inclusive redes de comunida88 Cf. Medellín 15. 89 Cf. Puebla 629. 90 Ibid. 630.
    92 CELAM
    des, de movimentos, grupos de vida, de oração e de reflexão da
    palavra de Deus. Todas as comunidades e grupos eclesiais darão
    fruto na medida em que a Eucaristia for o centro de sua vida e a
    Palavra de Deus for o farol de seu caminho e de sua atuação na
    única Igreja de Cristo.
    5.2.4 As Conferências Episcopais e a comunhão entre as Igrejas
  28. Os bispos, além do serviço à comunhão que prestam
    em suas Igrejas particulares, exercem este ofício junto com as
    outras Igrejas diocesanas. Desse modo, realizam e manifestam o
    vínculo de comunhão que as une entre si. Esta experiência de comunhão episcopal, sobretudo após o Concílio Vaticano II, deve
    ser entendida como encontro com o Cristo vivo, presente nos
    irmãos que estão reunidos em seu nome.91 Para crescer nessa
    fraternidade e na co-responsabilidade pastoral, os bispos devem
    cultivar a espiritualidade da comunhão, a fim de acrescentar os
    vínculos de colegialidade que os unem aos demais bispos de sua
    própria Conferência, e também a todo o Colégio Episcopal e à
    Igreja de Roma, presidida pelo sucessor de Pedro: cum Petro et
    sub Petro.92 Na Conferência Episcopal, os bispos encontram seu
    espaço de discernimento solidário sobre os grandes problemas
    da sociedade e da Igreja, e o estímulo para oferecer orientações
    pastorais que animem os membros do Povo de Deus a assumirem com fidelidade e decisão sua vocação de ser discípulos missionários.
  29. O Povo de Deus se constrói como comunhão de Igrejas
    particulares, e através delas como intercâmbio entre as culturas.
    Nesse marco, os bispos e as Igrejas locais expressam sua solicitude para com todas as Igrejas, especialmente para com as mais
    próximas, reunidas nas províncias eclesiásticas, nas conferências regionais e em outras formas de associação interdiocesana
    no interior de cada Nação ou entre países da mesma Região ou
    91 Cf. EAm 37. 92 Cf. João Paulo II, Apostolos suos.
    V CONFERÊNCIA GERAL DO EPISCOPADO LATINO-AMERICANO E DO CARIBE- aparecida – DOCUMENTO FINAL 93
    Continente. Essas várias formas de comunhão estimulam com
    vigor as “relações de irmandade entre as dioceses e as paróquias”93 e fomentam “maior cooperação entre as Igrejas irmãs”.94
  30. O CELAM é um organismo eclesial de fraterna ajuda
    episcopal, cuja preocupação fundamental é colaborar para a evangelização do Continente. Ao longo de seus 50 anos, tem oferecido serviços muito importantes às Conferências Episcopais e às
    nossas Igrejas particulares, entre os quais destacamos as Conferências Gerais, os Encontros Regionais, os Seminários de estudo,
    em seus diversos organismos e instituições. O resultado de todo
    esse esforço é uma sentida fraternidade entre os bispos do Continente e uma reflexão teológica e uma linguagem pastoral comuns que favorecema comunhão e o intercâmbio entre as Igrejas.
    5.3. Discípulosmissionárioscomvocações específicas
  31. A condição do discípulo brota de Jesus Cristo como de
    sua fonte, pela fé e pelo batismo, e cresce na Igreja, comunidade
    onde todos os seus membros adquirem igual dignidade e participam de diversos ministérios e carismas. Desse modo, realiza-se
    na Igreja a forma própria e específica de viver a santidade batismal a serviço do Reino de Deus.
  32. No fiel cumprimento de sua vocação batismal, o discípulo deve levar em consideração os desafios que o mundo de
    hoje apresenta à Igreja de Jesus, entre outros: o êxodo de fiéis
    para seitas e outros grupos religiosos; as correntes culturais contrárias a Cristo e à Igreja; a desmotivação de sacerdotes frente
    ao vasto trabalho pastoral; a escassez de sacerdotes em muitos
    lugares; a mudança de paradigmas culturais; o fenômeno da globalização e a secularização; os graves problemas de violência, pobreza e injustiça; a crescente cultura da morte que afeta a vida
    em todas as suas formas.
    93 Ibid. 33. 94 Ibid. 74.
    94 CELAM
    5.3.1 Os bispos, discípulos missionários de Jesus Sumo Sacerdote
  33. Os bispos, como sucessores dos apóstolos, junto
    com o Sumo Pontífice e sob sua autoridade,95 com fé e esperança aceitamos a vocação de servir ao Povo de Deus, conforme o coração de Cristo Bom Pastor. Junto com todos os fiéis e
    em virtude do batismo somos, antes de mais nada, discípulos e
    membros do Povo de Deus. Como todos os batizados e, junto
    com eles, queremos seguir a Jesus, Mestre de vida e verdade, na
    comunhão da Igreja. Como Pastores, servidores do Evangelho,
    somos conscientes de termos sido chamados a viver o amor a
    Jesus Cristo e à Igreja na intimidade da oração e da doação de
    nós mesmos aos irmãos e irmãs, a quem presidimos na caridade. É como disse santo Agostinho: com vocês sou cristão, para
    vocês sou bispo.
  34. O Senhor nos chama a promover por todos os meios
    a caridade e a santidade dos fiéis. Empenhamo-nos para que
    o povo de Deus cresça na graça mediante os sacramentos presididos por nós mesmos e pelos demais ministros ordenados.
    Somos chamados a ser mestres da fé e, portanto, a anunciar
    a Boa Nova, que é fonte de esperança para todos, e a velar e
    promover com solicitude e coragem a fé católica. Em virtude
    da íntima fraternidade que provém do sacramento da Ordem,
    temos o dever de cultivar de maneira especial os vínculos que
    nos unem a nossos presbíteros e diáconos. Servimos a Cristo e
    à Igreja mediante o discernimento da vontade do Pai, para refletir o Senhor em nosso modo de pensar, de sentir, de falar e de
    se comportar em meio aos homens. Em síntese, os bispos têm
    de ser testemunhas próximas e alegres de Jesus Cristo, Bom
    Pastor (cf. Jo 10,1-18).
  35. Os bispos, como pastores e guias espirituais das comunidades a nós encomendadas, somos chamados a “fazer da
    95 Cf. ChD 2.
    V CONFERÊNCIA GERAL DO EPISCOPADO LATINO-AMERICANO E DO CARIBE- aparecida – DOCUMENTO FINAL 95
    Igreja uma casa e escola de comunhão”.96 Como animadores da
    comunhão, temos a missão de acolher, discernir e animar carismas, ministérios e serviços na Igreja. Como pais e centro de
    unidade, nos esforçamos por apresentar ao mundo o rosto de
    uma Igreja na qual todos se sintam acolhidos como em sua própria casa. Para todo o Povo de Deus, em especial para os presbíteros, procuramos ser pais, amigos e irmãos, sempre abertos
    ao diálogo.
  36. Para crescer nessas atitudes, os bispos precisamos procurar a união constante com o Senhor, cultivar a espiritualidade
    da comunhão com todos os que crêem em Cristo e promover os
    vínculos de colegialidade que os unem ao Colégio Episcopal, particularmente com sua Cabeça, o Bispo de Roma. Não podemos
    esquecer que o bispo é princípio e construtor da unidade de sua
    Igreja particular e santificador de seu povo, testemunha de esperança e pai dos fiéis, especialmente dos pobres, e que sua principal tarefa é ser mestres da fé, anunciadores da Palavra de Deus e
    da administração dos sacramentos, como servidores da grei.
  37. Todo o Povo de Deus deve agradecer aos Bispos eméritos que como pastores têm entregue sua vida a serviço do Reino
    de Deus, sendo discípulos e missionários. A eles acolhemos com
    carinho e aproveitamos sua vasta experiência apostólica que
    ainda pode produzir muitos frutos. Eles mantêm profundos vínculos com as dioceses que lhes foram confiadas e às quais estão
    unidos por sua caridade e sua oração.
    5.3.2 Os presbíteros, discípulos missionários de Jesus Bom Pastor
    5.3.2.1 Identidade e missão dos presbíteros
  38. Valorizamos e agradecemos com alegria porque na
    imensa maioria os presbíteros vivem seu ministério com fidelidade e são modelo para os demais, que reservam tempo para
    sua formação permanente, porque cultivam uma vida espiritual
    96 NMI 43.
    96 CELAM
    que incentiva os demais presbíteros, centrada que está na escuta
    da Palavra de Deus e na celebração diária da Eucaristia: “Minha
    Missa é minha vida e minha vida é uma Missa prolongada!”97
    Agradecemos também àqueles que foram enviados a outras Igrejas motivados por autêntico sentido missionário.
  39. Um olhar ao nosso momento atual nos mostra situações que afetam e desafiam a vida e o ministério de nossos presbíteros. Entre outras coisas, a identidade teológica do ministério
    presbiteral, sua inserção na cultura atual e situações que incidem
    sobre a existência deles.
  40. O primeiro desafio tem relação com a identidade teológica do ministério presbiteral. O Concílio Vaticano II estabelece o sacerdócio ministerial a serviço do sacerdócio comum dos
    fiéis, e cada um, ainda que de maneira qualitativamente diferente, participa do único sacerdócio de Cristo.98 Cristo, Sumo
    e Eterno Sacerdote, nos remiu e nos partilhou sua vida divina.
    NEle, somos todos filhos do mesmo Pai e irmãos entre nós. O
    sacerdote não pode cair na tentação de se considerar somente
    mero delegado ou apenas representante da comunidade, mas
    sim um dom para ela, pela unção do Espírito e por sua especial
    união com Cristo. “Todo Sumo Sacerdote é tomado dentre os homens e colocado para intervir a favor dos homens em tudo o que
    se refere ao serviço de Deus” (Hb 5,1).
  41. O segundo desafio se refere ao ministério do presbítero inserido na cultura atual. O presbítero é chamado a conhecê-la para semear nela a semente do Evangelho, ou seja,
    para que a mensagem de Jesus chegue a ser uma interpelação
    válida, compreensível, cheia de esperança e relevante para a
    vida do homem e da mulher de hoje, especialmente para os
    jovens. Esse desafio inclui a necessidade de potencializar adequadamente a formação inicial e permanente dos presbíteros,
    97 HURTADO, Alberto. Um fuego que enciende otros fuegos, pp. 69-70. 98 Cf. LG 10.
    V CONFERÊNCIA GERAL DO EPISCOPADO LATINO-AMERICANO E DO CARIBE- aparecida – DOCUMENTO FINAL 97
    em suas quatro dimensões: humana, espiritual, intelectual e
    pastoral.99
  42. O terceiro desafio se refere aos aspectos vitais e afetivos, ao celibato e a uma vida espiritual intensa fundada na caridade pastoral, que se nutre na experiência pessoal com Deus
    e na comunhão com os irmãos; também ao cultivo de relações
    fraternas com o Bispo, com os demais presbíteros da diocese e
    com os leigos. Para que o ministério do presbítero seja coerente
    e testemunhal, ele deve amar e realizar sua tarefa pastoral em
    comunhão com o bispo e com os demais presbíteros da diocese.
    O ministério sacerdotal que brota da Ordem Sagrada tem “radical forma comunitária” e só pode desenvolver-se como “tarefa
    coletiva”.100 O sacerdote deve ser homem de oração, maduro em
    sua opção de vida por Deus, fazer uso dos meios de perseverança, como o Sacramento da Confissão, da devoção à Santíssima
    Virgem, da mortificação e da entrega apaixonada por sua missão
    pastoral.
  43. Em particular, o presbítero é convidado a valorizar
    como dom de Deus o celibato, que lhe possibilita especial configuração com o estilo de vida do próprio Cristo e o faz sinal de sua
    caridade pastoral na entrega a Deus e aos homens com o coração
    pleno e indivisível. “Na verdade, esta opção do sacerdote é uma
    expressão singular da entrega que o configura com Cristo e da
    entrega de si mesmo pelo Reino de Deus”.101 O celibato solicita
    assumir com maturidade a própria afetividade e sexualidade, vivendo-as com serenidade e alegria no caminho comunitário.102
  44. Outros desafios são de caráter estrutural, como por
    exemplo a existência de paróquias muito grandes, que dificultam o exercício de uma pastoral adequada: paróquias muito pobres que fazem com que os pastores se dediquem a outras ta-
    99 Cf. PDV 72. 100 Ibid. 17. 101 SCa 24. 102 Cf. PDV 44.
    98 CELAM
    refas para poderem subsistir; paróquias situadas em regiões de
    extrema violência e insegurança, e a falta e má distribuição de
    presbíteros nas Igrejas do Continente.
  45. O presbítero, à imagem do Bom Pastor, é chamado a
    ser homem de misericórdia e compaixão, próximo a seu povo e
    servidor de todos, particularmente dos que sofrem grandes necessidades. A caridade pastoral, fonte da espiritualidade sacerdotal, anima e unifica sua vida e ministério. Consciente de suas
    limitações, ele valoriza a pastoral orgânica e se insere com gosto
    em seu presbitério.
  46. O Povo de Deus sente a necessidade de presbíterosdiscípulos: que tenham profunda experiência de Deus, configurados com o coração do Bom Pastor, dóceis às orientações do
    Espírito, que se nutram da Palavra de Deus, da Eucaristia e da
    oração; de presbíteros-missionários: movidos pela caridade pastoral que os leve a cuidar do rebanho a eles confiado e a procurar
    os mais distantes, pregando a Palavra de Deus, sempre em profunda comunhão com seu Bispo, com os presbíteros, diáconos,
    religiosos, religiosas e leigos; de presbíteros-servidores da vida:
    que estejam atentos às necessidades dos mais pobres, comprometidos na defesa dos direitos dos mais fracos, e promotores
    da cultura da solidariedade. Também de presbíteros cheios de
    misericórdia, disponíveis para administrar o sacramento da reconciliação.
  47. Tudo isso exige que as Dioceses e as Conferências
    Episcopais desenvolvam uma pastoral presbiteral que privilegie
    a espiritualidade específica e a formação permanente e integral
    dos sacerdotes. A Exortação Apostólica Pastores Dabo Vobis enfatiza que: “A formação permanente, precisamente porque é
    “permanente”, deve acompanhar os sacerdotes sempre, isto é,
    em qualquer período e situação de sua vida, assim como nos diversos cargos de responsabilidade eclesial que sejam confiados a
    eles; tudo isso levando em consideração, naturalmente, as possibilidades e características próprias da idade, condições de vida
    V CONFERÊNCIA GERAL DO EPISCOPADO LATINO-AMERICANO E DO CARIBE- aparecida – DOCUMENTO FINAL 99
    e tarefas confiadas”.103 Levando em consideração o número de
    presbíteros que abandonaram o ministério, cada Igreja particular procure estabelecer com eles relações de fraternidade e mútua colaboração conforme as normas prescritas pela Igreja.
    5.3.2.2 Os párocos, animadores de uma comunidade
    de discípulos missionários
  48. A renovação da paróquia exige atitudes novas dos párocos e dos sacerdotes que estão a serviço dela. A primeira exigência é que o pároco seja autêntico discípulo de Jesus Cristo,
    porque só um sacerdote apaixonado pelo Senhor pode renovar
    uma paróquia. Mas, ao mesmo tempo, deve ser ardoroso missionário que vive o constante desejo de buscar os afastados e não se
    contenta com a simples administração.
  49. Mas, sem dúvida, não basta a entrega generosa do sacerdote e das comunidades de religiosos. Requer-se que todos
    os leigos se sintam co-responsáveis na formação dos discípulos
    e na missão. Isso supõe que os párocos sejam promotores e animadores da diversidade missionária e que dediquem tempo generosamente ao sacramento da reconciliação. Uma paróquia renovada multiplica as pessoas que realizam serviços e acrescenta
    os ministérios. Igualmente, nesse campo, se requer imaginação
    para encontrar resposta aos muitos e sempre mutáveis desafios
    que a realidade coloca, exigindo novos serviços e ministérios. A
    integração de todos eles na unidade de um único projeto evangelizador é essencial para assegurar uma comunhão missionária.
  50. Uma paróquia, comunidade de discípulos missionários, requer organismos que superem qualquer tipo de burocracia. Os Conselhos Pastorais Paroquiais terão de estar formados
    por discípulos missionários constantemente preocupados em
    chegar a todos. O Conselho de Assuntos Econômicos junto a
    toda a comunidade paroquial, trabalhará para obter os recursos
    103 PDV 76.
    100 CELAM
    necessários, de maneira que a missão avance e se faça realidade
    em todos os ambientes. Estes e todos os organismos precisam
    estar animados por uma espiritualidade de comunhão missionária: “Sem este caminho espiritual, de pouco serviriam os instrumentos externos da comunhão. Mais do que modos de expressão e crescimento, esses instrumentos se tornariam meios sem
    alma, máscaras de comunhão”.104
  51. Dentro do território paroquial, a família cristã é a
    primeira e mais básica comunidade eclesial. Nela se vivem e se
    transmitem os valores fundamentais da vida cristã. Ela se chama
    “Igreja Doméstica”.105 Aí, os pais desempenham o papel de primeiros transmissores da fé a seus filhos, ensinando-lhes através
    do exemplo e da palavra, a serem verdadeiros discípulos missionários. Ao mesmo tempo, quando essa experiência de discipulado missionário é autêntica, “uma família se faz evangelizadora
    de muitas outras famílias e do ambiente em que ela vive”.106 Isso
    age na vida diária “dentro e através dos atos, das dificuldades,
    dos acontecimentos da existência de cada dia”.107 O Espírito,
    que faz tudo novo, atua inclusive dentro de situações irregulares, nas quais se realiza um processo de transmissão da fé, mas
    temos de reconhecer que, nas atuais circunstâncias, às vezes
    esse processo se encontra com muitas dificuldades. Não se propõe que a Paróquia chegue só a sujeitos afastados, mas à vida de
    todas as famílias, para fortalecer nelas a dimensão missionária.
    5.3.3 Os diáconos permanentes, discípulos missionários
    de Jesus Servidor
  52. Alguns discípulos e missionários do Senhor são chamados a servir à Igreja como diáconos permanentes, fortalecidos,
    em sua maioria, pela dupla sacramentalidade do matrimônio e
    da Ordem. São ordenados para o serviço da Palavra, da caridade
    104 NMI 43. 105 LG 11. 106 FC 52; CCE 1655-1658, 2204-2206, 2685. 107 FC 51.
    V CONFERÊNCIA GERAL DO EPISCOPADO LATINO-AMERICANO E DO CARIBE- aparecida – DOCUMENTO FINAL 101
    e da liturgia, especialmente para os sacramentos do Batismo e
    do Matrimônio; também para acompanhar a formação de novas
    comunidades eclesiais, especialmente nas fronteiras geográficas
    e culturais, onde ordinariamente não chega a ação evangelizadora da Igreja.
  53. Cada diácono permanente deve cultivar esmeradamente sua inserção no corpo diaconal, em fiel comunhão com
    seu bispo e em estreita unidade com os presbíteros e os demais
    membros do povo de Deus. Quando estão a serviço de uma paróquia, é necessário que os diáconos e presbíteros procurem o
    diálogo e trabalhem em comunhão.
  54. Eles devem receber adequada formação humana, espiritual, doutrinal e pastoral com programas adequados que
    levem em consideração – no caso dos que estão casados – a
    esposa e a família. Sua formação os habilitará a exercer seu ministério com fruto nos campos da evangelização, da vida das
    comunidades, da liturgia e da ação social, especialmente com
    os mais necessitados, dando assim testemunho de Cristo servidor ao lado dos enfermos, dos que sofrem, dos migrantes e
    refugiados, dos excluídos e das vítimas da violência e encarcerados.
  55. A V Conferência espera dos diáconos um testemunho
    evangélico e impulso missionário para que sejam apóstolos em
    suas famílias, em seus trabalhos, em suas comunidades e nas novas fronteiras da missão. Não é necessário criar nos candidatos
    ao diaconato expectativas permanentes que superem a natureza
    própria que corresponde ao grau do diaconato.
    5.3.4 Os fiéis leigos e leigas, discípulos e missionários de Jesus,
    Luz do Mundo
  56. Os fiéis leigos são “os cristãos que estão incorporados
    a Cristo pelo batismo, que formam o povo de Deus e participam
    das funções de Cristo: sacerdote, profeta e rei. Realizam, segundo sua condição, a missão de todo o povo cristão na Igreja e no
    102 CELAM
    mundo”108. São “homens da Igreja no coração do mundo, e homens do mundo no coração da Igreja”.109
  57. Sua missão própria e específica se realiza no mundo,
    de tal modo que, com seu testemunho e sua atividade, contribuam para a transformação das realidades e para a criação de
    estruturas justas segundo os critérios do Evangelho. “O espaço
    próprio de sua atividade evangelizadora é o mundo vasto e complexo da política, da realidade social e da economia, como também da cultura, das ciências e das artes, da vida internacional,
    dos ‘mass media’, e outras realidades abertas à evangelização,
    como o amor, a família, a educação das crianças e adolescentes,
    o trabalho profissional e o sofrimento”.110 Além disso, eles têm o
    dever de fazer crível a fé que professam, mostrando autenticidade e coerência em sua conduta.
    211.Osleigostambémsãochamadosaparticiparnaaçãopastoral da Igreja, primeiro com o testemunho de vida e, em segundo
    lugar, com ações no campo da evangelização, da vida litúrgica e
    outras formas de apostolado, segundo as necessidades locais sob
    a guia de seus pastores. Estes estarão dispostos a abrir para eles
    espaços de participação e confiar-lhes ministérios e responsabilidades em uma Igreja onde todos vivam de maneira responsável
    seu compromisso cristão. Aos catequistas, ministros da Palavra
    e animadores de comunidades que cumprem magnífica tarefa
    dentro da Igreja,111 os reconhecemos e animamos a continuarem
    o compromisso que adquiriram no batismo e na confirmação.
    212.Para cumprir suamissão comresponsabilidade pes­soal,
    os leigos necessitam de sólida formação doutrinal, pastoral, espiritual e adequado acompanhamento para darem testemunho
    de Cristo e dos valores do Reino no âmbito da vida social, econômica, política e cultural.
    108 Cf. LG 31. 109 DP 786. 110 EN 70. 111 Cf. LG 31.33; GS 43; AA 2.
    V CONFERÊNCIA GERAL DO EPISCOPADO LATINO-AMERICANO E DO CARIBE- aparecida – DOCUMENTO FINAL 103
  58. Hoje, toda a Igreja na América Latina e no Caribe querem colocar-se em estado de missão. A evangelização do Continente, dizia-nos o papa João Paulo II, não pode realizar-se hoje
    sem a colaboração dos fiéis leigos.112 Hão de ser parte ativa e
    criativa na elaboração e execução de projetos pastorais a favor
    da comunidade. Isso exige, da parte dos pastores, maior abertura de mentalidade para que entendam e acolham o “ser” e o
    “fazer” do leigo na Igreja, que por seu batismo e sua confirmação
    é discípulo e missionário de Jesus Cristo. Em outras palavras, é
    necessário que o leigo seja levado em consideração com espírito
    de comunhão e participação113.
  59. Nesse contexto, é um sinal de esperança o fortalecimento de várias associações leigas, movimentos apostólicos
    eclesiais e caminhos de formação cristã, comunidades eclesiais
    e novas comunidades, que devem ser apoiados pelos pastores.
    Estes ajudam muitos batizados e muitos grupos missionários
    a assumir com maior responsabilidade sua identidade cristã e
    colaborar mais ativamente na missão evangelizadora. Nas últimas décadas, várias associações e movimentos apostólicos leigos desenvolveram forte protagonismo. Por isso, um adequado
    discernimento, incentivo, coordenação e condução pastoral, sobretudo da parte dos sucessores dos Apóstolos, contribuirá para
    ordenar esse dom para a edificação da única Igreja114.
  60. Reconhecemos o valor e a eficácia dos Conselhos paroquiais, Conselhos diocesanos e nacionais de fiéis leigos, porque
    incentivam a comunhão e a participação na Igreja e sua presença ativa no mundo. A construção da cidadania, no sentido mais
    amplo, e a construção de eclesialidade nos leigos, é um só e único
    movimento.
    112 Cf. EAm 44. 113 Cf. PG 11. 114 Cf. Bento XVI, Homilia na Celebração das primeiras vésperas na Vigília de Pentecostes. Encontro com os movimentos e novas comunidades eclesiais, 3 de junho de
    2006.
    104 CELAM
    5.3.5 Os consagrados e consagradas,
    discípulos missionários de Jesus Testemunha do Pai
  61. A vida consagrada é um dom do Pai, por meio do Espírito, à sua Igreja,115 e constitui elemento decisivo para sua missão.116 Expressa-se na vida monástica, contemplativa e ativa,
    nos institutos seculares, naqueles que se inserem nas sociedades de vida apostólica e outras novas formas. É um caminho de
    especial seguimento de Cristo, para dedicar-se a Ele com coração
    indiviso e colocar-se, como Ele, a serviço de Deus e da humanidade, assumindo a forma de vida que Cristo escolheu para vir a
    este mundo: vida virginal, pobre e obediente.117
  62. Em comunhão com os Pastores, os consagrados e consagradas são chamados a fazer de seus lugares de presença, de sua
    vida fraterna em comunhão e de suas obras, lugares de anúncio
    explícito do Evangelho, principalmente aos mais pobres, como
    tem sido em nosso continente desde o início da evangelização.
    Desse modo, segundo seus carismas fundacionais, colaboram
    com a gestação de uma nova geração de cristãos discípulos e
    missionários e de uma sociedade onde se respeite a justiça e a
    dignidade da pessoa humana.
  63. A partir do seu ser, a vida consagrada é chamada a ser
    especialista em comunhão, no interior tanto da Igreja quanto
    da sociedade. A vida e missão dos consagrados devem estar inseridas na Igreja particular e em comunhão com o Bispo. Para
    isso, é necessário criar meios comuns e iniciativas de colaboração que levem a um conhecimento e valorização mútuos e a
    um compartilhar da missão com todos os chamados a seguir a
    Jesus.
  64. Num continente onde se manifestam sérias tendências de secularização, também na vida consagrada, os religiosos
    115 VC 1. 116 Ibid. 3. 117 Ibid. 14, 16 e 18.
    V CONFERÊNCIA GERAL DO EPISCOPADO LATINO-AMERICANO E DO CARIBE- aparecida – DOCUMENTO FINAL 105
    são chamados a dar testemunho da absoluta primazia de Deus
    e de seu Reino. A vida consagrada se converte em testemunha
    do Deus da vida em uma realidade que relativiza seu valor (obediência), é testemunha de liberdade frente ao mercado e às riquezas que valorizam as pessoas pelo ter (pobreza), e é testemunha
    de uma entrega no amor radical e livre a Deus e à humanidade
    frente à erotização e banalização das relações (castidade).
  65. Na atualidade da América Latina e do Caribe, a vida
    consagrada é chamada a ser uma vida discipular, apaixonada
    por Jesus-caminho ao Pai misericordioso, e por isso, de caráter
    profundamente místico e comunitário. É chamada a ser uma
    vida missionária, apaixonada pelo anúncio de Jesus-verdade do
    Pai, por isso mesmo radicalmente profética, capaz de mostrar à
    luz de Cristo as sombras do mundo atual e os caminhos de uma
    vida nova, para o que se requer um profetismo que aspire até à
    entrega da vida em continuidade com a tradição de santidade e
    martírio de tantas e tantos consagrados ao longo da história do
    Continente. E, a serviço do mundo, uma vida apaixonada por
    Jesus-vida do Pai, que se faz presente nos mais pequeninos e
    nos últimos, a quem serve a partir do próprio carisma e espiritualidade.
  66. De maneira especial, a América Latina e o Caribe necessitam da vida contemplativa, testemunha de que somente
    Deus basta para preencher a vida de sentido e de alegria. “Em
    um mundo que continua perdendo o sentido do divino, diante da supervalorização do material, vocês, queridas religiosas,
    comprometidas desde seus claustros a serem testemunhas dos
    valores pelos quais vivem, sejam testemunhas do Senhor para
    o mundo de hoje, infundam com sua oração um novo sopro de
    vida na Igreja e no homem atual”.118
    118 João Paulo II, Discurso às Religiosas de Clausura na catedral de Guadalajara, México,
    30 de janeiro de 1979.
    106 CELAM
  67. O Espírito Santo continua despertando novas formas
    de vida consagrada nas Igrejas, as quais precisam ser acolhidas e
    acompanhadas em seu crescimento e desenvolvimento no interior das Igrejas locais. O Bispo precisa usar discernimento sério
    e ponderado sobre seu sentido, necessidade e autenticidade. Os
    Pastores valorizam como inestimável dom a virgindade consagrada, daqueles que se entregam a Cristo e à sua Igreja com generosidade e coração indiviso, e se propõem velar por sua formação inicial e permanente.
  68. As Confederações de Institutos Seculares (CISAL) e
    de religiosas e religiosos (CLAR) e as Conferências Nacionais
    são estruturas de serviço e animação que, em autêntica comunhão com os Pastores e sob sua orientação, em diálogo fecundo e amistoso,119 estão convocadas a estimular seus membros a
    rea­lizarem a missão como discípulos e missionários a serviço do
    Reino de Deus.120
    224.Ospovos latino-americanos e caribenhos esperammuito da vida consagrada, especialmente do testemunho e contribuição das religiosas contemplativas e de vida apostólica que, junto
    aos demais irmãos religiosos, membros de Institutos Seculares e
    Sociedades deVidaApostólica, mostram o rosto materno da Igreja. Seu desejo de escuta, acolhida e serviço, e seu testemunho dos
    valores alternativos do Reino, mostram que uma nova sociedade
    latino-americana e caribenha, fundada em Cristo, é possível.121
    5.4 Os que deixarama Igreja para se unir a outros gruposreligiosos
  69. Segundo nossa experiência pastoral, muitas vezes, a
    pessoa sincera que sai de nossa Igreja não o faz pelo que os grupos “não católicos” crêem, mas fundamentalmente por causa de
    como eles vivem; não por razões doutrinais, mas vivenciais; não
    119 Cf. PC 23; CIC 708. 120 Cf. VC 50-53. 121 Cf. DI 5.
    V CONFERÊNCIA GERAL DO EPISCOPADO LATINO-AMERICANO E DO CARIBE- aparecida – DOCUMENTO FINAL 107
    por motivos estritamente dogmáticos, mas pastorais; não por
    problemas teológicos, mas metodológicos de nossa Igreja. Esperam encontrar respostas a suas inquietações. Procuram, não
    sem sérios perigos, responder a algumas aspirações que, quem
    sabe, não têm encontrado, como deveria ser, na Igreja.
  70. Em nossa Igreja temos de reforçar quatro eixos:
    a) A experiência religiosa. Em nossa Igreja devemos oferecer
    a todos os nossos fiéis um “encontro pessoal com Jesus
    Cristo”, uma experiência religiosa profunda e intensa, um
    anúncio querigmático e o testemunho pessoal dos evangelizadores, que leve a uma conversão pessoal e a uma mudança de vida integral.
    b) A vivência comunitária. Nossos fiéis procuram comunidades cristãs, onde sejam acolhidos fraternalmente e se
    sintam valorizados, visíveis e eclesialmente incluídos. É
    necessário que nossos fiéis se sintam realmente membros
    de uma comunidade eclesial e co-responsáveis em seu desenvolvimento. Isso permitirá maior compromisso e entrega em e pela Igreja.
    c) A formação bíblico-doutrinal. Junto a uma forte experiência religiosa e uma destacada convivência comunitária, nossos fiéis precisam aprofundar o conhecimento da
    Palavra de Deus e os conteúdos da fé, visto que esta é a
    única maneira de amadurecer sua experiência religiosa.
    Nesse caminho, acentuadamente vivencial e comunitário,
    a formação doutrinal não se experimenta como conhecimento teórico e frio, mas como ferramenta fundamental
    e necessária no crescimento espiritual, pessoal e comunitário.
    d) O compromisso missionário de toda a comunidade. Ela sai ao
    encontro dos afastados, interessa-se por sua situação, a
    fim de reencantá-los com a Igreja e convidá-los a retornarem para ela.
    108 CELAM
    5.5 Diálogo ecumênico e interreligioso
    5.5.1 Diálogo ecumênico para que o mundo creia
  71. A compreensão e a prática da eclesiologia de comunhão nos conduz ao diálogo ecumênico. A relação com os irmãos
    e irmãs batizados de outras Igrejas e comunidades eclesiais é um
    caminho irrenunciável para o discípulo e missionário,122 pois
    a falta de unidade representa um escândalo, um pecado e um
    atraso do cumprimento do desejo de Cristo: “Que todos sejam
    um, como tu, Pai, estás em mim e eu em ti. E para que também
    eles estejam em nós, a fim de que o mundo acredite que tu me
    enviaste” (Jo 17,21).
  72. O ecumenismo não se justifica por uma exigência
    simplesmente sociológica mas evangélica, trinitária e batismal:
    “expressa a comunhão real, ainda que imperfeita” que já existe
    entre “os que foram regenerados pelo batismo” e o testemunho
    concreto de fraternidade.123 O Magistério insiste no caráter trinitário e batismal do esforço ecumênico, onde o diálogo emerge
    como atitude espiritual e prática, em um caminho de conversão
    e reconciliação. Só assim chegará “o dia em que poderemos celebrar, junto com todos os que crêem em Cristo, a divina Eucaristia”.124 Uma via fecunda para avançar para a comunhão é
    recuperar em nossas comunidades o sentido do compromisso do
    Batismo.
  73. Hoje se faz necessário reabilitar a autêntica apologética que faziam os pais da Igreja como explicação da fé. A apologética não tem por que ser negativa ou meramente defensiva
    per se. Implica, na verdade, a capacidade de dizer o que está em
    nossas mentes e corações de forma clara e convincente, como
    disse São Paulo, “fazendo a verdade na caridade” (Ef 4,15). Mais
    do que nunca os discípulos e missionários de Cristo de hoje ne122 Cf. UUS 3. 123 Ibid. 96. 124 SC 56.
    V CONFERÊNCIA GERAL DO EPISCOPADO LATINO-AMERICANO E DO CARIBE- aparecida – DOCUMENTO FINAL 109
    cessitam de uma apologética renovada para que todos possam
    ter vida nEle.
  74. Às vezes esquecemos que a unidade é, antes de tudo,
    um dom do Espírito Santo, e oramos pouco por essa intenção.
    “Esta conversão do coração e esta santidade de vida, juntamente
    com as orações particulares e públicas pela unidade dos cristãos,
    hão de se considerar como a alma de todo o movimento ecumênico e com razão pode chamar-se ecumenismo espiritual”.125
  75. Faz mais de quarenta anos que o Concílio Vaticano II
    reconheceu a ação do Espírito Santo no movimento pela unidade dos cristãos. Desde então, temos colhido muitos frutos. Neste campo, necessitamos de mais agentes de diálogo e mais bem
    qualificados. É bom tornar mais conhecidas as declarações que
    a própria Igreja Católica tem subscrito no campo do ecumenismo desde o Concílio. Os diálogos bilaterais e multilaterais têm
    produzido bons frutos. Também é oportuno estudar o Diretório
    ecumênico e suas indicações em relação à catequese, à liturgia,
    à formação presbiteral e à pastoral.126 A mobilidade humana,
    característica do mundo atual, pode ser ocasião propícia para o
    diálogo ecumênico da vida.127
  76. Em nosso contexto, o surgimento de novos grupos
    religiosos, além da tendência a confundir o ecumenismo com o
    diálogo interreligioso, tem causado obstáculos na conquista de
    maiores frutos no diálogo ecumênico. Por isso mesmo, incentivamos os ministros ordenados, aos leigos e à vida consagrada a
    participarem de organismos ecumênicos com cuidadosa preparação e esmerado seguimento dos pastores, e realizarem ações
    conjuntas nos diversos campos da vida eclesial, pastoral e social.
    Na verdade, o contato ecumênico favorece a estima recíproca,
    125 UR 8. 126 Cf. Pontifício Conselho para a Promoção da Unidade dos Cristãos. A dimensão ecumênica na formação dos que trabalham no ministério pastoral, n. 3-5. 127 Cf. Pontifício Conselho para a Pastoral dos Imigrantes e Itinerantes. Instrução Erga
    migrantes caritas Christi, 56-58.
    110 CELAM
    convoca à escuta comum da palavra de Deus e chama à conversão aqueles que se declaram discípulos e missionários de Jesus
    Cristo. Esperamos que a promoção da unidade dos cristãos, assumida pelas Conferências Episcopais, se consolide e frutifique
    sob a luz do Espírito Santo.
  77. Nesta nova etapa evangelizadora, queremos que o diálogo e a cooperação ecumênica se encaminhem para despertar
    novas formas de discipulado e missão em comunhão. Cabe observar que, onde se estabelece o diálogo, diminui o proselitismo,
    crescem o conhecimento recíproco e o respeito, e se abrem possibilidades de testemunho comum.
  78. Como resposta generosa à oração do Senhor “para
    que todos sejam um” (Jo 17,21), os Papas nos têm incentivado a avançar pacientemente no caminho da unidade. João Paulo
    II nos exorta: “No corajoso caminho para a unidade, a clareza e
    prudência da fé nos conduzem a evitar o falso irenismo e o desinteresse pelas normas da Igreja. Inversamente, a mesma clareza e a mesma prudência nos recomendam evitar a indiferença
    na busca da unidade e, mais ainda, a posição pré-concebida ou o
    derrotismo que tende a ver tudo como negativo”128. Bento XVI
    abriu seu pontificado dizendo: “Não bastam as manifestações de
    bons sentimentos. Fazem falta gestos concretos que penetrem
    nos espíritos e sacudam as consciências, impulsionando cada
    um à conversão interior, que é o fundamento de todo progresso
    no caminho do ecumenismo”.129
    5.5.2 Relação com o judaísmo e diálogo interreligioso
  79. Reconhecemos com gratidão os laços que nos relacionam com o povo judeu, que nos une na fé no único Deus e sua
    palavra revelada no Antigo Testamento.130 São nossos “irmãos
    128 UUS 79. 129 Bento XVI, Primeira mensagem no final da celebração eucarística com os cardeais
    eleitores na Capela Sistina, quarta-feira, 20 de abril de 2005. 130 Cf. NAe 4.
    V CONFERÊNCIA GERAL DO EPISCOPADO LATINO-AMERICANO E DO CARIBE- aparecida – DOCUMENTO FINAL 111
    maiores” na fé de Abraão, Isaac e Jacó. Dói em nós a história de
    desencontros que eles têm sofrido, também em nossos países.
    São muitas as causas comuns que na atualidade exigem maior
    colaboração e respeito mútuo.
  80. Pelo sopro do Espírito Santo e outros meios conhecidos de Deus, a graça de Cristo pode alcançar a todos os que Ele
    redimiu, para além da comunidade eclesial, porém de modos diferentes131. Explicitar e promover esta salvação já operante no
    mundo é uma das tarefas da Igreja com respeito às palavras do
    Senhor: “Sejam minhas testemunhas até os extremos da terra”
    (At 1,8).
  81. O diálogo interreligioso, em especial com as religiões
    monoteístas, fundamenta-se justamente na missão que Cristo nos confiou, solicitando a sábia articulação entre o anúncio
    e o diálogo como elementos constitutivos da evangelização.132
    Com tal atitude, a Igreja, “sacramento universal de salvação”,133
    reflete a luz de Cristo que “ilumina a todo homem” (Jo 1,9). A
    presença da Igreja entre as religiões não cristãs é feita de empenho, discernimento e testemunho, apoiados na fé, esperança e
    caridade teologais.134
  82. Mesmo quando o subjetivismo e a identidade pouco
    definida de certas propostas dificultam os contatos, isso não nos
    permite abandonar o compromisso e a graça do diálogo.135 Em
    lugar de desistir, é necessário investir no conhecimento das religiões, no discernimento teológico-pastoral e na formação de
    agentes competentes para o diálogo interreligioso, atendendo
    às diferentes visões religiosas presentes nas culturas de nosso
    continente. O diálogo interreligioso não significa que se deixe de
    131 Cf. Pontifício Conselho para o Diálogo Inter-religioso e Congregação para a Evangelização dos Povos, Diálogo e Anúncio, 1991, 29. 132 Cf. NMI 55. 133 LG 1. 134 Cf. Pontifício Conselho para o Diálogo Inter-religioso e Congregação para a Evangelização dos Povos, Diálogo e Anúncio, 1991, 40. 135 Ibid. 89.
    112 CELAM
    anunciar a Boa Nova de Jesus Cristo aos povos não cristãos, mas
    com mansidão e respeito por suas convicções religiosas.
  83. O diálogo interreligioso, além de seu caráter teológico, tem significado especial na construção da nova humanidade: abre caminhos inéditos de testemunho cristão, promove a
    liberdade e dignidade dos povos, estimula a colaboração para o
    bem comum, supera a violência motivada por atitudes religiosas
    fundamentalistas, educa para a paz e para a convivência cidadã;
    é um campo de bem-aventuranças que são assumidas pela Doutrina Social da Igreja.
    6.1 Uma espiritualidade trinitária do encontro comJesusCristo
  84. Uma autêntica proposta de encontro com Jesus Cristo deve estabelecer-se sobre o sólido fundamento da TrindadeAmor. A experiência de um Deus uno e trino, que é unidade e
    comunhão inseparável, permite-nos superar o egoísmo para nos
    encontrarmos plenamente no serviço para com o outro. A experiência batismal é o ponto de início de toda espiritualidade cristã
    que se funda na Trindade.
  85. É Deus Pai quem nos atrai por meio da entrega eucarística de seu Filho (cf. Jo 6,44), dom de amor com o qual saiu
    ao encontro de seus filhos, para que, renovados pela força do
    Espírito, possamos chamá-lo de Pai: “Quando chegou a plenitude dos tempos, Deus enviou seu próprio Filho, nascido de
    uma mulher, nascido sob o domínio da lei, para nos libertar
    do domínio da lei e fazer com que recebêssemos a condição de
    filhos adotivos de Deus. E porque já somos filhos, Deus enviou
    o Espírito de seu Filho a nossos corações, e o Espírito clama:
    Abbá! Pai!” (Gl 4,4-5). Trata-se de uma nova criação, onde o
    amor do Pai, do Filho e do Espírito Santo renova a vida das
    criaturas.
    Capítulo VI
    O CAMINHO DEFORMAÇÃO
    DOS DISCÍPULOS MISSIONÁRIOS
    114 CELAM
  86. Na história do amor trinitário, Jesus de Nazaré, homem como nós e Deus conosco, morto e ressuscitado, nos é
    dado como Caminho, Verdade e Vida. No encontro de fé com o
    inaudito realismo de sua Encarnação, podemos ouvir, ver com
    nossos olhos, contemplar e tocar com nossas mãos a Palavra de
    vida (cf. 1 Jo 1,1), experimentamos que “o próprio Deus vai atrás
    da ovelha perdida, a humanidade doente e extraviada. Quando
    em suas parábolas Jesus fala do pastor que vai atrás da ovelha
    desgarrada, da mulher que procura a dracma, do pai que sai ao
    encontro de seu filho pródigo e o abraça, não se trata só de meras
    palavras, mas da explicação de seu próprio ser e agir”.136 Essa
    prova definitiva de amortem o caráter de um esvaziamento radical (kénosis), porque Cristo “se humilhou a si mesmo fazendo-se
    obediente até à morte e morte de cruz” (Fl 2,8).
    6.1.1 O encontro com Jesus Cristo
  87. O acontecimento de Cristo é, portanto, o início desse
    sujeito novo que surge na história e a quem chamamos discípulo: “Não se começa a ser cristão por uma decisão ética ou uma
    grande idéia, mas através do encontro com um acontecimento,
    com uma Pessoa, que dá um novo horizonte à vida e, com isso,
    uma orientação decisiva”.137 Isso é justamente o que, com apresentações diferentes, todos os evangelhos nos têm conservado
    como sendo o início do cristianismo: um encontro de fé com a
    pessoa de Jesus (cf. Jo 1,35-39).
  88. A própria natureza do cristianismo consiste, portanto,
    em reconhecer a presença de Jesus Cristo e segui-lo. Essa foi a
    maravilhosa experiência daqueles primeiros discípulos que, encontrando Jesus, ficaram fascinados e cheios de assombro frente
    à excepcionalidade de quem lhes falava, diante da maneira como
    os tratava, coincidindo com a fome e sede de vida que havia em
    seus corações. O evangelista João nos deixou plasmado o impac136 DCE 12. 137 Ibid. 1.
    V CONFERÊNCIA GERAL DO EPISCOPADO LATINO-AMERICANO E DO CARIBE- aparecida – DOCUMENTO FINAL 115
    to que a pessoa de Jesus produziu nos primeiros discípulos que
    o encontraram, João e André. Tudo começa com uma pergunta:
    “O que procuram?” (Jo 1,38). A essa pergunta seguiu o convite
    a viver uma experiência: “Venham e verão” (Jo 1,39). Essa narração permanecerá na história como síntese única do método
    cristão.
  89. No hoje do nosso continente latino-americano, levanta-se a mesma pergunta cheia de expectativa: “Mestre, onde vives?” (Jo 1,38), onde te encontramos de maneira adequada para
    “abrir um autêntico processo de conversão, comunhão e solidariedade?”138 Quais são os lugares, as pessoas, os dons que nos
    falam de ti, que nos colocam em comunhão contigo e nos permitem ser discípulos e missionários teus?
    6.1.2 Lugares de encontro com Jesus Cristo
  90. O encontro com Cristo, graças à ação invisível do Espírito Santo, realiza-se na fé recebida e vivida na Igreja. Com as
    palavras do papa Bento XVI, repetimos com certeza: “A Igreja é
    nossa casa! Esta é nossa casa! Na Igreja Católica temos tudo o
    que é bom,tudo o que é motivo de segurança e de consolo! Quem
    aceita a Cristo: Caminho, Verdade e Vida, em sua totalidade, tem
    garantida a paz e a felicidade, nesta e na outra vida!”139
  91. Encontramos Jesus na Sagrada Escritura, lida na Igreja. A Sagrada Escritura, “Palavra de Deus escrita por inspiração
    do Espírito Santo”,140 é, com a Tradição, fonte de vida para a Igreja e alma de sua ação evangelizadora. Desconhecer a Escritura é
    desconhecer Jesus Cristo e renunciar a anunciá-lo. Daí o convite
    de Bento XVI: “Ao iniciar a nova etapa que a Igreja missionária
    da América Latina e do Caribe se dispõe a empreender, a partir
    desta V Conferência em Aparecida, é condição indispensável o
    138 EAm 8. 139 Bento XVI, Discurso no final do santo Rosário no Santuário de Nossa Senhora Aparecida, 12 de maio de 2007. 140 DV 9.
    116 CELAM
    conhecimento profundo e vivencial da Palavra de Deus, Por isso,
    é necessário educar o povo na leitura e na meditação da Palavra:
    que ela se converta em seu alimento para que, por experiência
    própria, vejam que as palavras de Jesus são espírito e vida (cf.
    Jo 6,63). Do contrário, como vão anunciar uma mensagem cujo
    conteúdo e espírito não conhecem profundamente? É preciso
    fundamentar nosso compromisso missionário e toda a nossa
    vida na rocha da Palavra de Deus”.141
  92. Faz-se, pois, necessário propor aos fiéis a Palavra de
    Deus como dom do Pai para o encontro com Jesus Cristo vivo,
    caminho de “autêntica conversão e de renovada comunhão e solidariedade”.142 Essa proposta será mediação de encontro com
    o Senhor se for apresentada a Palavra revelada, contida na Escritura, como fonte de evangelização. Os discípulos de Jesus
    desejam alimentar-se com o Pão da Palavra: querem chegar à
    interpretação adequada dos textos bíblicos, empregá-los como
    mediação de diálogo com Jesus Cristo, e a que sejam alma da
    própria evangelização e do anúncio de Jesus a todos. Por isso, a
    importância de uma “pastoral bíblica”, entendida como animação bíblica da pastoral, que seja escola de interpretação ou conhecimento da Palavra, de comunhão com Jesus ou oração com
    a Palavra, e de evangelização inculturada ou de proclamação da
    Palavra. Isso exige, da parte dos bispos, presbíteros, diáconos e
    ministros leigos da Palavra, uma aproximação à Sagrada Escritura que não seja só intelectual e instrumental, mas com coração
    “faminto de ouvir a Palavra do Senhor” (Am 8,11).
  93. Entre as muitas formas de se aproximar da Sagrada
    Escritura existe uma privilegiada à qual todos somos convidados: a Lectio divina ou exercício de leitura orante da Sagrada Escritura. Essa leitura orante, bem praticada, conduz ao encontro
    com Jesus-Mestre, ao conhecimento do mistério de Jesus-Messias, à comunhão com Jesus-Filho de Deus e ao testemunho de
    141 DI 3. 142 EAm 12.
    V CONFERÊNCIA GERAL DO EPISCOPADO LATINO-AMERICANO E DO CARIBE- aparecida – DOCUMENTO FINAL 117
    Jesus-Senhor do universo. Com seus quatro momentos (leitura,
    meditação, oração, contemplação), a leitura orante favorece o
    encontro pessoal com Jesus Cristo semelhante ao modo de tantos personagens do evangelho: Nicodemos e sua ânsia de vida
    eterna (cf. Jo 3,1-21), a Samaritana e seu desejo de culto verdadeiro (cf. Jo 4,1-42), o cego de nascimento e seu desejo de luz
    interior (cf. Jo 9), Zaqueu e sua vontade de ser diferente (cf. Lc
    19,1-10)… Todos eles, graças a esse encontro, foram iluminados
    e recriados porque se abriram à experiência da misericórdia do
    Pai que se oferece por sua Palavra de verdade e vida. Não abriram
    o coração para algo do Messias, mas ao próprio Messias, caminho de crescimento na “maturidade conforme a sua plenitude”
    (Ef 4,13), processo de discipulado, de comunhão com os irmãos
    e de compromisso com a sociedade.
  94. Encontramos Jesus Cristo, de modo admirável, na
    Sagrada Liturgia. Ao vivê-la, celebrando o mistério pascal, os
    discípulos de Cristo penetram mais nos mistérios do Reino e expressam de modo sacramental sua vocação de discípulos e missionários. A Constituição sobre a Sagrada Liturgia do Vaticano
    II nos mostra o lugar e a função da liturgia no seguimento de
    Cristo, na ação missionária dos cristãos, na vida nova em Cristo
    e na vida de nossos povos nEle.143
  95. A Eucaristia é o lugar privilegiado do encontro do discípulo com Jesus Cristo. Com este Sacramento, Jesus nos atrai
    para si e nos faz entrar em seu dinamismo em relação a Deus e
    ao próximo. Existe estreito vínculo entre as três dimensões da
    vocação cristã: crer, celebrar e viver o mistério de Jesus Cristo,
    de tal modo que a existência cristã adquira verdadeiramente forma eucarística. Em cada Eucaristia, os cristãos celebram e assumem o mistério pascal, participando nEle. Portanto, os fiéis
    devem viver sua fé na centralidade do mistério pascal de Cristo
    através da Eucaristia, de maneira que toda a sua vida seja cada
    143 Cf. SC 7.
    118 CELAM
    vez mais vida eucarística. A Eucaristia, fonte inesgotável da vocação cristã é, ao mesmo tempo, fonte inextinguível do impulso
    missionário. Aí, o Espírito Santo fortalece a identidade do discípulo e desperta nele a decidida vontade de anunciar com audácia
    aos demais o que tem escutado e vivido.
  96. Entende-se, assim, a grande importância do preceito dominical de “viver segundo o domingo”, como necessidade
    interior do cristão, da família cristã, da comunidade paroquial.
    Sem uma participação ativa na celebração eucarística dominical
    e nas festas de preceito, não existirá um discípulo missionário
    maduro. Cada grande reforma na Igreja está vinculada ao redescobrimento da fé na Eucaristia.144 Por causa disso, é importante
    promover a “pastoral do domingo” e dar a ela “prioridade nos
    programas pastorais”,145 para novo impulso na evangelização do
    povo de Deus no Continente latino-americano.
  97. Com profundo afeto pastoral, queremos dizer às milhares de comunidades com seus milhões de membros, que não
    têm a oportunidade de participar da Eucaristia dominical, que
    também elas podem e devem viver“segundo o domingo”. Podem
    alimentar seu já admirável espírito missionário participando da
    “celebração dominical da Palavra”, que faz presente o Mistério
    Pascal no amor que congrega (cf. 1 Jo 3,14), na Palavra acolhida (cf. Jo 5,24-25) e na oração comunitária (cf. Mt 18,20). Sem
    dúvida, os fiéis devem desejar a participação plena na Eucaristia
    dominical, pela qual também os motivamos a orar pelas vocações sacerdotais.
  98. O sacramento da reconciliação é o lugar onde o pecador experimenta de maneira singular o encontro com Jesus
    Cristo, que se compadece de nós e nos dá o dom de seu perdão
    misericordioso, nos faz sentir que o amor é mais forte que o pecado cometido, nos liberta de tudo o que nos impede de perma144 Cf. Ibid. 6. 145 DI 4.
    V CONFERÊNCIA GERAL DO EPISCOPADO LATINO-AMERICANO E DO CARIBE- aparecida – DOCUMENTO FINAL 119
    necer em seu amor, e nos devolve a alegria e o entusiasmo de
    anunciá-lo aos demais de coração aberto e generoso.
  99. A oração pessoal e comunitária é o lugar onde o discípulo, alimentado pela Palavra e pela Eucaristia, cultiva uma relação de profunda amizade com Jesus Cristo e procura assumir
    a vontade do Pai. A oração diária é sinal do primado da graça no
    caminho do discípulo missionário. Por isso, “é necessário aprender a orar, voltando sempre a aprender essa arte dos lábios do
    Mestre”.146
  100. Jesus está presente em meio a uma comunidade viva
    na fé e no amor fraterno. Aí Ele cumpre sua promessa: “Onde
    estão dois ou três reunidos em meu nome, aí estou eu no meio
    deles” (Mt 18,20). Ele está em todos os discípulos que procuram
    fazer sua a existência de Jesus, e viver sua própria vida escondida na vida de Cristo (cf. Cl 3,3). Eles experimentam a força da
    ressurreição de Cristo até se identificar profundamente com Ele:
    “Já não vivo eu, mas é Cristo que vive em mim” (Gl 2,20). Cristo mesmo está nos Pastores, que o representam (cf. Mt 10,40;
    Lc 10,16). “Os Bispos têm sucedido, por instituição divina, aos
    Apóstolos, como Pastores da Igreja, de modo que quem os escuta, escuta a Cristo, e quem os despreza, despreza a Cristo e a
    quem o enviou” (Lumen Gentium, 20). Está naqueles que dão
    testemunho de luta pela justiça, pela paz e pelo bem comum,
    algumas vezes chegando a entregar a própria vida em todos os
    acontecimentos da vida de nossos povos, que nos convidam a
    procurar um mundo mais justo e mais fraterno, em toda realidade humana, cujos limites às vezes causam dor e nos agoniam.
  101. Também o encontramos de modo especial nos pobres, aflitos e enfermos (cf. Mt 25,37-40), que exigem nosso
    compromisso e nos dão testemunho de fé, paciência no sofrimento e constante luta para continuar vivendo. Quantas vezes os pobres e os que sofrem nos evangelizam realmente! No
    146 NMI 33.
    120 CELAM
    reconhecimento dessa presença e proximidade e na defesa dos
    direitos dos excluídos encontra-se a fidelidade da Igreja a Jesus Cristo.147 O encontro com Jesus Cristo através dos pobres
    é uma dimensão constitutiva de nossa fé em Jesus Cristo. Da
    contemplação do rosto sofredor de Cristo neles148 e do encontro
    com Ele nos aflitos e marginalizados, cuja imensa dignidade Ele
    mesmo nos revela, surge nossa opção por eles. A mesma união
    a Jesus Cristo é a que nos faz amigos dos pobres e solidários
    com seu destino.
    6.1.3 A piedade popular como lugar de encontro com Jesus Cristo
  102. O Santo Padre destacou a “rica e profunda religiosidade popular, na qual aparece a alma dos povos latino-americanos”, e a apresentou como “o precioso tesouro da Igreja Católica
    na América Latina”.149 Convidou a promovê-la e a protegê-la.
    Essa maneira de expressar a fé está presente de diversas formas
    em todos os setores sociais, em uma multidão que merece nosso respeito e carinho, porque sua piedade “reflete uma sede de
    Deus que somente os pobres e simples podem conhecer”.150 A
    “religião do povo latino-americano é expressão da fé católica.
    É um catolicismo popular”,151 profundamente inculturado, que
    contém a dimensão mais valiosa da cultura latino-americana.
  103. Entre as expressões dessa espiritualidade contam-se:
    as festas patronais, as novenas, os rosários e via-sacras, as procissões, as danças e os cânticos do folclore religioso, o carinho
    aos santos e aos anjos, as promessas, as orações em família. Destacamos as peregrinações onde é possível reconhecer o Povo de
    Deus a caminho. Aí o cristão celebra a alegria de se sentir imerso
    em meio a tantos irmãos, caminhando juntos para Deus que os
    espera. O próprio Cristo se faz peregrino e caminha ressuscitado
    147 Ibid. 49. 148 Cf. Ibid 25. 149 DI 1. 150 EN 48. 151 DP 444.
    V CONFERÊNCIA GERAL DO EPISCOPADO LATINO-AMERICANO E DO CARIBE- aparecida – DOCUMENTO FINAL 121
    entre os pobres. A decisão de caminhar em direção ao santuário
    já é uma confissão de fé, o caminhar é um verdadeiro canto de
    esperança e a chegada é um encontro de amor. O olhar do peregrino se deposita sobre uma imagem que simboliza a ternura e a
    proximidade de Deus. O amor se detém, contempla o mistério,
    desfruta dele em silêncio. Também se comove, derramando todo
    o peso de sua dor e de seus sonhos. A súplica sincera, que flui
    confiante, é a melhor expressão de um coração que renunciou à
    auto-suficiência, reconhecendo que sozinho nada pode. Um breve instante condensa uma viva experiência espiritual.152
  104. Aí, o peregrino vive a experiência de um mistério que
    o supera, não só da transcendência de Deus, mas também da
    Igreja, que transcende sua família e seu bairro. Nos santuários,
    muitos peregrinos tomam decisões que marcam suas vidas. As
    paredes dos santuários contêm muitas histórias de conversão,
    de perdão e de dons recebidos que milhões poderiam contar.
  105. A piedade popular penetra delicadamente a existência
    pessoal de cada fiel e, ainda que se viva em uma multidão, não é
    uma “espiritualidade de massas”. Nos diferentes momentos da
    luta cotidiana, muitos recorrem a algum pequeno sinal do amor
    de Deus: um crucifixo, um rosário, uma vela que se acende para
    acompanhar um filho em sua enfermidade, um Pai Nosso recitado entre lágrimas, um olhar entranhável a uma imagem querida de Maria, um sorriso dirigido ao Céu em meio a uma alegria
    singela.
  106. É verdade que a fé que se encarnou na cultura pode
    ser aprofundada e penetrar cada vez mais na forma de viver de
    nossos povos. Mas isso só pode acontecer se valorizarmos positivamente o que o Espírito Santo já semeou. A piedade popular
    é “imprescindível ponto de partida para conseguir que a fé do
    152 “El Santuario, presencia y profecia del Dios vivo”, L’Osservatore, Ed. em espanhol, 22,
    de 28 de maio de 1999.
    122 CELAM
    povo amadureça e se faça mais fecunda”.153 Por isso, o discípulo
    missionário precisa ser “sensível a ela, saber perceber suas dimensões interiores e seus valores inegáveis”.154 Quando afirmamos que é necessário evangelizá-la ou purificá-la, não queremos
    dizer que esteja privada de riqueza evangélica. Simplesmente
    desejamos que todos os membros do povo fiel, reconhecendo o
    testemunho de Maria e também dos santos, procurem imitá-los
    cada dia mais. Assim procurarão contato mais direto com a Bíblia e maior participação nos sacramentos, chegarão a desfrutar
    da celebração dominical da Eucaristia e viverão ainda melhor o
    serviço do amor solidário. Por esse caminho será possível aproveitar ainda mais o rico potencial de santidade e justiça social
    que a mística popular encerra.
  107. Não podemos desvalorizar a espiritualidade popular
    ou considerá-la como modo secundário da vida cristã, porque
    seria esquecer o primado da ação do Espírito e a iniciativa gratuita do amor de Deus. A piedade popular contém e expressa um
    intenso sentido da transcendência, uma capacidade espontânea
    de se apoiar em Deus e uma verdadeira experiência de amor teologal. É também uma expressão de sabedoria sobrenatural, porque a sabedoria do amor não depende diretamente da ilustração
    da mente, mas da ação interna da graça. Por isso, a chamamos
    de espiritualidade popular. Ou seja, uma espiritualidade cristã
    que, sendo um encontro pessoal com o Senhor, integra muito
    o corpóreo, o sensível, o simbólico e as necessidades mais concretas das pessoas. É uma espiritualidade encarnada na cultura
    dos simples, que nem por isso é menos espiritual, mas que o é
    de outra maneira.
  108. A piedade popular é uma maneira legítima de viver
    a fé, um modo de se sentir parte da Igreja e uma forma de ser
    missionários, onde se recolhem as mais profundas vibrações da
    153 Congregação para o Culto Divino e a Disciplina dos Sacramentos, Diretório sobre a
    piedade popular e a Liturgia, n. 64. 154 EN 48.
    V CONFERÊNCIA GERAL DO EPISCOPADO LATINO-AMERICANO E DO CARIBE- aparecida – DOCUMENTO FINAL 123
    América Latina. É parte de uma “originalidade histórica cultural”155 dos pobres deste Continente, e fruto de “uma síntese entre as culturas e a fé cristã”.156 No ambiente de secularização que
    vivem nossos povos, continua sendo uma poderosa confissão do
    Deus vivo que atua na história e um canal de transmissão da fé.
    O caminhar juntos para os santuários e o participar em outras
    manifestações da piedade popular, levando também os filhos ou
    convidando a outras pessoas, é em si mesmo um gesto evangelizador pelo qual o povo cristão evangeliza a si mesmo e cumpre a
    vocação missionária da Igreja.
  109. Nossos povos se identificam particularmente com o
    Cristo sofredor, olham-no, beijam-no ou tocam seus pés machucados, como se dissessem: Este é “o que me amou e se entregou
    por mim” (Gl 2,20). Muitos deles golpeados, ignorados, despojados, não abaixam os braços. Com sua religiosidade característica se agarram no imenso amor que Deus tem por eles e que
    lhes recorda permanentemente sua própria dignidade. Também
    encontram a ternura e o amor de Deus no rosto de Maria. Nela
    vêem refletida a mensagem essencial do Evangelho. Nossa Mãe
    querida, desde o santuário de Guadalupe, faz sentir a seus filhos menores que eles estão na dobra de seu manto. Agora, desde Aparecida, convida-os a lançar as redes ao mundo, para tirar
    do anonimato aqueles que estão submersos no esquecimento e
    aproximá-los da luz da fé. Ela, reunindo os filhos, integra nossos
    povos ao redor de Jesus Cristo.
    6.1.4 Maria, discípula e missionária
  110. A máxima realização da existência cristã como um viver trinitário de “filhos no Filho” nos é dada na Virgem Maria
    que, através de sua fé (cf. Lc 1,45) e obediência à vontade de
    Deus (cf. Lc 1,38), assim como por sua constante meditação da
    Palavra e das ações de Jesus (cf. Lc 2,19.51), é a discípula mais
    155 DP 448. 156 DI 1.
    124 CELAM
    perfeita do Senhor.157 Interlocutora do Pai em seu projeto de enviar seu Verbo ao mundo para a salvação humana, com sua fé
    Maria chega a ser o primeiro membro da comunidade dos crentes
    em Cristo, e também se faz colaboradora no renascimento espiritual dos discípulos. Sua figura de mulher livre e forte, emerge
    do Evangelho conscientemente orientada para o verdadeiro seguimento de Cristo. Ela viveu completamente toda a peregrinação da fé como mãe de Cristo e depois dos discípulos, sem estar
    livre da incompreensão e da busca constante do projeto do Pai.
    Alcançou, dessa forma, o fato de estar ao pé da cruz em comunhão profunda, para entrar plenamente no mistério da Aliança.
    267.Com ela, providencialmente unida à plenitude dos tempos (cf. Gl 4,4), chega a cumprimento a esperança dos pobres e
    o desejo de salvação. A Virgem de Nazaré teve uma missão única
    na história da salvação, concebendo, educando e acompanhando seu Filho até seu sacrifício definitivo. Do alto da cruz, Jesus
    Cristo confiou a seus discípulos, representados por João, o dom
    da maternidade de Maria, que brota diretamente da hora pascal
    de Cristo:“E desse momento em diante, o discípulo a recebeu em
    sua casa” (Jo 19,27). Perseverando junto aos apóstolos à espera
    do Espírito (cf. At 1,13-14), ela cooperou com o nascimento da
    Igreja missionária, imprimindo-lhe um selo mariano que a identifica profundamente. Como mãe de tantos, fortalece os vínculos
    fraternos entre todos, estimula a reconciliação e o perdão e ajuda
    os discípulos de Jesus Cristo a se experimentarem como família,
    a família de Deus. Em Maria, encontramo-nos com Cristo, com
    o Pai e com o Espírito Santo, e da mesma forma com os irmãos.
  111. Como na família humana, a Igreja-família é gerada ao
    redor de uma mãe, que confere “alma” e ternura à convivência
    familiar.158 Maria, Mãe da Igreja, além de modelo e paradigma da
    humanidade, é artífice de comunhão.Umdos eventos fundamentais da Igreja é quando o “sim” brotou de Maria. Ela atrai multi157 Cf. LG 53. 158 Cf. DP 295.
    V CONFERÊNCIA GERAL DO EPISCOPADO LATINO-AMERICANO E DO CARIBE- aparecida – DOCUMENTO FINAL 125
    dões à comunhão com Jesus e sua Igreja, como experimentamos
    muitas vezes nos santuários marianos. Por isso, como a Virgem
    Maria, a Igreja é mãe. Esta visão mariana da Igreja é o melhor
    remédio para uma Igreja meramente funcional ou burocrática.
  112. Maria é a grande missionária, continuadora da missão
    de seu Filho e formadora de missionários. Ela, da mesma forma
    como deu à luz o Salvador do mundo,trouxe o Evangelho à nossa
    América. No acontecimento em Guadalupe, presidiu, junto com
    o humilde João Diego, o Pentecostes que nos abriu aos dons do
    Espírito. A partir desse momento, são incontáveis as comunidades que encontraram nela a inspiração mais próxima para aprenderem como ser discípulos e missionários de Jesus. Com alegria
    constatamos que ela tem feito parte do caminhar de cada um de
    nossos povos, entrando profundamente no tecido de sua história
    e acolhendo as ações mais nobres e significativas de sua gente. Os
    diversos títulos e os santuários espalhados por todo o Continente testemunham a presença próxima de Maria às pessoas, e ao
    mesmo tempo manifestam a fé e a confiança que os devotos sentem por ela. Ela pertence a eles e eles a sentem como mãe e irmã.
  113. Hoje, quando em nosso continente latino-americano e
    caribenho se quer enfatizar o discipulado e a missão, é ela quem
    brilha diante de nossos olhos como imagem acabada e fidelíssima do seguimento de Cristo. Esta é a hora da seguidora mais
    radical de Cristo, de seu magistério discipular e missionário ao
    qual nos envia o Papa Bento XVI: “Maria Santíssima, a Virgem
    pura e sem mancha, é para nós escola de fé destinada a nos conduzir e a nos fortalecer no caminho que conduz ao encontro com
    o Criador do céu e da terra. O Papa veio a Aparecida com viva
    alegria para nos dizer em primeiro lugar: Permaneçam na escola
    de Maria. Inspirem-se em seus ensinamentos. Procurem acolher
    e guardar dentro do coração as luzes que ela, por mandato divino, envia a vocês a partir do alto”.159
    159 Bento XVI, Discurso no final do Santo Rosário no Santuário de Nossa Senhora Aparecida, 12 de maio de 2007.
    126 CELAM
  114. Ela, que “conservava todas estas recordações e as meditava no coração” (Lc 2,19; cf. 2,51), ensina-nos o primado da
    escuta da Palavra na vida do discípulo e missionário. O Magnificat “está inteiramente tecido pelos fios da Sagrada Escritura,
    os fios tomados da Palavra de Deus. Assim, revela-se que nela
    a Palavra de Deus se encontra de verdade em sua casa, de onde
    sai e entra com naturalidade. Ela fala e pensa com a Palavra de
    Deus; a Palavra de Deus se faz a sua palavra e sua palavra nasce
    da Palavra de Deus. Além disso, assim se revela que seus pensamentos estão em sintonia com os pensamentos de Deus, que seu
    querer é um querer junto com Deus. Estando intimamente penetrada pela Palavra de Deus, Ela pode chegar a ser mãe da Palavra encarnada”.160 Essa familiaridade com o mistério de Jesus é
    facilitada pela reza do Rosário, onde: “o povo cristão aprende de
    Maria a contemplar a beleza do rosto de Cristo e a experimentar
    a profundidade de seu amor. Mediante o Rosário, o cristão obtém abundantes graças, como recebendo-as das próprias mãos
    da mãe do Redentor”.161
  115. Com os olhos postos em seus filhos e em suas necessidades, como em Caná da Galiléia, Maria ajuda a manter vivas
    as atitudes de atenção, de serviço, de entrega e de gratuidade
    que devem distinguir os discípulos de seu Filho. Indica, além
    do mais, qual é a pedagogia para que os pobres, em cada comunidade cristã, “sintam-se como em casa”.162 Cria comunhão
    e educa para um estilo de vida compartilhada e solidária, em
    fraternidade, na atenção e acolhida do outro, especialmente se
    é pobre ou necessitado. Em nossas comunidades, sua forte presença tem enriquecido e continuará enriquecendo a dimensão
    materna da Igreja e sua atitude acolhedora, que a converte em
    “casa e escola da comunhão”163 e em espaço espiritual que prepara para a missão.
    160 DCE 41. 161 RVM 1. 162 NMI 50. 163 Ibid. 43.
    V CONFERÊNCIA GERAL DO EPISCOPADO LATINO-AMERICANO E DO CARIBE- aparecida – DOCUMENTO FINAL 127
    6.1.5 Os apóstolos e os santos
  116. Também os apóstolos de Jesus e os santos marcaram
    a espiritualidade e o estilo de vida de nossas Igrejas. Suas vidas
    são lugares privilegiados de encontro com Jesus Cristo. Seu testemunho se mantém vigente e seus ensinamentos inspiram o
    ser e ação das comunidades cristãs do Continente. Entre eles,
    Pedro o apóstolo, a quem Jesus confiou a missão de confirmar a
    fé de seus irmãos (cf. Lc 22,31-32), os ajuda a estreitar o vínculo de comunhão com o Papa, seu sucessor, e a buscar em Jesus
    as palavras de vida eterna. Paulo, o evangelizador incansável,
    lhes indicou o caminho da audácia missionária e a vontade de
    se aproximar de cada realidade cultural com a Boa Nova da salvação. João, o discípulo amado do Senhor, lhes revelou a força
    transformadora do mandamento novo e a fecundidade de permanecer em seu amor.
  117. Nossos povos nutrem carinho e especial devoção por
    José, esposo de Maria, homem justo, fiel e generoso que sabe
    perder-se para se achar no mistério do Filho. São José, o silencioso mestre, fascina, atrai e ensina, não com palavras mas com
    o resplandecente testemunho de suas virtudes e de sua firme
    simplicidade.
  118. Nossas comunidades levam o selo dos apóstolos e,
    além disso, reconhecem o testemunho cristão de tantos homens
    e mulheres que espalharam em nossa geografia as sementes do
    Evangelho, vivendo valentemente sua fé, inclusive derramando seu sangue como mártires. Seu exemplo de vida e santidade
    constitui um presente precioso para o caminho cristão dos latino-americanos e, simultaneamente, um estímulo para imitar
    suas virtudes nas novas expressões culturais da história. Com
    a paixão de seu amor a Jesus Cristo, foram membros ativos e
    missionários em sua comunidade eclesial. Com valentia, perseveraram na promoção dos direitos das pessoas, foram perspicazes no discernimento crítico da realidade à luz do ensino social
    da Igreja e críveis pelo testemunho coerente de suas vidas. Nós,
    128 CELAM
    cristãos de hoje, acolhemos sua herança e nos sentimos chamados a continuar com renovado ardor apostólico e missionário o
    estilo evangélico de vida que nos transmitiram.
    6.2 O processo de formação dos discípulosmissionários
  119. A vocação e o compromisso de ser hoje discípulos e
    missionários de Jesus Cristo na América Latina e no Caribe, requerem clara e decidida opção pela formação dos membros de
    nossas comunidades, a favor de todos os batizados, qualquer
    que seja a função que desenvolvem na Igreja. Olhamos para Jesus, o Mestre que formou pessoalmente a seus apóstolos e discípulos. Cristo nos dá o método: “Venham e vejam” (Jo 1, 39).
    “Eu sou o Caminho, a Verdade e a Vida” (Jo 14,6). Com Ele podemos desenvolver as potencialidades que há nas pessoas e formar
    discípulos missionários. Com perseverante paciência e sabedoria, Jesus convidou a todos para que o seguissem. Àqueles que
    aceitaram segui-lo, os introduziu no mistério do Reino de Deus,
    e depois de sua morte e ressurreição os enviou a pregar a Boa
    Nova na força do Espírito. Seu estilo se torna emblemático para
    os formadores e adquire especial relevância quando pensamos
    na paciente tarefa formativa que a Igreja deve empreender no
    novo contexto sócio-cultural da América Latina.
  120. O caminho de formação do seguidor de Jesus lança
    suas raízes na natureza dinâmica da pessoa e no convite pessoal
    de Jesus Cristo, que chama os seus pelo nome e estes o seguem
    porque lhe conhecem a voz. O Senhor despertava as aspirações
    profundas de seus discípulos e os atraía a si, maravilhados. O
    seguimento é fruto de uma fascinação que responde ao desejo
    de realização humana, ao desejo de vida plena. O discípulo é alguém apaixonado por Cristo, a quem reconhece como o mestre
    que o conduz e acompanha.
    6.2.1 Aspectos do processo
  121. No processo de formação de discípulos missionários,
    destacamos cinco aspectos fundamentais que aparecem de ma-
    V CONFERÊNCIA GERAL DO EPISCOPADO LATINO-AMERICANO E DO CARIBE- aparecida – DOCUMENTO FINAL 129
    neira diversa em cada etapa do caminho, mas que se complementam intimamente e se alimentam entre si:
    a) O Encontro com Jesus Cristo: Aqueles que serão seus discípulos já o buscam (cf. Jo 1,38), mas é o Senhor quem os
    chama: “Segue-me” (Mc 1,14; Mt 9,9). É necessário descobrir o sentido mais profundo da busca, assim como é necessário propiciar o encontro com Cristo que dá origem à
    iniciação cristã. Esse encontro deve renovar-se constantemente pelo testemunho pessoal, pelo anúncio do querigma
    e pela ação missionária da comunidade. O querigma não é
    somente uma etapa, mas o fio condutor de um processo
    que culmina na maturidade do discípulo de Jesus Cristo.
    Sem o querigma, os demais aspectos desse processo estão
    condenados à esterilidade, sem corações verdadeiramente
    convertidos ao Senhor. Só a partir do querigma acontece a
    possibilidade de uma iniciação cristã verdadeira. Por isso,
    a Igreja precisa tê-lo presente em todas as suas ações.
    b) A Conversão: É a resposta inicial de quem escutou o Senhor com admiração, crê nEle pela ação do Espírito, decide ser seu amigo e ir após Ele, mudando sua forma de
    pensar e de viver, aceitando a cruz de Cristo, consciente
    de que morrer para o pecado é alcançar a vida. No Batismo e no sacramento da Reconciliação se atualiza para nós
    a redenção de Cristo.
    c) O Discipulado: A pessoa amadurece constantemente no
    conhecimento, amor e seguimento de Jesus Mestre, se
    aprofunda no mistério de sua pessoa, de seu exemplo e de
    sua doutrina. Para esse passo são de fundamental importância a catequese permanente e a vida sacramental, que
    fortalecem a conversão inicial e permitem que os discípulos missionários possam perseverar na vida cristã e na
    missão em meio ao mundo que os desafia.
    d) A Comunhão: Não pode existir vida cristã fora da comunidade: nas famílias, nas paróquias, nas comunidades
    130 CELAM
    de vida consagrada, nas comunidades de base, nas outras pequenas comunidades e movimentos. Como os
    primeiros cristãos, que se reuniam em comunidade, o
    discípulo participa na vida da Igreja e no encontro com
    os irmãos, vivendo o amor de Cristo na vida fraterna solidária. É também acompanhado e estimulado pela comunidade e por seus pastores para amadurecer na vida
    do Espírito.
    e) A Missão: O discípulo, à medida que conhece e ama o seu
    Senhor, experimenta a necessidade de compartilhar com
    outros a sua alegria de ser enviado, de ir ao mundo para
    anunciar Jesus Cristo, morto e ressuscitado, e tornar realidade o amor e o serviço na pessoa dos mais necessitados,
    em uma palavra, a construir o Reino de Deus. A missão é
    inseparável do discipulado, o qual não deve ser entendido
    como etapa posterior à formação, ainda que esta seja realizada de diversas maneiras de acordo com a própria vocação e com o momento da maturidade humana e cristã
    em que se encontre a pessoa.
    6.2.2 Critérios gerais
    6.2.2.1 Uma formação integral, querigmática e permanente
  122. Missão principal da formação é ajudar os membros
    da Igreja a se encontrar sempre com Cristo, e assim reconhecer, acolher, interiorizar e desenvolver a experiência e os valores
    que constituem a própria identidade e missão cristã no mundo.
    Por isso, a formação obedece a um processo integral, ou seja,
    compreende várias dimensões, todas harmonizadas entre si em
    unidade vital. Na base dessas dimensões está a força do anúncio querigmático. O poder do Espírito e da Palavra contagia as
    pes­soas e as leva a escutar Jesus Cristo, a crer nEle como seu
    Salvador, a reconhecê-lo como quem dá pleno significado a suas
    vidas e a seguir seus passos. O anúncio se fundamenta no fato
    da presença de Cristo Ressuscitado hoje na Igreja, e é fator imprescindível do processo de formação de discípulos e missioná-
    V CONFERÊNCIA GERAL DO EPISCOPADO LATINO-AMERICANO E DO CARIBE- aparecida – DOCUMENTO FINAL 131
    rios. Ao mesmo tempo, a formação é permanente e dinâmica, de
    acordo com o desenvolvimento das pessoas e como serviço que
    são chamadas a prestar, em meio às exigências da história.
    6.2.2.2 Uma formação atenta a dimensões diversas
  123. A formação abrange diversas dimensões que deverão
    integrar-se harmonicamente ao longo de todo o processo de formação. Trata-se da dimensão humana comunitária, espiri­tual,
    intelectual, comunitária e pastoral-missionária.
    a) A Dimensão Humana e Comunitária. Tende a acompanhar
    processos de formação que levem a pessoa a assumir a
    própria história e a curá-la, com o objetivo de se tornar
    capaz de viver como cristão em um mundo plural, com
    equilíbrio, fortaleza, serenidade e liberdade interior. Trata-se de desenvolver personalidades que amadureçam em
    contato com a realidade e abertas ao Mistério.
    b) A Dimensão Espiritual: É a dimensão formativa que funda o ser cristão na experiência de Deus manifestado em
    Jesus e que o conduz pelo Espírito através dos caminhos
    de profundo amadurecimento. Por meio dos diversos carismas, a pessoa se fundamenta no caminho da vida e do
    serviço proposto por Cristo, com estilo pessoal. Assim
    como a Virgem Maria, essa dimensão permite ao cristão
    aderir de coração e pela fé aos caminhos alegres, luminosos, dolorosos e gloriosos de seu Mestre e Senhor.
    c) A Dimensão Intelectual: O encontro com Cristo, Palavra feita carne, potencializa o dinamismo da razão que procura
    o significado da realidade e se abre para o Mistério. Ela se
    expressa em uma reflexão séria, posta diariamente em dia
    através do estudo que, com a luz da fé, abre a inteligência
    para a verdade. Também capacita para o discernimento,
    o juízo crítico e o diálogo sobre a realidade e a cultura.
    Assegura de maneira especial o conhecimento bíblico-teológico e das ciências humanas para adquirir a necessária
    132 CELAM
    competência em vista dos serviços eclesiais que se requeiram e para a adequada presença na vida secular.
    d) A dimensão Pastoral e Missionária: Um autêntico caminho
    cristão preenche de alegria e esperança o coração e leva o
    cristão a anunciar Cristo de maneira constante na própria
    vida e ambiente. Projeta para a missão de formar discípulos missionários para o serviço ao mundo. Habilita a propor projetos e estilos de vida cristã atraentes, com intervenções orgânicas e de colaboração fraterna com todos os
    membros da comunidade. Contribui para integrar evangelização e pedagogia, comunicando vida e oferecendo itinerários pastorais de acordo com a maturidade cristã, a idade
    e outras condições próprias das pessoas ou dos grupos. Incentiva a responsabilidade dos leigos no mundo para construiroReinodeDeus.Desperta constante inquietudepelos
    distanciados e pelos que ignoram o Senhor em suas vidas.
    6.2.2.3 Uma formação respeitosa dos processos
  124. Chegar à altura da vida nova em Cristo, identificandose profundamente com Ele164 e sua missão, é um caminho longo
    que requer itinerários diversificados, respeitosos dos processos
    pessoais e dos ritmos comunitários, contínuos e graduais. Na
    diocese, o eixo central deverá ser um projeto orgânico de formação, aprovado pelo Bispo e elaborado com os organismos diocesanos competentes, levando em consideração todas as forças
    vivas da Igreja particular: associações, serviços e movimentos,
    comunidades religiosas, pequenas comunidades, comissões de
    pastoral social e diversos organismos eclesiais que ofereçam a
    visão de conjunto e a convergência das diversas iniciativas. Requerem-se também equipes de formação convenientemente
    preparadas que assegurem a eficácia do próprio processo e que
    acompanhem as pessoas com pedagogias dinâmicas, ativas e
    abertas. A presença e contribuição de leigos e leigas nas equipes
    164 Cf EN 19.
    V CONFERÊNCIA GERAL DO EPISCOPADO LATINO-AMERICANO E DO CARIBE- aparecida – DOCUMENTO FINAL 133
    de formação traz uma riqueza original, pois, a partir de suas experiências e competências, eles oferecem critérios, conteúdos e
    testemunhos valiosos para aqueles que estão se formando.
    6.2.2.4 Uma formação que contempla
    o acompanhamento dos discípulos
  125. Cada setor do Povo de Deus pede que a pessoa seja
    acompanhada e formada de acordo com a peculiar vocação e ministério para o qual tenha sido chamada: o bispo é o princípio da
    unidade na diocese mediante o seu tríplice ministério de ensinar,
    santificar e governar; os presbíteros cooperam com o ministério
    do bispo, no cuidado do povo de Deus que lhes foi confiado; os
    diáconos permanentes no serviço vivificante, humilde e perseverante como ajuda valiosa para os bispos e presbíteros; os consagrados e consagradas no seguimento radical do Mestre; os leigos
    e leigas cumprem sua responsabilidade evangelizadora colaborando na formação de comunidades cristãs e na construção do
    Reino de Deus no mundo. Requer-se, portanto, capacitar aqueles que possam acompanhar espiritual e pastoralmente a outros.
  126. Destacamos que a formação dos leigos e leigas deve
    contribuir, antes de mais nada, para sua atuação como discípulos missionários no mundo, na perspectiva do diálogo e da
    transformação da sociedade. É urgente uma formação específica
    para que possam ter incidência significativa nos diferentes campos, sobretudo “no vasto mundo da política, da realidade social e
    da economia, como também da cultura, das ciências e das artes,
    da vida internacional, dos meios de comunicação e de outras realidades abertas à evangelização”.165
    6.2.2.5 Uma formação na espiritualidade da ação missionária
  127. É necessário formar os discípulos numa espiritualidade da ação missionária, que se baseia na docilidade ao impulso
    do Espírito, à sua potência de vida que mobiliza e transfigura
    165 EN 70.
    134 CELAM
    todas as dimensões da existência. Não é uma experiência que
    se limita aos espaços privados da devoção, mas que procura penetrá-los completamente com seu fogo e sua vida. O discípulo e
    missionário, movido pelo estímulo e ardor que provêm do Espírito, aprende a expressá-lo no trabalho, no diálogo, no serviço e
    na missão cotidiana.
  128. Quando o impulso do Espírito impregna e motiva todas as áreas da existência, então penetra também e configura a
    vocação específica de cada pessoa. Assim se forma e se desenvolve a espiritualidade própria de presbíteros, de religiosos e religiosas, de pais de família, de empresários, de catequistas etc.
    Cada uma das vocações tem um modo concreto e diferente de
    viver a espiritualidade, que dá profundidade e entusiasmo para
    o exercício concreto de suas tarefas. Dessa forma, a vida no Espírito não nos fecha em intimidade cômoda e fechada, mas sim
    nos torna pessoas generosas e criativas, felizes no anúncio e no
    serviço missionário. Torna-nos comprometidos com os recla­mos
    da realidade e capazes de encontrar nela profundo significado
    em tudo o que nos cabe fazer pela Igreja e pelo mundo.
    6.3 Iniciação à vida cristã e catequese permanente
    6.3.1 Iniciação à vida cristã
  129. São muitos os cristãos que não participam na Eucaristia dominical nem recebem com regularidade os sacramentos,
    nem se inserem ativamente na comunidade eclesial. Sem esquecer a importância da família na iniciação cristã, esse fenômeno
    nos desafia profundamente a imaginar e organizar novas formas
    de nos aproximar deles para ajudá-los a valorizar o sentido da
    vida sacramental, da participação comunitária e do compromisso
    cidadão. Temos alta porcentagem de católicos sem a cons­ciência
    de sua missão de ser sal e fermento no mundo, com identidade
    cristã fraca e vulnerável.
  130. Isso constitui grande desafio que questiona a fundo
    a maneira como estamos educando na fé e como estamos ali-
    V CONFERÊNCIA GERAL DO EPISCOPADO LATINO-AMERICANO E DO CARIBE- aparecida – DOCUMENTO FINAL 135
    mentando a experiência cristã; desafio que devemos encarar
    com decisão, coragem e criatividade, visto que em muitas partes a iniciação cristã tem sido pobre ou fragmentada. Ou educamos na fé, colocando as pessoas realmente em contato com
    Jesus Cristo e convidando-as para seguí-lo, ou não cumpriremos
    nossa missão evangelizadora. Impõe-se a tarefa irrenunciável
    de oferecer modalidade de iniciação cristã, que além de marcar o quê, também dê elementos para o quem, o como e o onde
    se realiza. Dessa forma, assumiremos o desafio de uma nova
    evangelização, à qual temos sido reiteradamente convocados.
  131. A iniciação cristã, que inclui o querigma, é a maneira
    prática de colocar alguém em contato com Jesus Cristo e iniciálo no discipulado. Dá-nos,também, a oportunidade de fortalecer
    a unidade dos três sacramentos da iniciação, e aprofundar o rico
    sentido deles. A iniciação cristã, propriamente falando,refere-se
    à primeira iniciação nos mistérios da fé, seja na forma do catecumenato batismal para os não batizados, seja na forma do catecumenato pós-batismal para os batizados não suficientemente
    catequisados. Esse catecumenato está intimamente unido aos
    sacramentos da iniciação: batismo, confirmação e eucaristia, celebrados solenemente na Vigília Pascal. Teríamos que distinguila, portanto, de outros processos catequéticos e formativos que
    podem ter a iniciação cristã como base.
    6.3.2 Propostas para a iniciação cristã
  132. Sentimos a urgência de desenvolver em nossas comunidades um processo de iniciação na vida cristã que comece pelo
    querigma e que, guiado pela Palavra de Deus, conduza a um encontro pessoal, cada vez maior, com Jesus Cristo, perfeito Deus
    e perfeito homem,166 experimentado como plenitude da humanidade e que leve à conversão, ao seguimento em uma comunidade eclesial e a um amadurecimento de fé na prática dos sacramentos, do serviço e da missão.
    166 Cf. Símbolo Quicumque: DS 76.
    136 CELAM
  133. Recordamos que o caminho de formação do cristão, na
    tradição mais antiga da Igreja, “teve sempre caráter de experiência, na qual era determinante o encontro vivo e persuasivo com
    Cristo, anunciado por autênticas testemunhas”.167 Trata-se de
    uma experiência que introduz o cristão numa profunda e feliz
    celebração dos sacramentos, com toda a riqueza de seus sinais.
    Desse modo, a vida vem se transformando progressivamente
    pelos santos mistérios que se celebram, capacitando o cristão a
    transformar o mundo. Isso é o que se chama “catequese mistagógica”.
  134. Ser discípulo é dom destinado a crescer. A iniciação
    cristã dá a possibilidade de uma aprendizagem gradual no conhecimento, no amor e no seguimento de Cristo. Dessa forma,
    ela forja a identidade cristã com as convicções fundamentais e
    acompanha a busca do sentido da vida. É necessário assumir a
    dinâmica catequética da iniciação cristã. Uma comunidade que
    assume a iniciação cristã renova sua vida comunitária e desperta
    seu caráter missionário. Isso requer novas atitudes pastorais por
    parte dos bispos, presbíteros, diáconos, pessoas consagradas e
    agentes de pastoral.
  135. Como características do discípulo, indicadas pela iniciação cristã, destacamos: que ele tenha como centro a pessoa de
    Jesus Cristo, nosso Salvador e plenitude de nossa humanidade,
    fonte de toda maturidade humana e cristã; que tenha espírito de oração, seja amante da Palavra, pratique a confissão freqüente e participe da Eucaristia; que se insira cordialmente na
    comunidade eclesial e social, seja solidário no amor e fervoroso
    missionário.
  136. A paróquia precisa ser o lugar onde se assegure a iniciação cristã e terá como tarefas irrenunciáveis: iniciar na vida
    cristã os adultos batizados e não suficientemente evangelizados;
    educar na fé as crianças batizadas em um processo que as leve
    167 SC 64.
    V CONFERÊNCIA GERAL DO EPISCOPADO LATINO-AMERICANO E DO CARIBE- aparecida – DOCUMENTO FINAL 137
    a completar sua iniciação cristã; iniciar os não batizados que,
    havendo escutado o querigma, querem abraçar a fé. Nessa tarefa,
    o estudo e a assimilação do Ritual de Iniciação Cristã de Adultos
    é referência necessária e apoio seguro.
  137. Assumir essa iniciação cristã exige não só uma renovação de modalidade catequética da paróquia. Propomos que
    o processo catequético de formação adotado pela Igreja para a
    iniciação cristã seja assumido em todo o Continente como a maneira ordinária e indispensável de introdução na vida cristã e
    como a catequese básica e fundamental. Depois, virá a catequese
    permanente que continua o processo de amadurecimento da fé;
    nela se deve incorporar o discernimento vocacional e a iluminação para projetos pessoais de vida.
    6.3.3 Catequese permanente
  138. Quanto à situação atual da catequese, é evidente que
    tem havido grande progresso. Tem crescido o tempo que se dedica à preparação para os sacramentos. Tem-se tomado maior
    consciência de sua necessidade, tanto nas famílias como entre
    os pastores. Compreende-se que ela é imprescindível em toda
    formação cristã. Têm-se constituído ordinariamente comissões
    diocesanas e paroquiais de catequese. É admirável o grande número de pessoas que se sentem chamadas a se fazer catequistas,
    com grande entrega. A elas, esta Assembléia manifesta sincero
    reconhecimento.
  139. No entanto, apesar da boa vontade, a formação teológica e pedagógica dos catequistas não costuma ser a desejável.
    Os materiais e subsídios são com freqüência muito variados e
    não se integram em uma pastoral de conjunto; e nem sempre são
    portadores de métodos pedagógicos atualizados. Os serviços catequéticos das paróquias freqüentemente carecem de colaboração próxima das famílias. Os párocos e demais responsáveis não
    assumem com maior empenho a função que lhes corresponde
    como primeiros catequistas.
    138 CELAM
  140. Os desafios que apresenta a situação da sociedade na
    América latina e no Caribe requerem identidade católica mais
    pessoal e fundamentada. O fortalecimento dessa identidade
    passa por uma catequese adequada que promova adesão pes­soal
    e comunitária a Cristo, sobretudo nos mais fracos na fé.168 É tarefa que cabe a toda a comunidade de discípulos, mas de maneira especial a nós que, como bispos, fomos chamados a servir
    à Igreja, pastoreando-a, conduzindo-a ao encontro com Jesus e
    ensinando-lhe a viver tudo o que Ele nos tem mandado (cf. Mt
    28,19-20).
  141. A catequese não deve ser só ocasional, reduzida a momentos prévios aos sacramentos ou à iniciação cristã, mas sim
    “itinerário catequético permanente”.169 Por isso, compete a cada
    Igreja particular, com a ajuda das Conferências Episcopais, estabelecer um processo catequético orgânico e progressivo que se
    estenda por toda a vida, desde a infância até à terceira idade,
    levando em consideração que o Diretório Geral de Catequese
    considera a catequese com adultos como a forma fundamental
    da educação na fé. Para que em verdade o povo conheça Cristo a
    fundo e o siga fielmente, deve ser conduzido especialmente na
    leitura e meditação da Palavra de Deus, que é o primeiro fundamento de uma catequese permanente.170
  142. A catequese não pode se limitar a uma formação meramente doutrinal, mas precisa ser uma verdadeira escola de
    formação integral. Portanto, é necessário cultivar a amizade
    com Cristo na oração, o apreço pela celebração litúrgica, a experiência comunitária, o compromisso apostólico mediante um
    permanente serviço aos demais. Para isso, seriam úteis alguns
    subsídios catequéticos elaborados a partir do Catecismo da Igreja
    Católica e do Compêndio da Doutrina Social da Igreja, estabelecendo cursos e escolas de formação permanente aos catequistas.
    168 Cf. Bento XVI, Discurso no Encontro com os Bispos do Brasil, 11 de maio de 2007. 169 DI 3. 170 Ibid.
    V CONFERÊNCIA GERAL DO EPISCOPADO LATINO-AMERICANO E DO CARIBE- aparecida – DOCUMENTO FINAL 139
  143. Deve-se dar catequese apropriada que acompanhe a
    fé já presente na religiosidade popular. Maneira concreta pode
    ser a oferta de um processo de iniciação cristã com visitas às
    famílias, onde não só se comuniquem a elas os conteúdos da
    fé, mas que também as conduza à prática da oração familiar,
    à leitura orante da Palavra de Deus e ao desenvolvimento das
    virtudes evangélicas, que as consolidem cada vez mais como
    Igrejas domésticas. Para esse crescimento na fé, também é
    conveniente aproveitar pedagogicamente o potencial educativo presente na piedade popular mariana. Trata-se de um
    caminho educativo que, cultivando o amor pessoal à Virgem,
    verdadeira “educadora na fé”171 que nos leva a nos assemelhar
    cada vez mais a Jesus Cristo, provoque a apropriação progressiva de suas atitudes.
    6.4 Lugares de formação para os discípulosmissionários
  144. A seguir, consideraremos brevemente alguns lugares
    de formação de discípulos missionários.
    6.4.1 A Família, primeira escola da fé
  145. A família, “patrimônio da humanidade”, constitui um
    dos tesouros mais valiosos dos povos latino-americanos. Ela tem
    sido e é o lugar e escola de comunhão, fonte de valores humanos
    e cívicos, lar onde a vida humana nasce e se acolhe generosa e
    responsavelmente. Para que a família seja “escola de fé” e possa
    ajudar os pais a serem os primeiros catequistas de seus filhos, a
    pastoral familiar deve oferecer espaços de formação, materiais
    catequéticos, momentos celebrativos, que lhes permitam cumprir sua missão educativa. A família é chamada a introduzir os
    filhos no caminho da iniciação cristã. A família, pequena Igreja,
    deve ser, junto com a Paróquia, o primeiro lugar para a iniciação
    cristã das crianças.172 Ela oferece aos filhos um sentido cristão
    171 DP 290. 172 SC 19.
    140 CELAM
    de existência e os acompanha na elaboração de seu projeto de
    vida, como discípulos missionários.
  146. Além disso, é dever dos pais, especialmente através de
    seu exemplo de vida, a educação dos filhos para o amor como
    dom de si mesmos e a ajuda que eles prestam para descobrir sua
    vocação de serviço, seja na vida leiga como na vida consagrada. Desse modo, a formação dos filhos como discípulos de Jesus
    Cristo se realiza nas experiências da vida diária na própria família. Os filhos têm o direito de poder contar com o pai e a mãe
    para que cuidem deles e os acompanhem até a plenitude de vida.
    A “catequese familiar”, implementada de diversas maneiras,
    tem-se revelado como ajuda proveitosa à unidade das famílias,
    oferecendo, além disso, possibilidade eficiente de formar os pais
    de família, os jovens e as crianças, para que sejam testemunhas
    firmes da fé em suas respectivas comunidades.
    6.4.2 As Paróquias
  147. A dimensão comunitária é intrínseca ao mistério e à
    realidade da Igreja que deve refletir a Santíssima Trindade. Essa
    dimensão especial tem sido vivida de diversas maneiras ao longo
    dos séculos. A Igreja é comunhão. As Paróquias são células vivas da Igreja173 e lugares privilegiados em que a maioria dos fiéis
    tem uma experiência concreta de Cristo e de sua Igreja.174 Encerram inesgotável riqueza comunitária porque nelas se encontra
    imensa variedade de situações, idades e tarefas. Sobretudo hoje,
    quando as crises da vida familiar afeta a tantas crianças e jovens,
    as Paróquias oferecem espaço comunitário para se formar na fé e
    crescer comunitariamente.
  148. Portanto, deve-se cultivar a formação comunitária especialmente na paróquia. Com diversas celebrações e iniciativas,
    principalmente com a Eucaristia dominical, que é “momento
    privilegiado do encontro das comunidades com o Senhor ressus173 AA 10; SD 55. 174 EAm 41.
    V CONFERÊNCIA GERAL DO EPISCOPADO LATINO-AMERICANO E DO CARIBE- aparecida – DOCUMENTO FINAL 141
    citado”,175 os fiéis devem experimentar a paróquia como família
    na fé e na caridade, onde mutuamente se acompanhem e se ajudem no seguimento de Cristo.
  149. Se queremos que as paróquias sejam centros de irradiação missionária em seus próprios territórios, elas devem
    ser também lugares de formação permanente. Isso exige que se
    organizem nelas várias instâncias formativas que assegurem o
    acompanhamento e o amadurecimento de todos os agentes pastorais e dos leigos inseridos no mundo. As paróquias vizinhas
    também podem unir esforços nesse sentido, sem desperdiçar as
    ofertas formativas da Diocese e da Conferência Episcopal.
    6.4.3 Pequenas comunidades eclesiais
  150. Constata-se que nos últimos anos está crescendo a espiritualidade de comunhão e que, com diversas metodologias,
    não poucos esforços têm sido feitos para levar os leigos a se integrar nas pequenas comunidades eclesiais, que vão mostrando
    frutos abundantes. Nas pequenas comunidades eclesiais temos
    um meio privilegiado para a Nova Evangelização e para chegar a
    que os batizados vivam como autênticos discípulos e missionários de Cristo.
  151. São elas um ambiente propício para escutar a Palavra
    de Deus, para viver a fraternidade, para animar na oração, para
    aprofundar processos de formação na fé e para fortalecer o exigente compromisso de ser apóstolos na sociedade de hoje. São
    lugares de experiência cristã e evangelização que, em meio à situação cultural que nos afeta, secularizada e hostil à Igreja, se
    fazem muito mais necessários.
  152. Se desejamos pequenas comunidades vivas e dinâmicas, é necessário despertar nelas uma espiritualidade sólida, baseada na Palavra de Deus, que as mantenham em plena
    comunhão de vida e ideais com a Igreja local e, em particular,
    175 DI 4.
    142 CELAM
    com a comunidade paroquial. Por outro lado, conforme há anos
    estamos propondo na América Latina, a paróquia chegará a ser
    “comunidade de comunidades”.176
  153. Destacamos que é preciso reanimar os processos de
    formação de pequenas comunidades no Continente, pois nelas
    temos uma fonte segura de vocações ao sacerdócio, à vida religiosa e à vida leiga com especial dedicação ao apostolado. Através das pequenas comunidades, também se poderia conseguir
    chegar aos afastados, aos indiferentes e aos que alimentam descontentamento ou ressentimentos em relação à Igreja.
    6.4.4 Os movimentos eclesiais e novas comunidades
  154. Os novos movimentos e comunidades são um dom do
    Espírito Santo para a Igreja. Neles, os fiéis encontram a possibilidade de se formar cristãmente, crescer e comprometer-se apostolicamente até ser verdadeiros discípulos missionários. Assim
    exercitam o direito natural e batismal de livre associação, como
    indicou o Concílio vaticano II177 e o confirma o Código de Direito Canônico. Seria conveniente incentivar alguns movimentos e associações que mostram hoje certo cansaço ou fraqueza
    e convidá-los a renovar seu carisma original, que não deixa de
    enriquecer a diversidade com que o Espírito se manifesta e atua
    no povo cristão.
  155. Os movimentos e novas comunidades constituem valiosa contribuição na realização da Igreja Particular. Por sua própria natureza, expressam a dimensão carismática da Igreja: “Na
    Igreja não há contraste ou contraposição entre a dimensão institucional e a dimensão carismática, da qual os movimentos são
    expressão significativa, porque ambos são igualmente essenciais
    para a constituição divina do Povo de Deus”.178 Na vida e ação
    evangelizadora da Igreja, constatamos que no mundo moderno
    176 Cf. SD 58. 177 AA 18ss. 178 Bento XVI, Discurso, 24 de março de 2007.
    V CONFERÊNCIA GERAL DO EPISCOPADO LATINO-AMERICANO E DO CARIBE- aparecida – DOCUMENTO FINAL 143
    devemos responder a novas situações e necessidades da vida
    cristã. Nesse contexto, também os movimentos e novas comunidades são uma oportunidade para que muitas pessoas afastadas
    possam ter uma experiência de encontro vital com Jesus Cristo,
    e assim recuperar sua identidade batismal e sua ativa participação na vida da Igreja.179 Neles “podemos ver a multiforme presença e ação santificadora do Espírito”.180
  156. Para aproveitar melhor os carismas e serviços dos movimentos eclesiais no campo da formação dos leigos, desejamos
    respeitar seus carismas e sua originalidade, procurando que se
    integrem mais plenamente na estrutura originária que acontece
    na diocese. Ao mesmo tempo, é necessário que a comunidade
    diocesana acolha a riqueza espiritual e apostólica dos movimentos. É verdade que os movimentos devem manter sua especificidade, mas dentro de uma profunda unidade com a Igreja particular, não só de fé mas de ação. Quanto mais se multiplicar a
    riqueza dos carismas, mais os bispos serão chamados a exercer
    o discernimento espiritual para favorecer a necessária integração dos movimentos na vida diocesana, apreciando a riqueza de
    sua experiência comunitária, formativa e missionária. Convêm
    dar especial acolhida e valorização aos movimentos eclesiais que
    já passaram pelo reconhecimento e discernimento da Santa Sé,
    considerados como dons e bens para a Igreja universal.
    6.4.5 Os Seminários e Casas de formação religiosa
  157. No que se refere à formação dos discípulos e missionários de Cristo, ocupa lugar particular a pastoral vocacional,
    que acompanha cuidadosamente todos os que o Senhor chama a servir à Igreja no sacerdócio, na vida consagrada ou no
    estado de leigo. A pastoral vocacional, que é responsabilidade
    de todo o povo de Deus, começa na família e continua na comunidade cristã, deve dirigir-se às crianças e especialmente aos
    179 Cf. DI 4. 180 Cf. Ibid. 5.
    144 CELAM
    jovens para ajudá-los a descobrir o sentido da vida e o projeto
    que Deus tem para cada um, acompanhando-os em seu processo
    de discernimento. Plenamente integrada no âmbito da pastoral
    ordinária, a pastoral vocacional é fruto de uma sólida pastoral
    de conjunto, nas famílias, na paróquia, nas escolas católicas e
    nas demais instituições eclesiais. É necessário intensificar de diversas maneiras a oração pelas vocações, com a qual também se
    contribui para criar maior sensibilidade e receptividade diante
    do chamado do Senhor; assim como promover e coordenar diversas iniciativas vocacionais.181 As vocações são dom de Deus;
    portanto, em cada diocese, não devem faltar orações especiais
    ao “Dono da messe”.
  158. Diante da escassez de pessoas que respondam à vocação ao sacerdócio e à vida consagrada na América Latina e no
    Caribe, é urgente dedicar cuidado especial à promoção vocacional, cultivando os ambientes onde nascem as vocações ao sacerdócio e à vida consagrada, com a certeza de que Jesus continua
    chamando discípulos e missionários para estar com Ele e para
    enviá-los a pregar o Reino de Deus. Esta V Conferência faz um
    chamado urgente a todos os cristãos, especialmente aos jovens,
    para que estejam abertos a uma possível chamada de Deus ao sacerdócio ou à vida consagrada;recorda que o Senhor dará a graça
    necessária para responder com decisão e generosidade, apesar
    dos problemas gerados por uma cultura secularizada, centralizada no consumismo e no prazer. Convidamos as famílias a reconhecerem a bênção de ter um filho chamado por Deus para essa
    consagração e apoiarem sua decisão e seu caminho de resposta
    vocacional. Aos sacerdotes, os estimulamos a dar testemunho
    de vida feliz, alegre, entusiástica e de santidade no serviço do
    Senhor.
  159. Sem dúvida, os seminários e as casas de formação
    constituem espaço privilegiado – escola e casa – para a forma181 Cf. PDV 41; EAm 40.
    V CONFERÊNCIA GERAL DO EPISCOPADO LATINO-AMERICANO E DO CARIBE- aparecida – DOCUMENTO FINAL 145
    ção de discípulos e missionários. O tempo da primeira formação
    é uma etapa onde os futuros presbíteros compartilham a vida, a
    exemplo da comunidade apostólica ao redor do Cristo Ressuscitado: oram juntos, celebram a mesma liturgia que culmina na
    Eucaristia, a partir da Palavra de Deus recebem os ensinamentos
    que vão iluminando sua mente e modelando seu coração para
    o exercício da caridade fraterna e da justiça, prestam serviços
    pastorais periodicamente a diversas comunidades, preparandose assim para viver uma sólida espiritualidade de comunhão com
    Cristo Pastor e docilidade à ação do Espírito Santo, convertendo-se em sinal pessoal e atrativo de Cristo no mundo, segundo o
    caminho de santidade próprio do ministério sacerdotal.182
  160. Reconhecemos o esforço dos formadores dos Seminários. Seu testemunho e preparação são decisivos para o acompanhamento dos seminaristas para um amadurecimento afetivo
    que os faça aptos para abraçar o celibato e capazes de viver em
    comunhão com seus irmãos na vocação sacerdotal; nesse sentido, os cursos de formadores que se têm implementado são meio
    eficaz de ajuda à sua missão.183
  161. A realidade atual exige de nós maior atenção aos projetos de formação dos Seminários, pois os jovens são vítimas
    da influência negativa da cultura pós-moderna, especialmente
    dos meios de comunicação, trazendo consigo a fragmentação da
    personalidade, a incapacidade de assumir compromissos definitivos, a ausência de maturidade humana, o enfraquecimento da
    identidade espiritual, entre outros, que dificultam o processo de
    formação de autênticos discípulos e missionários. Por isso, antes do ingresso no Seminário, é necessário que os formadores e
    182 Cf. PDV 60; OT 4; Congregação para o Clero, Diretório para o ministério e a vida dos
    presbíteros, n. 4. 183 A esse respeito, os padres sinodais exortavam os Bispos “a destinar para essa tarefa seus sacerdotes mais aptos, depois de prepará-los mediante formação específica que os
    capacite para missão tão delicada”. EAm 40; Congregação para a Educação Católica, Ratio
    fundamentalis institutionis sacerdotalis, 31-36; ID., Diretrizes sobre a preparação dos formadores
    nos Seminários, n. 65-71; OT 5.
    146 CELAM
    responsáveis façam esmerada seleção dos candidatos que leve
    em consideração o equilíbrio psicológico de personalidade sadia,
    motivação genuína de amor a Cristo, à Igreja, e ao mesmo tempo
    capacidade intelectual adequada às exigências do ministério no
    tempo atual.184
  162. É necessário um projeto formativo do Seminário que
    ofereça aos seminaristas um verdadeiro processo integral: humano, espiritual, intelectual e pastoral, centrado em Jesus Cristo Bom Pastor. É fundamental que, durante os anos de formação, os seminaristas sejam autênticos discípulos, chegando a
    realizar verdadeiro encontro pessoal com Jesus Cristo na oração
    com a Palavra, para que estabeleçam com Ele relações de amizade e amor, assegurando um autêntico processo de iniciação
    espiritual, especialmente no Período Propedêutico. A espiritualidade que se promove deverá responder à identidade da própria
    vocação, seja diocesana ou religiosa.185
  163. Ao longo da formação, procurar-se-á desenvolver amor
    terno e filial a Maria, de maneira que cada formando chegue a
    ter com ela familiaridade espontânea e a “acolha em casa” como
    o discípulo amado. Ela oferecerá aos sacerdotes força e esperança nos momentos difíceis e os estimulará a ser incessantemente
    discípulos missionários para o Povo de Deus.
  164. Especial atenção se deverá prestar ao processo de formação humana para a maturidade, de tal maneira que a vocação ao sacerdócio ministerial dos candidatos chegue a ser para
    cada um deles um projeto de vida estável e definitivo, em meio
    a uma cultura que exalta o descartável e o provisório. Diga-se o
    mesmo da educação para o amadurecimento da afetividade e da
    184 Cf. C.I.C., can. 241, I: Congregação para a Educação Católica, Instrução sobre os critérios de discernimento vocacional em relação às pessoas de tendências homossexuais antes de sua
    admissão no Seminário e nas Ordens sagradas. 185 Cf. Congregação para a Educação Católica, Carta circular sobre alguns aspectos mais
    urgentes da formação espiritual nos seminários, 6 de janeiro de 1980, p. 23; ID., O Período
    Propedêutico, 1º de maio de 1998, p. 14.
    V CONFERÊNCIA GERAL DO EPISCOPADO LATINO-AMERICANO E DO CARIBE- aparecida – DOCUMENTO FINAL 147
    sexualidade. Esta deve levar a compreender melhor o significado evangélico do celibato consagrado como valor que assemelha
    a Jesus Cristo, portanto, como estado de amor, fruto do dom
    precioso da graça divina, segundo o exemplo da doação nupcial
    do Filho de Deus; a acolhê-lo como tal com firme decisão, com
    magnanimidade e de todo o coração, e a vivê-lo com serenidade
    e fiel perseverança, com a devida ascese no caminho pessoal e
    comunitário, como entrega a Deus e aos demais com o coração
    pleno e indiviso.186
  165. Em todo o processo de formação, o ambiente do Seminário e da pedagogia formativa deverão cuidar do clima de
    sã liberdade e de responsabilidade pessoal, evitando criar ambientes artificiais ou itinerários impostos. A opção do candidato
    pela vida e ministério sacerdotal deve amadurecer e apoiar-se
    em motivações verdadeiras e autênticas, livres e pessoais. A isso
    se orienta a disciplina nas casas de formação. As experiências
    pastorais, discernidas e acompanhadas no processo formativo,
    são sumamente importantes para confirmar a autenticidade das
    motivações no candidato e ajudá-lo a assumir o ministério como
    verdadeiro e generoso serviço, no qual o ser e o agir, pessoa consagrada e ministério, são realidades inseparáveis.
  166. Ao mesmo tempo, o Seminário deverá oferecer formação intelectual séria e profunda, no campo da filosofia, das ciências humanas, e especialmente da teologia e da missiologia, a
    fim de que o futuro sacerdote aprenda a anunciar a fé em toda a
    sua integridade, fiel ao Magistério da Igreja, com atenção crítica
    atento ao contexto cultural de nosso tempo e às grandes correntes de pensamento e de conduta que deverá evangelizar. Simultaneamente se deverá reforçar o estudo da Palavra de Deus no
    currículo acadêmico nos diversos campos de formação, procurando que a Palavra divina não se reduza somente a noções, mas
    186 Cf. PO 16; OT 4; PDV 50; Congregação para o Clero, Diretório para o ministério e a vida
    dos presbíteros, n. 5; Congregação para a Educação Católica, Orientações para a educação no
    celibato, n. 31, Roma, 1974.
    148 CELAM
    que em verdade seja espírito e vida que ilumine e alimente toda
    a existência. Portanto, será necessário contar em cada seminário
    com número suficiente de professores bem preparados.187
  167. É indispensável confirmar que os candidatos sejam
    capazes de assumir as exigências da vida comunitária, o que implica diálogo, capacidade de serviço, humildade, valorização dos
    carismas alheios, disposição para se deixar interpelar pelos outros, obediência ao bispo e abertura para crescer em comunhão
    missionária com os presbíteros, diáconos, religiosos e leigos,
    servindo à unidade na diversidade. A Igreja necessita de sacerdotes e consagrados que nunca percam a consciência de serem
    discípulos em comunhão.
  168. Os jovens provenientes de famílias pobres ou de grupos indígenas, requerem formação inculturada, ou seja, devem
    receber a adequada formação teológica e espiritual para seu
    futuro ministério, sem que isso faça perder suas raízes e, dessa forma, possam ser evangelizadores próximos a seus povos e
    culturas.188
  169. É oportuno indicar a complementaridade entre a
    formação iniciada no Seminário e o processo de formação que
    abrange as diversas etapas de vida do presbítero. É necessário
    despertar a consciência de que a formação só termina com a morte. A formação permanente “é um dever principalmente para os
    sacerdotes jovens e precisa ter aquela freqüência e programação
    de encontros que, simultaneamente, prolongam a seriedade e a
    solidez da formação recebida no seminário, levem progressivamente os jovens presbíteros a compreender e viver a singular
    riqueza do “dom” de Deus – o sacerdócio – e a desenvolver suas
    potencialidades e aptidões ministeriais, também mediante uma
    inserção cada vez mais convicta e responsável no presbitério e,
    portanto, na comunhão e na co-responsabilidade com todos os
    187 Cf. Congregação para a Educação Católica, Ratio fundamentalis, n. 32 e 36-37. 188 Cf. EAm 40; RM 54; PDV 32; Congregação para o Clero, Diretório, n. 15.
    V CONFERÊNCIA GERAL DO EPISCOPADO LATINO-AMERICANO E DO CARIBE- aparecida – DOCUMENTO FINAL 149
    irmãos”.189 Em relação a isso, requerem-se projetos diocesanos
    bem articulados e constantemente avaliados.
  170. As casas e os centros de formação da Vida Religiosa
    são também espaços privilegiados de discipulado e de formação
    dos missionários e missionárias, segundo o carisma próprio de
    cada instituto religioso.
    6.4.6 A Educação Católica
  171. A América Latina e o Caribe vivem uma particular e delicada emergência educativa. Na verdade, as novas formas educacionais de nosso continente, impulsionadas para se adaptar às
    novas exigências que se vão criando com a mudança global, aparecem centradas prioritariamente na aquisição de conhecimentos e habilidades e denotam claro reducionismo antropológico,
    visto que concebem a educação preponderantemente em função
    da produção, da competitividade e do mercado. Por outro lado,
    com freqüência, elas propiciam a inclusão de fatores contrários à
    vida, à família e a uma sadia sexualidade.Dessa forma, não manifestam os melhores valores dos jovens nem seu espírito religioso;
    menos ainda lhes ensinam os caminhos para superar a violência
    e se aproximar da felicidade, nem os ajudam a levar uma vida
    sóbria e adquirir as atitudes, virtudes e costumes que tornariam
    estável o lar que venham a estabelecer, e que os converteriam em
    construtores solidários da paz e do futuro da sociedade.190
  172. Diante dessa situação, fortalecendo a estreita colaboração com os pais de família e pensando em uma educação de
    qualidade à que têm direito, sem distinção, todos os alunos e
    alunas de nossos povos, é necessário insistir no autêntico fim de
    toda escola. É chamada a se transformar, antes de mais nada, em
    lugar privilegiado de formação e promoção integral, mediante a
    189 PDV 76. 190 FC 36-38; João Paulo II, Carta às Famílias, 13, 2 de fevereiro de 1994; Pontifício Conselho para a Família, Carta dos direitos da família, Art. 5c, 22 de outubro de 1983; Pontifício
    Conselho para a Família, Sexualidade humana, verdade e significado. Orientações educativas em
    família, 8 de dezembro de 1995.
    150 CELAM
    assimilação sistemática e crítica da cultura, fato que consegue
    mediante um encontro vivo e vital com o patrimônio cultural.
    Isso supõe que tal encontro se realize na escola em forma de elaboração, ou seja, confrontando e inserindo os valores perenes
    no contexto atual. Na realidade, a cultura, para ser educativa,
    deve inserir-se nos problemas do tempo no qual se desenvolve a
    vida do jovem. Dessa maneira, as diferentes disciplinas precisam
    apresentar não só um saber por adquirir, mas valores por assimilar e verdades por descobrir.
  173. Constituiresponsabilidade estrita da escola, enquanto
    instituição educativa, destacar a dimensão ética e religiosa da
    cultura, precisamente com o objetivo de ativar o dinamismo espiritual do sujeito e ajudá-lo a alcançar a liberdade ética que pressupõe e aperfeiçoa a psicológica. Mas não se dá liberdade ética,
    a não ser na confrontação com os valores absolutos dos quais
    dependem o sentido e o valor da vida do ser humano. Inclusive no âmbito da educação, manifesta-se a tendência a assumir
    a realidade como parâmetro dos valores, correndo dessa forma
    o perigo de responder a aspirações secundárias e superficiais,
    e perder de vista as exigências mais profundas do mundo contemporâneo (E.C. 30). A educação humaniza e personaliza o ser
    humano quando consegue que este desenvolva plenamente seu
    pensamento e sua liberdade, fazendo-o frutificar em hábitos de
    compreensão e em iniciativas de comunhão com a totalidade da
    ordem real. Dessa maneira, o ser humano humaniza seu mundo,
    produz cultura, transforma a sociedade e constrói a história.191
    6.4.6.1 Os centros educativos católicos
  174. A missão primária da Igreja é anunciar o Evangelho
    de maneira tal que garanta a relação entre a fé e a vida tanto na
    pessoa individual como no contexto sócio-cultural em que as
    pessoas vivem, atuam e se relacionam entre si. Assim, a Igreja
    “procura transformar, mediante a força do Evangelho, os crité191 DP 1025.
    V CONFERÊNCIA GERAL DO EPISCOPADO LATINO-AMERICANO E DO CARIBE- aparecida – DOCUMENTO FINAL 151
    rios de juízo, os valores determinantes, os pontos de interesse,
    as linhas de pensamento, as fontes inspiradoras e os modelos de
    vida da humanidade que estão em contraste com a Palavra de
    Deus e o desígnio de salvação”.192
  175. Portanto, quando falamos de educação cristã, entendemos que o mestre educa para um projeto de ser humano em
    que habite Jesus Cristo com o poder transformador de sua vida
    nova. Existem muitos aspectos nos quais se educa e entre os
    quais consta o projeto educativo. Existem muitos valores, mas
    estes valores nunca estão sozinhos, sempre formam uma constelação ordenada, explícita ou implicitamente. Se a ordenação
    tem a Cristo como fundamento e fim, então essa educação está
    recapitulando tudo em Cristo e é verdadeira educação cristã; se
    não, pode falar de Cristo, mas corre o perigo de não ser cristã.193
  176. Desse modo se produz uma compenetração entre os
    dois aspectos. Quer dizer, não se concebe a possibilidade de
    anunciar o Evangelho sem que este ilumine, infunda alento e
    esperança e inspire soluções adequadas aos problemas da existência; muito menos que se possa pensar em verdadeira e plena
    promoção do ser humano sem abri-lo a Deus e anunciar-lhe Jesus Cristo.194
  177. A Igreja é chamada a promover em suas escolas uma
    educação centrada na pessoa humana que é capaz de viver na
    comunidade oferecendo a esta o bem que a Igreja possui. Diante
    do fato de que muitos se encontram excluídos, a Igreja deverá
    estimular uma educação de qualidade para todos, formal e nãoformal, especialmente para os mais pobres. Educação que ofereça às crianças, aos jovens e aos adultos o encontro com os valores culturais do próprio país, descobrindo ou integrando neles
    a dimensão religiosa e transcendente. Para isso, necessitamos
    192 EN 19. 193 SD 265. 194 Cf. Iuvenum Patris. Carta Apostólica de João Paulo II no centenário da morte de São
    João Bosco, 10.
    152 CELAM
    de uma pastoral da educação que seja dinâmica e acompanhe os
    processos educativos, que seja voz que legitime e salvaguarde a
    liberdade de educação diante do Estado e o direito a uma educação de qualidade para os mais despossuídos.
  178. Desse modo, estamos em condições de afirmar que,
    no projeto educativo da escola católica, Cristo, o Homem perfeito, é o fundamento em quem todos os valores humanos encontram sua plena realização e, a partir daí, sua unidade. Ele
    revela e promove o sentido novo da existência e a transforma,
    capacitando o homem e a mulher a viverem de maneira divina,
    ou seja, para pensar, querer e agir segundo o Evangelho, fazendo
    das bem-aventuranças a norma de suas vidas. Precisamente pela
    referência explícita e compartilhada por todos os membros da
    comunidade escolar, a visão cristã – ainda que em grau diverso,
    e respeitando a liberdade de consciência e religiosa dos não cristãos presentes nela – a educação é “católica”, pois os princípios
    evangélicos se convertem para ela em normas educativas, motivações interiores e, ao mesmo tempo, em metas finais. Esse é o
    caráter especificamente católico da educação. Jesus Cristo, pois,
    eleva e enobrece a pessoa humana, dá valor à sua existência e
    constitui o perfeito exemplo de vida. É a melhor notícia, proposta pelos centros de formação católica aos jovens.195
  179. Portanto, a meta que a escola católica se propõe com
    relação às crianças e jovens, é a de conduzir ao encontro com Jesus Cristo vivo, Filho do Pai, irmão e amigo, Mestre e Pastor misericordioso, esperança, caminho, verdade e vida, e dessa forma
    à vivência da aliança com Deus e com os homens. A escola o faz
    colaborando na construção da personalidade dos alunos, tendo
    Cristo como referência no plano da mentalidade e da vida. Tal
    referência, ao se fazer progressivamente explícita e interiorizada, ajudará a ver a história como Cristo a vê, a julgar a vida como
    Ele o faz, a escolher e amar como Ele, a cultivar a esperança como
    195 Congregação para a Educação Católica, A Escola Católica, n. 34.
    V CONFERÊNCIA GERAL DO EPISCOPADO LATINO-AMERICANO E DO CARIBE- aparecida – DOCUMENTO FINAL 153
    Ele nos ensina e a viver nEle a comunhão com o Pai e o Espírito
    Santo. Pela fecundidade misteriosa dessa referência, a pessoa se
    constrói na unidade existencial, isto é, assume suas responsabilidades e procura o significado último de sua vida. Situada na
    Igreja, comunidade de cristãos, ela consegue com liberdade viver
    intensamente a fé, anunciá-la e celebrá-la com alegria na realidade de cada dia. Como conseqüência, amadurecem e parecem conaturais as atitudes humanas que levam a se abrir sinceramente
    à verdade, a respeitar e amar as outras pessoas, a expressar sua
    própria liberdade na doação de si e no serviço aos demais para a
    transformação da sociedade.
  180. A Escola católica é chamada a uma profunda renovação. Devemos resgatar a identidade católica de nossos centros
    educativos por meio de um impulso missionário corajoso e audaz, de modo que chegue a ser uma opção profética plasmada
    em uma pastoral da educação participativa. Tais projetos devem
    promover a formação integral da pessoa, tendo seu fundamento
    em Cristo, com identidade eclesial e cultural, e com excelência
    acadêmica. Além disso, há de gerar solidariedade e caridade para
    com os mais pobres. O acompanhamento dos processos educativos, a participação dos pais de família neles e a formação de
    docentes, são tarefas prioritárias da pastoral educativa.
  181. Propõe-se que nas instituições católicas a educação na
    fé seja integral e transversal em todo o currículo, levando em
    consideração o processo de formação para encontrar a Cristo e
    para viver como discípulos e missionários e inserindo nela verdadeiros processos de iniciação cristã. Ao mesmo tempo, recomenda-se que a comunidade educativa (diretores, mestres, pessoal
    administrativo, alunos, pais de família etc.), enquanto autêntica
    comunidade eclesial e centro de evangelização, assuma seu papel
    de formadora de discípulos e missionários em todos os seus estratos. Que, a partir daí, em comunhão com a comunidade cristã
    que é sua matriz, promova um serviço pastoral no setor em que
    se insere, especialmente dos jovens, da família, da catequese e
    154 CELAM
    da promoção humana dos mais pobres. Esses objetivos são essenciais nos processos de admissão de alunos, em suas famílias
    e na contratação dos docentes.
  182. Um princípio irrenunciável para a Igreja é a liberdade
    de ensino. O amplo exercício do direito à educação reivindica por
    sua vez, como condição para sua autêntica realização, a plena
    liberdade que deve gozar toda pessoa para escolher a educação
    de seus filhos que considere mais adequada aos valores que eles
    mais estimam e que consideram indispensáveis. Pelo fato de haver dado a vida aos filhos, os pais assumiram a responsabilidade
    de oferecer a eles condições favoráveis para seu crescimento e a
    séria obrigação de educá-los. A sociedade precisa reconhecê-los
    como os primeiros e principais educadores. O dever da educação familiar, como primeira escola de virtudes sociais, é de tanta
    transcendência que, quando falta, dificilmente pode ser suprida.
    Esse princípio é irrenunciável.196
  183. Esse direito intransferível, que implica uma obrigação e
    que expressa a liberdade da família na esfera da educação, por seu
    significado e alcance, precisa ser decididamente garantido pelo Estado. Por essa razão, o poder público, a quem compete a proteção e
    a defesa das liberdades dos cidadãos, atendendo à justiça distributiva, deve distribuir as ajudas públicas – que provêm dos impostos
    de todos os cidadãos – de tal maneira que a totalidade dos pais, independente de sua condição social, possam escolher, segundo sua
    consciência, em meio a uma pluralidade de projetos educativos, as
    escolas adequadas para seus filhos. Esse é o valor fundamental e a
    natureza jurídica que fundamenta a subvenção escolar. Portanto, a
    nenhum setor educacional, nem sequer ao próprio Estado, se pode
    outorgar a faculdade de se reservar o privilégio e a exclusividade
    da educação dos mais pobres, sem com isso infringir importantes
    direitos.Desse modo, promovem-se direitos naturais da pessoa humana, da convivência pacífica dos cidadãos e do progresso de todos.
    196 Pontifício Conselho para a Família, Carta dos direitos da família, Art. 3c, 22 de outubro
    de 1983.
    V CONFERÊNCIA GERAL DO EPISCOPADO LATINO-AMERICANO E DO CARIBE- aparecida – DOCUMENTO FINAL 155
    6.4.6.2 As universidades e centros superiores de educação católica
  184. Segundo sua própria natureza, aUniversidade Católica
    presta importante ajuda à Igreja em sua missão evangelizadora.
    Trata-se de vital testemunho de ordem institucional sobre Cristo e sua mensagem, tão necessário e importante para as culturas
    impregnadas pelo secularismo. As atividades fundamentais de
    uma universidade católica deverão vincular-se e harmonizar-se
    com a missão evangelizadora da Igreja. Elas se realizam através
    de uma pesquisa realizada à luz da mensagem cristã, que coloque os novos descobrimentos humanos a serviço das pessoas e
    da sociedade. Dessa forma oferece uma formação dada em contexto de fé, que prepare pessoas capazes de juízo racional e crítico, conscientes da dignidade transcendental da pessoa humana.
    Isso implica uma formação profissional que compreenda os valores éticos e a dimensão de serviço às pessoas e à sociedade; o diálogo com a cultura, que favoreça melhor compreensão e transmissão da fé; e a pesquisa teológica que ajude a fé a expressar-se
    em linguagem significativa para estes tempos. Porque cada vez
    mais consciente de sua missão salvífica neste mundo, a Igreja
    quer sentir esses centros bem próximos a ela mesma, e deseja
    tê-los presentes e operantes na difusão da mensagem autêntica
    de Cristo.197
  185. As universidades católicas, por conseguinte, terão que
    desenvolver com fidelidade sua especificidade cristã, visto que
    possuem responsabilidades evangélicas que instituições de outro tipo não estão obrigadas a realizar. Entre elas se encontra,
    sobretudo, o diálogo fé e razão, fé e cultura, e a formação de professores, alunos e pessoal administrativo através da Doutrina
    Social e Moral da Igreja, para que sejam capazes de compromisso solidário com a dignidade humana, de serem solidários com
    a comunidade e de mostrarem profeticamente a novidade que
    representa o cristianismo na vida das sociedades latino-ameri197 ECE 49.
    156 CELAM
    canas e caribenhas. Para isso, é indispensável que se cuide do
    perfil humano, acadêmico e cristão dos que são os principais responsáveis pela pesquisa e docência.
  186. É necessária uma pastoral universitária que acompanhe a vida e o caminhar de todos os membros da comunidade
    universitária, promovendo um encontro pessoal e comprometido com Jesus Cristo e múltiplas iniciativas solidárias e missionárias. Também se deve procurar uma presença próxima e dialogante com membros de outras universidades públicas e centros
    de estudo.
  187. Nas últimas décadas, observamos na América Latina
    e no Caribe o surgimento de diversos Institutos de Teologia e
    Pastoral orientados para a formação e atualização de agentes de
    pastoral. Nesse caminho,tem-se conseguido criar espaços de diálogo, discussão e busca de respostas adequadas aos enormes desafios enfrentados pela evangelização no Continente. Ao mesmo
    tempo, tem sido possível formar inumeráveis líderes a serviço
    das Igrejas particulares.
  188. Convidamos a valorizar a rica reflexão pós-conciliar da
    Igreja presente na América Latina e no Caribe, assim como a reflexão filosófica, teológica e pastoral de nossas Igrejas e de seus
    centros de formação e pesquisa, a fim de fortalecer nossa própria identidade, desenvolver a criatividade pastoral e potencializar o que é nosso. É necessário fomentar o estudo e a pesquisa
    teológica e pastoral frente aos desafios da nova realidade social,
    plural, diferenciada e globalizada, procurando novas respostas
    que dêem sustentação à fé e à experiência do discipulado dos
    agentes de pastoral. Sugerimos também maior utilização dos
    serviços que oferecem os institutos de formação teológica pastoral existentes, promovendo o diálogo entre eles e destinando
    mais recursos e esforços conjuntos na formação de leigos e leigas.
  189. Esta V Conferência agradece o inestimável serviço que
    diversas instituições de educação católica prestam na promoção
    V CONFERÊNCIA GERAL DO EPISCOPADO LATINO-AMERICANO E DO CARIBE- aparecida – DOCUMENTO FINAL 157
    humana e na evangelização das novas gerações, como sua contribuição para a cultura de nossos povos, e incentiva as dioceses,
    congregações religiosas e organizações de leigos católicos que
    mantêm escolas, universidades, institutos de educação superior
    e de capacitação não formal, a prosseguirem incansavelmente
    em sua abnegada e insubstituível missão apostólica.

TERCEIRA PARTE
A VIDA DEJESUSCRISTO
PARA NOSSOS POVOS

  1. “A Igreja peregrina é missionária por natureza, porque
    tem sua origem na missão do Filho e do Espírito Santo, segundo
    o desígnio do Pai”.198 Por isso, o impulso missionário é fruto necessário à vida que a Trindade comunica aos discípulos.
    7.1 Viver e comunicar a vida nova emCristo a nossos povos
  2. A grande novidade que a Igreja anuncia ao mundo é
    que Jesus Cristo, o Filho de Deus feito homem, a Palavra e a
    Vida, veio ao mundo para nos fazer “participantes da natureza
    divina” (2 Pd 1,4), para que participemos de sua própria vida. É
    a vida trinitária do Pai, do Filho e do Espírito Santo, a vida eterna. Sua missão é manifestar o imenso amor do Pai, o qual quer
    que sejamos seus filhos. O anúncio do querigma convida a tomar
    consciência desse amor vivificador de Deus que nos é oferecido
    em Cristo morto e ressuscitado. Isso é o que por primeiro necessitamos anunciar e também escutar, porque a graça tem primado absoluto na vida cristã e em toda a atividade evangelizadora
    da Igreja: “Pela graça de Deus sou o que sou” (1 Cor 15,10).
    198AG 2.
    Capítulo VII
    A MISSÃO DOS DISCÍPULOS
    A SERVIÇO DA VIDA PLENA
    162 CELAM
  3. O chamado de Jesus no Espírito e o anúncio da Igreja
    apelam sempre à nossa acolhida, que a fé nos confia. “Aquele
    que crê em mim tem a vida eterna”. O batismo não só purifica dos pecados. Faz renascer o batizado, conferindo-lhe a vida
    nova em Cristo, que o incorpora à comunidade dos discípulos e
    missionários de Cristo, à Igreja, e o faz filho de Deus, e lhe permite reconhecer a Cristo como Primogênito e Cabeça de toda a
    humanidade. Ser irmãos implica viver fraternalmente e sempre
    atentos às necessidades dos mais fracos.
  4. Nossos povos não querem andar pelas sombras da
    morte. Têm sede de vida e felicidade em Cristo. Buscam-no
    como fonte de vida. Desejam essa vida nova em Deus, para a
    qual o discípulo do Senhor nasce pelo batismo e renasce pelo sacramento da reconciliação. Procuram essa vida que se fortalece,
    quando é confirmada pelo Espírito de Jesus e quando o discípulo
    renova, em cada celebração eucarística, sua aliança de amor em
    Cristo, com o Pai e com os irmãos. Acolhendo a Palavra de vida
    eterna e alimentados pelo Pão descido do céu, quer viver a plenitude do amor e conduzir todos ao encontro com Aquele que é o
    Caminho, a Verdade e a Vida.
  5. No entanto, no exercício de nossa liberdade, às vezes
    recusamos essa vida nova (cf. Jo 5,40) ou não perseveramos no
    caminho (cf. Hb 3,12-14). Com o pecado, optamos por um caminho de morte. Por isso, o anúncio de Jesus sempre convoca à
    conversão, que nos faz participar do triunfo do Ressuscitado e
    inicia um caminho de transformação.
  6. Dos que vivem em Cristo se espera um testemunho
    muito crível de santidade e compromisso. Desejando e procurando essa santidade não vivemos menos, e sim melhor, porque,
    quando Deus pede mais, é porque está oferecendo muito mais:
    “Não tenham medo de Cristo! Ele não tira nada e dá tudo!”199
    199 Bento XVI, Homilia na inauguração do Pontificado, 24 de abril de 2005.
    V CONFERÊNCIA GERAL DO EPISCOPADO LATINO-AMERICANO E DO CARIBE- aparecida – DOCUMENTO FINAL 163
    7.1.1 Jesus a serviço da vida
  7. Jesus, o Bom Pastor, quer comunicar-nos a sua vida e
    colocar-se a serviço da vida. Vemos como ele se aproxima do cego
    no caminho (cf. Mc 10,46-52), quando dignifica a samaritana (cf.
    Jo 4,7-26), quando cura os enfermos (cf. Mt 11,2-6), quando alimenta o povo faminto (cf. Mc 6,30-44), quando liberta os endemoninhados (cf. Mc 5,1-20). Em seu Reino de vida, Jesus inclui
    a todos: come e bebe com os pecadores (cf. Mc 2,16), sem se importar que o tratem como comilão e bêbado (cf. Mt 11,19); toca
    com as mãos os leprosos (cf. Lc 5,13), deixa que uma prostituta
    lhe unja os pés (cf. Lc 7,36-50) e, de noite,recebe Nicodemos para
    convidá-lo a nascer de novo (cf. Jo 3,1-15). Igualmente, convida
    seus discípulos à reconciliação (cf. Mt 5,24), ao amor pelos inimigos (cf. Mt 5,44) e a optarem pelos mais pobres (cf. Lc 14,15-24).
  8. Em sua Palavra e em todos os sacramentos, Jesus nos
    oferece um alimento para o caminho. A Eucaristia é o centro vital
    do universo, capaz de saciar a fome de vida e felicidade: “Aquele
    que se alimenta de mim, viverá por mim” (Jo 6,57). Nesse banquete feliz participamos da vida eterna e, assim, nossa existência cotidiana se converte em Missa prolongada. Porém, todos os
    dons de Deus requerem disposição adequada para que possam
    produzirfrutos de mudança. Especialmente, exigem de nós espírito comunitário, que abramos os olhos para reconhecê-lo e servi-lo nos mais pobres: “No mais humilde encontramos o próprio
    Jesus”.200 Por isso, São João Crisóstomo exortava: “Querem em
    verdade honrar o corpo de Cristo? Não consintam que esteja nu.
    Não o honrem no templo com mantos de seda enquanto fora o
    deixam passar frio e nudez”.201
    7.1.2 Várias dimensões da vida em Cristo
  9. Jesus Cristo é a plenitude que eleva a condição humana à condição divina para sua glória: “Eu vim para dar vida aos
    200 DCE 15. 201 São João Crisóstomo, Homilias sobre São Mateus, L, 3-4: PG 58, 508-509.
    164 CELAM
    homens e para que a tenham em plenitude” (Jo 10,10). Sua amizade não nos exige que renunciemos a nossos desejos de plenitude vital, porque Ele ama nossa felicidade também nesta terra.
    Diz o Senhor que Ele tudo criou “para que de tudo desfrutemos”
    (1 Tm 6,17).
  10. A vida nova de Jesus Cristo atinge o ser humano por
    inteiro e desenvolve em plenitude a existência humana “em sua
    dimensão pessoal, familiar, social e cultural”.202 Para isso, faz
    falta entrar em processo de mudança que transfigure os vários
    aspectos da própria vida. Só assim será possível perceber que
    Jesus Cristo é nosso salvador em todos os sentidos da palavra.
    Só assim manifestaremos que a vida em Cristo cura, fortalece e
    humaniza. Porque “Ele é o Vivente, que caminha a nosso lado,
    manifestando-nos o sentido dos acontecimentos, da dor e da
    morte, da alegria e da festa”.203 A vida em Cristo inclui a alegria
    de comer juntos, o entusiasmo para progredir, o gosto de trabalhar e de aprender, a alegria de servir a quem necessite de nós,
    o contato com a natureza, o entusiasmo dos projetos comunitários, o prazer de uma sexualidade vivida segundo o Evangelho,
    e todas as coisas com as quais o Pai nos presenteia como sinais
    de seu sincero amor. Podemos encontrar o Senhor em meio às
    alegrias de nossa limitada existência e, dessa forma, brota uma
    gratidão sincera.
  11. Mas o consumismo hedonista e individualista, que
    coloca a vida humana em função de um prazer imediato e sem
    limites, obscurece o sentido da vida e a degrada. A vitalidade
    que Cristo oferece nos convida a ampliar nossos horizontes e a
    reconhecer que abraçando a cruz cotidiana entramos nas dimensões mais profundas da existência. O Senhor, que nos convida a
    valorizar as coisas e a progredir, também nos previne sobre a obsessão por acumular: “Não amontoem tesouros nesta terra” (Mt
    6,19). “De que serve ao homem ganhar o mundo, mas perder a
    202 DI 4. 203 Ibid.
    V CONFERÊNCIA GERAL DO EPISCOPADO LATINO-AMERICANO E DO CARIBE- aparecida – DOCUMENTO FINAL 165
    própria vida?” (Mt 16,26). Jesus Cristo nos oferece muito, inclusive muito mais do que esperamos. À Samaritana, ele dá mais do
    que a água do poço. À multidão faminta ele oferece mais do que
    o alívio da fome. Entrega-se a si mesmo como a vida em abundância. A vida nova em Cristo é participação na vida de amor do
    Deus Uno e Trino. Começa no batismo e chega à sua plenitude
    na ressurreição final.
    7.1.3 A serviço da vida plena para todos
  12. Porém, as condições de vida de muitos abandonados,
    excluídos e ignorados em sua miséria e dor, contradizem a esse
    projeto do Pai e desafiam os cristãos a maior compromisso a favor da cultura da vida. O Reino de vida que Cristo veio trazer é
    incompatível com essas situações desumanas. Se pretendemos
    fechar os olhos diante dessas realidades, não somos defensores
    da vida do Reino e nos situamos no caminho da morte: “Nós
    sabemos que passamos da morte para a vida porque amamos
    os irmãos. Aquele que não ama, permanece na morte” (1 Jo
    3,14). É necessário sublinhar “a inseparável relação entre o
    amor a Deus e o amor ao próximo”,204 que “convida todos a suprimir as graves desigualdades sociais e as enormes diferenças
    no acesso aos bens”.205 Tanto a preocupação por desenvolver
    estruturas mais justas como por transmitir os valores sociais
    do Evangelho, situam-se neste contexto de serviço fraterno à
    vida digna.
  13. Descobrimos, dessa forma, uma profunda lei da realidade: a vida só se desenvolve plenamente na comunhão fraterna
    e justa. Porque “Deus em Cristo não redime só a pessoa individual, mas também as relações sociais entres os seres humanos”.206 Diante de diversas situações que manifestam a ruptura
    entre irmãos, compele-nos que a fé católica de nossos povos latino-americanos e caribenhos se manifeste em vida mais digna
    204 DCE 16. 205 DI 4. 206 CDSI 52.
    166 CELAM
    para todos. O rico magistério social da Igreja nos indica que não
    podemos conceber uma oferta de vida em Cristo sem um dinamismo de libertação integral, de humanização, de reconciliação
    e de inserção social.
    7.1.4 Uma missão para comunicar vida
  14. A vida se acrescenta dando-a, e se enfraquece no isolamento e na comodidade. De fato, os que mais desfrutam da vida
    são os que deixam da margem a segurança e se apaixonam pela
    missão de comunicar vida aos demais. O Evangelho nos ajuda a
    descobrir que o cuidado enfermiço da própria vida depõe contra
    a qualidade humana e cristã dessa mesma vida. Vive-se muito
    melhor quando temos liberdade interior para doá-la: “Quem
    aprecia sua vida terrena, a perderá” (Jo 12,25). Aqui descobrimos outra profunda lei da realidade: “Que a vida se alcança e
    amadurece à medida que é entregue para dar vida aos outros.
    Isso é, definitivamente, a missão.
  15. O projeto de Jesus é instaurar o Reino de seu Pai.
    Por isso, pede a seus discípulos: “Proclamem que está chegando o Reino dos céus!” (Mt 10,7). Trata-se do Reino da vida.
    Porque a proposta de Jesus Cristo a nossos povos, o conteúdo
    fun­damental dessa missão, é a oferta de vida plena para todos.
    Por isso, a doutrina, as normas, as orientações éticas e toda
    a atividade missionária das Igrejas, deve deixar transparecer
    essa atrativa oferta de vida mais digna, em Cristo, para cada
    homem e para cada mulher da América Latina e do Caribe.
  16. Assumimos o compromisso de uma grande missão em
    todo o Continente, que de nós exigirá aprofundar e enriquecer
    todas as razões e motivações que permitam converter cada cristão em discípulo missionário. Necessitamos desenvolver a dimensão missionária da vida de Cristo. A Igreja necessita de forte
    comoção que a impeça de se instalar na comodidade, no estancamento e na indiferença, à margem do sofrimento dos pobres
    do Continente. Necessitamos que cada comunidade cristã se
    V CONFERÊNCIA GERAL DO EPISCOPADO LATINO-AMERICANO E DO CARIBE- aparecida – DOCUMENTO FINAL 167
    transforme num poderoso centro de irradiação da vida em Cristo. Esperamos em novo Pentecostes que nos livre do cansaço, da
    desilusão, da acomodação ao ambiente; esperamos uma vinda
    do Espírito que renove nossa alegria e nossa esperança. Por isso,
    é imperioso assegurar calorosos espaços de oração comunitária
    que alimentem o fogo de um ardor incontido e tornem possível
    um atraente testemunho de unidade “para que o mundo creia”
    (Jo 17,21).
  17. A força desse anúncio de vida será fecundo se o fizermos com estilo adequado, com as atitudes do Mestre, tendo sempre a Eucaristia como fonte e cume de toda atividade
    missionária. Invocamos o Espírito Santo para podermos dar
    o testemunho de proximidade que entranha proximidade afetuosa, escuta, humildade, solidariedade, compaixão, diálogo,
    reconciliação, compromisso com a justiça social e capacidade
    de compartilhar, como Jesus o fez. Ele continua convocando,
    continua convidando, continua oferecendo incessantemente
    vida digna e plena para todos. Nós somos agora, na América
    Latina e no Caribe, seus discípulos e discípulas, chamados a navegar mar adentro para uma pesca abundante. Trata-se de sair
    de nossa consciência isolada e de nos lançarmos, com ousadia
    e confiança (parrésia), à missão de toda a Igreja.
  18. Fixamos o olhar em Maria e reconhecemos nela a
    imagem perfeita da discípula missionária. Ela nos exorta a fazer o que Jesus nos diz (cf. Jo 2,5) para que Ele possa derramar
    sua vida na América Latina e no Caribe. Junto com ela, queremos estar atentos uma vez mais à escuta do Mestre, e ao redor dela, voltarmos a receber com estremecimento o mandato
    missionário de seu Filho: “Vão e façam discípulos todos os povos”
    (Mt 28,19). Escutamos Jesus como comunidade de discípulos
    missionários que experimentaram o encontro vivo com Ele e
    queremos compartilhar todos os dias com os demais essa alegria incomparável.
    168 CELAM
    7.2 Conversão pastoral e renovaçãomissionária dascomunidades
  19. Esta firme decisão missionária deve impregnar todas as estruturas eclesiais e todos os planos pastorais de dioceses, paróquias, comunidades religiosas, movimentos e de
    qualquer instituição da Igreja. Nenhuma comunidade deve
    isentar-se de entrar decididamente, com todas as forças, nos
    processos constantes de renovação missionária e de abandonar as ultrapassadas estruturas que já não favoreçam a transmissão da fé.
  20. A conversão pessoal desperta a capacidade de submeter tudo ao serviço da instauração do Reino da vida. Os bispos,
    presbíteros, diáconos permanentes, consagrados e consagradas,
    leigos e leigas, são chamados a assumir atitude de permanente
    conversão pastoral, que implica escutar com atenção e discernir
    “o que o Espírito está dizendo às Igrejas” (Ap 2,29) através dos
    sinais dos tempos em que Deus se manifesta.
  21. A pastoral da Igreja não pode prescindir do contexto
    histórico onde vivem seus membros. Sua vida acontece em contextos sócio-culturais bem concretos. Essas transformações sociais e culturais representam naturalmente novos desafios para
    a Igreja em sua missão de construir o Reino de Deus. Daí nasce,
    na fidelidade ao Espírito Santo que a conduz, a necessidade de
    uma renovação eclesial que implica reformas espirituais, pastorais e também institucionais.
  22. A conversão dos pastores leva-nos também a viver e
    promover uma espiritualidade de comunhão e participação,
    “propondo-a como princípio educativo em todos os lugares onde
    se forma o homem e o cristão, onde se educam os ministros do
    altar, as pessoas consagradas e os agentes pastorais, onde se
    constroem as famílias e as comunidades”.207 A conversão pastoral requer que as comunidades eclesiais sejam comunidades de
    207 NMI 43.
    V CONFERÊNCIA GERAL DO EPISCOPADO LATINO-AMERICANO E DO CARIBE- aparecida – DOCUMENTO FINAL 169
    discípulos missionários ao redor de Jesus Cristo, Mestre e Pastor. Daí nasce a atitude de abertura, diálogo e disponibilidade
    para promover a co-responsabilidade e participação efetiva de
    todos os fiéis na vida das comunidades cristãs. Hoje, mais do que
    nunca, o testemunho de comunhão eclesial e de santidade são
    uma urgência pastoral. A programação pastoral há de se inspirar
    no mandamento novo do amor (cf Jo 13,35).208
  23. Encontramos o modelo paradigmático dessa renovação comunitária nas primitivas comunidades cristãs (cf. At
    2,42-47), que souberam buscar novas formas para evangelizar
    de acordo com as culturas e as circunstâncias. Ao mesmo tempo, motiva-nos a eclesiologia de comunhão do Concílio Vaticano
    II, o caminho sinodal no pós-concílio e as Conferências Gerais
    anteriores do Episcopado Latino-americano e do Caribe. Como
    Jesus nos garante, não esqueçamos que “onde estiverem dois ou
    três reunidos em meu nome, aí estarei eu no meio deles” (Mt
    18,20).
  24. A conversão pastoral de nossas comunidades exige
    que se vá além de uma pastoral de mera conservação para uma
    pastoral decididamente missionária. Assim será possível que
    “o único programa do Evangelho continue introduzindo-se na
    história de cada comunidade eclesial”209 com novo ardor missionário, fazendo com que a Igreja se manifeste como mãe que vai
    ao encontro, uma casa acolhedora, uma escola permanente de
    comunhão missionária.
  25. O projeto pastoral da Diocese, caminho de pastoral orgânica, deve ser resposta consciente e eficaz para atender às exigências do mundo de hoje com “indicações programáticas concretas, objetivos e métodos de trabalho, formação e valorização
    dos agentes e a procura dos meios necessários que permitam que
    o anúncio de Cristo chegue às pessoas, modele as comunidades
    208 Cf. NMI 20. 209 Ibid. 12.
    170 CELAM
    e incida profundamente na sociedade e na cultura mediante o
    testemunho dos valores evangélicos”.210 Os leigos devem participar do discernimento, da tomada de decisões, do planejamento
    e da execução.211 Esse projeto diocesano exige acompanhamento
    constante por parte do bispo, dos sacerdotes e dos agentes pastorais, com atitude flexível que lhes permita manter-se atentos
    às exigências da realidade sempre mutável.
  26. Levando em consideração as dimensões de nossas paróquias, é aconselhável a setorização em unidades territoriais
    menores, com equipes próprias de animação e coordenação que
    permitam maior proximidade com as pessoas e grupos que vivem na região. É recomendável que os agentes missionários promovam a criação de comunidades de famílias que fomentem a
    colocação em comum de sua fé cristã e das respostas aos problemas. Reconhecemos como fenômeno importante de nosso tempo o aparecimento e difusão de diversas formas de voluntariado
    missionário que se ocupam de uma pluralidade de serviços. A
    Igreja apóia as redes e programas de voluntariado nacional e internacional, que surgiram em muitos países, na esfera das organizações da sociedade civil, para o bem dos mais pobres de nosso
    continente, à luz dos princípios de dignidade, subsidiariedade e
    solidariedade, em conformidade com a Doutrina Social da Igreja. Não se trata só de estratégias para procurar êxitos pastorais,
    mas da fidelidade na imitação do Mestre, sempre próximo, acessível, disponível a todos, desejoso de comunicar vida em cada
    região da terra.
    7.3. Nosso compromisso comamissão ad gentes
  27. Conscientes e agradecidos porque o Pai amou tanto ao
    mundo que enviou seu Filho para salvá-lo (cf. Jo 3,16), queremos ser continuadores de sua missão, visto que essa é a razão de
    ser da Igreja e que define sua identidade mais profunda.
    210 Ibid. 29. 211 Cf ChL 51.
    V CONFERÊNCIA GERAL DO EPISCOPADO LATINO-AMERICANO E DO CARIBE- aparecida – DOCUMENTO FINAL 171
    374.Como discípulos missionários, queremos que a influência de Cristo chegue até aos confins da terra. Descobrimos a presença do Espírito Santo em terras de missão mediante sinais:
    a) A presença dos valores do Reino de Deus nas culturas, recriando-as a partir de dentro para transformar as situações anti-evangélicas.
    b) Os esforços de homens e mulheres que encontram em
    suas crenças religiosas o impulso para seu compromisso
    histórico.
    c) O nascimento da comunidade eclesial.
    d) O testemunho de pessoas e comunidades que anunciam
    Jesus Cristo com a santidade de suas vidas.
  28. Sua Santidade Bento XVI confirmou que a missão ad
    gentes se abre anovasdimensões:“OcampodaMissãoad gentes se
    tem ampliado notavelmente e não é possível defini-lo baseandose apenas em considerações geográficas ou jurídicas. Na verdade,
    os verdadeiros destinatários da atividade missionária do povo de
    Deus não são só os povos não cristãos e das terras distantes, mas
    também os campos sócio-culturais, e sobretudo os corações”.212
  29. Ao mesmo tempo, o mundo espera de nossa Igreja latino-americana e caribenha um compromisso mais significativo
    com a missão universal em todos os Continentes. Para não cairmos na armadilha de nos fechar em nós mesmos, devemos formar-nos como discípulos missionários sem fronteiras, dispostos
    a ir “à outra margem”, àquela onde Cristo ainda não é reconhecido como Deus e Senhor, e a Igreja não está presente.213
  30. Os discípulos, que por essência são também missionários em virtude do Batismo e da Confirmação, nos formamos
    212 Bento XVI, Discurso aos membros do Conselho Superior das Pontifícias Obras Missionárias, 5 de maio de 2007. 213 Cf. AG 6.
    172 CELAM
    com coração universal, aberto a todas as culturas e a todas as
    verdades, cultivando nossa capacidade de contato humano e diálogo. Estamos dispostos, com a coragem que o Espírito nos dá,
    a anunciar Cristo, onde não é aceito, com nossa vida, com nossa
    ação, com nossa profissão de fé e com sua Palavra. Os emigrantes
    são igualmente discípulos e missionários, e são chamados a ser
    nova semente de evangelização, a exemplo de tantos emigrantes
    e missionários que trouxeram a fé cristã à nossa América.
  31. Queremos estimular as Igrejas locais a que apóiem e
    organizem os centros missionários nacionais e atuem em estreita colaboração com as Pontifícias Obras Missionárias e outras
    instâncias eclesiais cooperantes, cuja importância e dinamismo para a animação e a cooperação missionária reconhecemos
    e agradecemos de coração. Por ocasião dos cinqüenta anos da
    encíclica Fidei Donum, agradecemos a Deus os missionários e
    missionárias que vieram ao Continente e aqueles que hoje estão
    presentes nele, dando testemunho do espírito missionário de
    suas Igrejas locais ao serem enviados por elas.
  32. Nosso desejo é que esta V Conferência seja estímulo
    para que muitos discípulos de nossas Igrejas vão e evangelizem
    na “outra margem”. A fé se fortalece quando é transmitida e é
    preciso que em nosso continente entremos em nova primavera
    da missão ad gentes. Somos Igrejas pobres, mas “devemos dar a
    partir de nossa pobreza e a partir da alegria de nossa fé”,214 e isso
    sem descarregar sobre alguns poucos enviados o compromisso
    que é de toda a comunidade cristã. Nossa capacidade de compartilhar nossos dons espirituais, humanos e materiais com outras
    Igrejas, confirmará a autenticidade de nossa nova abertura missionária. Por isso, estimulamos a participação na celebração dos
    congressos missionários.
    214 DP 368.
  33. A missão do anúncio da Boa Nova de Jesus Cristo tem
    destinação universal. Seu mandato de caridade alcança todas
    as dimensões da existência, todas as pessoas, todos os ambientes da convivência e todos os povos. Nada do humano pode lhe
    parecer estranho. A Igreja sabe, por revelação de Deus e pela
    experiência humana da fé, que Jesus Cristo é a resposta total,
    superabundante e satisfatória às perguntas humanas sobre a
    verdade, o sentido da vida e da realidade, a felicidade, a justiça e
    a beleza. São as inquietações que estão arraigadas no coração de
    toda pessoa e que pulsam no mais humano da cultura dos povos.
    Por isso, todo sinal autêntico de verdade, bem e beleza na aventura humana vem de Deus e clama por Deus.
  34. Procurando trazer para perto a vida de Jesus Cristo
    como resposta aos desejos de nossos povos, destacamos a seguir
    alguns grandes campos, prioridades e tarefas para a missão dos
    discípulos de Jesus Cristo no hoje da América Latina e do Caribe.
    8.1 Reino de Deus, justiça social e caridade cristã
  35. “O prazo se cumpriu. O Reino de Deus está chegando. Convertam-se e creiam no Evangelho” (Mc 1,15). A voz do
    Capítulo VIII
    REINO DE DEUS
    E PRO MOÇÃO DA DIGNIDADE HUMANA
    174 CELAM
    Senhor continua a nos chamar como discípulos missionários
    e nos desafia a orientar toda a nossa vida a partir da realidade
    transformadora do Reino de Deus que se faz presente em Jesus.
    Acolhemos com muita alegria essa boa notícia. Deus amor é Pai
    de todos os homens e mulheres de todos os povos e raças. Jesus
    Cristo é o Reino deDeus que procura demonstrartoda a sua força
    transformadora em nossa Igreja e em nossas sociedades. NEle,
    Deus nos escolheu para que sejamos seus filhos com a mesma
    origem e destino, com a mesma dignidade, com os mesmos direitos e deveres vividos no mandamento supremo do amor. O
    Espírito colocou esse germe do Reino em nosso Batismo e o faz
    crescer pela graça da conversão permanente graças à Palavra de
    Deus e aos sacramentos.
  36. São sinais evidentes da presença de Deus: a vivência
    pessoal e comunitária das bem-aventuranças, a evangelização
    dos pobres, o conhecimento e cumprimento da vontade do Pai,
    o martírio pela fé, o acesso de todos aos bens da criação, o perdão mútuo, sincero e fraterno, aceitando e respeitando a riqueza
    da pluralidade e a luta para não sucumbir à tentação e não ser
    escravos do mal.
  37. O fato de ser discípulos e missionários de Jesus Cristo para que nossos povos tenham vida nEle, leva-nos a assumir
    evangelicamente, e a partir da perspectiva do Reino, as tarefas
    prioritárias que contribuem para a dignificação do ser humano
    e a trabalhar junto com os demais cidadãos e instituições para o
    bem do ser humano. O amor de misericórdia para com todos os
    que vêem vulnerada sua vida em qualquer de suas dimensões,
    como bem nos mostra o Senhor em todos os seus gestos de misericórdia, requer que socorramos as necessidades urgentes,
    ao mesmo tempo que colaboremos com outros organismos ou
    instituições para organizar estruturas mais justas nos âmbitos
    nacionais e internacionais. É urgente criar estruturas que consolidem uma ordem social, econômica e política na qual não haja
    iniqüidade e onde haja possibilidades para todos. Igualmente,
    V CONFERÊNCIA GERAL DO EPISCOPADO LATINO-AMERICANO E DO CARIBE- aparecida – DOCUMENTO FINAL 175
    requerem-se novas estruturas que promovam uma autêntica
    convivência humana, que impeçam a prepotência de alguns e
    que facilitem o diálogo construtivo para os necessários consensos sociais.
  38. A misericórdia sempre será necessária, mas não deve
    contribuir para criar círculos viciosos que sejam funcionais para
    um sistema econômico iníquo. Requer-se que as obras de misericórdia sejam acompanhadas pela busca de verdadeira justiça
    social, que vá elevando o nível de vida dos cidadãos, promovendo-os como sujeitos de seu próprio desenvolvimento. Em sua
    Encíclica Deus Caritas est, o Papa Bento XVI tratou com clareza inspiradora a complexa relação entre justiça e caridade. Aí
    nos disse que “a ordem justa da sociedade e do Estado é tarefa
    principal da política” e não da Igreja. Mas a Igreja “não pode
    nem deve colocar-se à margem na luta pela justiça”.215 Ela colabora purificando a razão de todos os elementos que ofuscam
    e impedem a realização de uma libertação integral. Também é
    tarefa da Igreja ajudar com a pregação, a catequese, a denúncia
    e o testemunho do amor e da justiça, para que se despertem na
    sociedade as forças espirituais necessárias e se desenvolvam
    os valores sociais. Só assim as estruturas serão realmente mais
    justas, poderão ser mais eficazes e sustentar-se no tempo. Sem
    valores não há futuro, e não haverá estruturas salvadoras, visto que nelas sempre subjaz a fragilidade humana.
  39. A Igreja tem como missão própria e específica comunicar a vida de Jesus Cristo a todas as pessoas, anunciando a
    Palavra, administrando os sacramentos e praticando a caridade.
    É oportuno recordar que o amor se mostra mais nas obras do
    que nas palavras, e isso vale também para nossas palavras nesta
    V Conferência. “Nem todo aquele que diz Senhor, Senhor…” (cf.
    Mt 7,21). Os discípulos missionários de Jesus Cristo temos a tarefa prioritária de dar testemunho do amor a Deus e ao próximo
    215 DCE 28.
    176 CELAM
    com obras concretas. Dizia Santo Alberto Hurtado: “Em nossas
    obras, nosso povo sabe que compreendemos sua dor”.
    8.2 A dignidade humana
  40. A cultura atual tende a propor estilos de ser e viver
    contrários à natureza e dignidade do ser humano. O impacto dominante dos ídolos do poder, da riqueza e do prazer efêmero se
    transformaram, acima do valor da pessoa, em norma máxima
    de funcionamento e em critério decisivo na organização social.
    Diante dessa realidade, anunciamos, uma vez mais, o valor supremo de cada homem e de cada mulher. Na verdade, o Criador,
    ao colocar a serviço do ser humano tudo o que foi criado, manifesta a dignidade da pessoa humana e convida a respeitá-la (cf.
    Gn 1,26-30).
  41. Proclamamos que todo ser humano existe pura e simplesmente pelo amor de Deus que o criou, e pelo amor de Deus
    que o conserva em cada instante. A criação do homem e da mulher à sua imagem e semelhança é um acontecimento divino de
    vida, e sua fonte é o amor fiel do Senhor. Por conseguinte, só o
    Senhor é o autor e o dono da vida, e o ser humano, sua imagem
    vivente, é sempre sagrado, desde sua concepção, em todas as
    etapas da existência, até sua morte natural e depois da morte.
    O olhar cristão sobre o ser humano permite perceber seu valor
    que transcende todo o universo: “Deus nos mostrou de modo
    insuperável como ama cada homem, e com isso lhe confere uma
    dignidade infinita”.216
  42. Nossa missão, para que nossos povos tenham vida
    nEle, manifesta nossa convicção de que o sentido, a fecundidade
    e a dignidade da vida humana se encontra no Deus vivo revelado
    em Jesus. É urgente a tarefa de entregar a nossos povos a vida
    plena e feliz que Jesus nos traz, para que cada pessoa humana
    viva de acordo com a dignidade que Deus lhe deu. Fazemos isso
    216 João Paulo II, Mensagem aos deficientes, Ângelus, 16 de novembro de 1980.
    V CONFERÊNCIA GERAL DO EPISCOPADO LATINO-AMERICANO E DO CARIBE- aparecida – DOCUMENTO FINAL 177
    com a consciência de que essa dignidade alcançará sua plenitude
    quando Deus for tudo em todos. Ele é o Senhor da vida e da história, vencedor do mistério do mal e acontecimento salvífico que
    nos faz capazes de emitir um juízo verdadeiro sobre a realidade,
    que salvaguarde a dignidade das pessoas e dos povos.
  43. Nossa fidelidade ao Evangelho exige que proclamemos
    a verdade sobre o ser humano e sobre a dignidade de toda pessoa humana, em todos os espaços públicos e privados do mundo
    de hoje e a partir de todas as instâncias da vida e da missão da
    Igreja.
    8.3 A opção preferencial pelos pobres e excluídos
  44. Dentro dessa ampla preocupação pela dignidade humana, situa-se nossa angústia pelos milhões de latino-americanos e latino-americanas que não podem levar uma vida que
    corresponda a essa dignidade. A opção preferencial pelos pobres
    é uma das peculiaridades que marca a fisionomia da Igreja latino-americana e caribenha. De fato, João Paulo II, dirigindo-se
    a nosso continente, sustentou que “converter-se ao Evangelho,
    para o povo cristão que vive na América, significa revisar todos
    os ambientes e dimensões de sua vida, especialmente tudo o que
    pertence à ordem social e à obtenção do bem comum”.217
  45. Nossa fé proclama que “Jesus Cristo é o rosto humano
    de Deus e o rosto divino do homem”.218 Por isso, “a opção preferencial pelos pobres está implícita na fé cristológica naquele
    Deus que se fez pobre por nós, para nos enriquecer com sua pobreza”.219 Essa opção nasce de nossa fé em Jesus Cristo, o Deus
    feito homem, que se fez nosso irmão (cf. Hb 2,11-12). Opção, no
    entanto, não exclusiva, nem excludente.
    217 EAm 27. 218 Ibid. 67. 219 DI 3.
    178 CELAM
  46. Se essa opção está implícita na fé cristológica, os cristãos, como discípulos e missionários, são chamados a contemplar, nos rostos sofredores de nossos irmãos, o rosto de Cristo
    que nos chama a servi-lo neles: “Os rostos sofredores dos pobres são rostos sofredores de Cristo”.220 Eles desafiam o núcleo
    do trabalho da Igreja, da pastoral e de nossas atitudes cristãs.
    Tudo o que tenha relação com Cristo tem relação com os pobres,
    e tudo o que está relacionado com os pobres clama por Jesus
    Cristo: “Tudo quanto vocês fizeram a um destes meus irmãos
    menores, o fizeram a mim” (Mt 25,40). João Paulo II destacou
    que este texto bíblico “ilumina o mistério de Cristo”.221 Porque
    em Cristo o grande se fez pequeno, o forte se fez fraco, o rico se
    fez pobre.
  47. De nossa fé em Cristo nasce também a solidariedade
    como atitude permanente de encontro, irmandade e serviço. Ela
    há de se manifestar em opções e gestos visíveis, principalmente
    na defesa da vida e dos direitos dos mais vulneráveis e excluídos,
    e no permanente acompanhamento em seus esforços por serem
    sujeitos de mudança e de transformação de sua situação. O serviço de caridade da Igreja entre os pobres “é um campo de atividade que caracteriza de maneira decisiva a vida cristã, o estilo
    eclesial e a programação pastoral”.222
  48. O Santo Padre nos recorda que a Igreja está convocada
    a ser “advogada da justiça e defensora dos pobres”223 diante das
    “intoleráveis desigualdades sociais e econômicas”,224 que “clamam ao céu”.225 Temos muito que oferecer, visto que “não há
    dúvida de que a Doutrina Social da Igreja é capaz de despertar
    esperança em meio às situações mais difíceis, porque, se não há
    esperança para os pobres, não haverá para ninguém, nem sequer
    220 SD 178. 221 NMI 49. 222 Ibid. 223 DI 4. 224 TMA 51. 225 EAm 56a.
    V CONFERÊNCIA GERAL DO EPISCOPADO LATINO-AMERICANO E DO CARIBE- aparecida – DOCUMENTO FINAL 179
    para os chamados ricos”.226 A opção preferencial pelos pobres
    exige que prestemos especial atenção aos profissionais católicos que são responsáveis pelas finanças das nações, aos que fomentam o emprego, aos políticos que devem criar as condições
    para o desenvolvimento econômico dos países, a fim de lhes dar
    orientações éticas coerentes com sua fé.
  49. Comprometemo-nos a trabalhar para que a nossa Igreja Latino-americana e Caribenha continue sendo, com maior
    afinco, companheira de caminho de nossos irmãos mais pobres,
    inclusive até o martírio. Hoje queremos ratificar e potencializar
    a opção preferencial pelos pobres feita nas Conferências anteriores.227 Que seja preferencial implica que deva atravessar todas as
    nossas estruturas e prioridades pastorais. A Igreja latino-americana é chamada a ser sacramento de amor, solidariedade e justiça entre nossos povos.
  50. Nesta época, costuma acontecer que defendemos de
    forma demasiada nossos espaços de privacidade e lazer, e nos
    deixamos contagiar facilmente pelo consumismo individualista. Por isso, nossa opção pelos pobres corre o risco de ficar em
    plano teórico ou meramente emotivo, sem verdadeira incidência
    em nossos comportamentos e em nossas decisões. É necessária
    uma atitude permanente que se manifeste em opções e gestos
    concretos,228 e evite toda atitude paternalista. Solicita-se dedicarmos tempo aos pobres, prestar a eles amável atenção, escutálos com interesse, acompanhá-los nos momentos difíceis, escolhê-los para compartilhar horas, semanas ou anos de nossa vida,
    e procurando, a partir deles, a transformação de sua situação.
    Não podemos esquecer que o próprio Jesus propôs isso com seu
    modo de agir e com suas palavras: “Quando deres um banquete,
    convida os pobres, os inválidos, os coxos e os cegos” (Lc 14,13).
    226 PG 67. 227 Medellin 14, 4-11; DP 1134-1165; SD 178-181. 228 DCE 28.31.
    180 CELAM
  51. Só a proximidade que nos faz amigos nos permite
    apreciar profundamente os valores dos pobres de hoje, seus legítimos desejos e seu modo próprio de viver a fé. A opção pelos
    pobres deve conduzir-nos à amizade com os pobres. Dia a dia os
    pobres se fazem sujeitos da evangelização e da promoção humana integral: educam seus filhos na fé, vivem constante solidariedade entre parentes e vizinhos, procuram constantemente
    a Deus e dão vida ao peregrinar da Igreja. À luz do Evangelho
    reconhecemos sua imensa dignidade e seu valor sagrado aos
    olhos de Cristo, pobre como eles e excluído como eles. A partir
    dessa experiência cristã, compartilharemos com eles a defesa
    de seus direitos.
    8.4 Uma renovada pastoralsocial para a promoção humana integral
  52. Assumindo com nova força essa opção pelos pobres,
    manifestamos que todo processo evangelizador envolve a promoção humana e a autêntica libertação “sem a qual não é possível uma ordem justa na sociedade”.229 Entendemos, além disso,
    que a verdadeira promoção humana não pode reduzir-se a aspectos particulares: “Deve ser integral, isto é, promover todos os
    homens e o homem todo”,230 a partir da vida nova em Cristo que
    transforma a pessoa de tal maneira que “a faz sujeito de seu próprio desenvolvimento”.231 Para a Igreja, o serviço da caridade,
    assim como o anúncio da Palavra e a celebração dos sacramentos, “é expressão irrenunciável da própria essência”.232
  53. Portanto, a partir de nossa condição de discípulos e
    missionários, queremos estimular o Evangelho da vida e da solidariedade em nossos planos pastorais, à luz da Doutrina Social
    da Igreja. Além disso, promover caminhos eclesiais mais efetivos, com a preparação e compromisso dos leigos para intervir
    229 DI 3. 230 GS 76. 231 PP 15. 232 DCE 25.
    V CONFERÊNCIA GERAL DO EPISCOPADO LATINO-AMERICANO E DO CARIBE- aparecida – DOCUMENTO FINAL 181
    nos assuntos sociais. As palavras de João Paulo II nos enchem
    de esperança: “Ainda que imperfeito e provisório, nada do que
    se possa realizar mediante o esforço solidário de todos e a graça
    divina em dado momento da história, para fazer mais humana a
    vida dos homens, nada se perderá ou será inútil”.233
  54. As Conferências Episcopais e as igrejas locais têm a
    missão de promover renovados esforços para fortalecer uma
    Pastoral Social estruturada, orgânica e integral que, com a assistência e a promoção humana,234 se faça presente nas novas
    realidades de exclusão e marginalização em que vivem os grupos
    mais vulneráveis, onde a vida está mais ameaçada. No centro
    desse agir está cada pessoa, que é acolhida e servida com cordialidade cristã. Nessa atividade a favor da vida de nossos povos,
    a Igreja católica apóia a colaboração mútua com outras comunidades cristãs.
  55. A globalização faz emergir, em nossos povos, novos
    rostos pobres. Com especial atenção e em continuidade com as
    Conferências Gerais anteriores, fixamos nosso olhar nos rostos
    dos novos excluídos: os migrantes, as vítimas da violência, os
    deslocados e refugiados, as vítimas do tráfico de pessoas e seqüestros, os desaparecidos, os enfermos de HIV e de enfermidades endêmicas, os tóxico-dependentes, idosos, meninos e meninas que são vítimas da prostituição, pornografia e violência ou
    do trabalho infantil, mulheres maltratadas, vítimas da exclusão
    e do tráfico para a exploração sexual, pessoas com capacidades
    diferentes, grandes grupos de desempregados/as, os excluídos
    pelo analfabetismo tecnológico, as pessoas que vivem na rua das
    grandes cidades, os indígenas e afro-americanos, agricultores
    sem terra e os mineiros. A Igreja, com sua Pastoral Social, deve
    dar acolhida e acompanhar essas pessoas excluídas nas respectivas esferas.
    233 SRS 47. 234 EA 58.
    182 CELAM
  56. Nessa tarefa e com criatividade pastoral, devem-se
    elaborar ações concretas que tenham incidência nos Estados
    para a aprovação de políticas sociais e econômicas que atendam
    às várias necessidades da população e que conduzam para um
    desenvolvimento sustentável. Com ajuda de diferentes instâncias e organizações, a Igreja pode fazer permanente leitura cristã
    e aproximação pastoral à realidade de nosso continente, aproveitando o rico patrimônio da Doutrina Social da Igreja. Dessa maneira, terá elementos concretos para exigir dos que têm a
    responsabilidade de elaborar e aprovar as políticas que afetam
    nossos povos, que o façam a partir de uma perspectiva ética, solidária e autenticamente humanista. Nesse aspecto, os leigos e
    as leigas exercem papel fundamental, assumindo tarefas pertinentes na sociedade.
  57. Encorajamos os empresários que dirigem as grandes e
    médias empresas e os microempresários, os agentes econômicos
    da gestão produtiva e comercial, tanto da ordem privada quanto
    comunitária, por serem criadores de riqueza em nossas nações,
    quando se esforçam para gerar emprego digno, facilitar a democracia e promover a aspiração a uma sociedade mais justa e a
    uma convivência cidadã com bem-estar e em paz. Igualmente
    animamos os que não investem seu capital em ações especulativas mas em criar fontes de trabalho, preocupando-se com os
    trabalhadores, considerando-os ‘a eles e a suas famílias’ a maior
    riqueza da empresa, que, como cristãos, vivem modestamente
    por terem feito da austeridade um valor inestimável, que colaboram com os governos na preocupação e conquista do bem comum e se prodigalizam em obras de solidariedade e misericórdia.
  58. Por fim, não podemos esquecer que a maior pobreza
    é a de não reconhecer a presença do mistério de Deus e de seu
    amor na vida do homem, amor que é o único que verdadeiramente salva e liberta. Na verdade, “quem exclui a Deus de seu
    horizonte falsifica o conceito de realidade, e consequentemente só pode terminar em caminhos equivocados e com receitas
    V CONFERÊNCIA GERAL DO EPISCOPADO LATINO-AMERICANO E DO CARIBE- aparecida – DOCUMENTO FINAL 183
    destrutivas.235 A verdade dessa afirmação parece evidente diante
    do fracasso de todos os sistemas que colocam Deus entre parêntesis.
    8.5 Globalização da solidariedade e justiça internacional
  59. A Igreja na América Latina e no Caribe sente que tem
    uma responsabilidade em formar cristãos e sensibilizá-los a respeito das grandes questões da justiça internacional. Por isso,
    tanto os pastores como os construtores da sociedade têm que
    estar atentos aos debates e normas internacionais sobre a matéria. Isso é especialmente importante para os leigos que assumem
    responsabilidades públicas, solidários com a vida dos povos. Por
    isso, propomos o seguinte:
    a) Apoiar a participação da sociedade civil para a re-orientação e conseqüente reabilitação ética da política. Por isso,
    são muito importantes os espaços de participação da sociedade civil para a vigência da democracia, uma verdadeira economia solidária e um desenvolvimento integral,
    solidário e sustentável.
    b) Formar na ética cristã que estabelece como desafio a conquista do bem comum a criação de oportunidades para
    todos, a luta contra a corrupção, a vigência dos direitos
    do trabalho e sindicais; é necessário colocar como prioridade a criação de oportunidades econômicas para setores
    da população tradicionalmente marginalizados, como as
    mulheres e os jovens, a partir do reconhecimento de sua
    dignidade. Por isso, é necessário trabalhar por uma cultura da responsabilidade em todo nível que envolva pessoas,
    empresas, governos e o próprio sistema internacional.
    c) Trabalhar pelo bem comum global é promover uma justa
    regulação da economia, das finanças e do comércio mun235 DI 3.
    184 CELAM
    dial. É urgente prosseguir no desendividamento externo
    para favorecer os investimentos em desenvolvimento
    e gasto social,236 prever normas globais para prevenir e
    controlar os movimentos especulativos de capitais, para
    a promoção de um comércio justo e a diminuição das barreiras protecionistas dos poderosos, para assegurar preços
    adequados das matérias primas que os países empobrecidos produzem e de normas justas para atrair e regular os
    investimentos e serviços, entre outros.
    d) Examinar atentamente os Tratados inter-governamentais
    e outras negociações a respeito do livre comércio. A Igreja
    do país latino-americano envolvido, à luz de um balanço
    de todos os fatores que estão em jogo, precisa encontrar
    os caminhos mais eficazes para alertar os responsáveis
    políticos e a opinião pública a respeito das eventuais conseqüências negativas que podem afetar os setores mais
    desprotegidos e vulneráveis da população.
    e) Chamar todos os homens e mulheres de boa vontade a
    colocar em prática princípios fundamentais como o bem
    comum (a casa é de todos), a subsidiariedade, a solidariedade intergerencial e intragerencial.
    8.6 Rostossofredores que doememnós
    8.6.1 Pessoas que vivem na rua nas grandes cidades
  60. Nas grandes cidades é cada vez maior o número das
    pessoas que vivem na rua. Requerem da Igreja cuidado especial,
    atenção e trabalho de promoção humana, de tal modo que enquanto se proporciona a elas ajuda no necessário para a vida,
    que também sejam incluídas em projetos de participação e promoção nos quais elas próprias sejam sujeitos de sua re-inserção
    social.
    236TMA 51, SD 197.
    V CONFERÊNCIA GERAL DO EPISCOPADO LATINO-AMERICANO E DO CARIBE- aparecida – DOCUMENTO FINAL 185
  61. Queremos chamar a atenção dos governos locais e nacionais para que elaborem políticas que favoreçam a atenção a
    esses seres humanos, e atendam igualmente às causas que produzem esse flagelo que afeta milhões de pessoas em toda a nossa
    América Latina e no Caribe.
  62. A opção preferencial pelos pobres nos impulsiona,
    como discípulos e missionários de Jesus, a procurar caminhos
    novos e criativos a fim de responder a outros efeitos da pobreza.
    A situação precária e a violência familiar com freqüência obrigam muitos meninos e meninas a procurarem recursos econômicos na rua para sua sobrevivência pessoal e familiar, expondose também a graves riscos morais e humanos.
  63. É dever social do Estado criar uma política inclusiva
    das pessoas da rua. Nunca se aceitará como solução a esta grave
    problemática social a violência e inclusive o assassinato dos meninos e jovens da rua, como lamentavelmente tem sucedido em
    alguns países de nosso continente.
    8.6.2 Migrantes
  64. É expressão de caridade, também eclesial, o acompanhamento pastoral dos migrantes. Há milhões de pessoas que
    por diferentes motivos estão em constante mobilidade. Na América Latina e Caribe os emigrantes, deslocados e refugiados, sobretudo por causas econômicas, políticas e de violência, constituem fato novo e dramático.
  65. A Igreja, como Mãe, deve sentir-se como Igreja sem
    fronteiras, Igreja familiar, atenta ao fenômeno crescente da mobilidade humana em seus diversos setores. Considera indispensável o desenvolvimento de uma mentalidade e espiritualidade a
    serviço pastoral dos irmãos em mobilidade, estabelecendo estruturas nacionais e diocesanas apropriadas, que facilitem o encontro do estrangeiro com a Igreja particular de acolhida. As Conferências Episcopais e as Dioceses devem assumir profeticamente
    esta pastoral específica com a dinâmica de unir critérios e ações
    186 CELAM
    que favoreçam uma permanente atenção também aos migrantes, que devem chegar a ser também discípulos e missionários.
  66. Para conseguir esse objetivo se faz necessário reforçar
    o diálogo e a cooperação de saída e acolhida entre as Igrejas, a fim
    de dar atenção humanitária e pastoral aos que se mobilizaram,
    apoiando-os em sua religiosidade e valorizando suas expressões
    culturais em tudo o que se refira ao Evangelho. É necessário que
    nos Seminários e Casas de formação se tome consciência sobre
    a realidade da mobilidade humana, para lhe dar resposta pastoral. Também se requer a preparação de leigos que com sentido
    cristão, profissionalismo e capacidade de compreensão, possam
    acompanhar os que chegam, como também às famílias que eles
    deixam nos lugares de saída.237 Cremos que “a realidade das migrações não deve nunca ser vista só como problema, mas também e sobretudo como grande recurso para o caminho da humanidade”.238
  67. Entre as tarefas da Igreja a favor dos migrantes está
    indubitavelmente a denúncia profética dos atropelos que sofrem
    freqüentemente, como também o esforço por incidir, junto aos
    organismos da sociedade civil, nos governos dos países, para
    conseguir uma política migratória que leve em consideração os
    direitos das pessoas em mobilidade. Deve ter presente também
    os deslocados pela violência. Nos países açoitados pela violência
    se requer a ação pastoral para acompanhar as vítimas e oferecerlhes acolhida e capacitá-los a que possam viver de seu trabalho.
    Ao mesmo tempo, deverá aprofundar seu esforço pastoral e teológico para promover uma cidadania universal na qual não haja
    distinção de pessoas.
  68. Os migrantes devem ser acompanhados pastoralmente por suas Igrejas de origem e estimulados a se fazer discípulos
    e missionários nas terras e comunidades que os acolhem, com237 Cf. EMCC, 70, 71 e 86-88. 238 Bento XVI, Alocução, Ângelus, 14 de janeiro de 2007.
    V CONFERÊNCIA GERAL DO EPISCOPADO LATINO-AMERICANO E DO CARIBE- aparecida – DOCUMENTO FINAL 187
    partilhando com eles as riquezas de sua fé e de suas tradições
    religiosas. Os migrantes que partem de nossas comunidades podem oferecer valiosa contribuição missionária às comunidades
    que os acolhem.
  69. As generosas remessas enviadas pelos imigrantes latino-americanos a partir dos Estados Unidos, Canadá, países europeus e outros, evidencia sua capacidade de sacrifício e amor
    solidário a favor das próprias famílias e pátrias de origem. É,
    geralmente, ajuda dos pobres para os pobres.
    8.6.3 Enfermos
  70. A Igreja tem feito opção pela vida. Esta nos projeta
    necessariamente para as periferias mais profundas da existência: o nascer e o morrer, a criança e o idoso, o sadio e o enfermo.
    Santo Irineu nos diz que “a glória de Deus é o homem vivente”,
    inclusive o fraco, o recém-concebido, o envelhecido pelos anos
    e o enfermo. Cristo enviou seus apóstolos a pregar o Reino de
    Deus e a curar os enfermos, verdadeiras catedrais do encontro
    com o Senhor Jesus.
  71. Desde o início da evangelização, esse duplo mandato
    se tem cumprido. O combate à enfermidade tem como finalidade conseguir a harmonia física, psíquica, social e espiritual para
    o cumprimento da missão recebida. A Pastoral da Saúde é a resposta às grandes interrogações da vida, como o sofrimento e a
    morte, à luz da morte e ressurreição do Senhor.
  72. A saúde é um tema que move grandes interesses no
    mundo, mas não proporcionam uma finalidade que a transcenda. Na cultura atual a morte não cabe e, diante de sua realidade,
    trata-se de ocultá-la. Abrindo-a para a sua dimensão espiritual
    e transcendente, a Pastoral da Saúde se transforma no anúncio
    da morte e ressurreição do Senhor, única e verdadeira saúde.
    Ela unifica na economia sacramental de Cristo o amor de muitos “bons samaritanos”, presbíteros, diáconos, religiosas, leigos
    e profissionais da saúde. As 32.116 instituições católicas dedi-
    188 CELAM
    cadas à Pastoral da Saúde na América Latina representam um
    recurso que se deve aproveitar para a evangelização.
  73. A maternidade da Igreja se manifesta nas visitas aos
    enfermos nos centros de saúde, na companhia silenciosa ao enfermo, no carinhoso trato, na delicada atenção às necessidades
    da enfermidade, através dos profissionais e voluntários discípulos do Senhor. Ela abriga com sua ternura, fortalece o coração e,
    no caso do moribundo, acompanha-o no trânsito definitivo. O
    enfermo recebe com amor a Palavra, o perdão, o Sacramento da
    Unção e os gestos de caridade dos irmãos. O sofrimento humano
    é uma experiência especial da cruz e da ressurreição do Senhor.
  74. Deve-se, portanto, estimular nas Igrejas particulares
    a Pastoral da Saúde que inclua diferentes campos de atenção.
    Consideramos de grande prioridade fomentar uma pastoral com
    pessoas que vivem com o HIV Aids, em seu amplo contexto e em
    seus significados pastorais: que promova o acompanhamento
    compreensivo, misericordioso e a defesa dos direitos das pes­soas
    infectadas; que implemente a informação, promova a educação e
    a prevenção, com critérios éticos, principalmente entre as novas
    gerações, para que desperte a consciência de todos para conter a
    pandemia. A partir desta V Conferência pedimos aos governos
    o acesso gratuito e universal aos medicamentos para a Aids e a
    doses oportunas.
    8.6.4 Dependentes de drogas
  75. O problema da droga é como mancha de óleo que invade tudo. Não reconhece fronteiras, nem geográficas, nem humanas. Ataca igualmente a países ricos e pobres, a crianças, jovens, adultos e idosos, a homens e mulheres. A Igreja não pode
    permanecer indiferente diante desse flagelo que está destruindo
    a humanidade, especialmente as novas gerações. Sua tarefa se
    dirige em três direções: prevenção, acompanhamento e apoio
    das políticas governamentais para reprimir essa pandemia. Na
    prevenção, insiste na educação nos valores que devem condu-
    V CONFERÊNCIA GERAL DO EPISCOPADO LATINO-AMERICANO E DO CARIBE- aparecida – DOCUMENTO FINAL 189
    zir as novas gerações, especialmente o valor da vida e do amor,
    a própria responsabilidade e a dignidade humana dos filhos de
    Deus. No acompanhamento, a Igreja está ao lado do dependente
    para ajudá-lo a recuperar sua dignidade e vencer essa enfermidade. No apoio à erradicação da droga, não deixa de denunciar
    a criminalidade sem nome dos narcotraficantes que comercializam com tantas vidas humanas, tendo como objetivo o lucro e a
    força em suas mais baixas expressões.
  76. Na América Latina e no Caribe, a Igreja deve promover
    luta frontal contra o consumo e tráfico de drogas, insistindo no
    valor da ação preventiva e reeducativa, assim como apoiando os
    governos e entidades civis que trabalham neste sentido, exortando o Estado em sua responsabilidade de combater o narcotráfico
    e prevenir o uso de todo tipo de droga. A ciência tem indicado a
    religiosidade como fator de proteção e recuperação importante
    para o usuário de drogas.
  77. Denunciamos que a comercialização da droga se
    tornou algo cotidiano em alguns de nossos países, devido aos
    enormes interesses econômicos ao redor dela. Conseqüência
    disso é o grande número de pessoas, em sua maioria crianças
    e jovens, que agora se encontram escravizados e vivendo em
    situações muito precárias, que recorrem à droga para acalmar
    sua fome ou para escapar da cruel e desesperadora realidade
    em que vivem.239
  78. É responsabilidade do Estado combater, com firmeza
    e com base legal, a comercialização indiscriminada da droga e o
    seu consumo ilegal. Lamentavelmente, a corrupção também se
    faz presente nessa esfera, e aqueles que deveriam estar na defesa
    239 “O Brasil possui uma estatística, das mais relevantes, no que se refere à dependência
    química de drogas. E a América Latina não fica atrás. Por isso, digo aos que comercializam
    a droga que pensem no mal que estão provocando a uma multidão de jovens e adultos de
    todos os setores da sociedade: Deus vai pedir conta a vocês. A dignidade humana não pode
    ser pisoteada dessa maneira. O mal provocado recebe a mesma reprovação dada por Jesus
    aos que escandalizavam os pequeninos, os preferidos do Senhor (cf. Mt 18,7-10). Bento XVI,
    Discurso na Fazenda da Esperança, 12 de maio de 2007.
    190 CELAM
    de uma vida mais digna, às vezes fazem uso ilegítimo de suas
    funções para se beneficiar economicamente.
  79. Estimulamos todos os esforços que se realizam a partir do Estado, da sociedade civil e das Igrejas em acompanhar essas pessoas. A Igreja Católica tem muitas obras que respondem
    a essa problemática a partir do nosso ser discípulos e missionários de Jesus, embora ainda não de maneira suficiente diante
    da magnitude do problema; são experiências que reconciliam os
    dependentes com a terra, com o trabalho, com a família e com
    Deus. Merecem especial atenção, nesse sentido, as Comunidades terapêuticas, por sua visão humanística e transcendente da
    pessoa.
    8.6.5 Detidos em prisões
  80. Uma realidade que golpeia a todos os setores da população, mas principalmente o mais pobre, é a violência, produto
    das injustiças e outros males que durante longos anos vêm sendo semeado nas comunidades. Isso induz a criminalidade maior,
    e por conseguinte a que sejam muitas as pessoas que devem
    cumprir penas em recintos penitenciários desumanos, caracterizados pelo comércio de armas, drogas, aglomeração, torturas,
    ausência de programas de reabilitação, crime organizado que impede um processo de reeducação e de inserção na vida produtiva
    da sociedade. No momento atual, lamentavelmente os cárceres
    são com freqüência escolas para aprender a delinqüir.
  81. É necessário que os Estados considerem com seriedade e verdade a situação do sistema de justiça e a realidade carcerária. É necessária maior agilidade nos procedimentos judiciais,
    atenção personalizada do pessoal civil e militar que, em condições muito difíceis, trabalha nos recintos penitenciários, e o reforço da formação ética e dos valores correspondentes.
  82. A Igreja agradece aos capelães e voluntários que, com
    grande entrega pastoral, trabalham nos recintos carcerários.
    Contudo, deve-se fortalecer a pastoral penitenciária, onde se in-
    V CONFERÊNCIA GERAL DO EPISCOPADO LATINO-AMERICANO E DO CARIBE- aparecida – DOCUMENTO FINAL 191
    clua a tarefa de evangelização e promoção humana por parte dos
    capelães e do voluntariado carcerário. Têm prioridade as equipes
    de Direitos Humanos que garantem o devido processo aos privados de liberdade e uma atenção muito próxima a suas famílias.
  83. Recomenda-se às Conferências Episcopais e Dioceses
    fomentar as comissões de pastoral penitenciária, que sensibilizem a sociedade sobre a grave problemática carcerária, estimulem processos de reconciliação dentro do recinto penitenciário e
    incidam nas políticas locais e nacionais no que se refere à segurança cidadã e à problemática penitenciária.
  84. Não podemos deter-nos aqui para analisar todas as
    questões que integram a atividade pastoral da Igreja, nem podemos propor projetos acabados ou linhas de ação exaustivas. Só
    nos deteremos a mencionar algumas questões que alcançaram
    particular relevância nos últimos tempos, para que, posteriormente, as Conferências Episcopais e outros organismos locais
    avancem em considerações mais amplas, concretas e adaptadas
    às necessidades do próprio território.
    9.1 O matrimônio e a família
  85. A família é um dos tesouros mais importantes dos povos latino-americanos e caribenhos e é patrimônio da humanidade inteira. Em nossos países, parte importante da população
    está afetada por difíceis condições de vida que ameaçam diretamente a instituição familiar. Em nossa condição de discípulos e
    missionários de Jesus Cristo, somos chamados a trabalhar para
    que tal situação seja transformada e a família assuma seu ser e
    sua missão240 no âmbito da sociedade e da Igreja.241
    240 João Paulo II, II Encontro mundial com as famílias no Rio de Janeiro, 4 de outubro
    de 1997, n. 4. 241 João Paulo II, Discurso por ocasião do primeiro encontro mundial das Famílias, nn.
    2 e 7, Roma, 8 de outubro de 1994; Segundo encontro mundial das famílias, Rio de Janeiro,
    3 de outubro de 1997; FC 17, 22 de novembro de 1981; Bento XVI. Família, sé lo que eres!
    Valência, 8 de junho de 2006.
    Capítulo IX
    FAMÍLIA, PESSOASE VIDA
    194 CELAM
  86. A família cristã está fundada no sacramento do matrimônio entre um homem e uma mulher, sinal do amor de Deus
    pela humanidade e da entrega de Cristo por sua esposa, a Igreja.
    A partir dessa aliança se manifestam a paternidade e a maternidade, a filiação e a fraternidade, e o compromisso dos dois por
    uma sociedade melhor.
  87. Cremos que “a família é imagem de Deus que em seu
    mistério mais íntimo não é uma solidão, mas uma família”.242 Na
    comunhão de amor das três Pessoas divinas, nossas famílias têm
    sua origem, seu modelo perfeito, sua motivação mais bela e seu
    último destino.
  88. Visto que a família é o valor mais querido por nossos
    povos, cremos que se deve assumir a preocupação por ela como
    um dos eixos transversais de toda ação evangelizadora da Igreja.
    Em toda diocese se requer uma pastoral familiar “intensa e vigorosa”243 para proclamar o evangelho da família, promover a cultura da vida, e trabalhar para que os direitos das famílias sejam
    reconhecidos e respeitados.
  89. Esperamos que os legisladores, governantes e profissionais da saúde, conscientes da dignidade da vida humana e do
    fundamento da família em nossos povos, a defendam e protejam dos crimes abomináveis do aborto e da eutanásia: essa é sua
    responsabilidade. Por isso, diante de leis e disposições governamentais que são injustas à luz da fé e da razão, deve-se favorecer
    a objeção de consciência. Devemos ater-nos à “coerência eucarística”, isto é, ser conscientes de que não podem receber a sagrada
    comunhão e ao mesmo tempo agir com atos ou palavras contra
    os mandamentos, em particular quando se propicia o aborto, a
    eutanásia e outros graves delitos contra a vida e a família. Essa
    responsabilidade pesa de maneira particular sobre os legisladores, governantes e os profissionais da saúde.244
    242 DP 582. 243 DI 5. 244 Cf. SCa 83; EV 73,74 e 89.
    V CONFERÊNCIA GERAL DO EPISCOPADO LATINO-AMERICANO E DO CARIBE- aparecida – DOCUMENTO FINAL 195
  90. Para tutelar e apoiar a família, a pastoral familiar pode
    estimular, entre outras, as seguintes ações:
    a) Comprometer de maneira integral e orgânica as outras
    pastorais, os movimentos e associações matrimoniais e
    familiares a favor das famílias.
    b) Estimular projetos que promovam famílias evangelizadas
    e evangelizadoras.
    c) Renovar a preparação remota e próxima para o sacramento do matrimônio e da vida familiar com itinerários pedagógicos de fé245.
    d) Promover, em diálogo com os governos e a sociedade, políticas e leis a favor da vida, do matrimônio e da família246.
    e) Estimular e promover a educação integral dos membros
    da família, especialmente daqueles membros da família
    que estão em situações difíceis, incluindo a dimensão do
    amor e da sexualidade247.
    f) Estimular centros paroquiais e diocesanos com uma pastoral de atenção integral à família, especialmente aquelas
    que estão em situações difíceis: mães adolescentes e solteiras, viúvas e viúvos, pessoas da terceira idade, crianças
    abandonadas etc.
    g) Estabelecerprogramasdeformação,atençãoeacompanhamento para a paternidade e a maternidade responsáveis.
    h) Estudar as causas das crises familiares para encará-las em
    todos os seus fatores.
    i) Continuar oferecendo formação permanente, doutrinal e
    pedagógica, para os agentes de pastoral familiar.
    245 Cf. Pontifício Conselho para a Família, Preparação para o Sacramento do Matrimônio,
  91. 13 de maio de 1996; FC 66. 246Cf.PontifícioConselhoparaaFamília,A Carta dos direitos da família,22deoutubrode1983. 247 Cf. DI 5.
    196 CELAM
    j) Acompanhar com cuidado, prudência e amor compassivo,
    seguindo as orientações do Magistério248, os casais que vivem em situação irregular, tendo presente que aos divorciados e novamente casados não lhes é permitido comungar.249 Requerem-se mediações para que a mensagem de
    salvação chegue a todos. É urgente estimular ações eclesiais, com trabalho interdisciplinar de teologia e ciências
    humanas, que ilumine a pastoral e a preparação de agentes
    especializados para o acompanhamento desses irmãos.
    k) Diante das petições de nulidade matrimonial, há de se
    procurar que os Tribunais eclesiásticos sejam acessíveis e
    tenham atuação correta e rápida.250
    l) Ajudar a criar possibilidades para que os meninos e meninas órfãos e abandonados consigam, pela caridade cristã,
    condições de acolhida e adoção e possam viver em família.
    m) Organizar casas de acolhida e um acompanhamento específico para socorrer com compaixão e solidariedade às
    meninas e adolescentes grávidas, às mães “solteiras”, aos
    lares incompletos.
    n) Ter presente que a Palavra de Deus, tanto no Antigo
    quanto no Novo Testamento, nos pede atenção especial
    para com as viúvas. Procurar a maneira de receberem elas
    uma pastoral que as ajude a enfrentar tal situação, muitas
    vezes de desamparo e solidão.
    9.2 Ascrianças
  92. A infância, hoje em dia, deve ser destinatária de uma
    ação prioritária da Igreja, da família e das instituições do Estado,
    tanto pelas possibilidades que oferece como pela vulnerabilida248FC 84; SCa 29. 249 FC 77. 250 Cf. SC 29.
    V CONFERÊNCIA GERAL DO EPISCOPADO LATINO-AMERICANO E DO CARIBE- aparecida – DOCUMENTO FINAL 197
    de a que se encontra exposta. As crianças são dom e sinal da presença de Deus em nosso mundo por sua capacidade de aceitar
    com simplicidade a mensagem evangélica. Jesus as acolheu com
    especial ternura (cf. Mt 19,14), e apresentou a capacidade que
    elas têm para acolher o Evangelho como modelos para entrar no
    Reino de Deus (cf. Mc 10,14; Mt 18,3).
  93. Vemos com dor a situação de pobreza, de violência
    intra-familiar (sobretudo em famílias irregulares ou desintegradas), de abuso sexual, pela qual passa bom número de nossas
    crianças: os setores de infância trabalhadora, crianças de rua,
    crianças portadoras de HIV, órfãos, meninos soldados, e crianças
    enganadas e expostas à pornografia e prostituição forçada,tanto
    virtual quanto real. Sobretudo, a primeira infância (0 a 6 anos)
    requer cuidado e atenção especiais. Não se pode permanecer
    indiferente diante do sofrimento de tantas crianças inocentes.
  94. Por outro lado, a infância, sendo a primeira etapa da
    vida do recém-nascido, constitui ocasião maravilhosa para a
    transmissão da fé. Vemos com gratidão a valiosa ação de tantas
    instituições a serviço da infância.
  95. A esse respeito, propomos algumas orientações pastorais:
    a) Inspirar-se na atitude de Jesus para com as crianças, de
    respeito e acolhida como os prediletos do Reino, atendendo à sua formação integral.De importância para toda a sua
    vida é o exemplo de oração de seus pais e avós, que têm a
    missãodeensinaraseusfilhosenetosasprimeirasorações.
    b) Estabelecer, onde não exista, o Departamento ou Seção
    da Infância, para desenvolver ações pontuais e orgânicas
    a favor dos meninos e meninas.
    c) Promover processos de reconhecimento da infância como
    setor decisivo de especial cuidado por parte da Igreja, da
    Sociedade e do Estado.
    198 CELAM
    d) Tutelar a dignidade e os direitos naturais inalienáveis dos
    meninos e das meninas, sem prejuízo dos legítimos direitos dos pais. Velar para que as crianças recebam a educação adequada à sua faixa etária no âmbito da solidariedade, da afetividade e da sexualidade humana.
    e) Apoiar as experiências pastorais de atenção à primeira infância.
    f) Estudar e considerar as pedagogias adequadas para a educação na fé das crianças, especialmente em tudo o que se
    relaciona à iniciação cristã, privilegiando o momento da
    primeira comunhão.
    g) Valorizar a capacidade missionária dos meninos e das meninas, que não só evangelizam seus próprios companheiros, mas que também podem ser evangelizadores de seus
    próprios pais.
    h) Promover e difundir processos permanentes de pesquisa
    sobre a infância, que façam sustentável tanto o reconhecimento de seu cuidado, como as iniciativas a favor da defesa e de sua promoção integral.
    i) Fomentar a instituição da Infância Missionária.
    9.3 Os adolescentes e jovens
  96. Merece especial atenção a etapa da adolescência. Os
    adolescentes não são crianças nem são jovens. Estão na idade da
    procura de sua própria identidade, de independência frente aos
    pais, de descoberta do grupo. Nessa idade, facilmente podem
    ser vítimas de falsos líderes constituindo grupos. É necessário
    estimular a pastoral dos adolescentes, com suas próprias características, que garanta sua perseverança e o crescimento na fé.
    O adolescente procura uma experiência de amizade com Jesus.
  97. Os jovens e adolescentes constituem a grande maioria
    da população da América Latina e do Caribe. Representam enor-
    V CONFERÊNCIA GERAL DO EPISCOPADO LATINO-AMERICANO E DO CARIBE- aparecida – DOCUMENTO FINAL 199
    me potencial para o presente e o futuro da Igreja e de nossos povos, como discípulos e missionários do Senhor Jesus. Os jovens
    são sensíveis a descobrir sua vocação a ser amigos e discípulos
    de Cristo. São chamados a ser “sentinelas da manhã”,251 comprometendo-se na renovação do mundo à luz do Plano de Deus. Não
    temem o sacrifício nem a entrega da própria vida, mas sim uma
    vida sem sentido. Por sua generosidade, são chamados a servir
    a seus irmãos, especialmente aos mais necessitados, com todo o
    seu tempo e vida. Têm capacidade para se opor às falsas ilusões
    de felicidade e aos paraísos enganosos das drogas, do prazer, do
    álcool e de todas as formas de violência. Em sua procura pelo
    sentido da vida, são capazes e sensíveis para descobrir o chamado particular que o Senhor Jesus lhes faz. Como discípulos missionários, as novas gerações são chamadas a transmitir a seus
    irmãos jovens, sem distinção alguma, a corrente de vida que procede de Cristo e a compartilhá-la em comunidade, construindo a
    Igreja e a sociedade.
  98. Por outro lado, constatamos com preocupação que inumeráveis jovens do nosso continente passam por situações que
    os afetam significativamente: as sequelas da pobreza, que limitam o crescimento harmônico de suas vidas e geram exclusão; a
    socialização, cuja transmissão de valores já não acontece primariamente nas instituições tradicionais, mas em novos ambientes
    não isentos de forte carga de alienação; e sua permeabilidade às
    formas novas de expressões culturais, produto da globalização,
    que afeta sua própria identidade pessoal e social. São presa fácil das novas propostas religiosas e pseudo-religiosas. As crises,
    pelas quais passa a família hoje em dia, produz neles profundas
    carências afetivas e conflitos emocionais.
  99. São muito afetados por uma educação de baixa qualidade, que os deixa abaixo dos níveis necessários de competitividade, somando-se aos enfoques antropológicos reducionistas,
    251 João Paulo II, Mensagem para a XVIII Jornada Mundial da Juventude, Toronto, 28
    de julho de 2002, n.6.
    200 CELAM
    que limitam seus horizontes de vida e dificultam a tomada de
    decisões duradouras. Vê-se ausência de jovens na esfera política devido à desconfiança que geram as situações de corrupção,
    o desprestígio dos políticos e a procura de interesses pessoais
    frente ao bem comum. Constatam-se com preocupação suicídios
    de jovens. Outros não têm possibilidades de estudar ou trabalhar e muitos deixam seus países por não encontrarfuturo neles,
    dando assim ao fenômeno da mobilidade humana e da migração
    um rosto juvenil. Preocupa também o uso indiscriminado e abusivo que muitos jovens fazem da comunicação virtual.
  100. Diante desses desafios e ameaças sugerimos algumas
    linhas de ação:
    a) Renovar, em estreita união com a família, de maneira eficaz e realista, a opção preferencial pelos jovens, em continuidade com as Conferências Gerais anteriores, dando
    novo impulso à Pastoral da Juventude nas comunidades
    eclesiais (dioceses, paróquias, movimentos etc).
    b) Estimular os Movimentos eclesiais que têm pedagogia
    orientada à evangelização dos jovens e convidá-los a colocar mais generosamente suas riquezas carismáticas, educativas e missionárias a serviço das Igrejas locais.
    c) Propor aos jovens o encontro com Jesus Cristo vivo e seu
    seguimento na Igreja, à luz do Plano de Deus, que lhes garanta a realização plena de sua dignidade de ser humano,
    que os estimule a formar sua personalidade e lhes proponha uma opção vocacional específica: o sacerdócio, a
    vida consagrada ou o matrimônio. Durante o processo de
    acompanhamento vocacional, irá aos poucos introduzindo gradualmente os jovens na oração pessoal e na Lectio
    Divina, na freqüência aos sacramentos da Eucaristia e da
    Reconciliação, da direção espiritual e do apostolado.
    d) Privilegiar na Pastoral da Juventude processos de educação e amadurecimento na fé como resposta de sentido e
    V CONFERÊNCIA GERAL DO EPISCOPADO LATINO-AMERICANO E DO CARIBE- aparecida – DOCUMENTO FINAL 201
    orientação da vida, e garantia de compromisso missionário. De maneira especial, buscar-se-á implementar uma
    catequese atrativa para os jovens que os introduza no
    conhecimento do mistério de Cristo, buscando mostrar a
    eles a beleza da Eucaristia dominical que os leve a descobrir nela Cristo vivo e o mistério fascinante da Igreja.
    e) A Pastoral da Juventude ajudará os jovens a se formar de
    maneira gradual, para a ação social e política e a mudança de estruturas, conforme a Doutrina Social da Igreja,
    fazendo própria a opção preferencial e evangélica pelos
    pobres e necessitados.
    f) Urgir a capacitação dos jovens para que tenham oportunidades no mundo do trabalho, e evitar que caiam na droga
    e na violência.
    g) Nas metodologias pastorais, procurar maior sintonia entre o mundo adulto e o mundo jovenil.
    h) Assegurar a participação dos jovens em peregrinações,
    nas Jornadas nacionais e mundiais da Juventude, com a
    devida preparação espiritual e missionária e a companhia
    de seus pastores.
    9.4 O bem-estar dosidosos
  101. O acontecimento da apresentação no templo (cf. Lc
    2,41-50) coloca-nos diante do encontro das gerações: as crianças
    e os anciãos. A criança que surge para a vida, assumindo e cumprindo a Lei, e os anciãos, que a festejam com a alegria do Espírito Santo. Crianças e anciãos constróem o futuro dos povos.
    As crianças porque levarão adiante a história, os anciãos porque
    transmitem a experiência e a sabedoria de suas vidas.
  102. O respeito e gratidão dos anciãos deve ser testemunhado em primeiro lugar por sua própria família. A Palavra de
    Deus nos desafia de muitas maneiras a respeitar e valorizar os
    202 CELAM
    mais idosos e anciãos. Convida-nos, inclusive, a aprender deles
    com gratidão e acompanhá-los em sua solidão e fragilidade. A
    frase de Jesus: “pobres, vocês sempre terão, e poderão socorrêlos quando quiserem” (Mc 14,7) pode muito bem entender-se
    deles, porque fazem parte de cada família, povo e nação. No entanto, muitas vezes, são esquecidos ou descuidados pela sociedade e até mesmo por seus próprios familiares.
  103. Muitos de nossos idosos gastaram a vida pelo bem de
    sua família e da comunidade, a partir de seu lugar e vocação.
    Muitos, por seu testemunho e obras, são verdadeiros discípulos
    missionários de Jesus. Merecem ser reconhecidos como filhos
    e filhas de Deus, chamados a compartilhar a plenitude do amor
    e a serem queridos em particular pela cruz de suas doenças, da
    capacidade diminuída ou da solidão. A família não deve olhar
    só as dificuldades que traz a convivência com eles ou o ter que
    atendê-los. A sociedade não pode considerá-los como peso ou
    carga. É lamentável que em alguns países não haja políticas sociais que se ocupem suficientemente dos idosos já aposentados,
    pensionistas, enfermos ou abandonados. Portanto, exortamos
    a criação de políticas sociais justas e solidárias, que atendam a
    estas necessidades.
  104. A Igreja sente-se comprometida a procurar a atenção
    humana integral a todas as pessoas idosas, também ajudando-as
    a viver o seguimento de Cristo em sua atual condição, e incorporando-as o quanto possível à missão evangelizadora. Por isso,
    enquanto agradece o trabalho que já vem realizando religiosas,
    religiosos e voluntários, a Igreja quer renovar suas estruturas
    pastorais e preparar ainda mais agentes, a fim de ampliar esse
    valioso serviço de amor.
    9.5 A dignidade e participação dasmulheres
  105. A antropologia cristã ressalta a igual identidade entre
    homem e mulher em razão de terem sido criados à imagem e
    semelhança de Deus. O mistério da Trindade nos convida a viver
    V CONFERÊNCIA GERAL DO EPISCOPADO LATINO-AMERICANO E DO CARIBE- aparecida – DOCUMENTO FINAL 203
    uma comunidade de iguais na diferença. Em época de marcado
    machismo, a prática de Jesus foi decisiva para significar a dignidade da mulher e de seu valor indiscutível: falou com elas (cf Jo
    4,27), teve singular misericórdia com as pecadoras (cf. Lc 7,36-
    50; Jo 8,11), curou-as (cf. Mc 5,25-34), reivindicou a dignidade
    delas (cf Jo 8,1-11), escolheu-as como primeiras testemunhas de
    sua ressurreição (cf. Mt 28,9-10) e incorporou mulheres ao grupo
    de pessoas que lhe eram mais próximas (cf. Lc 8,1-3). A figura de
    Maria, discípula por excelência entre discípulos, é fundamental
    na recuperação da identidade da mulher e de seu valor na Igreja.
    O canto do Magnificat mostra Maria como mulher capaz de se
    comprometer com sua realidade e diante dela ter voz profética.
  106. A relação entre a mulher e o homem é de reciprocidade
    e colaboração mútua. Trata-se de harmonizar, complementar e
    trabalhar somando esforços. A mulher é co-responsável, junto
    comohomem,pelopresenteefuturodenossasociedadehumana.
  107. Lamentamos que inumeráveis mulheres de toda condição não sejam valorizadas em sua dignidade, estejam com
    freqüência sozinhas e abandonadas, não se reconheçam nelas
    suficientemente o abnegado sacrifício, inclusive a heróica generosidade no cuidado e educação dos filhos e na transmissão da fé
    na família. Muito menos se valoriza nem se promove adequadamente sua indispensável e peculiar participação na construção
    de uma vida social mais humana e na edificação da Igreja. Ao
    mesmo tempo, sua urgente dignificação e participação são distorcidas por correntes ideológicas marcadas com o selo cultural
    das sociedades de consumo e do espetáculo, que são capazes de
    submeter as mulheres a novas formas de escravidão. Na América
    Latina e no Caribe é necessário superar a mentalidade machista
    que ignora a novidade do cristianismo, onde se reconhece e se
    proclama a “igual dignidade e responsabilidade da mulher em
    relação ao homem”.252
    252 DI 5.
    204 CELAM
  108. Nesta hora da América Latina e do Caribe, é urgente
    escutar o clamor, muitas vezes silenciado, de mulheres que são
    submetidas a muitas formas de exclusão e de violência em todas
    as suas formas e em todas as etapas de suas vidas. Entre elas,
    as mulheres pobres, indígenas e afro-americanas têm sofrido
    dupla marginalização. É urgente que todas as mulheres possam
    participar plenamente na vida eclesial, familiar, cultural, social
    e econômica, criando espaços e estruturas que favoreçam maior
    inclusão.
  109. As mulheres constituem, geralmente, a maioria de
    nossas comunidades. São as primeiras transmissoras da fé e colaboradoras dos pastores, os quais devem atendê-las, valorizálas e respeitá-las.
  110. É urgente valorizar a maternidade como missão excelente das mulheres. Isso não se opõe a seu desenvolvimento
    profissional e ao exercício de todas as suas dimensões, o que permite ser fiéis ao plano original de Deus que dá ao casal humano,
    de forma conjunta, a missão de melhorar a terra. A mulher é
    insubstituível no lar, na educação dos filhos e na transmissão da
    fé. Mas isso não exclui a necessidade de sua participação ativa na
    construção da sociedade. Para isso, é necessário propiciar uma
    formação integral de maneira que as mulheres possam cumprir
    sua missão na família e na sociedade.
  111. A sabedoria do plano de Deus exige que favoreçamos o
    desenvolvimento de sua identidade feminina em reciprocidade
    e complementaridade com a identidade do homem. Por isso, a
    Igreja é chamada a compartilhar, orientar e acompanhar projetos de promoção da mulher com organismos sociais já existentes,
    reconhecendo o ministério essencial e espiritual que a mulher
    leva em suas entranhas: receber a vida, acolhê-la, alimentá-la,
    dá-la à luz, sustentá-la, acompanhá-la e desenvolver seu ser mulher, criando espaços habitáveis de comunidade e comunhão. A
    maternidade não é uma realidade exclusivamente biológica, mas
    se expressa de diversas maneiras. A vocação materna se cum-
    V CONFERÊNCIA GERAL DO EPISCOPADO LATINO-AMERICANO E DO CARIBE- aparecida – DOCUMENTO FINAL 205
    pre através de muitas formas de amor, compreensão e serviço
    aos demais. A dimensão maternal também se concretiza, por
    exemplo, na adoção de crianças, oferecendo-lhes proteção e lar.
    O compromisso da Igreja nessa esfera é ético e profundamente
    evangélico.
  112. Propomos algumas ações pastorais:
    a) Impulsionar a organização da pastoral de maneira que
    ajude a descobrir e desenvolver em cada mulher e nos âmbitos eclesiais e sociais o “gênio feminino”253 e promova o
    mais amplo protagonismo das mulheres.
    b) Garantir a efetiva presença da mulher nos ministérios que
    na Igreja são confiados aos leigos, como também nas instâncias de planejamento e decisão pastorais, valorizando
    sua contribuição.
    c) Acompanhar as associações femininas que lutam para superar situações difíceis, de vulnerabilidade ou de exclusão.
    d) Promover o diálogo com autoridades para a elaboração de
    programas, leis e políticas públicas que permitam harmonizar a vida de trabalho da mulher com seus deveres de
    mãe de família.
    9.6 A responsabilidade do homeme pai de família
  113. O homem, a partir de sua especificidade, é chamado
    pelo Deus da vida a ocupar lugar original e necessário na construção da sociedade, na geração da cultura e na realização da
    história. Profundamente motivados pela bela realidade do amor
    que tem sua fonte em Jesus Cristo, o homem se sente fortemente convidado a formar uma família. Aí, na essencial disposição
    de reciprocidade e complementaridade, vivem e valorizam, para
    a plenitude de sua vida, a ativa e insubstituível riqueza da con253 João Paulo II, Carta às mulheres, 29 de junho de 1995, n. 11.
    206 CELAM
    tribuição da mulher, que lhes permite reconhecer mais nitidamente sua própria identidade.
  114. Enquanto batizado, o homem deve sentir-se enviado
    pela Igreja a todos os campos de atividade que constituem sua
    vocação e missão, para dar testemunho como discípulo e missionário de Jesus Cristo na família. No entanto, em não poucos casos, desafortunadamente, termina renunciando a essa responsabilidade e delegando-a às mulheres ou esposas.
  115. Tradicionalmente, devemos reconhecer que uma porcentagem significativa deles, na América Latina e Caribe, se
    mantém à margem da Igreja e do compromisso que nela são chamados a realizar. Desse modo, vão se afastando de Jesus Cristo,
    da vida plena que tanto desejam e procuram. Essa condição de
    distância ou indiferença por parte dos homens, que questiona
    fortemente o estilo de nossa pastoral convencional, contribui
    para que vá crescendo a separação entre fé e cultura, a gradual
    perda do que interiormente é essencial e doador de sentido, a
    fragilidade para resolver adequadamente conflitos e frustrações,
    a fraqueza para resistir ao embate e seduções de uma cultura
    consumista, frívola e competitiva etc. Tudo isso os faz vulneráveis diante da proposta de estilos de vida que, propondo-se
    como atrativos, terminam sendo desumanizadores. Em número
    cada vez mais freqüente deles, vai se abrindo passagem à tentação de ceder à violência, infidelidade, abuso de poder, dependência de drogas, alcoolismo, machismo, corrupção e abandono de
    seu papel de pais.
  116. Por outro lado, grande porcentagem de homens se
    sentem cobrados na família, no trabalho e na sociedade. Carentes de maior compreensão, acolhida e afeto da parte dos seus,
    de serem valorizados de acordo com o que contribuíram materialmente, e sem espaços vitais onde compartilhar seus sentimentos mais profundos com toda a liberdade, são expostos a
    uma situação de profunda insatisfação que os deixa à mercê do
    poder desintegrador da cultura atual. Diante dessa situação, e
    V CONFERÊNCIA GERAL DO EPISCOPADO LATINO-AMERICANO E DO CARIBE- aparecida – DOCUMENTO FINAL 207
    em consideração às conseqüências que isso tudo traz para a vida
    matrimonial e para os filhos, torna-se necessário estimular em
    todas as nossas Igrejas Particulares especial atenção pastoral
    para o pai de família.
  117. Propõem-se algumas ações pastorais:
    a) Revisar os conteúdos das diversas catequeses preparatórias aos sacramentos, como as atividades e movimentos
    eclesiais relacionados com a pastoral familiar, para favorecer o anúncio e a reflexão sobre a vocação que o homem
    é chamado e viver no matrimônio, na família, na Igreja e
    na sociedade.
    b) Aprofundar, nas instâncias pastorais pertinentes, o papel
    específico que cabe ao homem na construção da família
    enquanto Igreja Doméstica, especialmente como discípulo e missionário evangelizador de seu lar.
    c) Promover em todos os campos da educação católica e da
    pastoral de jovens, o anúncio e o desenvolvimento dos
    valores e atitudes que facilitem aos jovens e às jovens
    produzirem competências que lhes permitam favorecer
    o papel de homem na vida matrimonial, no exercício da
    paternidade e na educação de seus filhos na fé.
    d) Desenvolver,nasuniversidades católicas, à luzda antropologia e da moral cristã, a pesquisa e a reflexão necessárias
    que permitam conhecer a situação atual do mundo dos
    homens, as conseqüências do impacto dos atuais modelos
    culturais em sua identidade e missão, e pistas que possam
    colaborar no projeto de orientações pastorais a respeito.
    e) Denunciar a mentalidade neoliberal que não vê no pai de
    família mais do que um instrumento de produção e ganância, relegando-o inclusive na família ao papel de mero
    provedor. A crescente prática de políticas públicas e iniciativas privadas de promover inclusive o domingo como
    208 CELAM
    dia de trabalho, é uma medida profundamente destrutiva
    da família e dos pais.
    f) Favorecer na vida da Igreja a ativa participação dos homens, gerando e promovendo espaços e serviços nos campos assinalados.
    9.7 A cultura da vida:sua proclamação e sua defesa
  118. O ser humano, criado à imagem e semelhança de Deus,
    também possui altíssima dignidade que não podemos pisotear e
    que somos convocados a respeitar e promover. A vida é presente gratuito de Deus, dom e tarefa que devemos cuidar desde a
    concepção, em todas as suas etapas, até à morte natural, sem
    relativismos.
  119. A globalização influi nas ciências e em seus métodos,
    prescindindo dos procedimentos éticos. Discípulos de Jesus, temos que levar o Evangelho ao grande cenário delas, promover o
    diálogo entre ciência e fé e, nesse contexto, apresentar a defesa
    da vida. Esse diálogo deve ser realizado pela ética e em casos especiais por uma bioética bem fundamentada. A bioética trabalha
    com essa base epistemológica, de maneira interdisciplinar, onde
    cada ciência contribui com suas conclusões.
  120. Não podemos escapar desse desafio de diálogo entre a
    fé, a razão e as ciências. Nossa prioridade pela vida e pela família, carregadas de problemáticas que são debatidas nas questões
    éticas e na bioética, nos urge a iluminá-las com o Evangelho e o
    Magistério da Igreja.254
  121. Assistimos hoje a novos desafios que nos pedem ser
    voz dos que não têm voz. A criança que está crescendo no seio
    materno e as pessoas que se encontram no ocaso de suas vidas,
    são exigência de vida digna que grita ao céu e que não pode dei254 Cf. João Paulo II. FR, 14 de setembro de 1998.
    V CONFERÊNCIA GERAL DO EPISCOPADO LATINO-AMERICANO E DO CARIBE- aparecida – DOCUMENTO FINAL 209
    xar de nos estremecer. A liberalização e banalização das práticas
    abortivas são crimes abomináveis, como também a eutanásia, a
    manipulação genética e embrionária, ensaios médicos contrários
    à ética, pena de morte e tantas outras maneiras de atentar contra a dignidade e a vida do ser humano. Se quisermos sustentar
    um fundamento sólido e inviolável para os direitos humanos, é
    indispensável reconhecer que a vida humana deve ser defendida
    sempre, desde o momento da fecundação. De outra maneira, as
    circunstâncias e conveniências dos poderosos sempre encontrarão desculpas para maltratar as pessoas.255
  122. Os desejos de vida, paz, fraternidade e felicidade não
    encontram resposta em meio aos ídolos do lucro e da eficácia, da
    insensibilidade frente ao sofrimento alheio, aos ataques à vida
    intra-uterina, à mortalidade infantil, à deterioração de alguns
    hospitais e a todas as modalidades de violência contra crianças,
    jovens, homens e mulheres. Isso sublinha a importância da luta
    pela vida e pela dignidade e integridade da pessoa humana. A
    defesa fundamental da dignidade e desses valores começa na família.
  123. A fim de que os discípulos e missionários louvem a
    Deus, dando graças pela vida e servindo a ela, propomos as seguintes ações:
    a) Continuar a promoção, nas Conferências Episcopais e nas
    dioceses, de cursos sobre família e questões éticas para os
    Bispos e para os agentes de pastorais que possam ajudar a
    fundamentar com solidez os diálogos a respeito dos problemas e situações particulares sobre a vida.
    b) Procurar que presbíteros, diáconos, religiosos e leigos
    busquem estudos universitários de moral familiar, questões éticas e, quando seja possível, cursos mais especializados de bioética.256
    255 Cf. EV. 256 Cf. Pontifício Conselho para a Família, “Família e questões éticas”, 2006.
    210 CELAM
    c) Promoverfóruns, painéis, seminários e congressos que estudem, reflitam e analisem temas concretos da atualidade
    sobre a vida em suas diversas manifestações e sobretudo
    no ser humano, especialmente no que se refere ao respeito pela vida desde a concepção até sua morte natural.
    d) Pedir às universidades católicas que organizem programas de bioética acessíveis a todos e tomem posição pública diante dos grandes temas da bioética.
    e) Criar nas Conferências Episcopais um comitê de ética e
    bioética, com pessoas preparadas no tema, que garantam
    fidelidade e respeito à doutrina do Magistério da Igreja
    sobre a vida, para que seja a instância que pesquise, estude, discuta e atualize a comunidade no momento em que
    o debate público seja necessário. Esse comitê enfrentará
    as realidades que se apresentarem na localidade, no país
    ou no mundo, para defender e promover a vida no momento oportuno.
    f) Oferecer aos matrimônios programas de formação em paternidade responsável e sobre o uso dos métodos naturais
    de regulação da natalidade, como pedagogia exigente de
    vida e amor.257
    g) Apoiar e acompanhar pastoralmente e com especialternura e solidariedade as mulheres que decidiram não abortar,
    e acolher com misericórdia aquelas que abortaram, para
    ajudá-las a curar suas graves feridas e convidá-las a ser
    defensoras da vida. O aborto faz duas vítimas: por certo a
    criança, mas também a mãe.
    h) Promover a formação e ação de leigos competentes, animá-los a organizar-se para defender a vida e a família, e
    estimulá-los a participar em organismos nacionais e internacionais.
    257 Cf. EV 97, HV 10.
    V CONFERÊNCIA GERAL DO EPISCOPADO LATINO-AMERICANO E DO CARIBE- aparecida – DOCUMENTO FINAL 211
    i) Assegurar que a objeção de consciência se incorpore nas
    legislações e cuidar que seja respeitada pelas administrações públicas.
    9.8 O cuidado comomeio-ambiente
  124. Como discípulos de Jesus, sentimo-nos convidados
    a dar graças pelo dom da criação, reflexo da sabedoria e beleza
    do Lógos criador. No desígnio maravilhoso de Deus, o homem
    e a mulher são convocados a viver em comunhão com Ele, em
    comunhão entre si e com toda a criação. O Deus da vida encomendou ao ser humano sua obra criadora para que “a cultivasse e a guardasse” (Gn 2,15). Jesus conhecia bem a preocupação do Pai pelas criaturas que Ele alimenta (cf. Lc 12,24) e
    embeleza (cf. Lc 12,27). E enquanto andava pelos caminhos de
    sua terra, não só se detinha a contemplar a formosura da natureza, mas também convidava seus discípulos a reconhecer
    a mensagem escondida nas coisas (cf. Lc 12,24-27; Jo 4,35).
    As criaturas do Pai dão glória “com sua existência mesma”,258
    e por isso o ser humano deve fazer uso delas com cuidado e
    delicadeza.259
  125. A América Latina e o Caribe estão se conscientizando
    da natureza como herança gratuita que recebemos para proteger,
    como espaço precioso da convivência humana e como responsabilidade cuidadosa do senhorio do homem para o bem de todos.
    Essa herança muitas vezes se manifesta frágil e indefesa diante
    dos poderes econômicos e tecnológicos. Por isso, como profetas
    da vida, queremos insistir que, nas intervenções sobre os recursos naturais, não predominem os interesses de grupos econômicos que arrasam irracionalmente as fontes de vida, em prejuízo
    de nações inteiras e da própria humanidade. As gerações que nos
    sucederão têm direito a receber um mundo habitável e não um
    planeta com ar contaminado. Felizmente, em algumas escolas
    258 CCE 2416. 259 Cf. CCE 2418.
    212 CELAM
    católicas começou-se a introduzir entre as disciplinas uma educação para a responsabilidade ecológica.
  126. A Igreja agradece a todos os que se ocupam com a defesa da vida e do ambiente. É necessário dar especial importância
    à mais grave destruição em curso da ecologia humana.260 A Igreja
    está próxima aos homens do campo que, com amor generoso,
    trabalham duramente a terra para tirar, à vezes em condições
    extremamente difíceis, o sustento para suas famílias e levar os
    frutos da terra a todos. Valoriza especialmente os indígenas por
    seu respeito à natureza e pelo amor à mãe terra como fonte de
    alimento, casa comum e altar da partilha humana.
  127. A riqueza natural da América Latina e do Caribe experimenta hoje uma exploração irracional que vai deixando um
    rastro de dilapidação, inclusive de morte portoda a nossa região.
    Em todo esse processo, tem enorme responsabilidade o atual
    modelo econômico, que privilegia o desmedido afã pela riqueza,
    acima da vida das pessoas e dos povos e do respeito racional pela
    natureza. A devastação de nossas florestas e da biodiversidade
    mediante uma atitude predatória e egoísta, envolve a responsabilidade moral dos que a promovem, porque coloca em perigo a
    vida de milhões de pessoas, em especial do hábitat dos camponeses e indígenas, que são expulsos para as terras improdutivas
    e para as grandes cidades para viverem amontoados nos cinturões de miséria. Nossa região tem necessidade de progredir em
    seu desenvolvimento agro-industrial para valorizar as riquezas
    de suas terras e suas capacidades humanas a serviço do bem-comum. Porém, não podemos deixar de mencionar os problemas
    que uma industrialização selvagem e descontrolada causa em
    nossas cidades e no campo, e que vai contaminando o ambiente
    com todo tipo de dejetos orgânicos e químicos. Da mesma forma
    é preciso alertar a respeito das indústrias extrativas de recursos
    que, quando procedem de maneira a controlar e neutralizar seus
    260 João Paulo II, Centesimus annus, n. 38.
    V CONFERÊNCIA GERAL DO EPISCOPADO LATINO-AMERICANO E DO CARIBE- aparecida – DOCUMENTO FINAL 213
    efeitos danosos sobre o ambiente circundante, produzem a eliminação das florestas, a contaminação da água e transformam
    as regiões exploradas em imensos desertos.
  128. Diante dessa situação, oferecemos algumas propostas
    e orientações:
    a) Evangelizar nossos povos para que descubram o dom da
    criação, sabendo contemplá-la e cuidar dela como casa de
    todos os seres vivos e matriz da vida do planeta, a fim de
    exercitarem responsavelmente o senhorio humano sobre
    a terra e sobre os recursos, para que possam render todos
    os seus frutos com destinação universal, educando para
    um estilo de vida de sobriedade e austeridade solidárias.
    b) Aprofundar a presença pastoral nas populações mais frágeis e ameaçadas pelo desenvolvimento predatório, e
    apoiá-las em seus esforços para conseguir eqüitativa distribuição da terra, da água e dos espaços urbanos.
    c) Procurar um modelo de desenvolvimento alternativo,261
    integral e solidário, baseado em uma ética que inclua a
    responsabilidade por uma autêntica ecologia natural e
    humana, que se fundamenta no evangelho da justiça, da
    solidariedade e do destino universal dos bens, e que supere a lógica utilitarista e individualista, que não submete
    os poderes econômicos e tecnológicos a critérios éticos.
    Portanto, estimular nossos homens do campo a se organizarem de tal maneira que possam conseguir sua justa
    reivindicação.
    d) Empenhar nossos esforços na promulgação de políticas
    públicas e participações cidadãs que garantam a proteção,
    conservação e restauração da natureza.
    261 PP 20, “(O verdadeiro desenvolvimento) é a passagem, para todos e cada um, das
    condições de vida menos humanas a condições de vida mais humanas”.
    214 CELAM
    e) Determinar medidas de monitoramento e controle social
    sobre a aplicação dos padrões ambientais internacionais
    nos países.
  129. Criar nas Américas consciência sobre a importância da
    Amazônia para toda a humanidade. Estabelecer entre as Igrejas
    locais de diversos países sul-americanos, que estão na bacia amazônica, uma pastoral de conjunto com prioridades diferenciadas
    para criar um modelo de desenvolvimento que privilegie os pobres e sirva ao bem comum. Apoiar, com os recursos humanos
    e financeiros necessários, a Igreja que vive na Amazônia, para
    que continue proclamando o evangelho da vida e desenvolva seu
    trabalho pastoral na formação de leigos e sacerdotes através de
    seminários, cursos, intercâmbios, visitas às comunidades e material educativo.
    10.1 A cultura e sua evangelização
  130. A cultura, em sua compreensão mais extensa, representa o modo particular com que os homens e os povos cultivam
    sua relação com a natureza e com seus irmãos, consigo mesmos
    e com Deus, a fim de conseguir uma existência plenamente humana.262 Enquanto tal, a cultura é patrimônio comum dos povos
    e também da América Latina e do Caribe.
  131. A V Conferência em Aparecida olha positivamente e
    com verdadeira empatia as diferentes formas de cultura presentes em nosso continente. A fé só é adequadamente professada,
    entendida e vivida, quando penetra profundamente no substrato cultural de um povo.263 Desse modo aparece toda a importância da cultura para a evangelização, pois a salvação trazida por
    Jesus Cristo deve ser luz e força para todos os anseios, para as
    situações alegres ou sofridas e para as questões presentes nas
    respectivas culturas dos povos. O encontro da fé com as culturas
    as purifica, permite que desenvolvam suas virtualidades, enri262 Cf. GS 53. 263 Cf. João Paulo II, Discurso aos participantes do Congresso Mundial do Movimento
    Geral de Ação Cultural, 16 de janeiro de 1982.
    Capítulo X
    NOSSOS POVOSE A CULTURA
    216 CELAM
    quece-as, pois todas elas procuram em última instância a verdade, que é Cristo (Jo 14,6).
  132. Com o Santo Padre, damos graças pelo fato de que a
    Igreja, “ajudando os fiéis cristãos a viverem sua fé com alegria e
    coerência”, tem sido, ao longo de sua história neste continente,
    criadora e animadora de cultura: “A fé em Deus tem animado a
    vida e a cultura destes povos durantes mais de cinco séculos”.
    Essa realidade foi expressa “na arte, na música, na literatura, e sobretudo nas tradições religiosas e na idiossincrasia de
    suas gentes, unidas pela mesma história e pelo mesmo credo, e
    formando grande sintonia na diversidade de culturas e de línguas!”264
  133. Com a inculturação da fé, a Igreja se enriquece com
    novas expressões e valores, manifestando e celebrando cada vez
    melhor o mistério de Cristo, conseguindo unir mais a fé com a
    vida e assim contribuindo para uma catolicidade mais plena, não
    só geográfica, mas também cultural. No entanto, esse patrimônio cultural latino-americano e caribenho se vê confrontado com
    a cultura atual, que apresenta luzes e sombras. Devemos considerá-la com empatia para entendê-la, mas também com uma
    postura crítica para descobrir o que nela é fruto da limitação humana e do pecado. Ela apresenta muitas e sucessivas mudanças,
    provocadas por novos conhecimentos e descobrimentos da ciência e da técnica. Assim se desvanece a imagem única do mundo
    que oferecia orientação para a vida cotidiana. Recai, portanto,
    sobre o indivíduo toda a responsabilidade de construir sua personalidade e plasmar sua identidade social. Assim temos, por
    um lado, a emergência da subjetividade, o respeito à dignidade e
    à liberdade de cada um, sem dúvida uma importante conquista
    da humanidade. Por outro lado, esse mesmo pluralismo de ordem cultural e religiosa, propagado fortemente por uma cultura
    globalizada, acaba por erigir o individualismo como característi264 DI 1.
    V CONFERÊNCIA GERAL DO EPISCOPADO LATINO-AMERICANO E DO CARIBE- aparecida – DOCUMENTO FINAL 217
    ca dominante da atual sociedade, responsável pelo relativismo
    ético e pela crise da família.
  134. Muitos católicos se encontram desorientados frente a
    essa mudança cultural. Compete à Igreja denunciar claramente
    “estes modelos antropológicos incompatíveis com a natureza e
    dignidade do homem”.265 É necessário apresentar a pessoa humana como o centro de toda a vida social e cultural, resultando nela: a dignidade de ser imagem e semelhança de Deus e a
    vocação de ser filhos no Filho, chamados a compartilhar sua
    vida por toda a eternidade. A fé cristã nos mostra Jesus Cristo como a verdade última do ser humano,266 o modelo no qual
    o ser humano se realiza em todo o seu esplendor ontológico e
    existencial. Anunciá-lo integralmente em nossos dias exige coragem e espírito profético. Neutralizar a cultura de morte com
    a cultura cristã da solidariedade é imperativo que diz respeito a
    todos nós e que foi objetivo constante do ensino social da Igreja. No entanto, o anúncio do Evangelho não pode prescindir
    da cultura atual. Esta deve ser conhecida, avaliada e em certo
    sentido assumida pela Igreja, com linguagem compreendida por
    nossos contemporâneos. Somente assim a fé cristã poderá aparecer como realidade pertinente e significativa de salvação. Mas
    essa mesma fé deverá gerar modelos culturais alternativos para
    a sociedade atual. Os cristãos, com os talentos que receberam,
    talentos apropriados deverão ser criativos em seus campos de
    atuação: o mundo da cultura, da política, da opinião pública, da
    arte e da ciência.
    10.2 A educação como bempúblico
  135. Anteriormente nos referimos à educação católica,
    mas, como pastores, não podemos ignorar a missão do Estado
    no campo educativo, velando de modo particular pela educação
    das crianças e jovens. Tais centros educativos não deveriam igno265 Bento XVI, Discurso ao Corpo Diplomático, 8 de janeiro de 2007. 266 GS 22.
    218 CELAM
    rar que a abertura à transcendência é uma dimensão da vida humana, e por isso a formação integral das pessoas reivindica a
    inclusão de conteúdos religiosos.
  136. A Igreja crê que “as crianças e os adolescentes têm o
    direito de ser estimulados a apreciar com reta consciência os
    valores morais, prestando a esses valores sua adesão pessoal, e
    também de ser estimulados a conhecer e amar mais a Deus. A
    Igreja roga, pois, encarecidamente a todos os que governam os
    povos, ou que estão à frente da educação, a procurarem que a
    juventude nunca se veja privada desse sagrado direito”.267
  137. Diante das dificuldades que encontramos em vários
    países a esse respeito, queremos empenhar-nos na formação religiosa dos fiéis que assistem às escolas públicas de gestão estatal,
    procurando acompanhá-los também através de outras instâncias
    formativas em nossas paróquias e dioceses. Ao mesmo tempo,
    agradecemos a dedicação dos professores de religião nas escolas
    públicas e os animamos nessa tarefa. E os estimulamos a promoverem uma capacitação doutrinal e pedagógica. Agradecemos
    também àqueles que, pela oração e pela vida comunitária, se esforçam para serem testemunhas de fé e coerência nessas escolas.
    10.3 Pastoral da Comunicação Social
  138. A revolução tecnológica e os processos de globalização
    formatam o mundo atual como grande cultura midiática. Isso
    implica uma capacidade para reconhecer as novas linguagens,
    que podem favorecer maior humanização global. Essas novas
    linguagens configuram um elemento articulador das mudanças
    na sociedade.
  139. “Em nosso século tão influenciado pelos meios de comunicação social, o primeiro anúncio, a catequese ou o posterior
    aprofundamento da fé não podem prescindir desses meios”.“Co267 GE 1.
    V CONFERÊNCIA GERAL DO EPISCOPADO LATINO-AMERICANO E DO CARIBE- aparecida – DOCUMENTO FINAL 219
    locados a serviço do Evangelho, eles oferecem a possibilidade de
    difundir quase sem limites o campo de audiência da Palavra de
    Deus, fazendo chegar a Boa Nova a milhões de pessoas. A Igreja
    se sentiria culpada diante de Deus se não empregasse esses poderosos meios, que a inteligência humana aperfeiçoa cada vez
    mais. Com eles, a Igreja ‘proclama a partir dos telhados’ (cf. Mt
    10,27; Lc 12,3) a mensagem da qual é depositária. Neles, encontra uma versão moderna e eficaz do ‘púlpito’. Graças a eles, pode
    falar às multidões”.268
  140. A fim de formar discípulos e missionários nesse campo, nós, bispos reunidos na V Conferência, comprometemo-nos
    a acompanhar os comunicadores, procurando:
    a) Conhecer e valorizar esta nova cultura da comunicação.
    b) Promover a formação profissional na cultura da comunicação de todos os agentes e cristãos.
    c) Formar comunicadores profissionais competentes e comprometidos com os valores humanos e cristãos na transformação evangélica da sociedade, com particular atenção
    aos proprietários, diretores, programadores, jornalistas e
    locutores.
    d) Apoiar e otimizar, por parte da Igreja, a criação de meios
    de comunicação social próprios, tanto nos setores televisivos e de rádio, como nos sites de Internet e nos meios
    impressos;
    e) Estar presente nos meios de comunicação de massa: imprensa, rádio e TV, cinema digital, sites de Internet, fóruns e tantos outros sistemas para introduzir neles o mistério de Cristo.
    f) Educar na formação crítica quanto ao uso dos meios de
    comunicação a partir da primeira idade.
    268 EN 45.
    220 CELAM
    g) Animar as iniciativas existentes ou a serem criadas neste
    campo, com espírito de comunhão.
    h) Suscitar leis para promover nova cultura que proteja as
    crianças, os jovens e as pessoas mais vulneráveis, para
    que a comunicação não transgrida os valores e, ao contrário, criem critérios válidos de discernimento.269
    i) Desenvolver uma política de comunicação capaz de ajudar tanto as pastorais de comunicação como os meios de
    comunicação de inspiração católica a encontrar seu lugar
    na missão evangelizadora da Igreja.
  141. A Internet, vista dentro do panorama da comunicação
    social, deve ser entendida na linha já proclamada no Concílio Vaticano II como uma das “maravilhosas invenções da técnica”.270
    “Para a Igreja, o novo mundo do espaço cibernético é uma exortação à grande aventura da utilização de seu potencial para proclamar a mensagem evangélica. Este desafio está no centro do
    que significa, no início do milênio, seguir o mandato do Senhor
    para “avançar”: Duc in altum! (Lc 5,4)”.271
  142. “A Igreja se aproxima deste novo meio com realismo e
    confiança. Como os outros instrumentos de comunicação, este
    é um meio e não um fim em si mesmo. A Internet pode oferecer magníficas oportunidades de evangelização, se usada com
    competência e clara consciência de suas forças e fraquezas”.272
  143. Os meios de comunicação, em geral, não substituem as
    relações pessoais nem a vida comunitária. No entanto, os sites
    podem reforçar e estimular o intercâmbio de experiências e informações que intensifiquem a prática religiosa através de acompanhamentos e orientações. Também na família os pais devem
    269 Cf. Pontifício Conselho para a Família, Carta dos direitos da família, Art. 5f, 22 de
    outubro de 1983. 270 Inter Mirifica, n. 1. 271 João Paulo II, Mensagem para a 36ª Jornada Mundial das Comunicações Sociais,
    Internet: um novo fórum para a proclamação do Evangelho, n. 2, 12 de maio de 2002. 272 Ibid. 3
    V CONFERÊNCIA GERAL DO EPISCOPADO LATINO-AMERICANO E DO CARIBE- aparecida – DOCUMENTO FINAL 221
    alertar os filhos para o uso consciente dos conteúdos disponíveis
    na Internet, para lhes complementar a formação educacional e
    moral.
  144. Visto que a exclusão digital é evidente, as paróquias,
    comunidades, centros culturais e instituições educacionais católicas poderiam ser estimuladoras da criação de pontos de rede e
    de salas digitais para promover a inclusão, desenvolvendo novas
    iniciativas e aproveitando, com olhar positivo, as que já existem.
    Na América Latina e no Caribe existem revistas, jornais, sites,
    portais e serviços on line de conteúdos informativos e formativos, além de orientações religiosas e sociais diversas, tais como
    “sacerdote”, “orientador espiritual”, “orientador vocacional”,
    “professor”, “médico”, entre outros. Existem inumeráveis escolas e instituições católicas que oferecem cursos à distância de
    teologia e cultura bíblica.
    10.4 Novos areópagos e centros de decisão
  145. Queremos felicitar e incentivar a tantos discípulos e
    missionários de Jesus Cristo que, com sua presença ética coerente, continuam semeando os valores evangélicos nos ambientes
    onde tradicionalmente se faz cultura e nos novos areópagos: o
    mundo das comunicações, a construção da paz, o desenvolvimento e a libertação dos povos, sobretudo das minorias, a promoção
    da mulher e das crianças, a ecologia e a proteção da natureza. E
    “o vastíssimo areópago da cultura, da experimentação científica,
    das relações internacionais”.273 Evangelizar a cultura, longe de
    abandonar a opção preferencial pelos pobres e pelo compromisso com a realidade, nasce do amor apaixonado por Cristo, que
    acompanha o Povo de Deus na missão de inculturar o Evangelho
    na história, ardente e infatigável em sua caridade samaritana.
  146. Tarefa de grande importância é a formação de pensadores e pessoas que estejam nos níveis de decisão. Para isso,
    273 RM 37.
    222 CELAM
    devemos empregar esforço e criatividade na evangelização de
    empresários, políticos e formadores de opinião no mundo do
    trabalho, dirigentes sindicais, cooperativos e comunitários.
  147. Na cultura atual, surgem novos campos missionários
    e pastorais que se abrem. Um deles é, sem dúvida, a pastoral do
    turismo274 e do entretenimento, que tem campo imenso de realização nos clubes, nos esportes, no cinema, centros comerciais e
    outras opções que diariamente chamam a atenção e pedem para
    ser evangelizados.
  148. Diante da falsa visão, tão difundida em nossos dias,
    de uma incompatibilidade entre fé e ciência, a Igreja proclama
    que a fé não é irracional. “Fé e razão são duas asas pelas quais o
    espírito humano se eleva na contemplação da verdade”.275 Por
    isso, valorizamos a tantos homens e mulheres de fé e ciência,
    que aprenderam a ver na beleza da natureza os sinais do Mistério, do amor e da bondade de Deus, e são sinais luminosos que
    ajudam a compreender que o livro da natureza e da Sagrada Escritura falam do mesmo Verbo que se fez carne.
  149. Queremos valorizar sempre mais os espaços de diálogo entre fé e ciência, inclusive nos meios de comunicação. Uma
    forma de fazê-lo é através da difusão da reflexão e da obra dos
    grandes pensadores católicos, especialmente do século XX, como
    referências para a justa compreensão da ciência.
  150. Deus não é só a suma Verdade. Ele é também a suma
    Bondade e a suprema Beleza. Por isso, “a sociedade tem necessidade de artistas, da mesma forma que necessita de cientistas,
    técnicos, trabalhadores, especialistas, testemunhas da fé, professores, pais e mães, que garantam o crescimento da pessoa e
    o progresso da comunidade, através daquela forma sublime de
    arte que é a “arte de educar”.276
    274 Cf. “Orientações para a Pastoral do Turismo”, L’Osservatore Romano, Ed. Italiana, Supl.,
    n. 157, 12 de julho de 2001. 275 FR Preâmbulo. 276 João Paulo II, Carta aos artistas, n. 4, 4 de abril de 1999.
    V CONFERÊNCIA GERAL DO EPISCOPADO LATINO-AMERICANO E DO CARIBE- aparecida – DOCUMENTO FINAL 223
  151. É necessário comunicar os valores evangélicos de maneira positiva e propositiva. São muitos os que se dizem descontentes, não tanto com o conteúdo da doutrina da Igreja, mas
    com a forma como é apresentada. Para isso, na elaboração de
    nossos planos pastorais queremos:
    a) Favorecer a formação de um laicato capaz de atuar como
    verdadeiro sujeito eclesial e competente interlocutor entre a Igreja e a sociedade, e entre a sociedade e a Igreja.
    b) Otimizar o uso dos meios de comunicação católicos, fazendo-os mais atuantes e eficazes, seja para a comunicação da fé, seja para o diálogo entre a Igreja e a sociedade.
    c) Atuar com os artistas, esportistas, profissionais da moda,
    jornalistas, comunicadores e apresentadores, assim como
    com os produtores de informação nos meios de comunicação, com os intelectuais, professores, líderes comunitários e religiosos.
    d) Resgatar o papel do sacerdote como formador de opinião.
  152. Aproveitando as experiências dos Centros de Fé e Cultura ou Centros Culturais Católicos, trataremos de criar ou dinamizar os grupos de diálogo entre a Igreja e os formadores de
    opinião dos diversos campos. Convocamos nossas Universidades Católicas para que sejam cada vez mais lugar de produção e
    irradiação do diálogo entre fé e razão e do pensamento católico.
  153. Cabe também às Igrejas da América Latina e do Caribe criar oportunidades para a utilização da arte na catequese
    de crianças, adolescentes e adultos, assim como nas diferentes
    pastorais da Igreja. É necessário também que as ações da Igreja
    nesse campo sejam acompanhadas pelo melhoramento técnico
    e profissional exigido pela própria expressão artística. Por outro
    lado, é também necessária a formação de uma consciência crítica
    que permita julgar com critérios objetivos a qualidade artística
    do que realizamos.
    224 CELAM
  154. É fundamental que as celebrações litúrgicas incorporem em suas manifestações elementos artísticos que possam
    transformar e preparar a assembléia para o encontro com Cristo.
    A valorização dos espaços de cultura existentes, onde se incluem
    os próprios templos, é tarefa essencial para a evangelização pela
    cultura. Nessa linha, também se deve incentivar a criação de
    centros culturais católicos, necessários especialmente nas áreas
    mais carentes, onde o acesso à cultura é mais urgente e reivindica melhorar o sentido do humano.
    10.5 Discípulos emissionários na vida pública
  155. Os discípulos e missionários de Cristo devem iluminar com a luz do Evangelho todos os âmbitos da vida social.
    A opção preferencial pelos pobres, de raiz evangélica, exige
    atenção pastoral voltada aos construtores da sociedade.277 Se
    muitas das estruturas atuais geram pobreza, em parte é devido à falta de fidelidade a compromissos evangélicos de muitos
    cristãos com especiais responsabilidades políticas, econômicas
    e culturais.
  156. A realidade atual de nosso continente manifesta que
    existe “uma notável ausência, no âmbito político, comunicativo
    e universitário, de vozes e iniciativas de líderes católicos de forte
    personalidade e de vocação abnegada que sejam coerentes com
    suas convicções éticas e religiosas”.278
  157. Entre os sinais de preocupação, destaca-se, como das
    mais relevantes a concepção que se tem formado do ser humano,
    homem e mulher. Agressões à vida, em todas as suas instâncias,
    em especial contra os mais inocentes e desvalidos, pobreza aguda e exclusão social, corrupção e relativismo ético, entre outros
    aspectos, têm como referência um ser humano, na prática, fechado a Deus e ao outro.
    277 Cf. EV 5. 278 DI 4.
    V CONFERÊNCIA GERAL DO EPISCOPADO LATINO-AMERICANO E DO CARIBE- aparecida – DOCUMENTO FINAL 225
  158. Tanto um antigo laicismo exacerbado, como um relativismo ético que se propõe como fundamento da democracia,
    animam fortes poderes que pretendem refutar toda presença e
    contribuição da Igreja na vida pública das nações e a pressionam
    para que se retire para os templos e para seus serviços “religiosos”. Consciente da distinção entre comunidade política e comunidade religiosa, base de sadia laicidade, a Igreja não deixará de
    se preocupar pelo bem comum dos povos e, em especial, pela
    defesa de princípios éticos não negociáveis porque estão arraigados na natureza humana.
  159. Os leigos de nosso continente, conscientes de sua chamada à santidade em virtude de sua vocação batismal, são os
    que têm de atuar à maneira de fermento na massa para construir uma cidade temporal que esteja de acordo com o projeto de
    Deus. A coerência entre fé e vida no âmbito político, econômico
    e social exige a formação da consciência, que se traduz no conhecimento da Doutrina Social da Igreja. Para adequada formação
    sobre ela, será de muita utilidade o Compêndio da Doutrina Social da Igreja. A V Conferência se compromete a levar a cabo uma
    catequese social incisiva, porque “a vida cristã não se expressa
    somente nas virtudes pessoais, mas também nas virtudes sociais e políticas”.279
  160. O discípulo e missionário de Cristo que se empenha
    nos âmbitos da política, da economia e nos centros de decisões
    sofre a influência de uma cultura freqüentemente dominada
    pelo materialismo, pelos interesses egoístas e por uma concepção do homem contrária à visão cristã. Por isso, é imprescindível
    que o discípulo se fundamente no seguimento do Senhor que
    lhe concede a força necessária, não só para não sucumbir diante
    das insídias do materialismo e do egoísmo, mas para construir
    ao redor dele um consenso moral sobre os valores fundamentais
    que tornam possível a construção de uma sociedade justa.
    279 DI 3.
    226 CELAM
  161. Pensemos em quão necessária é a integridade moral
    nos políticos. Muitos dos países latino-americanos e caribenhos,
    mas também em outros continentes, vivem na miséria, por problemas endêmicos de corrupção. Quanta disciplina de integridade moral necessitamos, entendendo essa disciplina no sentido
    cristão do auto-domínio para fazer o bem, para ser servidor da
    verdade e do desenvolvimento de nossas tarefas sem nos deixar
    corromper porfavores, interesses e vantagens. É necessária muita força e muita perseverança para conservar a honestidade que
    deve surgir de uma nova educação que rompa o círculo vicioso da
    corrupção imperante. Realmente necessitamos de muito esforço
    para avançar na criação de uma verdadeira riqueza moral que
    nos permita prever nosso próprio futuro.
  162. Os bispos reunidos na V Conferência queremos acompanhar os construtores da sociedade, visto que é a vocação fundamental da Igreja neste setor formar as consciências, ser advogada da justiça e da verdade e educar nas virtudes individuais e
    políticas.280 Queremos chamar ao sentido de responsabilidade
    dos leigos para que estejam presentes na vida pública, e mais
    concretamente “na formação dos consensos necessários e na
    oposição contra a injustiça”.281
    10.6 A Pastoral Urbana
  163. O cristão de hoje não se encontra mais na primeira
    linha da produção cultural, mas recebe sua influência e seus impactos. As grandes cidades são laboratórios dessa cultura contemporânea complexa e plural.
  164. A cidade se converteu no lugar próprio das novas culturas que se vão gestando e se impondo, com nova linguagem e
    nova simbologia. Essa mentalidade urbana se estende também
    ao próprio mundo rural. Definitivamente, a cidade procura har280 Cf. DI 4. 281 DI 4.
    V CONFERÊNCIA GERAL DO EPISCOPADO LATINO-AMERICANO E DO CARIBE- aparecida – DOCUMENTO FINAL 227
    monizar a necessidade do desenvolvimento com o desenvolvimento das necessidades, fracassando freqüentemente nesse
    propósito.
  165. No mundo urbano, acontecem complexas transformações sócio-econômicas, culturais, políticas e religiosas que fazem
    impacto em todas as dimensões da vida. É composto de cidades
    satélites e bairros periféricos.
  166. Na cidade, convivem diferentes categorias sociais, tais
    como as elites econômicas, sociais e políticas, a classe média
    com seus diferentes níveis, e a grande multidão dos pobres. Nela
    coexistem binômios que a desafiam cotidianamente: tradiçãomodernidade; globalidade-particularidade; inclusão-exclusão;
    personalização-despersonalização; linguagem secular-linguagem religiosa; homogeneidade-pluralidade, cultura urbana-pluriculturalismo.
  167. A Igreja em seu início se formou nas grandes cidades de
    seu tempo e se serviu delas para se propagar. Por isso, podemos
    realizar com alegria e coragem a evangelização da cidade atual.
    Diante da nova realidade da cidade, novas experiências se realizam na Igreja, tais como a renovação das paróquias, setorização, novos ministérios, novas associações, grupos, comunidades
    e movimentos. Mas se percebem atitudes de medo em relação à
    pastoral urbana; tendências a se fechar nos métodos antigos e a
    tomar atitude de defesa diante da nova cultura, com sentimentos de impotência diante das grandes dificuldades das cidades.
  168. A fé nos ensina que Deus vive na cidade, em meio a
    suas alegrias, desejos e esperanças, com também em meio a
    suas dores e sofrimentos. As sombras que marcam o cotidiano
    das cidades, como exemplo a violência, pobreza, individualismo e exclusão, não nos podem impedir que busquemos e contemplemos o Deus da vida também nos ambientes urbanos. As
    cidades são lugares de liberdade e oportunidade. Nelas, as pessoas têm a possibilidade de conhecer mais pessoas, interagir e
    228 CELAM
    conviver com elas. Nas cidades é possível experimentar vínculos de fraternidade, solidariedade e universalidade. Nelas, o ser
    humano é constantemente chamado a caminhar sempre mais
    ao encontro do outro, conviver com o diferente, aceitá-lo e ser
    aceito por ele.
  169. O projeto de Deus é “a Cidade Santa, a nova Jerusalém”, que desce do céu, de junto a Deus, “vestida como noiva que
    se adorna para seu esposo”, que é “a tenda que Deus instalou entre os homens. Acampará com eles; eles serão seu povo e o próprio Deus estará com eles. Enxugará as lágrimas de seus olhos, e
    não haverá morte, nem luto, nem pranto, nem dor, porque tudo
    o que é antigo terá desaparecido” (Ap 21,2-4). Esse projeto em
    sua plenitude é futuro, mas já está se realizando em Jesus Cristo, “o Alfa e o Ômega, o Princípio e o Fim” (Ap 21,6), que nos diz:
    “Eu faço novas todas as coisas” (Ap 21,5).
  170. A Igreja está a serviço da realização dessa Cidade Santa, mediante a proclamação e a vivência da Palavra, a celebração
    da Liturgia, a comunhão fraterna e o serviço, especialmente aos
    mais pobres e aos que mais sofrem, e dessa forma vai transformando em Cristo, como fermento do Reino, a cidade atual.
  171. Reconhecendo e agradecendo o trabalho renovador
    que já se realiza em muitos centros urbanos, a V Conferência
    propõe e recomenda uma nova pastoral urbana que:
    a) Responda aos grandes desafios da crescente urbanização.
    b) Seja capaz de atender às variadas e complexas categorias
    sociais, econômicas, políticas e culturais: pobres, classe
    média e elites.
    c) Desenvolva uma espiritualidade da gratidão, da misericórdia, da solidariedade fraterna, atitudes próprias
    de quem ama desinteressadamente e sem pedir recompensa.
    V CONFERÊNCIA GERAL DO EPISCOPADO LATINO-AMERICANO E DO CARIBE- aparecida – DOCUMENTO FINAL 229
    d) Abra-se a novas experiências, estilos e linguagens que
    possam encarnar o Evangelho na cidade.
    e) Transforme as paróquias cada vez mais em comunidades
    de comunidades.
    f) Aposte mais intensamente na experiência de comunidades ambientais, integradas em nível supra-paroquial e
    diocesano.
    g) Integre os elementos próprios da vida cristã: a Palavra, a
    Liturgia, a comunhão fraterna e o serviço, especialmente
    aos que sofrem pobreza econômica e novas formas de pobreza.
    h) Difunda a Palavra de Deus, anuncie-a com alegria e ousadia e realize a formação dos leigos de tal modo que possam responder às grandes perguntas e aspirações de hoje
    e inserir-se nos diversos ambientes, estruturas e centros
    de decisão da vida urbana.
    i) Fomente a pastoral da acolhida aos que chegam à cidade
    e aos que já vivem nela, passando de um passivo esperar
    a um ativo buscar e chegar aos que estão longe com novas
    estratégias, tais como visitas às casas, o uso dos novos
    meios de comunicação social e a constante proximidade
    ao que constitui para cada pessoa o seu dia-a-dia.
    j) Ofereça atenção especial ao mundo do sofrimento urbano, isto é, que cuide dos caídos ao longo do caminho e aos
    que se encontram nos hospitais, encarcerados, excluídos,
    dependentes das drogas, habitantes das novas periferias,
    nas novas urbanizações e das famílias que, desintegradas,
    convivem de fato.
    k) Procure a presença da Igreja, por meio de novas paróquias
    e capelas, comunidades cristãs e centros de pastoral, nas
    novas concentrações humanas que crescem aceleradamente nas periferias urbanas das grandes cidades devido
    às migrações internas e situações de exclusão.
    230 CELAM
  172. Para que os habitantes dos centros urbanos e de suas
    periferias, cristãos ou não cristãos, possam encontrar em Cristo
    a plenitude de vida, sentimos a urgência de que os agentes de
    pastoral, enquanto discípulos e missionários, se esforcem para
    desenvolver:
    a) Um estilo pastoral adequado à realidade urbana com atenção especial à linguagem, às estruturas e práticas pastorais, assim como aos horários.
    b) Um plano de pastoral orgânico e articulado que se integre em projeto comum às paróquias, comunidades de vida
    consagrada, pequenas comunidades, movimentos e instituições que incidem na cidade, e que seu objetivo seja
    chegar ao conjunto da cidade. Nos casos de grandes cidades onde existem várias Dioceses, faz-se necessário um
    plano inter-diocesano.
    c) Uma setorização das paróquias em unidades menores que
    permitam a proximidade e um serviço mais eficaz.
    d) Um processo de iniciação cristã e de formação permanente
    que retroalimente a fé dos discípulos do Senhor integrando o conhecimento, o sentimento e o comportamento.
    e) Serviços de atenção, acolhida pessoal, direção espiritual e
    do sacramento da reconciliação,respondendo à solidão, às
    grandes feridas psicológicas que muitos sofrem nas cidades, levando em consideração as relações inter-pessoais.
    f) Uma atenção especializada aos leigos em suas diferentes
    categorias: profissionais, empresariais e trabalhadores.
    g) Processos graduais de formação cristã com a realização de
    grandes eventos de multidões, que mobilizem a cidade,
    que façam sentir que a cidade é um conjunto, é um todo,
    que saibam responder à afetividade de seus cidadãos e em
    linguagem simbólica saibam transmitir o Evangelho a todas as pessoas que vivem na cidade.
    V CONFERÊNCIA GERAL DO EPISCOPADO LATINO-AMERICANO E DO CARIBE- aparecida – DOCUMENTO FINAL 231
    h) Estratégias para chegar aos lugares fechados das cidades
    como aglomerados de casas, condomínios, prédios residenciais ou lugares assim chamados cortiços e favelas.
    i) A presença profética que saiba levantar a voz em relação a
    questões de valores e princípios do Reino de Deus, ainda
    que contradiga a todas as opiniões, provoque ataques e
    só fique no anúncio. Isto é, que seja farol de luz, cidade
    colocada no alto para iluminar.
    j) Maior presença nos centros de decisão da cidade, tanto
    nas estruturas administrativas como nas organizações
    comunitárias, profissionais e de todo tipo de associação
    para velar pelo bem comum e promover os valores do
    Reino.
    k) A formação e acompanhamento de leigos e leigas que, influindo nos centros de opinião, se organizem entre si e
    possam ser assessores para toda a ação social.
    l) Uma pastoral que leve em consideração a beleza no anúncio da Palavra e nas diversas iniciativas, ajudando a descobrir a beleza plena que é Deus.
    m) Serviços especiais que respondam às diferentes atividades próprias da cidade: trabalho, descanso, esportes, turismo, arte etc.
    n) Uma descentralização dos serviços eclesiais de modo que
    sejam muito mais os agentes de pastoral que se integrem
    a esta missão, levando em consideração as categorias profissionais.
    o) Uma formação pastoral dos futuros presbíteros e agentes
    de pastoral capaz de responder aos novos desafios da cultura urbana.
  173. No entanto, tudo o que foi dito anteriormente não tira
    a importância de uma renovada pastoral rural que fortaleça os
    232 CELAM
    habitantes do campo e seu desenvolvimento econômico e social,
    resistindo às migrações. Deve-se anunciar a eles a Boa Nova para
    que enriqueçam suas próprias culturas e as relações comunitárias e sociais.
    10.7 A serviço da unidade e fraternidade de nossos povos
  174. Na nova situação cultural afirmamos que o projeto
    do Reino está presente e é possível, e por isso aspiramos a uma
    América Latina e Caribenha unida, reconciliada e integrada.
    Esta casa comum é habitada por uma complexa mestiçagem e
    uma pluralidade étnica e cultural, “na qual o Evangelho se tem
    transformado (…) no elemento chave de uma síntese dinâmica
    que, com cores diversas segundo as nações, expressa de todas as
    formas a identidade dos povos latino-americanos”.282
  175. Os desafios que enfrentamos hoje na América Latina
    e no mundo têm uma característica peculiar. Eles não afetam
    a todos os nossos povos de maneira similar, mas, para serem
    enfrentados, requerem compreensão global e ação conjunta.
    Cremos que “um fator que pode contribuir notavelmente para
    superar os urgentes problemas que hoje afetam este continente
    é a integração latino-americana”.283
  176. Por um lado, vai-se configurando uma realidade global que torna possível novos modos de conhecer, aprender e
    comunicar-se, que nos coloca em contato diário com a diversidade de nosso mundo e cria possibilidades para uma união
    e solidariedade mais estreitas em níveis regionais e em nível
    mundial. Por outro lado, geram-se novas formas de empobrecimento, exclusão e injustiça. O Continente da esperança deve
    conseguir sua integração sobre os fundamentos da vida, do
    amor e da paz.
    282 Bento XVI, Audiência Geral, Viagem Apostólica ao Brasil, 23 de maio de 2007. 283 SD 15.
    V CONFERÊNCIA GERAL DO EPISCOPADO LATINO-AMERICANO E DO CARIBE- aparecida – DOCUMENTO FINAL 233
  177. Reconhecemos uma profunda vocação à unidade no
    “coração” de cada homem, por terem todos a mesma origem e
    Pai, por levarem em si a imagem e semelhança do próprio Deus
    em sua comunhão trinitária (cf. Gn 1,26). A Igreja se reconhece
    nos ensinos do Concílio Vaticano II como “sacramento de unidade do gênero humano”, consciente da vitória pascal de Cristo,
    mas vivendo no mundo que ainda está sob o poder do pecado,
    com sua seqüela de contradições, dominações e morte. A partir dessa leitura cristã da história, percebe-se a ambigüidade do
    atual processo de globalização.
  178. A Igreja de Deus na América latina e no Caribe é sacramento de comunhão de seus povos. É morada de seus povos; é
    casa dos pobres de Deus. Convoca e congrega todos em seu mistério de comunhão, sem discriminações nem exclusões por motivos de sexo, raça, condição social e pertença nacional. Quanto
    mais a Igreja reflete, vive e comunica esse dom de inaudita unidade, que encontra na comunhão trinitária a sua fonte, modelo
    e destino, torna-se mais significativo e incisivo seu operar como
    sujeito de reconciliação e comunhão na vida de nossos povos.
    Maria Santíssima é a presença materna indispensável e decisiva
    na gestação de um povo de filhos e irmãos, de discípulos e missionários de seu Filho.
  179. A dignidade de nos reconhecer como família de latino-americanos e caribenhos implica uma experiência singular
    de proximidade, fraternidade e solidariedade. Não somos mero
    continente, apenas um fato geográfico com mosaico ininteligível de conteúdos. Muito menos somos uma soma de povos e de
    etnias que se justapõem. Una e plural, a América Latina é a casa
    comum, a grande pátria de irmãos e – como afirmou S.S. João
    Paulo II em Santo Domingo284 – “de alguns povos a quem a mesma geografia, a fé cristã, a língua e a cultura uniram definitivamente no caminho da história”. É, pois, uma unidade que está
    284 João Paulo II, Discurso inaugural na IV Conferência Geral do Episcopado Latino-americano, 12 de outubro de 1992.
    234 CELAM
    muito longe de se reduzir a uniformidade, mas que se enriquece
    com muitas diversidades locais, nacionais e culturais.
  180. A III Conferência Geral do Episcopado Latino-americano já propunha “retomar com renovado vigor a evangelização da cultura de nossos povos e dos diversos grupos étnicos”
    para que “a fé evangélica, como base de comunhão, se projete
    em formas de integração justa nos respectivos quadros de uma
    nacionalidade, de uma grande pátria latino-americana(…)”.285 A
    IV Conferência em Santo Domingo voltava a propor “o permanente rejuvenescimento do ideal de nossos próceres sobre a Pátria Grande”. A V Conferência em Aparecida expressa sua firme
    vontade de prosseguir nesse compromisso.
  181. Não há, certamente, outra região que conte com tantos
    fatores de unidade como a América Latina – dos quais a vigência
    da tradição católica é o cimento fundamental de sua construção
    – mas trata-se de unidade esparsa, porque atravessada por profundas dominações e contradições, e é incapaz de incorporar em
    si “todos os sangues” e de superar a brecha de estridentes desigualdades e marginalizações. Nossa pátria é grande, mas será
    realmente “grande” quando o for para todos, com maior justiça.
    Na verdade, é uma contradição dolorosa que o Continente com
    o maior número de católicos seja também o de maior iniqüidade
    social.
  182. Nos últimos 20 anos apreciamos os avanços significativos e promissores nos processos e sistemas de integração
    de nossos países. As relações comerciais e políticas se têm intensificado. É nova a comunicação e solidariedade mais estreita
    entre o Brasil e os países hispano-americanos e os caribenhos.
    No entanto, há graves bloqueios que travam esses processos. É
    frágil e ambígua a mera integração comercial. Também é frágil e
    ambígua quando essa integração se reduz a questão de cúpulas
    políticas e econômicas e não se fundamenta na vida e na partici285 DP 428.
    V CONFERÊNCIA GERAL DO EPISCOPADO LATINO-AMERICANO E DO CARIBE- aparecida – DOCUMENTO FINAL 235
    pação dos povos. Os atrasos na integração tendem a aprofundar
    a pobreza e as desigualdades, enquanto as redes de narcotráfico
    se integram além das fronteiras. Embora a linguagem política
    seja abundante sobre a integração, a dialética da contraposição
    parece prevalecer sobre o dinamismo da solidariedade e amizade. A unidade não se constrói pela contraposição a inimigos comuns, mas pela realização de uma identidade comum.
    10.8 A integração dosindígenas e afro-americanos
  183. Como discípulos de Jesus Cristo, encarnado na vida
    de todos os povos, descobrimos e reconhecemos a partir da fé
    as “sementes do Verbo”286 presentes nas tradições e culturas dos
    povos indígenas da América Latina. Deles valorizamos seu profundo apreço comunitário pela vida, presente em toda a criação,
    na existência cotidiana e na milenária experiência religiosa, que
    dinamiza suas culturas, e que chega à sua plenitude na revelação
    do verdadeiro rosto de Deus por Jesus Cristo.
  184. Como discípulos e missionários a serviço da vida,
    acompanhamos os povos indígenas e originários no fortalecimento de suas identidades e organizações próprias, na defesa
    do território na educação intercultural bilíngüe e na defesa de
    seus direitos. Comprometemo-nos também a criar consciência
    na sociedade a respeito da realidade indígena e seus valores,
    através dos meios de comunicação social e outros espaços de
    opinião. A partir dos princípios do Evangelho, apoiamos a denúncia de atitudes contrárias à vida plena em nossos povos de
    origem e nos comprometemos a prosseguir na obra de evangelização dos indígenas, assim como a procurar as aprendizagens
    educativas e de trabalho com as transformações culturais que
    isso implica.
  185. A Igreja estará atenta frente às tentativas de desarraigar a fé católica das comunidades indígenas; com isso elas fi286 Cf. SD 245.
    236 CELAM
    cariam em situação indefesa e confusa frente aos embates das
    ideologias e de alguns grupos alienantes, e isso atentaria contra
    o bem das mesmas comunidades.
  186. O seguimento de Jesus no Continente passa também
    pelo reconhecimento dos afro-americanos como desafio que nos
    interpela para viver o verdadeiro amor a Deus e ao próximo. Ser
    discípulos e missionários significa assumir a atitude de compaixão e cuidado do Pai, que se manifestam na ação libertadora de
    Jesus. “A Igreja defende os autênticos valores culturais de todos
    os povos, especialmente dos oprimidos, indefesos e marginalizados, diante da força avassaladora das estruturas de pecado
    manifestas na sociedade moderna”.287 Conhecer os valores culturais, a história e as tradições dos afro-americanos, entrar em
    diálogo fraterno e respeitoso com eles, é um passo importante
    na missão evangelizadora da Igreja. Que nos acompanhe aí o testemunho de São Pedro Claver.
  187. Por isso, a Igreja denuncia a prática da discriminação e
    do racismo em suas diferentes expressões, pois ofende no mais
    profundo a dignidade humana criada à “imagem e semelhança
    de Deus”. Preocupa-nos que poucos afro-americanos cheguem à
    educação superior, sem a qual se torna mais difícil seu acesso às
    esferas de decisão na sociedade. Em sua missão de advogada da
    justiça e dos pobres, a Igreja se faz solidária aos afro-americanos
    nas reivindicações pela defesa de seus territórios, na afirmação
    de seus direitos, na cidadania, nos projetos próprios de desenvolvimento e consciência de negritude. A Igreja apóia o diálogo
    entre cultura negra e fé cristã e suas lutas pela justiça social, e incentiva a participação ativa dos afro-americanos nas ações pastorais de nossas Igrejas e do CELAM. A Igreja, com sua pregação,
    vida sacramental e pastoral, precisará ajudar para que as feridas
    culturais injustamente sofridas na história dos afro-americanos,
    não absorvam, nem paralisem a partir do seu interior, o dina287 SD 243.
    V CONFERÊNCIA GERAL DO EPISCOPADO LATINO-AMERICANO E DO CARIBE- aparecida – DOCUMENTO FINAL 237
    mismo de sua personalidade humana, de sua identidade étnica,
    de sua memória cultural, de seu desenvolvimento social nos novos cenários que se apresentam.
    10.9 Caminhos de reconciliação e solidariedade
  188. A Igreja precisa animar cada povo a construir em sua
    pátria uma casa de irmãos onde todos tenham moradia para viver e conviver com dignidade. Essa vocação requer a alegria de
    querer ser e fazer uma nação, um projeto histórico que inspire
    vida em comum. A Igreja precisa educar e conduzir cada vez mais
    à reconciliação com Deus e com os irmãos. Precisa somar e não
    dividir. Importa cicatrizar as feridas, evitar maniqueísmos, perigosas exasperações e polarizações. Os dinamismos de integração digna, justa e eqüitativa no interior de cada um dos países
    favorece a integração regional e, ao mesmo tempo, é incentivada
    por ela.
  189. É necessário educar e favorecer nossos povos em todos
    os gestos, obras e caminhos de reconciliação e amizade social,
    de cooperação e integração. A comunhão alcançada no sangue
    reconciliador de Cristo nos dá a força para sermos construtores
    de pontes, anunciadores da verdade, bálsamos para as feridas. A
    reconciliação está no coração da vida cristã. É iniciativa própria
    de Deus em busca de nossa amizade, que comporta consigo a
    necessária reconciliação com o irmão. Trata-se de uma reconciliação da qual necessitamos nos diversos âmbitos e em todos
    e entre todos os países. Essa reconciliação fraterna pressupõe a
    reconciliação com Deus, fonte única de graça e de perdão, que
    alcança sua expressão e realização no sacramento da penitência
    que Deus nos concede através da Igreja.
  190. No coração e na vida de nossos povos pulsa um forte sentido de esperança, não obstante as condições de vida que
    parecem ofuscar toda esperança. Esta se experimenta e se alimenta no presente, graças aos dons e sinais de vida nova que
    se compartilha; compromete-se na construção de um futuro de
    238 CELAM
    maior dignidade e justiça e aspira “os novos céus e a nova terra”
    que Deus nos prometeu em sua morada eterna.
  191. A América Latina e o Caribe não devem ser só o Continente da esperança. Além disso, devem também abrir caminhos
    para a civilização do amor. Assim se expressou o Papa Bento XVI
    no santuário mariano de Aparecida:288 para que nossa casa comum seja um continente da esperança, do amor, da vida e da paz
    há que ir, como bons samaritanos, ao encontro das necessidades
    dos pobres e dos que sofrem e criar “as estruturas justas que são
    uma condição sem a qual não é possível uma ordem justa na sociedade…” Essas estruturas, continua o Papa, “não nascem nem
    funcionam sem um consenso moral da sociedade sobre os valores
    fundamentais e sobre a necessidade de viver estes valores com
    as necessárias renúncias, inclusive contra o interesse pes­soal”, e
    “onde Deus está ausente (…) estes valores não se mostram com
    toda a sua força nem se produz um consenso sobre eles”.289 Essas
    estruturas justas nascem e funcionam quando a sociedade percebe que o homem e a mulher, criados à imagem e semelhança
    de Deus, possuem uma dignidade inviolável, a serviço da qual
    terão de conceber e atuar os valores fundamentais que regem a
    convivência humana. Esse consenso moral e mudança de estruturas são importantes para diminuir a dolorosa iniqüidade que
    hoje existe em nosso continente, entre outras coisas através de
    políticas públicas e gastos sociais bem orientados, assim como
    do controle de lucros desproporcionais de grandes empresas. A
    Igreja estimula e propicia o exercício de uma “imaginação da caridade” que permita soluções eficazes.
  192. Todas as autênticas transformações fráguam e se forjam no coração das pessoas e se irradiam em todas as dimensões
    de sua existência e convivência. Não há novas estruturas se não
    há homens novos e mulheres novas que mobilizem e façam convergir nos povos ideais e poderosas energias morais e religiosas.
    288 DI 4. 289 Ibid.
    V CONFERÊNCIA GERAL DO EPISCOPADO LATINO-AMERICANO E DO CARIBE- aparecida – DOCUMENTO FINAL 239
    Formando discípulos e missionários, a Igreja dá resposta a essa
    exigência.
  193. A Igreja estimula e favorece a reconstrução da pessoa e
    de seus vínculos de pertença e convivência, a partir de um dinamismo de amizade, gratuidade e comunhão. Desse modo, neutralizam-se os processos de desintegração e atomização sociais.
    Para isso, é necessário aplicar o princípio da subsidiariedade em
    todos os níveis e estruturas da organização social. Na verdade,
    o Estado e o mercado não satisfazem nem podem satisfazer a
    todas as necessidades humanas. Cabe, portanto, apreciar e estimular os voluntariados sociais, as diversas formas de livre
    auto-organização e participação populares e as obras caritativas,
    educativas, hospitalares, de cooperação no trabalho e outras
    promovidas pela Igreja, que respondem adequadamente a essas
    necessidades.
  194. Os discípulos e missionários de Cristo promovem uma
    cultura do compartilhar em todos os níveis, em contraposição à
    cultura dominante de acumulação egoísta, assumindo com seriedade a virtude da pobreza como estilo de vida sóbrio para ir
    ao encontro e ajudar as necessidades dos irmãos que vivem na
    indigência.
  195. Compete também à Igreja colaborar na consolidação
    das frágeis democracias, no positivo processo de democratização
    na América Latina e no Caribe, ainda que existam atualmente
    graves desafios e ameaças de desvios autoritários. Urge educar
    para a paz, dar seriedade e credibilidade à continuidade de nossas instituições civis, defender e promover os direitos humanos,
    proteger em especial a liberdade religiosa e cooperar para despertar os maiores consensos nacionais.
  196. A paz é um bem valioso, mas precário que todos devemos proteger, educar e promover em nosso continente. Como
    sabemos, a paz não se reduz à ausência de guerras, nem à exclusão de armas nucleares em nosso espaço comum, conquistas
    240 CELAM
    aliás significativas; mas devemos promover a geração de uma
    “cultura de paz” que seja fruto de um desenvolvimento sustentável, eqüitativo e respeitoso da criação (“o desenvolvimento é
    o novo nome da paz”, dizia Paulo VI) e que nos permita enfrentar conjuntamente os ataques do narcotráfico e do consumo de
    drogas, do terrorismo e das muitas formas de violência que hoje
    imperam em nossa sociedade. A Igreja, sacramento de reconciliação e paz, deseja que os discípulos e missionários de Cristo,
    aí mesmo onde se encontrem, sejam também “construtores de
    paz” entre os povos e nações de nosso Continente. A Igreja é
    chamada a ser escola permanente de verdade e justiça, de perdão
    e reconciliação para construir uma paz autêntica.
  197. Uma autêntica evangelização de nossos povos envolve
    assumir plenamente a radicalidade do amor cristão, que se concretiza no seguimento de Cristo na Cruz; no padecer por Cristo
    por causa da justiça; no perdão e no amor aos inimigos. Esse
    amor supera o amor humano e participa do amor divino, único
    eixo cultural capaz de construir uma cultura da vida. No Deus
    Trindade a diversidade de Pessoas não gera violência e conflito;
    ao contrário, é a fonte mesma do amor e da vida. Uma evangelização que coloca a Redenção no centro, nascida de um amor
    crucificado, é capaz de purificar as estruturas da sociedade violenta e gerar novas estruturas. A radicalidade da violência só se
    resolve com a radicalidade do amor redentor. Evangelizar sobre
    o amor de plena doação, como solução ao conflito, deve ser o
    eixo cultural “radical” de uma nova sociedade. Só assim o Continente da esperança pode chegar a tornar-se verdadeiramente o
    Continente do amor.
  198. Reafirmamos a importância do CELAM e reconhecemos que tem sido uma instância profética para a unidade dos
    povos latino-americanos e caribenhos, e tem demonstrado a viabilidade de sua cooperação e solidariedade a partir da comunhão
    eclesial. Por isso nos comprometemos a continuar fortalecendo
    seu serviço na colaboração colegial dos Bispos e no caminho de
    V CONFERÊNCIA GERAL DO EPISCOPADO LATINO-AMERICANO E DO CARIBE- aparecida – DOCUMENTO FINAL 241
    realização da identidade eclesial latino-americana e caribenha.
    Convidamos os Episcopados de países envolvidos nos diferentes
    sistemas de integração sub-regionais, inclusive os da Bacia Amazônica, a estreitar vínculos de reflexão e cooperação. Também
    estimulamos que continue o fortalecimento de vínculos para a
    relação entre o Episcopado latino-americano e os Episcopados
    dos Estados Unidos e Canadá à luz da Exortação Apostólica
    “Ecclesia in América”, como também com os Episcopados europeus.
  199. Conscientes de que a missão evangelizadora não pode
    estar separada da solidariedade com os pobres e sua promoção
    integral, e sabendo que existem comunidades eclesiais que carecem dos meios necessários, é imperativo ajudá-las, imitando
    as primeiras comunidades cristãs, para que verdadeiramente se
    sintam amadas. É urgente, portanto, a criação de um fundo de
    solidariedade entre as Igrejas da América Latina e do Caribe que
    esteja a serviço das iniciativas pastorais próprias.
  200. Ao enfrentar tão graves desafios, as palavras do Santo
    Padre nos incentivam: “Não há dúvida de que as condições para
    estabelecer uma paz verdadeira são a restauração da justiça, da
    reconciliação e do perdão. Dessa conscientização nasce a vontade de transformar também as estruturas injustas para estabelecer o respeito pela dignidade do homem, criado à imagem e
    semelhança de Deus… Como tive a ocasião de afirmar, a Igreja
    não tem como tarefa própria empreender uma batalha política,
    no entanto, também não pode nem deve ficar à margem da luta
    pela justiça”.290
    290 SC 89.
  201. “Pareceu bem ao Espírito Santo e a nós…” (At 15,28).
    A experiência da comunidade apostólica primitiva mostra a
    própria natureza da Igreja enquanto mistério de comunhão
    com Cristo no Espírito Santo. S.S. Bento XVI nos indicou este
    “método” original em sua homilia em Aparecida. Ao concluir a
    V Conferência Geral do Episcopado Latino-Americano e do Caribe, constatamos, pela graça de Deus, que é isso o que temos
    experimentado. Em 19 jornadas de intensa oração, intercâmbios
    e reflexão, dedicação e cansaço, nossa solicitude pastoral tomou
    forma no documento final, que foi adquirindo cada vez maior
    densidade e maturidade. O Espírito de Deus foi nos conduzindo,
    suave mas firmemente, para a meta.
  202. Esta V Conferência, recordando o mandato de ir e fazer discípulos (cf. Mt 28,20), deseja despertar a Igreja na América Latina e no Caribe para um grande impulso missionário. Não
    podemos deixar de aproveitar esta hora de graça. Necessitamos
    de um novo Pentecostes! Necessitamos sair ao encontro das
    pessoas, das famílias, das comunidades e dos povos para lhes comunicar e compartilhar o dom do encontro com Cristo, que tem
    preenchido nossas vidas de “sentido”, de verdade e de amor, de
    alegria e de esperança! Não podemos ficar tranqüilos em espera
    passiva em nossos templos, mas é urgente ir em todas as direções
    para proclamar que o mal e a morte não têm a última palavra,
    que o amor é mais forte, que fomos libertos e salvos pela vitória
    pascal do Senhor da história, que Ele nos convoca em Igreja, e
    CONCLUSÃO
    244 CELAM
    quer multiplicar o número de seus discípulos na construção do
    seu Reino em nosso Continente! Somos testemunhas e missionários: nas grandes cidades e nos campos, nas montanhas e florestas de nossa América, em todos os ambientes da convivência
    social, nos mais diversos “areópagos” da vida pública das nações,
    nas situações extremas da existência, assumindo ad gentes nossa solicitude pela missão universal da Igreja.
  203. Para nos converter em uma Igreja cheia de ímpeto e
    audácia evangelizadora, temos que ser de novo evangelizados
    e fiéis discípulos. Conscientes de nossa responsabilidade pelos
    batizados que deixaram essa graça de participação no mistério
    pascal e de incorporação no Corpo de Cristo sob uma capa de
    indiferença e esquecimento, é necessário cuidar do tesouro da
    religiosidade popular de nossos povos, para que nela resplandeça cada vez mais “a pérola preciosa” que é Jesus Cristo, e seja
    sempre novamente evangelizada na fé da Igreja e por sua vida
    sacramental. É preciso fortalecer a fé “para encarar sérios desafios, pois estão em jogo o desenvolvimento harmônico da sociedade e a identidade católica de seus povos”.291 Não temos de dar
    nada como pressuposto e descontado. Todos os batizados são
    chamados a “recomeçar a partir de Cristo”, a reconhecer e seguir
    sua Presença com a mesma realidade e novidade, o mesmo poder de afeto, persuasão e esperança, que teve seu encontro com
    os primeiros discípulos nas margens do Jordão há 2000 anos, e
    com os “João Diego” do Novo Mundo. Só graças a esse encontro
    e seguimento, que se converte em familiaridade e comunhão,
    transbordante de gratidão e alegria, somos resgatados de nossa consciência isolada e saímos para comunicar a todos a vida
    verdadeira, a felicidade e a esperança que nos tem sido dada a
    experimentar e a nos alegrar.
  204. É o próprio Papa Bento XVI quem nos convida a “uma
    missão evangelizadora que convoque todas as forças vivas des291 DI 1.
    V CONFERÊNCIA GERAL DO EPISCOPADO LATINO-AMERICANO E DO CARIBE- aparecida – DOCUMENTO FINAL 245
    te imenso rebanho” que é o povo de Deus na América Latina
    e no Caribe: “sacerdotes, religiosos, religiosas e leigos que se
    doam, muitas vezes com imensas dificuldades, para a difusão
    da verdade evangélica”. É um afã e anúncio missionários que
    precisam passar de pessoa a pessoa, de casa em casa, de comunidade a comunidade. “Nesse esforço evangelizador – prossegue o Santo Padre – a comunidade eclesial se destaca pelas
    iniciativas pastorais, ao enviar, sobretudo entre as casas das
    periferias urbanas e do interior, seus missionários, leigos e religiosos, procurando dialogar com todos em espírito de compreensão e de delicada caridade”. Essa missão evangelizadora
    abraça com o amor de Deus a todos e especialmente aos pobres
    e aos que sofrem. Por isso, não se pode separar da solidariedade com os necessitados e da sua promoção humana integral:
    “Mas, se as pessoas encontradas estão em situação de pobreza
    – diz-nos ainda o Papa – é necessário ajudá-las, como faziam
    as primeiras comunidades cristãs, praticando a solidariedade,
    para que se sintam amadas de verdade. O povo pobre das periferias urbanas ou do campo necessitam sentir a proximidade
    da Igreja, seja no socorro de suas necessidades mais urgentes,
    como também na defesa de seus direitos e na promoção comum
    de uma sociedade fundamentada na justiça e na paz. Os pobres
    são os destinatários privilegiados do Evangelho, e um Bispo,
    modelado segundo a imagem do Bom Pastor, deve estar particularmente atento para oferecer o divino bálsamo da fé, sem
    descuidar o ‘pão material’”.
  205. Esse despertar missionário, na forma de Missão Continental, cujas linhas fundamentais foram examinadas por nossa Conferência e que esperamos sejam portadoras de sua riqueza de ensinamentos, orientações e prioridades, será ainda mais
    concretamente considerado durante a próxima Assembléia Plenária do CELAM em Havana. Exigirá a decidida colaboração das
    Conferências Episcopais e de cada diocese em particular. Procurará colocar a Igreja em estado permanente de missão. Levemos
    nossos navios mar adentro, com o poderoso sopro do Espírito
    246 CELAM
    Santo, sem medo das tormentas, seguros de que a Providência
    de Deus nos proporcionará grandes surpresas.
  206. Recobremos, portanto, o “fervor espiritual”. Conservemos a doce e confortadora alegria de evangelizar, inclusive
    quando é necessário semear entre lágrimas. Façamo-lo, como
    João Batista, como Pedro e Paulo, como os demais Apóstolos,
    como essa multidão de admiráveis evangelizadores que se sucederam ao longo da história da Igreja, façamos tudo isso com
    ímpeto interior que ninguém e nada seja capaz de extinguir. Seja
    essa a maior alegria de nossas vidas dedicadas. E oxalá o mundo
    atual – que o procura às vezes com angústia, às vezes com esperança – possa assim receber a Boa Nova, não através de evangelizadores tristes e desalentados, impacientes ou ansiosos, mas
    através de ministros do Evangelho, cuja vida irradia o fervor de
    quem recebeu, antes de tudo em si mesmos, a alegria de Cristo e
    aceitam consagrar sua vida à tarefa de anunciar o Reino de Deus
    e de implantar a Igreja no mundo”.292 Recuperemos o valor e a
    audácia apostólicos.
  207. Ajude-nos a companhia sempre próxima, cheia de
    compreensão e ternura, de Maria Santíssima. Que ela nos mostre o fruto bendito de seu ventre e nos ensine a responder como
    fez ela no mistério da anunciação e encarnação. Que nos ensine
    a sair de nós mesmos no caminho de sacrifício, de amor e serviço, como fez na visita à sua prima Isabel, para que, peregrinos
    a caminho, cantemos as maravilhas que Deus tem feito em nós,
    conforme a sua promessa.
  208. Guiados por Maria, fixamos os olhos em Jesus Cristo,
    autor e consumador da fé, e dizemos a Ele com o Sucessor de
    Pedro:
    “Fica conosco, pois cai a tarde e o dia já declina” (Lc 24,29).
    292 EN 80.
    V CONFERÊNCIA GERAL DO EPISCOPADO LATINO-AMERICANO E DO CARIBE- aparecida – DOCUMENTO FINAL 247
    Fica conosco, Senhor, acompanha-nos, ainda que nem sempre
    tenhamos sabido reconhecer-te.
    Fica conosco, porque ao redor de nós as sombras vão se tornando
    mais densas, e tu és a Luz; em nossos corações se insinua a desesperança, e tu os fazes arder com a certeza da Páscoa. Estamos cansados
    do caminho, mas tu nos confortas na fração do pão para anunciar a
    nossos irmãos que na verdade tu ressuscitaste e que nos deste a missão de ser testemunhas de tua ressurreição.
    Fica conosco, Senhor, quando ao redor de nossa fé católica surgem as névoas da dúvida, do cansaço ou da dificuldade: tu,
    que és a própria Verdade como revelador do Pai, ilumina nossas
    mentes com tua Palavra; ajuda-nos a sentir a beleza de crer em ti.
    Fica em nossas famílias, ilumina-as em suas dúvidas, sustentaas em suas dificuldades, consola-as em seus sofrimentos e no cansaço
    de cada dia, quando ao redor delas se acumulam sombras que ameaçam sua unidade e sua natureza. Tu que és a Vida, fica em nossos
    lares, para que continuem sendo ninhos onde nasça a vida humana
    abundante e generosamente, onde se acolha, se ame, se respeite a
    vida desde a sua concepção até seu término natural.
    Fica, Senhor, com aqueles que em nossas sociedade são os mais
    vulneráveis; fica com os pobres e humildes, com os indígenas e afroamericanos, que nem sempre encontram espaços e apoio para expressar a riqueza de sua cultura e a sabedoria de sua identidade. Fica, Senhor, com nossas crianças e com nossos jovens, que são a esperança e
    a riqueza do nosso Continente, protege-os de tantas armadilhas que
    atentam contra sua inocência e contra suas legítimas esperanças. Ó
    Bom Pastor, fica com nossos anciãos e com nossos enfermos! Fortalece
    a todos em sua fé para que sejam teus discípulos e missionários!293
    293 DI 6.

SANTAMISSA DEINAUGURAÇÃO DA V CONFERÊNCIA GERAL
DO EPISCOPADO DA AMÉRICA LATINA E DO CARIBE,
NA PRAÇA EMFRENTE AO SANTUÁRIO DE APARECIDA
– HOMILIA (13 demaio de 2007)
Veneráveis Irmãos no Episcopado, queridos sacerdotes e
vós todos, irmãs e irmãos no Senhor!
Não existem palavras para exprimir a alegria de encontrarMe convosco para celebrar esta solene Eucaristia, por ocasião
da abertura da Quinta Conferência Geral do Episcopado Latinoamericano e do Caribe. A todos saúdo com muita cordialidade,
de modo particular ao Arcebispo de Aparecida, Dom Raymundo
Damasceno Assis, agradecendo as palavras que me foram dirigidas em nome de toda a assembléia, e os Cardeais Presidentes
desta Conferência Geral. Saúdo com deferência as Autoridades
civis e militares que nos honram com a sua presença. Deste Santuário estendo o meu pensamento, com muito afeto e oração,
a todos aqueles que se nos unem espiritualmente neste dia, de
modo especial às comunidades de vida consagrada, aos jovens
engajados em movimentos e associações, às famílias, bem como
aos enfermos e aos anciãos. A todos quero dizer: “Graça e paz
da parte de Deus, nosso Pai, e da parte do Senhor Jesus Cristo”
(1Cor 1,13).
Considero um dom especial da Providência que esta Santa
Missa seja celebrada neste tempo e neste lugar. O tempo é o li-
250 CELAM
túrgico do sexto Domingo de Páscoa: está próxima a festa de
Pentecostes, e a Igreja é convidada a intensificar a invocação ao
Espírito Santo. O lugar é o Santuário nacional de Nossa Senhora
Aparecida, coração mariano do Brasil: Maria nos acolhe neste
Cenáculo e, como Mãe e Mestra, nos ajuda a elevar a Deus uma
prece unânime e confiante. Esta celebração litúrgica constitui o
fundamento mais sólido da V Conferência, porque põe na sua
base a oração e a Eucaristia, Sacramentum caritatis. Com efeito,
só a caridade de Cristo, emanada pelo Espírito Santo, pode fazer
desta reunião um autêntico acontecimento eclesial, um momento de graça para este Continente e para o mundo inteiro. Esta
tarde terei a possibilidade de entrar no mérito dos conteúdos
sugeridos pelo tema da vossa Conferência. Demos agora espaço
à Palavra de Deus, que com alegria acolhemos, com o coração
aberto e dócil, a exemplo de Maria, Nossa Senhora da Conceição,
a fim de que, pelo poder do Espírito Santo, Cristo possa novamente “fazer-se carne” no hoje da nossa história.
A primeira leitura, tirada dos Atos dos Apóstolos, refere-se
ao assim chamado “Concílio de Jerusalém”, que considerou a
questão se aos pagãos convertidos ao cristianismo dever-se-ia
impor a observância da lei mosaica. O texto, deixando de lado
a discussão sobre “os Apóstolos e os anciãos” (15,4-21), transcreve a decisão final, que vem posta por escrito numa carta e
confiada a dois delegados, a fim de que seja entregue à comunidade de Antioquia (vv. 22-29). Esta página dos Atos nos é muito
apropriada, por termos vindo aqui para uma reunião eclesial.
Fala-nos do sentido do discernimento comunitário em torno
dos grandes problemas que a Igreja encontra ao longo do seu
caminho e que vem a ser esclarecidos pelos “Apóstolos” e pelos
“anciãos” com a luz do Espírito Santo, o qual, como nos narra o
Evangelho de hoje, lembra o ensinamento de Jesus Cristo (cf.
Jo 14,26) ajudando assim a comunidade cristã a caminhar na
caridade em busca da verdade plena (cf. Jo 16,13). Os chefes
da Igreja discutem e se defrontam, sempre, porém, em atitude
de religiosa escuta da Palavra de Cristo no Espírito Santo. Por
V CONFERÊNCIA GERAL DO EPISCOPADO LATINO-AMERICANO E DO CARIBE- aparecida – DOCUMENTO FINAL 251
isso, no final podem afirmar: “Pareceu bem ao Espírito Santo e a
nós…” (At 15,28).
Este é o “método” com o qual nós agimos na Igreja, tanto
nas pequenas como nas grandes assembléias. Não é uma simples
questão de procedimento; é o resultado da mesma natureza da
Igreja, mistério de comunhão com Cristo no Espírito Santo. No
caso das Conferências Gerais do Episcopado Latino-americano
e Caribenho, a primeira, realizada no Rio de Janeiro em 1955,
recorreu a uma Carta especial enviada pelo Papa Pio XII, de venerada memória; nas outras, até a atual, foi o Bispo de Roma que
se dirigiu à sede da reunião continental para presidir as fases
iniciais. Com devoto reconhecimento dirigimos o nosso pensamento aos Servos de Deus Paulo VI e João Paulo II que, nas Conferências de Medellín, Puebla e Santo Domingo, testemunharam
a proximidade da Igreja universal nas Igrejas que estão na América Latina e que constituem, em proporção, a maior parte da
Comunidade católica.
“Pareceu bem ao Espírito Santo e a nós…” Esta é a Igreja: nós, a
comunidade de fiéis, o Povo de Deus, com os seus Pastores chamados a fazer de guia do caminho; juntos com o Espírito Santo,
Espírito do Pai mandado em nome do Filho Jesus, Espírito dAquele que é “maior” de todos e que nos foi dado mediante Cristo,
que se fez “menor” por nossa causa. Espírito Paráclito, Ad-vocatus, Defensor e Consolador. Ele nos faz viver na presença de
Deus, na escuta da sua Palavra, livres de inquietação e de temor,
tendo no coração a paz que Jesus nos deixou e que o mundo
não pode dar (cf. Jo 14, 26-27). O Espírito acompanha a Igreja
no longo caminho que se estende entre a primeira e a segunda
vinda de Cristo: “Vou, e volto a vós” (Jo 14,28), disse Jesus aos
Apóstolos. Entre a “ida” e a “volta” de Cristo está o tempo da
Igreja, que é o seu Corpo, estão esses dois mil anos transcorridos até agora; estão também estes pouco mais de cinco séculos
em que a Igreja fez-se peregrina nas Américas, difundindo nos
fiéis a vida de Cristo através dos Sacramentos e lançando nestas
252 CELAM
terras a boa semente do Evangelho, que rendeu trinta, sessenta
e até mesmo o cem por um. Tempo da Igreja, tempo do Espírito
Santo: Ele é o Mestre que forma os discípulos: fá-los enamorar-se
de Jesus; educa-os para que escutem a sua Palavra, a fim de que
contemplem a sua face; conforma-os à sua humanidade bemaventurada, pobre em espírito, aflita, mansa, sedenta de justiça,
misericordiosa, pura de coração, pacífica, perseguida por causa
da justiça (cf. Mt 5,3-10). Deste modo, graças à ação do Espírito
Santo, Jesus torna-se a “Via” na qual caminha o discípulo. “Se alguém me ama, observará a minha palavra”, diz Jesus no início do
trecho evangélico de hoje. “A palavra que tendes ouvido não é minha, mas sim do Pai que me enviou” (Jo 14,23-24). Como Jesus
transmite as palavras do Pai, assim o Espírito recorda à Igreja as
palavras de Cristo (cf. Jo 14,26). E como o amor pelo Pai levava
Jesus a alimentar-se da sua vontade, assim o nosso amor por
Jesus se demonstra na obediência pelas suas palavras. A fidelidade de Jesus à vontade do Pai pode transmitir-se aos discípulos
graças ao Espírito Santo, que derrama o amor de Deus nos seus
corações (cf. Rm 5,5).
O Novo Testamento apresenta-nos a Cristo como missionário do Pai. Especialmente no Evangelho de São João, Jesus fala
de si tantas vezes a propósito do Pai que O enviou ao mundo. Da
mesma forma, também no texto de hoje. Jesus diz: “A palavra
que tendes ouvido não é minha, mas sim do Pai que me enviou” (Jo
14,24). Neste momento, queridos amigos, somos convidados
a fixar nosso olhar nele, porque a missão da Igreja subsiste somente em quanto prolongação daquela de Cristo: “Como o Pai me
enviou, assim também eu vos envio a vós” (Jo 20,21). O evangelista
põe em relevo, inclusive de forma plástica, que esta consignação
acontece no Espírito Santo: “Soprou sobre eles dizendo: ‘Recebei
o Espírito Santo…’ “ (Jo 20,22). A missão de Cristo realizou-se no
amor. Ele acendeu no mundo o fogo da caridade de Deus (cf. Lc
12,49). É o amor que dá a vida: por isso a Igreja é convidada a
difundir no mundo a caridade de Cristo, porque os homens e os
povos “tenham a vida e a tenham em abundância” (Jo 10,10). A vós
V CONFERÊNCIA GERAL DO EPISCOPADO LATINO-AMERICANO E DO CARIBE- aparecida – DOCUMENTO FINAL 253
também, que representais a Igreja na América Latina, tenho a
alegria de entregar de novo idealmente a minha Encíclica Deus
caritas est, com a qual quis indicar a todos o que é essencial na
mensagem cristã. A Igreja se sente discípula e missionária desse
Amor: missionária somente enquanto discípula, isto é, capaz de
deixar-se sempre atrair, com renovado enlevo, por Deus que nos
amou e nos ama por primeiro (1Jo 4,10). A Igreja não faz proselitismo. Ela cresce muito mais por “atração”: como Cristo “atrai
todos a si” com a força do seu amor, que culminou no sacrifício
da Cruz, assim a Igreja cumpre a sua missão na medida em que,
associada a Cristo, cumpre a sua obra conformando-se em espírito e concretamente com a caridade do seu Senhor.
Queridos irmãos e irmãs. Este é o rico tesouro do continente Latino-americano; este é seu patrimônio mais valioso: a fé em
Deus Amor, que revelou seu rosto em Jesus Cristo. Vós credes
no Deus Amor: esta é vossa força que vence o mundo, a alegria que
nada e nem ninguém vos poderá arrebatar, a paz que Cristo conquistou para vós com sua Cruz! Esta é a fé que fez da América Latina o
“Continente da Esperança”. Não é uma ideologia política, nem um
movimento social, nem tampouco um sistema econômico; é a fé
em Deus Amor, encarnado, morto e ressuscitado em Jesus Cristo, o autêntico fundamento desta esperança que produziu frutos
tão magníficos desde a primeira evangelização até hoje. Assim o
atesta a série de Santos e Beatos que o Espírito suscitou ao longo
e ao largo deste Continente. O Papa João Paulo II vos convocou
para uma nova evangelização, e vós respondestes a seu chamado com generosidade e o compromisso que vos caracterizam. Eu
vos confirmo e, com palavras desta V Conferência, vos digo: sede
discípulos fiéis, para serdes missionários valentes e eficazes.1
1 Queridos hermanos y hermanas. Éste es elrico tesoro del continente Latinoamericano;
éste es su patrimonio más valioso: la fe en Dios Amor, que reveló su rostro en Jesucristo. Vosotros creéis en el Dios Amor: ésta es vuestra fuerza que vence al mundo, la alegría que nada
ni nadie os podrá arrebatar, ¡la paz que Cristo conquistó para vosotros con su Cruz! Ésta es la
fe que hizo de Latinoamérica el “Continente de la Esperanza”. No es una ideología política, ni un
movimiento social, como tampoco un sistema económico; es la fe en Dios Amor, encarnado,
muerto y resucitado en Jesucristo, el auténtico fundamento de esta esperanza que produjo
254 CELAM
A segunda leitura nos apresentou a grandiosa visão da
Jerusalém celeste. É uma imagem de esplêndida beleza, e que não
é simplesmente decorativa, senão que todo contribui na perfeita
harmonia da cidade santa. Escreve o vidente João que ela “descia do céu, enviada por Deus trazendo a glória de Deus” (Ap 21,10).
Porém a glória de Deus é o Amor; portanto a Jerusalém celeste é ícone da Igreja inteira, santa e gloriosa, sem mancha nem
ruga (cf. Ef 5,27), iluminada no centro e em todas as partes pela
presença de Deus-Caridade. É chamada “noiva”, “a esposa do
Cordeiro” (Ap 20,9), porque nela se realiza a figura nupcial que
encontramos desde o princípio até o fim na revelação bíblica. A
Cidade-Esposa é pátria da plena comunhão de Deus com os homens; ela não necessita de templo algum nem de nenhuma fonte
externa de luz, porque a presença Deus e do Cordeiro é imanente
e a ilumina desde dentro.2
Este ícone estupendo tem um valor escatológico: expressa
o mistério de beleza que já constitui a forma da Igreja, ainda que
não tenha alcançado sua plenitude. É a meta de nossa peregrinação, a pátria que nos espera e pela qual suspiramos. Vê-la com
os olhos da fé, contemplá-la e desejá-la, não deve ser motivo de
evasão da realidade histórica em que vive a Igreja compartilhando as alegrias e as esperanças, as dores e as angústias da humanidade contemporânea, especialmente dos mais pobres e dos que
frutos tan magníficos desde la primera evangelización hasta hoy. Así lo atestigua la serie de
Santos y Beatos que el Espíritu suscitó a lo largo y ancho de este Continente. El Papa Juan
Pablo II os convocó para una nueva evangelización, y vosotros respondisteis a su llamado con
la generosidad y el compromiso que os caracterizan. Yo os lo confirmo y, con palabras de esta
Quinta Conferencia, os digo: sed discípulos fieles, para ser misioneros valientes y eficaces. 2 La segunda Lectura nos ha presentado la grandiosa visión de la Jerusalén celeste. Es
una imagen de espléndida belleza, en la que nada es simplemente decorativo, sino que todo
contribuye a la perfecta armonía de la Ciudad santa. Escribe el vidente Juan que ésta “bajaba del cielo, enviada por Dios trayendo la gloria de Dios” (Ap 21,10). Pero la gloria de Dios
es el Amor; por tanto la Jerusalén celeste es icono de la Iglesia entera, santa y gloriosa, sin
mancha ni arruga (cf. Ef 5,27), iluminada en el centro y en todas partes por la presencia de
Dios-Caridad. Es llamada “novia”, “la esposa del Cordero” (Ap 20,9), porque en ella se realiza
la figura nupcial que encontramos desde el principio hasta el fin en la revelación bíblica. La
Ciudad-Esposa es patria de la plena comunión de Dios con los hombres; ella no necesita
templo alguno ni ninguna fuente externa de luz, porque la presencia de Dios y del Cordero
es inmanente y la ilumina desde dentro.
V CONFERÊNCIA GERAL DO EPISCOPADO LATINO-AMERICANO E DO CARIBE- aparecida – DOCUMENTO FINAL 255
sofrem (cf. Gaudium et spes, 1). Se a beleza da Jerusalém celeste
é a glória de Deus, ou seja, seu amor, é precisamente e somente
na caridade que podemos nos aproximar dela e, de certo modo,
habitar nela. Quem ama o Senhor Jesus e observa sua palavra
experimenta já neste mundo a misteriosa presença de Deus Uno
e Trino, como temos escutado no Evangelho: “viremos e faremos
nele nossa morada” (Jo 14,23). Por isso, todo cristão é chamado
a ser pedra viva desta maravilhosa “morada de Deus com os homens”. Que magnifica vocação!3
Uma Igreja inteiramente animada e mobilizada pela caridade de Cristo, Cordeiro imolado por amor, é a imagem histórica da Jerusalém celeste, antecipação da cidade santa, resplandecente da glória de Deus. Ela emana uma força missionária
irresistível, que é a força da santidade. A Virgem Maria alcance
para a América Latina e o Caribe ser abundantemente revestida
da força do alto (cf. Lc 24,49) para irradiar no Continente e em
todo o mundo a santidade de Cristo. A ele seja dada glória, com
o Pai e o Espírito Santo, nos séculos dos séculos. Amém.
3 Este icono estupendo tiene un valor escatológico: expresa el misterio de belleza que ya
constituye la forma de la Iglesia, aunque aún no haya alcanzado su plenitud. Es la meta de
nuestra peregrinación, la patria que nos espera y porla cual suspiramos. Verla con los ojos de
la fe, contemplarla y desearla, no debe ser motivo de evasión de la realidad histórica en que
vive la Iglesia compartiendo las alegrías y las esperanzas, los dolores y las angustias de la humanidad contemporánea, especialmente de los más pobres y de los que sufren (cf. Gaudium
et spes, 1). Si la belleza de la Jerusalén celeste es la gloria de Dios, o sea, su amor, es precisamente y solamente en la caridad cómo podemos acercarnos a ella y, en cierto modo, habitar
en ella. Quien ama al Señor Jesús y observa su palabra experimenta ya en este mundo la misteriosa presencia de Dios Uno y Trino, como hemos escuchado en el Evangelio: “Vendremos a
él y haremos morada en él” (Jn 14,23). Por eso, todo cristiano está llamado a ser piedra viva de
esta maravillosa “morada de Dios con los hombres”.¡Qué magnífica vocación!

ORAÇÃO DO SANTO ROSÁRIO EENCONTRO COM OSSACERDOTES,
OS RELIGIOSOS, AS RELIGIOSAS, OSSEMINARISTASE OS DIÁCONOS
NA BASÍLICA DO SANTUÁRIO DE APARECIDA – DISCURSO (12maio de 2007)
Senhores Cardeais,
Venerados Irmãos no Episcopado e Presbiterado,
Amados religiosos e todos vós que, impelidos pela voz de
Jesus Cristo, O seguistes por amor!
Estimados seminaristas, que vos estais preparando para o
ministério sacerdotal!
Queridos representantes dos Movimentos eclesiais, e todos
vós leigos que levais a força do Evangelho ao mundo do trabalho
e da cultura, no seio das famílias, bem como às vossas paróquias!

  1. Como os Apóstolos, juntamente com Maria, “subiram
    para a sala de cima” e ali “unidos pelo mesmo sentimento, entregavam-se assiduamente à oração” (At 1,13-14), assim também hoje nos reunimos aqui no Santuário de Nossa Senhora da
    Conceição Aparecida, que é para nós nesta hora “a sala de cima”,
    onde Maria, Mãe do Senhor, se encontra no meio de nós. Hoje é
    ela que orienta a nossa meditação; ela nos ensina a rezar. É ela
    que nos mostra o modo como abrir nossas mentes e os nossos
    corações ao poder do Espírito Santo, que vem para ser transmitido ao mundo inteiro.
    258 CELAM
    Acabamos de recitar o rosário. Através dos seus ciclos meditativos, o Divino Consolador quer nos introduzir no conhecimento de um Cristo que brota da fonte límpida do texto evangélico. Por sua vez, a Igreja do terceiro milênio se propõe dar aos
    cristãos a capacidade de “conhecerem – com palavras de São Paulo – o mistério de Deus, isto é Cristo, no qual estão escondidos
    todos os tesouros da sabedoria e da ciência” (Col 2,2-3). Maria
    Santíssima, a Virgem pura e sem mancha, é para nós escola de fé
    destinada a conduzir-nos e a fortalecer-nos no caminho que leva
    ao encontro com o Criador do céu e da terra. O Papa veio à Aparecida com viva alegria para vos dizer primeiramente: “Permanecei na escola de Maria”. Inspirai-vos nos seus ensinamentos,
    procurai acolher e guardar dentro do coração as luzes que ela,
    por mandato divino, vos envia lá do alto.
    Como é bom estarmos aqui reunidos em nome de Cristo,
    na fé, na fraternidade, na alegria, na paz, “na oração com Maria,
    a Mãe de Jesus” (At 1,14). Como é bom, queridos Presbíteros,
    Diáconos, Consagrados e Consagradas, Seminaristas e Famílias
    Cristãs, estarmos aqui no Santuário Nacional de Nossa Senhora
    da Conceição Aparecida, que é Morada de Deus, Casa de Maria
    e Casa de Irmãos e que nesses dias se transforma também em
    Sede da V Conferência Episcopal Latino-Americana e Caribenha.
    Como é bom estarmos aqui nesta Basílica Mariana para onde,
    neste tempo, convergem os olhares e as esperanças do mundo
    cristão, de modo especial da América Latina e do Caribe!
  2. Sinto-me muito feliz em estar aqui convosco, em vosso
    meio! O Papa vos ama! O Papa vos saúda afetuosamente! Reza
    por vós! E suplica ao Senhor as mais preciosas bênçãos para os
    Movimentos, Associações e as novas realidades eclesiais, expressão viva da perene juventude da Igreja! Que sejais muito abençoados! Aqui vai minha saudação muito afetuosa a vós Famílias
    aqui congregadas e que representais todas as caríssimas Famílias Cristãs presentes no mundo inteiro. Alegro-me de modo especialíssimo convosco e vos envio o meu abraço de paz.
    V CONFERÊNCIA GERAL DO EPISCOPADO LATINO-AMERICANO E DO CARIBE- aparecida – DOCUMENTO FINAL 259
    Agradeço a acolhida e a hospitalidade do povo brasileiro.
    Desde que aqui cheguei fui recebido com muito carinho! As várias manifestações de apreço e saudações demonstram o quanto
    vós quereis bem, estimais e respeitais o Sucessor do Apóstolo
    Pedro. Meu predecessor, o Servo de Deus Papa João Paulo II referiu-se várias vezes à vossa simpatia e espírito de acolhida fraterna. Ele tinha toda razão!
  3. Saúdo aos estimados padres, aqui presentes, penso e oro
    portodos os sacerdotes espalhados pelo mundo inteiro, de modo
    particular pelos da América Latina e do Caribe, neles incluindo
    os que são fidei donum. Quantos desafios, quantas situações difíceis enfrentais, quanta generosidade, quanta doação, sacrifícios
    e renúncias! A fidelidade no exercício do ministério e na vida de
    oração, a busca da santidade, a entrega total a Deus a serviço dos
    irmãos e irmãs, gastando vossas vidas e energias, promovendo
    a justiça, a fraternidade, a solidariedade, a partilha, – tudo isso
    fala fortemente ao meu coração de Pastor. O testemunho de um
    sacerdócio bem vivido dignifica a Igreja, suscita admiração nos
    fiéis, é fonte de bênçãos para a Comunidade, é a melhor promoção vocacional, é o mais autêntico convite para que outros
    jovens também respondam positivamente aos apelos do Senhor.
    É a verdadeira colaboração para a construção do Reino de Deus!
    Agradeço-vos sinceramente e vos exorto a que continueis
    a viver de modo digno a vocação que recebestes. Que o ardor
    missionário, que a vibração por uma evangelização sempre mais
    atualizada, que o espírito apostólico autêntico e o zelo pelas almas estejam presentes em vossas vidas! O meu afeto, orações e
    agradecimentos vai também aos sacerdotes idosos e enfermos.
    A vossa conformação ao Cristo Sofredor e Ressuscitado é o mais
    fecundo apostolado! Muito obrigado!
  4. Queridos Diáconos e Seminaristas, a vós também que
    ocupais um lugar especial no coração do Papa, uma saudação
    muito fraterna e cordial. A jovialidade, o entusiasmo, o idealismo, o ânimo em enfrentar com audácia os novos desafios, re-
    260 CELAM
    novam a disponibilidade do Povo de Deus, tornam os fiéis mais
    dinâmicos e fazem a Comunidade Cristã crescer, progredir, ser
    mais confiante, feliz e otimista. Agradeço o testemunho que ofereceis, colaborando com os vossos Bispos nos trabalhos pastorais das dioceses. Tenhais sempre diante dos olhos a figura de
    Jesus, o Bom Pastor, que “veio não para ser servido, mas para
    servir e dar sua vida para resgatar a multidão” (Mt 20,28). Sede
    como os primeiros diáconos da Igreja: homens de boa reputação,
    cheios do Espírito Santo, de sabedoria e de fé (cf. At 6, 3-5). E
    vós, Seminaristas, dai graças a Deus pela chamada que ele vos
    faz. Lembrai-vos que o Seminário é o “berço da vossa vocação
    e palco da primeira experiência de comunhão” (Diretório para
    o Ministério e Vida dos Presbíteros, 32). Rezo para que sejais, se
    Deus quiser, sacerdotes santos, fiéis e felizes em servir a Igreja!
  5. Detenho meu olhar e atenção agora sobre vós, estimados
    Consagrados e Consagradas, aquireunidos no Santuário da Mãe,
    Rainha e Padroeira do Povo Brasileiro, e também espalhados por
    todas as partes do mundo.
    Vós, religiosos e religiosas, sois uma dádiva, um presente,
    um dom divino que a Igreja recebeu do seu Senhor. Agradeço
    a Deus a vossa vida e o testemunho que dais ao mundo de um
    amor fiel a Deus e aos irmãos. Esse amor sem reservas, total,
    definitivo, incondicional e apaixonado se expressa no silêncio,
    na contemplação, na oração e nas atividades mais diversas que
    realizais, em vossas famílias religiosas, em favor da humanidade e principalmente dos mais pobres e abandonados. Isso tudo
    suscita no coração dos jovens o desejo de seguir mais de perto e
    radicalmente o Cristo Senhor e oferecer a vida para testemunhar
    aos homens e mulheres do nosso tempo que Deus é Amor e que
    vale a pena deixar-se cativar e fascinar para dedicar-se exclusivamente a Ele (cf. Exort. ap. Vita Consecrata, 15).
    A vida religiosa no Brasil sempre foi marcante e teve um
    papel de destaque na obra da evangelização, desde os primórdios
    da colonização. Ontem ainda,tive a grande satisfação de presidir
    V CONFERÊNCIA GERAL DO EPISCOPADO LATINO-AMERICANO E DO CARIBE- aparecida – DOCUMENTO FINAL 261
    a Celebração Eucarística na qual foi canonizado Santo Antônio
    de Sant’Anna Galvão, presbítero e religioso franciscano, primeiro santo nascido no Brasil. Ao seu lado, um outro testemunho
    admirável de consagrada é Santa Paulina, fundadora das Irmãzinhas da Imaculada Conceição. Teria muitos outros exemplos
    para citar. Que todos eles vos sirvam de estímulo para viverdes
    uma consagração total. Deus vos abençoe!
  6. Hoje, na véspera da abertura da V Conferência Geral dos
    Bispos da América Latina e do Caribe, que terei o prazer de presidir, sinto o desejo de dizer-vos a todos vós como é importante
    o sentido de nossa pertença à Igreja, que faz crescer os cristãos
    e amudurecerem como irmãos, filhos de um mesmo Deus e Pai.
    Queridos homens e mulheres da América Latina, sei que tendes
    uma grande sede de Deus. Sei que seguis aquele Jesus, que disse:
    “Ninguém vai ao Pai senão por mim” (Jo 14,6). Por isso o Papa
    quer dizer a todos vós: A Igreja é nossa casa! Esta é nossa casa! Na
    Igreja Católica temos tudo o que é bom, tudo o que é motivo de
    segurança e de consolo! Quem aceita a Cristo: “Caminho, Verdade e Vida”, em sua totalidade, tem garantia de paz e a felicidade,
    nesta e na outra vida! Por isso, o Papa veio aqui para rezar e confessar com todos vós: vale a pena ser fiéis, vale a pena perseverar na
    própria fé! Mas a coerência na fé necessita também de uma sólida formação doutrinal e espiritual, contribuindo assim para a
    construção de uma sociedade mais justa, mais humana e cristã.
    O Catecismo da Igreja Católica, inclusive em sua versão mais reduzida, publicada com o título de Compêndio, ajudará a ter noções claras sobre nossa fé. Vamos pedir, desde agora, que a vinda
    do Espírito Santo seja para todos como um novo Pentecostes,
    a fim de iluminar com a luz do alto nossos corações e nossa fé.1
    Hoy, en vísperas de la apertura de la V Conferencia General de los Obispos de América
    Latina y del Caribe, que tendré el gusto de presidir, siento el deseo de deciros a todos vosotros cuán importante es el sentido de nuestra pertenencia a la Iglesia, que hace a los cristianos crecer y madurar como hermanos, hijos de un mismo Dios y Padre. Queridos hombres y
    mujeres de América Latina, sé que tenéis una gran sed de Dios. Sé que seguís a Aquel Jesús,
    que dijo “Nadie va al Padre sino por mí” (Jn 14,6). Por eso el Papa quiere deciros a todos: ¡La
    Iglesia es nuestra Casa! ¡Esta es nuestra Casa! ¡En la Iglesia Católica tenemos todo lo que es
    262 CELAM
  7. É com grande esperança que me dirijo a todos vós, que
    se encontram dentro desta majestosa Basílica, ou que participaram do lado de fora, do Santo Rosário, para convidá-los a se
    tornarem profundamente missionários e para levar a Boa Nova
    do Evangelho por todos os pontos cardeais da América Latina e
    do mundo.
    Vamos pedir à Mãe de Deus, Nossa Senhora da Conceição
    Aparecida, que zele pela vida de todos os cristãos. Ela, que é a Estrela da Evangelização, guie nossos passos no caminho do Reino
    celestial:
    “Mãe nossa, protegei a família brasileira e latino-americana!
    Amparai, sob o vosso manto protetor, os filhos dessa Pátria
    querida que nos acolhe,
    Vós, que sois a Advogada junto ao vosso Filho Jesus, dai ao
    povo brasileiro paz constante e prosperidade completa,
    Concedei aos nossos irmãos de toda a geografia latino-americana um verdadeiro ardor missionário irradiador de fé e de esperança,
    Fazei que o vosso clamor de Fátima pela conversão dos pecadores, seja realidade, e transforme a vida da nossa sociedade,
    E vós que, do Santuário de Guadalupe, intercedeis pelo
    povo do Continente da esperança, abençoai as suas terras e os
    seus lares,
    Amém”
    bueno, todo lo que es motivo de seguridad y de consuelo! ¡Quien acepta a Cristo: “Camino,
    Verdad y Vida”, en su totalidad, tiene garantizada la paz y la felicidad, en esta y en la otra
    vida! Por eso, el Papa vino aquí para rezar y confesar con todos vosotros: ¡vale la pena ser
    fieles, vale la pena perseverar en la propia fe! Pero la coherencia en la fe necesita también una
    sólida formación doctrinal y espiritual, contribuyendo así a la construcción de una sociedad
    más justa, más humana y cristiana. El Catecismo de la Iglesia Católica, incluso en su versión
    más reducida, publicada con el título de Compendio, ayudará a tener nociones claras sobre
    nuestra fe. Vamos a pedir, ya desde ahora, que la venida del Espíritu Santo sea para todos
    como un nuevo Pentecostés, a fin de iluminar con la luz de lo Alto nuestros corazones y
    nuestra fe.
    ORAÇÃO DO REGINA COELI -SAUDAÇÃO (13 DEMAIO DE 2007)
    Caríssimos Irmãos e Irmãs:
    Saúdo com muito afeto a todos vós que viestes dos quatro
    cantos do Brasil, da América Latina e do Caribe, bem como aos
    que me escutam pela Rádio ou pela Televisão. Durante a celebração da Santa Missa, invoquei o Espírito Santo pedindo pelos
    frutos da V Conferência Geral do Episcopado Latino-Americano
    e do Caribe que, dentro de pouco, terei a ocasião de inaugurar.
    Peço a todos que rezem pelos frutos desta grande assembléia,
    que abre de esperança o futuro da família latino-americana. Sois
    os protagonistas do destino das vossas Nações. Que Deus vos
    abençoe e vos acompanhe!
    Saúdo com afeto os Grupos e Comunidades de língua espanhola aqui presentes, bem como a todos os que desde a Espanha
    e a América Latina se unem espiritualmente a esta celebração.
    Que a Virgem Maria vos ajude a manter viva a chama da fé, o
    amor e a concórdia, para que mediante o testemunho de vossa
    vida e a fidelidade à vossa vocação de batizados sejais luz e esperança da humanidade. Peçamos também para que a celebração
    desta V Conferência Geral do Episcopado Latino-americano e do
    Caribe produza abundantes frutos de autêntica renovação espiritual e de incansável evangelização. Que Deus vos abençoe!1
    1 Saludo con afecto a los Grupos y Comunidades de lengua española aquí presentes, así
    como a todos los que desde España y Latinoamérica se unen espiritualmente a esta celebra-
    264 CELAM
    Eu calorosamente cumprimento todos os grupos de língua
    inglesa hoje. As famílias permanecem no coração da missão de
    evangelização da Igreja, porque é no lar que nossa vida de fé é
    expressa e se nutre primeiramente. Pais, vocês são as testemunhas primeiras para seus filhos das verdades e valores de nossa
    fé: rezem com e pelos seus filhos, ensine-os pelo seu exemplo
    de fidelidade e alegria. De fato, todo discípulo, estimulado pela
    palavra e fortalecido pelos sacramentos, é chamado à missão. É
    um dever que ninguém deva retrair-se, porque nada é mais bonito do que conhecer Cristo e fazê-lo conhecido por outros. Possa
    Nossa Senhora de Guadalupe ser seu modelo e guiá-los. Deus
    abençoe vocês todos!2
    Caras famílias e grupos de língua francesa, eu vos saúdo
    com todo o coração, a vós que viveis sobre o continente sul-americano, sobretudo no Haiti, na Guiana francesa e nas Antilhas.
    Possais vós edificar, com todos, uma sociedade sempre mais solidária e fraternal, com o objetivo de fazer com que os jovens
    descubram a grandeza dos valores familiares.3
    Ocorre hoje o nonagésimo aniversário das Aparições de
    Nossa Senhora em Fátima. Com o seu veemente apelo à conversão e à penitência é, sem dúvida, a mais profética das aparições
    modernas. Vamos pedir à Mãe da Igreja, ela que conhece os soción. Que la Virgen María os ayude a mantener viva la llama de la fe, el amor y la concordia,
    para que mediante el testimonio de vuestra vida y la fidelidad a vuestra vocación de bautizados seáis luz y esperanza de la humanidad. Pidamos también para que la celebración
    de esta Quinta Conferencia General del Episcopado Latinoamericano y del Caribe produzca
    abundantes frutos de auténtica renovación espiritual y de incansable evangelización. ¡Que
    Dios os bendiga!
    I warmly greet all the English-speaking groups present today. Families stand at the
    heart of the Church’s mission of evangelization, for it is in the home that our life of faith
    is first expressed and nurtured. Parents, you are the primary witnesses to your children
    of the truths and values of our faith: pray with and for your children; teach them by your
    example of fidelity and joy! Indeed, every disciple, spurred on by word and strengthened by
    sacrament, is called to mission. It is a duty from which no-one should shy away, for nothing
    is more beautiful than to know Christ and to make him known to others! May Our Lady of
    Guadalupe be your model and guide. God Bless you all!
    Chères familles et groupes de langue française, je vous salue de tout cœur, vous qui
    vivez sur le Continent sud-américain, notamment en Haïti, en Guyane française et dans les
    Antilles. Puissiez-vous édifier, avec tous, une société toujours plus solidaire et plus fraternelle, avec le souci de faire découvrir aux jeunes la grandeur des valeurs familiales.
    V CONFERÊNCIA GERAL DO EPISCOPADO LATINO-AMERICANO E DO CARIBE- aparecida – DOCUMENTO FINAL 265
    frimentos e as esperanças da humanidade, que proteja nossos
    lares e nossas comunidades.
    De modo especial lhe confiamos aqueles povos e nações que
    têm particular necessidade, e o fazemos na certeza de que não
    desprezará as súplicas que com filial devoção lhe dirigimos. Penso especialmente naqueles irmãos e irmãs que padecem a fome
    e, por isso, desejo recordar a “A Marcha contra a fome” promovida pelo Programa Alimentar Mundial, organismo das Nações
    Unidas encarregado da ajuda alimentar. Esta iniciativa acontece
    hoje em numerosas cidades do mundo, entre as quais aqui no
    Brasil, em Ribeirão Preto.
    Nossas preces vão dirigidas também à comunidade afrobrasileira que comemora neste domingo a abolição da escravatura no Brasil. Possa essa recordação estimular a consciência evangelizadora desta realidade sócio-cultural de grande importância
    na Terra da Santa Cruz.
    Dirijo igualmente minha cordial saudação, juntamente
    com os meus sinceros agradecimentos, a todos os Grupos e Associações que aqui se encontram. Que Deus vos recompense e
    mantenha firmes na fé.
    Aclamemos com alegria o início da nossa salvação.

SESSÃO INAUGURAL DOS TRABALHOS DA V CONFERÊNCIA GERAL
DO EPISCOPADO DA AMÉRICA LATINA E DO CARIBE,
NA SALA DECONFERÊNCIA DO SANTUÁRIO DE APARECIDA
– DISCURSO (13 DEMAIO DE 2007)
Queridos Irmãos no Episcopado, amados sacerdotes, religiosos, religiosas e leigos. Queridos observadores de outras confissões religiosas:
É motivo de grande alegria estar hoje aqui convosco para
inaugurar a V Conferência Geral do Episcopado Latino-Americano e do Caribe, que se celebra junto ao Santuário de Nossa
Senhora Aparecida, Padroeira do Brasil. Quero que minhas primeiras palavras sejam de ação de graças e de louvor a Deus pelo
grande dom da fé cristã aos povos deste Continente.

  1. A fé cristã na América Latina
    A fé em Deus animou a vida e a cultura destes povos durante mais de cinco séculos. Do encontro dessa fé com as etnias originárias nasceu a rica cultura cristã deste continente expressada
    na arte, na música, na literatura e, sobretudo, nas tradições religiosas e na idiossincrasia de seus povos, unidas a uma mesma
    história e um mesmo credo, e formando uma grande sintonia na
    diversidade de culturas e de línguas. Na atualidade, essa mesma
    fé deve enfrentar sérios desafios, pois estão em jogo o desenvolvimento harmônico da sociedade e a identidade católica de seus
    268 CELAM
    povos. A respeito disso, a V Conferência Geral vai refletir sobre
    esta situação para ajudar os fiéis cristãos a viverem sua fé com
    alegria e coerência, a tomar consciência de ser discípulos e missionários de Cristo, enviados por ele ao mundo para anunciar e
    dar testemunho de nossa fé e amor.
    Mas, que significou a aceitação da fé cristã para os povos
    da América Latina e do Caribe? Para eles, significou conhecer
    e acolher Cristo, o Deus desconhecido que seus antepassados,
    sem saber, buscavam em suas ricas tradições religiosas. Cristo
    era o Salvador que ansiavam silenciosamente. Significou também ter recebido, com as águas do batismo, a vida divina que
    os tornou filhos de Deus por adoção; ter recebido também o
    Espírito Santo que veio para fecundar suas culturas, purificando-as e desenvolvendo os numerosos germens e sementes que
    o Verbo encarnado havia posto nelas, orientado-as assim pelos
    caminhos do Evangelho. Com efeito, o anúncio de Jesus e de
    seu Evangelho não supôs, em nenhum momento, uma alienação das culturas pré-colombianas, nem foi uma imposição de
    uma cultura estranha. As autênticas culturas não estão fechadas em si mesmas nem petrificadas em um determinado ponto
    da história, mas estão abertas, mais ainda, buscam o encontro
    com outras culturas, esperam alcançar a universalidade no encontro e no diálogo com outras formas de vida e com os elementos que possam levar a uma nova síntese na qual se respeite sempre a diversidade das expressões e de sua realização
    cultural concreta.
    Em última instância, só a verdade unifica e sua prova é
    o amor. Por isso Cristo, sendo realmente o Logos encarnado,
    “o amor até o extremo”, não é alheio a cultura alguma nem a
    nenhuma pessoa; pelo contrário, a resposta ansiada no coração das culturas é o que lhes dá sua identidade última, unindo
    a humanidade e respeitando por sua vez a riqueza das diversidades, abrindo todos ao crescimento na verdadeira
    humanização, no autêntico progresso. O Verbo de Deus, fa-
    V CONFERÊNCIA GERAL DO EPISCOPADO LATINO-AMERICANO E DO CARIBE- aparecida – DOCUMENTO FINAL 269
    zendo-se carne em Jesus Cristo, tornou-se também história
    e cultura.
    A utopia de voltar a dar vida às religiões pré-colombianas,
    separando-as de Cristo e da Igreja universal, não seria um progresso, mas um retrocesso. Na realidade, seria uma involução
    para um momento histórico ancorado no passado.
    A sabedoria dos povos originários os levou felizmente a formar uma síntese entre suas culturas e a fé cristã que os missionários lhes ofereciam. Daí nasceu a rica e profunda religiosidade
    popular, na qual aparece a alma dos povos latino-americanos:
    • O amor a Cristo sofredor, o Deus da compaixão, do perdão e da reconciliação; o Deus que nos amou até entregarse por nós;
    • O amor ao Senhor presente na Eucaristia, o Deus encarnado, morto e ressuscitado para ser Pão da Vida;
    • O Deus próximo dos pobres e dos que sofrem;
    • A profunda devoção a Nossa Senhora de Guadalupe, de
    Aparecida ou das diversas invocações nacionais e locais.
    Quando a Virgem de Guadalupe apareceu ao índio São
    Juan Diego, disse-lhe estas significativas palavras: “Não
    estou eu aqui que sou tua mãe? Não estás sob minha proteção? Não sou eu a fonte de tua alegria? Não estás sob
    meu manto, no cruzar de meus braços?” (Nican Mopohua,
    nn. 118-119).
    Esta religiosidade se expressa também na devoção aos santos com suas festas patronais, no amor ao papa e aos demais pastores, no amor à Igreja universal como grande família de Deus
    que nunca pode nem deve deixar a sós ou na miséria seus próprios filhos. Tudo isso forma o grande mosaico da religiosidade
    popular que é o precioso tesouro da Igreja Católica na América
    Latina, e que ela deve proteger, promover e, no que for necessário, também purificar.
    270 CELAM
    2.Continuidade comas outrasConferências
    Esta V Conferência Geral se celebra em continuidade com
    as outras quatro que a precederam no Rio de Janeiro, Medellín,
    Puebla e Santo Domingo. Com o mesmo espírito que as animou,
    os pastores querem dar agora um novo impulso à evangelização,
    a fim de que estes povos continuem crescendo e amadurecendo
    em sua fé, para ser luz do mundo e testemunhas de Jesus Cristo
    com a própria vida.
    Depois da IV ConferênciaGeral, em SantoDomingo, muitas
    coisas mudaram na sociedade. A Igreja, que participa dos gozos
    e esperanças, das penas e alegrias de seus filhos, quer caminhar
    a seu lado neste período de tantos desafios, para infundir-lhes
    sempre esperança e consolo (cf. Gaudium et spes, 1).
    No mundo de hoje se dá o fenômeno da globalização como
    um conjunto de relações no âmbito mundial.Ainda que em certos
    aspectos é uma conquista da grande família humana e um sinal
    de sua profunda aspiração à unidade, contudo comporta também
    a marca dos grandes monopólios e de converter o lucro em valor
    supremo. Como em todos os campos da atividade humana, a globalização deve reger-se também pela ética, pondo tudo ao serviço da pessoa humana, criada à imagem e semelhança de Deus.
    Na América Latina e no Caribe, assim como em outras religiões, evoluiu-se para a democracia, ainda que haja motivos de
    preocupação ante formas de governo autoritárias ou sujeitas a
    certas ideologias que eram consideradas superadas, e que não
    correspondem à visão cristã do homem e da sociedade, como
    nos ensina a Doutrina Social da Igreja. Por outra parte, a economia liberal de alguns países latino-americanos deve ter presente
    a eqüidade, pois continuam aumentando os setores sociais que
    se vêem provados cada vez mais por uma enorme pobreza ou
    inclusive espoliados dos próprios bens naturais.
    Nas Comunidades eclesiais da América Latina é notável a
    maturidade na fé de muitos leigos e leigas ativos e entregues ao
    V CONFERÊNCIA GERAL DO EPISCOPADO LATINO-AMERICANO E DO CARIBE- aparecida – DOCUMENTO FINAL 271
    Senhor, junto com a presença de muitos abnegados catequistas,
    de tantos jovens, de novos movimentos eclesiais e de recentes
    Institutos de vida consagrada. Demonstram-se fundamentais
    muitas obras católicas educativas, assistenciais e hospitalares.
    Percebe-se, contudo, um certo enfraquecimento da vida cristã
    no conjunto da sociedade e da própria pertença à Igreja Católica, devido ao secularismo, ao hedonismo, ao indiferentismo e
    ao proselitismo de numerosas seitas, de religiões animistas e de
    novas expressões pseudo-religiosas.
    Tudo isso configura uma situação nova que será analisada
    aqui, em Aparecida. Ante a nova encruzilhada, os fiéis esperam
    desta V Conferência uma renovação e revitalização de sua fé em
    Cristo, nosso único Mestre e Salvador, que nos revelou a experiência única do Amor infinito de Deus Pai aos homens. Desta
    fonte poderão surgir novos caminhos e projetos pastorais criativos, que infundam uma firme esperança para viver de maneira
    responsável e gozosa a fé e irradiá-la assim no próprio ambiente.
  2. Discípulos emissionários
    Esta Conferência Geral tem como tema: “Discípulos e missionários de Jesus Cristo, para que nossos povos nele tenham
    vida – Eu sou o Caminho, a Verdade e a Vida” (Jo 14, 6).
    A Igreja tem a grande tarefa de custodiar e alimentar a fé
    do Povo de Deus, e recordar também aos fiéis deste Continente
    que, em virtude de seu batismo, estão chamados a ser discípulos e missionários de Jesus Cristo. Isso leva a segui-lo, viver em
    intimidade com ele, imitar seu exemplo e dar testemunho. Todo
    batizado recebe de Cristo, como os apóstolos, o mandato da missão: “Ide por todo o mundo e proclamai a Boa Nova a toda criatura. Quem crer e for batizado, será salvo” (Mc 16, 15). Pois ser
    discípulos e missionários de Jesus Cristo e buscar a vida “nele”
    supõe estar profundamente enraizados nele.
    O que nos dá Cristo realmente? Por que queremos ser discípulos de Cristo? Porque esperamos encontrar na comunhão com
    272 CELAM
    ele a vida, a verdadeira vida digna deste nome, e por isso queremos dá-lo a conhecer aos demais, comunicar-lhes o dom que
    encontramos nele. Mas isso é assim? Estamos realmente certos
    de que Cristo é o caminho, a verdade e a vida?
    Ante a prioridade da fé em Cristo e da vida “nele”, formulada no título desta V Conferência, poderia surgir também outra
    questão: Esta prioridade, não poderia ser acaso uma fuga para
    o intimismo, para o individualismo religioso, um abandono da
    realidade urgente dos grandes problemas econômicos, sociais e
    políticos da América Latina e do mundo, e uma fuga da realidade
    para um mundo espiritual?
    Como primeiro passo, podemos responder a esta pergunta
    com outra: O que é esta “realidade”? O que é o real? São “realidade” só os bens materiais, os problemas sociais, econômicos e políticos? Aqui está precisamente o grande erro das tendências dominantes no último século, erro destrutivo, como demonstram
    os resultados tanto dos sistemas marxistas como inclusive dos
    capitalistas. Falsificam o conceito de realidade com a amputação
    da realidade fundante, e por isso decisiva, que é Deus. Quem
    exclui Deus de seu horizonte falsifica o conceito de “realidade” e,
    em conseqüência, só pode terminar em caminhos equivocados e
    com receitas destrutivas.
    A primeira afirmação fundamental é, pois, a seguinte: Só
    quem reconhece Deus, conhece a realidade e pode responder a
    ela de modo adequado e realmente humano. A verdade dessa
    tese é evidente ante o fracasso de todos os sistemas que colocam
    Deus entre parêntesis.
    Mas surge imediatamente outra pergunta: Quem conhece
    Deus? Como podemos conhecê-lo? Não podemos entrar aqui
    em um complexo debate sobre esta questão fundamental. Para
    o cristão, o núcleo da resposta é simples: Só Deus conhece Deus,
    só seu Filho, que é Deus de Deus, Deus verdadeiro, o conhece. E
    ele,“que está no seio do Pai, o revelou”(Jo 1,18). Daí a importân-
    V CONFERÊNCIA GERAL DO EPISCOPADO LATINO-AMERICANO E DO CARIBE- aparecida – DOCUMENTO FINAL 273
    cia única e insubstituível de Cristo para nós, para a humanidade.
    Se não conhecemos Deus em Cristo e com Cristo, toda a realidade se converte em um enigma indecifrável; não há caminho e ao
    não haver caminho, não há vida nem verdade.
    Deus é a realidade fundante, não um Deus só pensado ou
    hipotético, mas o Deus de rosto humano; é o Deus-conosco, o
    Deus do amor até à cruz. Quando o discípulo chega à compreensão deste amor de Cristo “até o extremo”, não pode deixar de
    responder a este amor se não é com um amor semelhante: «Eu te
    seguirei por onde quer que fores” (Lc 9,57).
    Ainda podemos fazer outra pergunta: O que nos dá a fé
    nesse Deus? A primeira resposta é: dá-nos uma família, a família universal de Deus na Igreja Católica. A fé nos liberta do isolamento do eu, porque nos leva à comunhão: o encontro com
    Deus é, em si mesmo e como tal, encontro com os irmãos, um
    ato de convocação, de unificação, de responsabilidade para com
    o outro e para com os demais. Neste sentido, a opção preferencial pelos pobres está implícita na fé cristológica naquele Deus
    que se fez pobre por nós, para enriquecer-nos com sua pobreza
    (cf. 2Cor 8, 9).
    Mas antes de falar do que comporta o realismo da fé no
    Deus feito homem, temos de aprofundar na pergunta: como
    conhecer realmente Cristo para poder segui-lo e viver com ele,
    para encontrar a vida nele e para comunicar esta vida aos outros,
    à sociedade e ao mundo? Antes de tudo, Cristo se dá a conhecer
    a nós em sua pessoa, em sua vida e em sua doutrina por meio
    da Palavra de Deus. Ao iniciar a nova etapa que a Igreja missionária da América Latina e do Caribe se dispõe a empreender, a
    partir desta V Conferência Geral em Aparecida, é condição indispensável o conhecimento profundo da Palavra de Deus. Por
    isso, é preciso educar o povo na leitura e meditação da Palavra de
    Deus: que ela se converta em seu alimento para que, por própria
    experiência, vejam que as palavras de Jesus são espírito e vida
    (cf. Jo 6, 63). Do contrário, como vão anunciar uma mensagem
    274 CELAM
    cujo conteúdo e espírito não conhecem a fundo? Temos que fundamentar nosso compromisso missionário e toda nossa vida na
    rocha da Palavra de Deus. Para isso, animo os pastores a esforçar-se em dá-la a conhecer.
    Um grande meio para introduzir o Povo de Deus no mistério de Cristo é a catequese. Nela se transmite de forma simples e
    substancial a mensagem de Cristo. Convirá, portanto, intensificar a catequese e a formação na fé, tanto das crianças como dos
    jovens e adultos. A reflexão madura da fé é luz para o caminho
    da vida e força para ser testemunhas de Cristo. Para isso se dispõe de instrumentos muito valiosos como o Catecismo da Igreja
    Católica e sua versão mais breve, o Compêndio do Catecismo da
    Igreja Católica.
    Neste campo, não se deve limitar só às homilias, conferências, cursos de bíblia ou teologia, mas é preciso recorrer também
    aos meios de comunicação: imprensa, rádio e televisão, sites da
    Internet, foros e tantos outros sistemas para comunicar eficazmente a mensagem de Cristo a um grande número de pessoas.
    Neste esforço por conhecer a mensagem de Cristo e tornála guia da própria vida, é preciso recordar que a evangelização
    esteve sempre unida à promoção humana e à autêntica libertação cristã. “Amor a Deus e amor ao próximo se fundem entre
    si: no mais humilde encontramos o próprio Jesus e em Jesus
    encontramos Deus” (Deus caritas est, 15). Por isso, será também
    necessária uma catequese social e uma adequada formação na
    doutrina social da Igreja, sendo muito útil para isso o “Compêndio da Doutrina Social da Igreja”. A vida cristã não se expressa
    somente nas virtudes pessoais, mas também nas virtudes sociais e políticas.
    O discípulo, fundamentado assim na rocha da Palavra de
    Deus, sente-se impulsionado a levar a Boa Nova da salvação a
    seus irmãos: Discipulado e missão são como os dois lados de
    uma mesma moeda: quando o discípulo está enamorado de Cris-
    V CONFERÊNCIA GERAL DO EPISCOPADO LATINO-AMERICANO E DO CARIBE- aparecida – DOCUMENTO FINAL 275
    to, não pode deixar de anunciar ao mundo que só ele nos salva
    (cf. Atos 4, 12). Com efeito, o discípulo sabe que sem Cristo não
    há luz, não há esperança, não há amor, não há futuro.
    4.“Para que nele tenhamvida”
    Os povos latino-americanos e caribenhos têm direito a uma
    vida plena, própria dos filhos de Deus, com condições mais humanas: livres das ameaças da fome e de toda forma de violência.
    Para estes povos, seus pastores devem fomentar uma cultura da
    vida que permita, como dizia meu predecessor Paulo VI, “passar
    da miséria à posse do necessário, à aquisição da cultura… à cooperação no bem comum… até o reconhecimento, por parte do
    homem, dos valores supremos e de Deus, que deles é a fonte e o
    fim” (Populorum progressio, 21).
    Neste contexto, é-me grato recordar a Encíclica “Populorum
    progressio”, cujo 40º aniversário recordamos neste ano. Este documento pontifício evidencia que o desenvolvimento autêntico
    deve ser integral, ou seja, orientado à promoção de todo o homem e de todos os homens (cf. n. 14), e convida todos a suprimirem as graves desigualdades sociais e as enormes diferenças
    no acesso aos bens. Estes povos anseiam, sobretudo, à plenitude
    de vida que Cristo nos trouxe: “Eu vim para que tenham vida e a
    tenham em abundância” (Jo 10, 10). Com esta vida se desenvolve também em plenitude a existência humana, em sua dimensão
    pessoal, familiar, social e cultural.
    Para formar o discípulo e sustentar o missionário em sua
    grande tarefa, a Igreja lhes oferece, além do Pão da Palavra, o Pão
    da Eucaristia. A respeito disso, inspira-nos e ilumina a página do
    evangelho sobre os discípulos de Emaús. Quando estes se sentam à mesa e recebem de Jesus Cristo o pão abençoado e partido,
    seus olhos se abrem, descobrem o rosto do Ressuscitado, sentem
    em seu coração que é verdade tudo o que ele disse e fez, e que já
    começou a redenção do mundo. Cada domingo e cada Eucaristia
    é um encontro pessoal com Cristo. Ao escutar a Palavra divina, o
    276 CELAM
    coração arde porque é ele quem a explica e proclama. Quando na
    Eucaristia se parte o pão, é a ele a quem se recebe pessoalmente.
    A Eucaristia é o alimento indispensável para a vida do discípulo
    e missionário de Cristo.
    A Missa Dominical, centro da vida cristã
    Daí a necessidade de dar prioridade, nos programas pastorais, à valorização da Missa dominical. Temos de motivar os
    cristãos para que participem dela ativamente e, se é possível,
    melhor ainda com a família. A assistência dos pais com seus filhos à celebração eucarística dominical é uma pedagogia eficaz
    para comunicar a fé e um estreito vínculo que mantém a unidade entre eles. O domingo significou, ao longo da vida da Igreja,
    o momento privilegiado do encontro das comunidades com o
    Senhor ressuscitado.
    É necessário que os cristãos experimentem que não seguem
    um personagem da história passada, senão o Cristo vivo, presente no hoje e no agora de suas vidas. Ele é o Vivente que caminha
    ao nosso lado, descobrindo-nos o sentido dos acontecimentos,
    da dor e da morte, da alegria e da festa, entrando em nossas casas e permanecendo nelas, alimentando-nos com o Pão que dá a
    vida. A Eucaristia deve ser o centro da vida cristã.
    O encontro com Cristo na Eucaristia suscita o compromisso
    da evangelização e o impulso à solidariedade; desperta no cristão o forte desejo de anunciar o Evangelho e testemunhá-lo na
    sociedade para que ela seja mais justa e humana. Da Eucaristia
    brotou ao longo dos séculos um imenso caudal de caridade, de
    participação nas dificuldades dos outros, de amor e de justiça. Só
    da Eucaristia brotará a civilização do amor, que transformará a
    América Latina e o Caribe para que, além de ser o continente da
    Esperança, seja também o continente do Amor!
    Os problemas sociais e políticos
    Chegados a este ponto podemos nos perguntar como pode
    a Igreja contribuir para a solução dos urgentes problemas sociais
    V CONFERÊNCIA GERAL DO EPISCOPADO LATINO-AMERICANO E DO CARIBE- aparecida – DOCUMENTO FINAL 277
    e políticos, e responder ao grande desafio da pobreza e da miséria? Os problemas da América latina e do Caribe, assim como
    do mundo de hoje, são múltiplos e complexos, e não podem ser
    enfrentados com programas gerais. Contudo, a questão fundamental sobre o modo como a Igreja, iluminada pela fé em Cristo, deva reagir diante desses desafios, concerne a todos. Neste
    contexto é inevitável falar do problema das estruturas, sobretudo das que criam injustiça. Na verdade, as estruturas justas
    são uma condição sem a qual não é possível uma ordem justa na
    sociedade. Mas, como nascem? Como funcionam?
    Tanto o capitalismo como o marxismo prometeram encontrar o caminho para a criação de estruturas justas e afirmaram
    que estas, uma vez estabelecidas, funcionariam por si mesmas;
    afirmaram que não só não haviam tido a necessidade de uma
    precedente moralidade individual, mas elas fomentariam a moralidade comum. E esta promessa ideológica se demonstrou que
    é falsa. Os fatos o colocam manifesto. O sistema marxista, onde
    governou, não só deixou uma triste herança de destruições econômicas e ecológicas, mas também uma dolorosa destruição do
    espírito. E o mesmo vemos também no ocidente, onde cresce
    constantemente a distância entre pobres e ricos e se produz uma
    inquietante degradação da dignidade pessoal com a droga, o álcool e as sutis miragens de felicidade.
    As estruturas justas são, como disse, uma condição indispensável para uma sociedade justa, mas não nascem nem funcionam sem um consenso moral da sociedade sobre os valores
    fundamentais e sobre a necessidade de viver estes valores com
    as necessárias renúncias, inclusive o interesse pessoal.
    Onde Deus está ausente – o Deus do rosto humano de Jesus Cristo – estes valores não se mostram com toda sua força,
    nem se produz um consenso sobre eles. Não quero dizer que os
    não crentes não possam viver uma moralidade elevada e exemplar; digo somente que uma sociedade na qual Deus está ausente
    não encontra o consenso necessário sobre os valores morais e a
    278 CELAM
    força para viver segundo a pauta destes valores, mesmo contra
    os próprios interesses.
    Por outro lado, as estruturas justas hão de ser buscadas e
    elaboradas à luz dos valores fundamentais, com todo o empenho
    da razão política, econômica e social. São uma questão da reta
    ratio e não provém de ideologias nem de promessas. Certamente
    existe um tesouro de experiências políticas e de conhecimentos
    sobre os problemas sociais e econômicos, que evidenciam elementos fundamentais de um estado justo e os caminhos que se
    tem de evitar. Mas em situações culturais e políticas diversas, e
    em transformação progressiva das tecnologias e da realidade histórica mundial, há que se buscar, de maneira racional, as respostas adequadas e deve-se criar – com os compromissos indispensáveis – o consenso sobre as estruturas que hão de se estabelecer.
    Este trabalho político não é competência imediata da
    Igreja. O respeito de uma sã laicidade – até mesmo com a pluralidade das posições políticas – é essencial na tradição cristã
    autêntica. Se a Igreja começasse a se transformar diretamente
    em sujeito político, não faria mais pelos pobres e pela justiça,
    mas faria menos, porque perderia sua independência e sua autoridade moral, identificando-se com uma única via política e
    com posições parciais opináveis. A Igreja é advogada da justiça e
    dos pobres, precisamente ao não identificar-se com os políticos
    nem com os interesses de partido. Só sendo independente pode
    ensinar os grandes critérios e os valores irrevogáveis, orientar
    as consciências e oferecer uma opção de vida que vai além do
    âmbito político. Formar as consciências, ser advogada da justiça e da verdade, educar nas virtudes individuais e políticas, é a
    vocação fundamental da Igreja neste setor. E os leigos católicos
    devem ser conscientes de sua responsabilidade na vida pública;
    devem estar presentes na formação dos consensos necessários e
    na oposição contra as injustiças.
    As estruturas justas jamais serão completas de modo definitivo; pela constante evolução da história, hão de ser sempre
    V CONFERÊNCIA GERAL DO EPISCOPADO LATINO-AMERICANO E DO CARIBE- aparecida – DOCUMENTO FINAL 279
    renovadas e atualizadas; hão de estar animadas sempre por um
    “ethos” político e humano, por cuja presença e eficiência se há
    de trabalhar sempre. Com outras palavras, a presença de Deus,
    a amizade com o Filho de Deus encarnado, a luz de sua Palavra,
    são sempre condições fundamentais para a presença e eficiência
    da justiça e do amor em nossas sociedades.
    Por tratar-se de um Continente de batizados, convém preencher a notável ausência, no âmbito político, comunicativo e
    universitário, de vozes e iniciativas de líderes católicos de forte
    personalidade e de vocação abnegada, que sejam coerentes com
    suas convicções éticas e religiosa. Os movimentos eclesiais têm
    aqui um amplo campo para recordar aos leigos sua responsabilidade e sua missão de levar a luz do Evangelho à vida pública,
    cultural, econômica e política.
  3. Outroscampos prioritários
    Para levar a cabo a renovação da Igreja a vós confiada nestas
    terras, eu gostaria de fixar a atenção convosco sobre alguns campos que considero prioritários nesta nova etapa.
    A família
    A família, “patrimônio da humanidade”, constitui um dos
    tesouros mais importantes dos povos latino-americanos. Ela foi
    e é escola da fé, palestra de valores humanos e cívicos, lar em que
    a vida humana nasce e é acolhida generosa e responsavelmente.
    No entanto, na atualidade sofre situações provocadas pelo secularismo e pelo relativismo ético, pelos diversos fluxos migratórios internos e externos, pela pobreza, pela instabilidade social e
    por legislações civis contrárias ao matrimônio que, ao favorecer
    os anticoncepcionais e o aborto, ameaçam o futuro dos povos.
    Em algumas famílias da América Latina, persiste ainda, infelizmente, uma mentalidade machista, ignorando a novidade
    do cristianismo que reconhece e proclama a igual dignidade e
    responsabilidade da mulher com relação ao homem.
    280 CELAM
    A família é insubstituível para a serenidade pessoal e para a
    educação dos filhos. As mães que querem dedicar-se plenamente
    à educação de seus filhos e ao serviço da família devem ter as
    condições necessárias para poder fazê-lo, e para isso têm direito
    de contar com o apoio do Estado. De fato, o papel da mãe é fundamental para o futuro da sociedade.
    O pai, por sua parte, tem o dever de ser verdadeiramente
    pai, que exerce sua indispensável responsabilidade e colaboração na educação de seus filhos. Os filhos, para seu crescimento
    integral, têm o direito de poder contar com o pai e com a mãe,
    para que cuidem deles e os acompanhem rumo à plenitude de
    sua vida. É necessária, pois, uma pastoral familiar intensa e vigorosa. É indispensável também promover políticas familiares
    autênticas que respondam aos direitos da família como sujeito
    social imprescindível. A família faz parte do bem dos povos e da
    humanidade inteira.
    Os sacerdotes
    Os primeiros promotores do discipulado e da missão são
    aqueles que foram chamados “para estar com Jesus e ser enviados a pregar” (cf. Mc 3,14), ou seja, os sacerdotes. Eles devem
    receber de modo preferencial a atenção e o cuidado paterno dos
    seus Bispos, pois são os primeiros agentes de uma autêntica renovação da vida cristã no povo de Deus. A eles quero dirigir uma
    palavra de afeto paterno desejando “que o Senhor seja parte da
    sua herança e do seu cálice” (cf. Sl 16,5). Se o sacerdote fizer de
    Deus o fundamento e o centro de sua vida, então experimentará
    a alegria e a fecundidade da sua vocação. O sacerdote deve ser
    antes de tudo um “homem de Deus” (1Tim 6,11); um homem
    que conhece a Deus “em primeira mão”, que cultiva uma profunda amizade pessoal com Jesus, que compartilha os “sentimentos
    de Jesus” (cf. Fil 2,5). Somente assim o sacerdote será capaz de
    levar Deus – o Deus encarnado em Jesus Cristo – aos homens, e
    de ser representante do seu amor. Para cumprir a sua altíssima
    missão deve possuir uma sólida estrutura espiritual e viver toda
    V CONFERÊNCIA GERAL DO EPISCOPADO LATINO-AMERICANO E DO CARIBE- aparecida – DOCUMENTO FINAL 281
    a existência animado pela fé, a esperança e a caridade. Tem de
    ser, como Jesus, um homem que procure, através da oração, o
    rosto e a vontade de Deus, cultivando igualmente sua preparação cultural e intelectual.
    Queridos sacerdotes deste Continente e quantos que, como
    missionários, nele viestes a trabalhar: o Papa acompanha vossa
    atividade pastoral e deseja que estejais repletos de consolações e
    de esperança, e reza por vós.
    Religiosos, religiosas e consagrados
    Quero dirigir-me também aos religiosos, às religiosas e aos
    leigos e leigas consagrados. A sociedade latino-americana e caribenha tem necessidade do vosso testemunho: em um mundo
    que tantas vezes busca, sobretudo, o bem-estar, a riqueza e o
    prazer como finalidade da vida, e que exalta a liberdade prescindindo da verdade do homem criado por Deus, vós sois testemunhas de que existe outra forma de viver com sentido; lembrai aos
    vossos irmãos e irmãs que o Reino de Deus chegou; que a justiça
    e a verdade são possíveis se nos abrimos à presença amorosa de
    Deus nosso Pai, de Cristo nosso irmão e Senhor, do Espírito Santo nosso Consolador. Com generosidade e até ao heroísmo, continuai trabalhando para que na sociedade reine o amor, a justiça,
    a bondade, o serviço, a solidariedade conforme o carisma dos
    vossos fundadores. Abraçai com profunda alegria vossa consagração, que é instrumento de santificação para vós e de redenção
    para vossos irmãos.
    A Igreja da América Latina vos agradece pelo grande trabalho que vindes realizando ao longo dos séculos pelo Evangelho
    de Cristo a favor de vossos irmãos, principalmente pelos mais
    pobres e marginalizados. Convido a todos para que colaborem
    sempre com os bispos, trabalhando unidos a eles que são os responsáveis pela pastoral. Exorto-vos também a uma obediência
    sincera à autoridade da Igreja. Não tenham outro ideal que não
    sejaasantidadeconformeosensinamentosdevossosfundadores.
    282 CELAM
    Os leigos
    Nesta hora em que a Igreja deste Continente se entrega
    plenamente à sua vocação missionária, lembro aos leigos que
    são também Igreja, assembléia convocada por Cristo para levar
    seu testemunho ao mundo inteiro. Todos os homens e mulheres
    batizados devem tomar consciência de que foram configurados
    com Cristo Sacerdote, Profeta e Pastor, através do sacerdócio
    comum do Povo de Deus. Devem sentir-se co-responsáveis na
    construção da sociedade segundo os critérios do Evangelho, com
    entusiasmo e audácia, em comunhão com os seus Pastores.
    São muitos os fiéis que pertencem a movimentos eclesiais,
    nos quais podemos ver os sinais da multiforme presença e ação
    santificadora do Espírito Santo na Igreja e na sociedade atual.
    Eles são chamados para levar ao mundo o testemunho de Jesus
    Cristo e ser fermento do amor de Deus na sociedade.
    Os jovens e a pastoral vocacional
    Na América Latina a maioria da população está formada por
    jovens. A este respeito, devemos recordar-lhes que sua vocação
    é ser amigos de Cristo, discípulos, sentinelas do amanhã, como
    costumava dizer o meu predecessor João Paulo II. Os jovens não
    temem o sacrifício, mas, sim, uma vida sem sentido. São sensíveis à chamada de Cristo que os convida a segui-lo. Podem responder a essa chamada como sacerdotes, como consagrados e
    consagradas, ou ainda como pais e mães de família, dedicados
    totalmente a servir aos seus irmãos com todo o seu tempo, sua
    capacidade de entrega e com a vida inteira. Os jovens encaram
    a existência como uma constante descoberta, não se limitando
    às modas e tendências comuns, indo mais além com uma curiosidade radical acerca do sentido da vida, e de Deus Pai-Criador e
    Deus-Filho Redentor no seio da família humana. Eles devem se
    comprometer por uma constante renovação do mundo à luz de
    Deus. Mais ainda: cabe-lhes a tarefa de opor-se às fáceis ilusões
    da felicidade imediata e dos paraísos enganosos da droga, do
    prazer, do álcool, junto com todas as formas de violência.
    V CONFERÊNCIA GERAL DO EPISCOPADO LATINO-AMERICANO E DO CARIBE- aparecida – DOCUMENTO FINAL 283
    6.“Fica conosco”
    Os trabalhos desta V Conferência nos levam a fazer nossa a
    súplica dos discípulos de Emaús: “Fica conosco, pois já é tarde e
    a noite vem chegando” (Lc 24, 29).
    Ficai conosco, Senhor, acompanhai-nos, ainda que nem
    sempre tenhamos sabido reconhecer-vos. Ficai conosco, porque
    as sombras vão se tornando densas ao nosso redor, e vós sois a
    Luz; em nossos corações se insinua a desesperança, e vós nos
    fazeis arder com a certeza da Páscoa. Estamos cansados do caminho, mas vós nos confortais na fração do pão para anunciar aos
    nossos irmãos que na verdade vós ressuscitastes e nos destes a
    missão de ser testemunhas da vossa ressurreição.
    Ficai conosco, Senhor, quando ao redor da nossa fé católica
    surgem as névoas da dúvida, do cansaço ou da dificuldade; vós,
    que sois a própria Verdade como revelador do Pai, iluminai nossas mentes com a vossa Palavra; ajudai-nos a sentir a beleza de
    crer em vós.
    Ficai em nossas famílias, iluminai-as em suas dúvidas, sustentai-as em suas dificuldades, consolai-as em seus sofrimentos
    e na fadiga de cada dia, quando ao redor delas se acumulam sombras que ameaçam sua unidade e sua natureza. Vós que sois a
    Vida, permanecei em nossos lares, para que continuem sendo
    ninhos onde nasça a vida humana abundante e generosamente,
    onde se acolha, se ame, se respeite a vida desde a sua concepção
    até o seu término natural.
    Ficai, Senhor, com aqueles que em nossas sociedade são
    mais vulneráveis; ficai com os pobres, com os indígenas e com os
    afro-americanos, que nem sempre encontraram espaços e apoio
    para expressar a riqueza de sua cultura e a sabedoria de sua identidade. Ficai, Senhor, com nossas crianças e com nossos jovens,
    que são a esperança e a riqueza de nosso Continente; protegei-os
    de tantas insídias que atentam contra a sua inocência e contra
    suas legítimas esperanças. Ó bom Pastor, ficai com nossos an-
    284 CELAM
    ciãos e com nossos doentes. Fortalecei todos em sua fé, para que
    sejam vossos discípulos e missionários!
    Conclusão
    Ao concluir minha permanência entre vós, desejo invocar a
    proteção da Mãe de Deus e Mãe da Igreja sobre vossas pessoas e
    sobre toda a América Latina e o Caribe. Imploro de forma especial a Nossa Senhora – sob a invocação de Guadalupe, Padroeira
    da América, e de Aparecida, Padroeira do Brasil – que vos acompanhe em vossa bela e exigente tarefa pastoral. A ela confio o
    Povo de Deus nesta etapa do terceiro milênio cristão. A ela peço
    também que guie os trabalhos e reflexões desta Conferência Geral, e que abençoe com abundantes dons os queridos povos deste
    continente.
    Antes de voltar para Roma quero deixar à V Conferência
    Geral do Episcopado Latino-Americano e do Caribe uma lembrança que possa acompanhá-la e inspirá-la. Relaciona-se à maravilhosa e típica arte, proveniente do povo cuzquenho do Peru.
    Nela está representado o Senhor, pouco antes de subir ao céu,
    dando aos que o seguiam a missão de fazer discípulos todos os
    povos. As imagens evocam a estreita relação de Jesus Cristo com
    seus discípulos e missionários para a vida do mundo. O último
    quadro representa São JoãoDiego, evangelizando com a imagem
    da Virgem Maria, com seu típico traje e com a Bíblia na mão. A
    história da Igreja nos ensina que a verdade do evangelho, quando assumida com sua beleza e com os nossos olhos e acolhida
    com fé pela inteligência e coração, nos ajudam a contemplar as
    dimensões do mistério que provocam nossa admiração e nossa
    adesão.
    Despeço-me cordialmente de todos vós com esta firme esperança no Senhor.
    Muito obrigado.
    Índice ANALÍTICO
    Acompanhamento 79, 100c, 100e,
    212, 282, 306, 317, 337, 394, 411,
    421, 422, 437g, 437j, 437m, 446c,
    489, 518k
    Acompanhar 200, 205, 261, 280a, 282,
    397, 402, 413, 414, 426, 437j, 448,
    457, 458c, 469g, 483, 486, 508
    Acontecimento 4, 13, 145, 156, 243,
    269, 388, 389, 447, 156, 243, 269,
    388, 389, 447
    Afetividade 196, 321, 441d, 518g
    Afro-descendente 56, 65, 75, 88, 89,
    91, 94, 96, 97, 99b, 128, 402, 454,
    529, 532, 533,
    Alegria 2, 7, 14, 16, 17, 26, 28, 29,
    42, 101, 103, 114, 117, 128, 145,
    167, 175a, 177, 196, 254, 261,
    270, 278e, 280d, 315, 336, 356,
    362, 364, 379, 382, 478, 513, 514,
    517h, 534, 548, 549, 552
    América Latina 8, 11, 13, 15, 18, 20,
    25, 33, 48, 56, 64, 66, 78, 82, 83,
    95, 98, 100a, 105, 114, 128, 142,
    148, 157, 170, 178, 213, 220, 221,
    247, 258, 276, 297, 309, 315, 328,
    344, 345, 361, 363, 364, 381, 406,
    408, 411, 419, 423, 443, 453, 454,
    461, 471, 473, 476, 490, 499, 520,
    521, 524, 525, 527, 529, 537, 541,
    545, 548, 550
    Amizade 15, 255, 299, 319, 355, 398,
    442, 528, 535, 539
    Amor 2, 7, 61, 64, 99a, 117, 118, 127,
    128, 133, 138, 139, 141, 143, 146,
    158, 159, 160, 161, 175g, 177,
    186, 210, 219, 259, 262, 271, 275,
    278c, 278d, 278e, 291, 292, 300,
    303, 318, 319, 320, 321, 350, 353,
    358, 368, 382, 384, 385, 386, 388,
    396, 416, 422, 433, 437e, 437j,
    449, 450, 457, 459, 469f, 472, 491,
    522, 537, 543, 548, 553
    Amor de Deus 6, 7, 13, 14, 17, 22, 25,
    27, 29, 35, 102, 106, 107, 109,
    115, 125, 134, 136, 137, 143, 147,
    149, 241, 242, 253, 254, 256, 261,
    263, 265, 273, 348, 356, 357, 388,
    405, 419, 420, 434, 494, 532, 543,
    548, 550
    Antropologia 100b, 451, 463d
    Aparecida 1, 3, 7, 247, 265, 270, 477,
    526, 537, 547
    Apóstolos 31, 156, 158, 178, 186, 208,
    214, 256, 267, 273, 275, 276, 308,
    417, 552
    Ardor 100c, 167, 201, 275, 284, 362, 370
    Arte 7, 35, 106, 174, 210, 255, 283,
    478, 480, 496, 499, 518m
    Ascese 321
    Associação 128, 169, 179, 182, 214,
    281, 311, 437a, 458c, 513, 518j
    Audácia 11, 251, 273, 549, 552
    Batismo 10, 100e, 127, 149, 153, 157,
    160, 175b, 184, 186, 205, 209,
    211, 213, 228, 278b, 288, 349,
    350, 357, 377, 382
    286 CELAM
    Batizado 7, 12, 127, 157, 162, 167,
    168, 186, 214, 227, 276, 288, 293,
    307, 349, 460, 549
    Bem comum 44, 69, 122, 239, 256,
    391, 404, 406b, 406c, 406e, 445,
    473, 475, 504, 518j
    Bem estar 29, 50, 73, 122, 404
    Bem terreno, 109
    Biodiversidade 66, 83, 84, 125, 473
    Bispo 1, 9, 99e, 165, 166, 169, 177,
    179, 181, 182, 186, 187, 188, 189,
    190, 195, 199, 206, 218, 222, 248,
    256, 281, 282, 291, 297, 313, 324,
    366, 371, 469a, 486, 508, 544,
    550
    Busca 47, 52, 56, 88, 99g, 156, 168,
    234, 266, 278a, 291, 344, 371,
    385, 442, 443
    Caminho 1, 6, 7, 9, 13, 19, 20, 21, 22,
    23, 29, 44, 101, 118, 119, 136,
    137, 143, 149, 169, 176, 177,
    180, 196, 203, 216, 220, 226c,
    227, 228, 234, 239, 242, 246,
    248, 249, 259, 262, 270, 273,
    275, 276, 278, 280b, 280d, 281,
    300, 302, 315, 316, 321, 328,
    336, 344, 350, 351, 353, 354,
    358, 369, 371, 396, 400, 405,
    406d, 409, 413, 470, 517j, 525,
    534, 535, 537, 544, 553, 554
    Caribe 1, 8, 13, 18, 20, 25, 33, 48, 56,
    64, 78, 82, 98, 100a, 105, 114, 128,
    142, 157, 170, 178, 213, 220, 221,
    247, 276, 297, 315, 328, 344, 345,
    361, 363, 364, 369, 376, 381, 406,
    408, 411, 423, 443, 453, 454, 461,
    471, 473, 476, 490, 499, 524, 537,
    541, 545, 547, 548, 550
    Caridade 5, 7, 26, 98, 99f, 100h, 138,
    151, 162, 175, 176, 186, 187, 190,
    195, 196, 198, 199, 205, 229, 237,
    305, 316, 337, 380, 382, 385, 386,
    394, 399, 411, 420, 437l, 491, 537,
    550
    Carisma/s, 220, 311, 327
    Catequese 99a, 100d, 175, 231, 278c,
    286, 290, 294, 295, 297, 298, 299,
    300, 303, 338, 385, 446d, 463a,
    485, 499, 505
    Celebração 25, 67, 100e, 142, 151, 170,
    173, 175, 191, 252, 253, 262, 290,
    299, 350, 379, 399, 516
    Celibato 195, 196, 317, 321
    Cidadão 77, 79, 97, 286, 340, 384, 385,
    518g
    Cidade 58, 78, 126, 128, 173, 473, 505,
    509, 510, 511, 512, 513, 514, 515,
    516, 517d, 517i, 517k, 518b, 518e,
    518g, 518h, 518i, 518j, 518m, 548
    Ciência 34, 35, 41, 45, 103, 123, 124,
    174, 210, 280c, 283, 323, 423,
    437j, 465, 466, 479, 480, 494, 495
    Colegialidade 181, 189
    Competência 39, 62, 280c, 281, 463c,
    488
    Compromisso 5, 46, 85, 175d, 176,
    178, 179, 211, 226b, 226d, 228,
    238, 247, 249, 257, 276, 286, 299,
    308, 318, 342, 352, 358, 362, 363,
    373, 374b, 376, 379, 400, 433,
    446d, 457, 461, 491, 501, 526
    Comunhão 1, 3, 13, 99b, 99e, 100b,
    100e, 109, 110, 128, 129, 153,
    154, 155, 156, 157, 158, 159, 160,
    161, 162, 163, 164, 165, 166, 167,
    169, 170, 172, 179, 181, 182, 183,
    186, 188, 189, 195, 199, 202, 203,
    206, 213, 215, 217, 218, 223, 227,
    228, 233, 240, 245, 248, 249, 266,
    268, 272, 273, 278d, 302, 304,
    307, 309, 316, 317, 324, 326, 330,
    336, 338, 359, 368, 369
    Comunicação 38, 39, 41, 45, 48, 57, 60,
    99f, 100d, 128, 174, 318, 445, 484,
    485, 486a
    , 486b, 486d, 486e, 486f,
    486h, 486i, 487, 488, 489, 495,
    497b, 497c, 517i, 528, 530
    Comunidade 59, 65, 90, 95, 97, 99e,
    99g, 100e, 100h, 108, 121, 128,
    132, 138, 142, 145, 150, 159, 162,
    V CONFERÊNCIA GERAL DO EPISCOPADO LATINO-AMERICANO E DO CARIBE- aparecida – DOCUMENTO FINAL 287
    164, 170, 171, 172, 175, 175a,
    175e, 178, 179, 180, 184, 188, 193,
    202, 207, 208, 211, 213, 226d,
    228, 252, 253, 256, 266, 269, 272,
    275, 276, 278a, 278d, 280d, 281,
    289, 291, 303, 305, 309, 310, 311,
    312, 313, 316, 334, 335, 336, 338,
    342, 343, 365, 368, 370, 371, 372,
    374d, 415, 426, 427, 443, 449,
    451, 455, 457, 469e, 475, 490,
    496, 504, 513, 517e, 517f, 518b,
    531, 547, 548, 550
    Comunidade cristã 158, 168, 169, 175,
    226b, 272, 273, 282, 314, 338,
    362, 368, 369, 379, 401, 517k,
    545, 550
    Comunidade de discípulos 201, 203,
    278d, 297, 349, 364
    Comunidade eclesial 99c, 99e, 100g,
    119, 156, 170, 178, 179, 180, 204,
    205, 214, 226b, 227, 236, 275,
    286, 289, 292, 307, 338, 368, 370,
    374c, 446a, 545
    Conferência Episcopal 181, 183, 200,
    232, 298, 306, 401, 412, 430, 431,
    469a
    , 469e, 551
    Conferência Geral 1, 9, 10, 16, 19, 88,
    99e, 100b, 100h, 170, 173, 183,
    208, 247, 315, 346, 369, 379, 386,
    396, 402, 421, 446a, 477, 486,
    505, 508, 517, 526, 547, 548
    Confiança, 8, 31, 98, 269, 363, 488
    Confirmação 153, 175c, 211, 213, 288,
    377
    Continente 6, 10, 13, 19, 62, 64, 83,
    87, 88, 97, 99a, 99d, 100g, 127,
    128, 173, 176, 182, 183, 197, 213,
    217, 219, 220, 238, 245, 252, 264,
    269, 270, 273, 294, 310, 328, 344,
    362, 372, 376, 378, 379, 391, 403,
    410, 444, 477, 478, 502, 505, 521,
    522, 525, 527, 532, 537, 542, 543,
    548, 554
    Continuidade 9, 16, 19, 220, 402,
    446a, 541
    Conversão 14, 100h, 175d, 226a, 228,
    230, 232, 234, 245, 248, 260, 278b,
    278c, 289, 351, 366, 368, 382
    Conversão Pastoral 365, 366, 368, 370
    Crescimento 60, 78, 99e, 100a, 203,
    222, 226c, 249, 300, 339, 442,
    444, 496
    Crianças 50, 65, 81, 127, 135, 210,
    293, 302, 303, 304, 314, 334, 336,
    402, 409, 410, 417, 422, 424, 437f,
    437l, 438, 439, 447, 457, 467, 468,
    469g, 481, 482, 486h, 491, 499,
    554
    Criatividade 99c, 100a, 173, 287, 345,
    403, 492
    Crise 37, 304, 437h, 444, 479
    Critério 19, 36, 45, 47, 75, 99e, 99f,
    123, 210, 279, 281, 331, 387, 412,
    421, 474c, 486h, 499
    Cultura 4, 6, 7, 8, 10, 13, 22, 35, 37, 39,
    41, 43, 45, 46, 51, 52, 56, 57, 58,
    59, 61, 82, 96, 98, 99f, 100d, 121,
    156, 174, 177, 185, 192, 194, 199,
    210, 258, 262, 263, 280c, 283, 315,
    318, 321, 329, 330, 341, 342, 346,
    358, 371, 380, 387, 406b, 419,
    435, 459, 461, 462, 464, 476, 477,
    478, 479, 480, 484, 486a, 486h,
    490, 491, 493, 498, 500, 506, 509,
    512, 513, 518o, 525, 526, 533,
    540, 542, 543, 554
    Deficiência 95, 98
    Democracia 74, 75, 76, 77, 404, 406a,
    504, 541
    Desenvolvimento 60, 66, 67, 69, 71,
    73, 99f, 126, 222, 226b, 279, 300,
    385, 395, 399, 403, 406a, 406c,
    412, 456, 457, 463c, 473, 474b,
    474c, 475, 491, 507, 510, 519,
    533, 542, 549
    Desigualdade/Iniqüidade 48, 61, 62,
    358, 384, 395, 527, 528, 537
    Despersonalização 110, 512
    288 CELAM
    Deus-Pai 28, 129, 241
    Diálogo 13, 39, 56, 95, 97, 99g, 100g,
    124, 188, 206, 223, 227, 228, 231,
    232, 233, 235, 237, 238, 239, 248,
    280c, 283,, 284, 324, 344, 341,
    342, 344, 345, 363, 368, 377, 384,
    413, 437d, 458d, 465, 466, 469a,
    495, 497b, 498, 532, 533
    Dignidade 6, 7, 32, 37, 40, 41, 42, 44,
    47, 48, 61, 65, 78, 82, 98, 104, 115,
    120, 121, 122, 184, 239, 257, 265,
    372, 382, 388, 389, 390, 391, 398,
    406b, 441d, 422, 451, 453, 467,
    468, 479, 480, 525, 534, 536, 537,
    546
    Dignidade, humana 43, 85, 103, 104,
    105, 112, 217, 341, 342, 380, 387,
    389, 391, 422, 436, 446c, 533
    Dinamismo 63, 100a, 151, 251, 280c,
    330, 359, 378, 528, 533, 534, 539
    Diocese 164, 168, 169, 182, 190, 195,
    200, 281, 282, 306, 313, 314, 346,
    365, 371, 412, 430, 435, 446a,
    469a, 483, 518b, 551
    Direitos Humanos 64, 74, 79, 80, 81,
    82, 98, 429, 467, 541
    Discernimento 19, 42, 99b, 181, 187,
    214, 222, 237, 238, 275, 280c,
    294, 313, 314, 371, 486h
    Discípulo/missionário 1, 3, 10, 11, 13,
    14, 19, 20, 23, 25, 28, 30, 31, 33,
    95, 101, 121, 125, 127, 129, 134,
    144, 146, 147, 152, 153, 154, 156,
    160, 164, 170, 172, 177, 178, 181,
    184, 186, 190, 191, 201, 203, 204,
    205, 209, 213, 216, 217, 223, 227,
    229, 232, 233, 240, 245, 250, 252,
    255, 262, 269, 270, 271, 276, 278,
    278c, 279, 280d, 283, 284, 301,
    302, 307, 311, 314, 315, 316, 318,
    320, 338, 349, 362, 364, 368, 374,
    376, 377, 382, 384, 386, 393, 400,
    409, 412, 415, 426, 432, 443, 449,
    460, 463b, 469, 486, 491, 501,
    506, 518, 524, 530, 532, 538, 540,
    542, 548, 554
    Discípulo 1, 21, 28, 29, 33, 41, 101,
    103, 110, 112, 131, 132, 133, 136,
    138, 143, 144, 146, 148, 152, 154,
    155, 158, 159, 161, 167, 175, 184,
    185, 186, 199, 201, 202, 243, 244,
    248, 250, 251, 255, 256, 266, 267,
    272, 273, 277, 278a, 278d, 278e,
    282, 284, 291, 292, 297, 303, 319,
    320, 324, 347, 350, 353, 361, 363,
    377, 379, 381, 420, 443, 451, 465,
    470, 518d, 529, 548, 549
    Discriminação 533
    Diversidade 42, 43, 56, 59, 83, 90, 97,
    100f, 100g, 125, 162, 170, 202,
    311, 324, 478, 522, 525, 543
    Docilidade 100h, 284, 316
    Eclesial 19, 22, 91, 94, 99c, 99e, 99g, 100a,
    100e, 100g, 119, 128, 156, 164, 170,
    175c, 178, 179, 180, 183, 200, 204,
    205, 214, 226b, 227, 232, 236, 275,
    280c, 281, 286, 289, 292, 307, 311,
    313, 314, 337, 338, 365, 367, 368,
    370, 374c, 378, 394, 400, 411, 437j,
    446a, 446b, 454, 458a, 463a, 497a,
    518k, 518n, 544, 545, 550
    Ecologia, 83, 125, 126, 472, 474c, 491
    Economia, 35, 41, 48, 60, 63, 65, 66,
    67, 69, 70, 71, 76, 83, 97, 98, 174,
    210, 283, 406a, 406c, 419, 506
    Ecumenismo 99g, 228, 230, 231, 232,
    234
    Educação 35, 39, 65, 76, 98, 114, 117,
    118, 170, 174, 178, 210, 298, 303,
    321, 328, 329, 330, 331, 332, 334,
    335, 337, 338, 339, 340, 341, 346,
    421, 422, 437e, 441d, 441f, 445,
    446d, 453, 456, 463c, 471, 481,
    482, 507, 530, 533
    Educador 300, 339
    Encontro 4, 91, 99g, 168, 183, 226d,
    270, 278d, 326, 329, 334, 370,
    394, 412, 447, 477, 514, 537, 540
    Encontro com Jesus Cristo 11, 12, 13,
    14, 21, 28, 29, 95, 99, 99e, 145,
    147, 154, 167, 175a, 181, 226a,
    V CONFERÊNCIA GERAL DO EPISCOPADO LATINO-AMERICANO E DO CARIBE- aparecida – DOCUMENTO FINAL 289
    240, 241, 242, 243, 246, 248, 249,
    250, 251, 257, 258, 259, 263, 270,
    273, 278a, 280c, 289, 290, 297,
    305, 312, 319, 336, 343, 350, 364,
    417, 446c, 500, 548, 549
    Episcopado 1, 3, 9, 19, 88, 369, 526,
    544, 547
    Época 34, 37, 44, 76, 173, 397, 451
    Equipe 281, 372, 429
    Escola Católica 335, 336, 337
    Escritura – Bíblia, 27, 94, 262
    Escutar, 79, 103, 158, 279, 308, 348,
    366, 397, 454
    Esperança 7, 13, 14, 15, 16, 17, 21, 22,
    26, 30, 42, 64, 75, 94, 97, 99c, 99f,
    106, 119, 127, 128, 146, 158, 186,
    187, 189, 237, 259, 267, 280d,
    320, 333, 336, 362, 395, 514, 522,
    536, 543, 548, 549, 554
    Espírito Santo 1, 14, 19, 23, 33, 100h,
    106, 137, 149, 151, 152, 153, 155,
    157, 171, 222, 230, 231, 232, 236,
    241, 246, 247, 251, 262, 267, 311,
    336, 347, 348, 363, 367, 374, 447,
    547, 551
    Espiritualidade 99g, 100b, 100c, 179,
    181, 189, 198, 200, 203, 220, 240,
    259, 261, 263, 273, 284, 285, 307,
    309, 316, 319, 368, 412, 517
    Estado 63, 66, 76, 77, 80, 334, 340,
    385, 403, 410, 423, 425, 426, 428,
    438, 441c, 481, 539
    Estrutura 11, 92, 95, 100c, 100e, 112,
    121, 168, 172, 173, 210, 223, 358,
    365, 384, 385, 396, 412, 446, 450,
    454, 501, 517h, 518a, 518j, 532,
    537, 538, 539, 543, 546
    Eucaristia 7, 25, 99b, 100e, 106, 128,
    142, 153, 158, 165, 175, 175a,
    176, 177, 180, 191, 199, 228, 251,
    252, 253, 255, 262, 286, 288, 292,
    305, 316, 354, 363, 446c, 446d
    Evangelho 4, 5, 8, 11, 28, 30, 31, 41,
    95, 98, 100h, 101, 103, 106, 133,
    139, 143, 144, 173, 178, 186, 194,
    210, 217, 243, 249, 265, 266, 269,
    275, 331, 333, 335, 356, 358, 360,
    370, 382, 390, 391, 398, 400, 413,
    435, 438, 465, 466, 474c, 475,
    480, 485, 491, 501, 517d, 518g,
    520, 530, 550, 552
    Evangelização 1, 5, 9, 13, 16, 25, 26,
    93, 99e, 99f, 100c, 100d, 146, 150,
    157, 171, 173, 176, 178, 180, 183,
    207, 210, 211, 213, 217, 237, 248,
    252, 280d, 283, 287, 307, 308,
    338, 344, 346, 377, 383, 398, 418,
    419, 446b, 476, 477, 488, 492,
    500, 513, 526, 530, 543
    Experiência 37, 39, 52, 55, 118, 129,
    145, 156, 164, 167, 170, 178, 181,
    190, 195, 199, 204, 225, 226a,
    226c, 240, 244, 247, 249, 259,
    260, 263, 279, 280b, 284, 290,
    304, 308, 312, 313, 380, 398, 420,
    442, 447, 517f, 525, 529, 547
    Família 39, 40, 44, 49, 57, 60, 65, 93,
    100d, 103, 114, 115, 118, 119,
    121, 126, 127, 156, 174, 204, 207,
    210, 252, 259, 260, 267, 268, 285,
    286, 302, 303, 305, 314, 328, 329,
    337, 338, 340, 426, 429, 431, 432,
    433, 434, 435, 436, 437, 437d,
    437e, 437f, 437l, 438, 444, 446a,
    448, 449, 453, 456, 458d, 459,
    462, 463a, 463b, 463e, 466, 468,
    469a, 469h, 479, 489, 525
    Fé 2, 4, 7, 10, 12, 13, 16, 18, 19, 21, 25,
    26, 29, 32, 39, 55, 92, 95, 98, 99b,
    100d, 101, 103, 104, 105, 114, 118,
    134, 151, 156, 157, 158, 159, 160,
    164, 170, 178, 184, 186, 187, 189,
    204, 210, 226c, 229, 234, 235, 237,
    242, 243, 246, 251, 252, 256, 257,
    258, 259, 262, 264, 265, 266, 269,
    270, 273, 275, 280b, 280c, 287, 288,
    289, 293, 294, 297, 298, 300, 302,
    303, 304, 305, 308, 313, 323, 331,
    336, 338, 341, 342, 345, 349, 359,
    365, 372, 377, 379, 380, 383, 392,
    393, 394, 395, 398, 415, 436, 437c,
    440, 441f, 442, 446d, 453, 455, 456,
    461, 463c, 465, 466, 477, 478, 479,
    290 CELAM
    480, 483, 485, 494, 495, 496, 497b,
    498, 505, 514, 518d, 525, 526, 529,
    531, 533, 549, 550, 554
    Fé católica 12, 187, 258, 359, 531, 554
    Fé, cristã 13, 95, 99b, 264, 372, 377,
    480, 525, 533
    Felicidade 6, 45, 50, 69, 246, 328, 350,
    354, 355, 380, 443, 468, 549
    Fidelidade 9, 11, 139, 181, 191, 257,
    342, 367, 372, 390, 469e, 501
    Filho 1, 19, 22, 25, 28, 29, 30, 100h,
    101, 102, 103, 106, 107, 130, 132,
    134, 143, 155, 157, 176, 241, 242,
    249, 261, 267, 269, 315, 321, 336,
    347, 348, 349, 373
    Filosofia 323
    Formação 69, 77, 96, 99a, 99c, 99f,
    100e, 118, 174, 191, 194, 200,
    202, 205, 207, 212, 214, 222,
    226c, 231, 238, 276, 278, 278e,
    279, 280, 280a, 281, 282, 283,
    284, 295, 296, 299, 301, 303, 305,
    306, 308, 310, 313, 314, 316, 318,
    319, 320, 321, 322, 323, 325, 326,
    327, 329, 335, 337, 338, 341, 342,
    344, 345, 371, 413, 428, 437g,
    437i, 441a, 456, 469f, 469h, 475,
    481, 483, 486b, 486f, 489, 492,
    497a, 499, 505, 508, 517h, 518d,
    518g, 518k, 518o
    Formação centros de 327, 335, 345
    Fraternidade, 32, 181, 183, 187, 200,
    228, 272, 308, 433, 468, 514, 520,
    525
    Gênero 40, 60, 155, 523
    Globalização 34, 43, 60, 61, 62, 64,
    65, 67, 82, 90, 185, 402, 406, 444,
    465, 484, 523
    Governo 68, 404, 406b, 408, 414, 421,
    423, 437d
    Grupo 43, 59, 75, 78, 81, 88, 97, 99f,
    100f, 100g, 172, 179, 180, 185,
    214, 225, 232, 280d, 325, 372,
    401, 402, 471, 498, 513, 526, 531
    Habilidades 328
    Hedonismo 99g
    Humildade 36, 324, 363
    Identidade 8, 13, 40, 49, 58, 88, 90,
    91, 92, 96, 97, 100c, 110, 144,
    191, 192, 193, 214, 238, 251, 279,
    286, 291, 297, 312, 318, 319, 337,
    345, 373, 442, 444, 451, 457, 459,
    463d, 479, 520, 528, 530, 533,
    544, 549, 554
    Identidade cristã 144, 214, 286, 291
    Identidade eclesial 337, 544
    Idolatria 78, 109
    Impulso 16, 208, 251, 252, 284, 285,
    337, 347, 374b, 446a, 548
    Inculturação/Inculturar, 4, 94, 99b,
    479, 491
    Indígenas 4, 56, 65, 75, 88, 89, 90, 91,
    92, 94, 95, 96, 99b, 128, 325, 402,
    454, 472, 473, 529, 530, 531, 554
    Individualismo 44, 51, 110, 148, 479,
    514
    Injustiça, 26, 121, 185, 522
    Inserção, 19, 96, 192, 206, 326, 359,
    407, 427
    Inspiração 247, 269, 486i
    Integração Latino-Americana 521
    Intelectual 67, 83, 194, 248, 280, 280c,
    318, 319, 323
    Interdisciplinar 465
    Interpretação 248
    Itinerário 31, 100c, 214, 240, 255, 277,
    280d, 281, 290, 298, 322, 437c
    Jesus Cristo / Cristo 1, 4, 6, 7, 8, 10,
    11, 12, 13, 14, 15, 16, 17, 18, 19,
    20, 21, 22, 23, 25, 26, 27, 28, 29,
    30, 32, 33, 35, 41, 43, 95, 98, 99,
    99b, 99e, 99f, 101, 103, 104, 107,
    110, 115, 117, 119, 126, 127, 128,
    129, 131, 132, 134, 136, 138, 139,
    V CONFERÊNCIA GERAL DO EPISCOPADO LATINO-AMERICANO E DO CARIBE- aparecida – DOCUMENTO FINAL 291
    140, 141, 143, 145, 146, 151, 152,
    153, 155, 156, 158, 159, 160, 161,
    162, 167, 168, 170, 171, 172, 173,
    175, 175a, 175b, 176, 177, 180,
    181, 184, 185, 186, 187, 189, 193,
    196, 201, 207, 209, 211, 213, 216,
    220, 222, 224, 226a, 227, 228, 229,
    232, 236, 237, 238, 240, 242, 243,
    244, 246, 247, 248, 249, 250, 251,
    254, 255, 256, 257, 258, 259, 265,
    266, 267, 270, 271, 273, 275, 276,
    277, 278a, 278b, 278d, 278e, 279,
    280b, 280c, 280d, 281, 287, 288,
    289, 290, 291, 292, 297, 298, 299,
    300, 303, 304, 305, 307, 312, 314,
    316, 318, 319, 321, 332, 333, 335,
    336, 337, 341, 343, 347, 348, 349,
    350, 351, 352, 354, 355, 356, 357,
    358, 359, 361, 362, 368, 371, 374,
    374d, 376, 377, 380, 381, 382, 384,
    386, 392, 393, 394, 398, 399, 417,
    419, 432, 433, 443, 446c, 446d,
    450, 459, 460, 461, 477, 479, 480,
    486e, 491, 500, 501, 506, 515, 516,
    518, 523, 529, 535, 540, 542, 543,
    547, 548, 552, 549, 554
    Jovens 50, 65, 77, 85, 100d, 127, 194,
    303, 304, 314, 315, 318, 325, 326,
    328, 334, 335, 336, 338, 406b,
    410, 422, 424, 442, 443, 444, 445,
    446a, 446b, 446c, 446d, 446e,
    446f, 446h, 463c, 468, 481, 486h,
    554
    Latino-americano, povo 13, 88, 114,
    224, 258, 302, 359, 432, 520, 544
    Latino-americano 1, 3, 9, 14, 19, 88,
    99a, 100f, 100h, 127, 245, 252,
    270, 275, 369, 391, 406d, 416,
    479, 507, 525, 526, 544, 547
    Leigos 99c, 99d, 99f, 100c, 174, 195,
    199, 202, 209, 211, 212, 213,
    215, 232, 248, 280d, 281, 282,
    283, 306, 307, 313, 324, 345, 346,
    366, 371, 400, 403, 406, 413, 419,
    458b, 469b, 469h, 475, 505, 508,
    517h, 518f, 518k, 550
    Liberdade 27, 32, 42, 44, 51, 53, 69,
    80, 111, 120, 136, 141, 219, 239,
    280a, 322, 330, 334, 335, 336,
    339, 340, 351, 360, 429, 462, 479,
    514, 541
    Libertação 26, 146, 359, 385, 399, 491
    Linguagem 7, 35, 45, 55, 100d, 183,
    341, 480, 484, 510, 512, 517d,
    518, 528
    Maria 1, 141, 261, 262, 265, 266, 267,
    268, 269, 270, 271, 272, 274, 280b,
    320, 364, 451, 524, 553, 554
    Matrimônio 40, 117, 175g, 205, 432,
    433, 437c, 437d, 446, 463a, 469f
    Maturidade 175c, 175g, 196, 249, 278,
    280d, 292, 317, 318, 321, 547
    Mentalidade 96, 100c, 213, 336, 412,
    453, 463e, 510
    Mercado 45, 50, 60, 61, 63, 65, 82,
    219, 328, 539
    Mestre 103, 110, 112, 131, 136, 138,
    152, 161, 177, 186, 187, 245, 249,
    255, 274, 276, 277, 278c, 280b,
    282, 332, 336, 363, 364, 368, 372
    Método 19, 99e, 100c, 244, 276, 296,
    371, 465, 469f, 513, 547
    Metodologia 307, 446g
    Migrantes 56, 59, 65, 88, 100e, 207,
    377, 402, 411, 412, 414, 415, 416
    Ministério 94, 99c, 100e, 143, 150,
    151, 154, 162, 169, 170, 175f, 179,
    184, 188, 191, 192, 193, 194, 195,
    198, 200, 202, 207, 211, 282, 316,
    318, 322, 325, 457, 458b, 513
    Missão 11, 13, 19, 30, 31, 99d, 131,
    139, 144, 145, 146, 148, 151,
    153, 154, 158, 163, 164, 169, 176,
    188, 191, 195, 202, 203, 208, 209,
    210, 212, 213, 214, 216, 218, 223,
    233, 237, 267, 269, 270, 272, 273,
    278c, 278e, 279, 280d, 281, 284,
    286, 287, 289, 302, 317, 331, 338,
    341, 346, 347, 348, 360, 361, 362,
    363, 367, 373, 374, 375, 376, 379,
    380, 381, 386, 389, 390, 401, 418,
    432, 440, 441a, 441f, 444, 450,
    456, 460, 463d, 481, 486i, 491,
    292 CELAM
    518n, 532, 533, 545, 548, 550,
    551, 554
    Missão Continental 551
    Missionário 1, 3, 4, 10, 11, 13, 14, 19,
    20, 23, 25, 28, 30, 31, 33, 41, 95,
    99c, 99d, 99f, 100e, 101, 103, 121,
    125, 127, 129, 134, 140, 144, 147,
    150, 152, 153, 154, 156, 160, 167,
    169, 170, 172, 174, 177, 178, 179,
    181, 184, 186, 190, 191, 199, 201,
    203, 204, 205, 208, 209, 213, 214,
    216, 217, 223, 226d, 227, 229,
    232, 240, 245, 247, 250, 251, 252,
    253, 255, 262, 264, 269, 270, 271,
    275, 276, 278, 278c, 279, 280d,
    283, 284, 285, 291, 292, 301, 302,
    307, 311, 314, 315, 316, 318, 320,
    327, 337, 338, 347, 349, 362, 364,
    368, 370, 372, 374, 376, 377, 378,
    379, 382, 384, 386, 393, 400, 409,
    412, 415, 426, 432, 443, 446d,
    449, 460, 463b, 469, 486, 491,
    493, 501, 506, 518, 524, 530, 532,
    538, 540, 542, 548, 550, 551, 554,
    Mistério pascal 17, 27, 99b, 143, 250,
    251, 253, 549
    Modelo 59, 155, 191, 268, 331, 369,
    434, 438, 436d, 473, 474c, 475,
    480, 524
    Morte 6, 13, 17, 21, 29, 31, 44, 81, 95,
    98, 102, 106, 109, 112, 117, 129,
    143, 144, 175e, 185, 242, 276,
    326, 350, 351, 356, 358, 388, 418,
    419, 464, 469c, 473, 480, 515,
    523, 548
    Movimento 53, 97, 99c, 99e, 100e,
    128, 169, 170, 179, 180, 214, 215,
    230, 231, 278d, 281, 311, 312,
    313, 365, 406c, 437a, 446a, 446b,
    463a, 513, 518b
    Mudança de época 44
    Mulher 6, 11, 14, 27, 29, 32, 48, 49, 65,
    75, 97, 105, 116, 117, 120, 122,
    128, 135, 147, 151, 159, 171, 194,
    241, 242, 266, 275, 335, 353, 361,
    374b, 382, 387, 388, 402, 406b,
    406e, 422, 433, 451, 452, 453,
    454, 455, 456, 457, 458a, 458b,
    458d, 459, 460, 468, 469g, 470,
    491, 494, 503, 537, 538
    Mundo 16, 18, 22, 27, 28, 29, 30, 31, 34,
    37, 38, 44, 50, 51, 66, 87, 88, 99f,
    100d, 101, 104, 109, 110, 111, 126,
    145, 146, 148, 159, 162, 173, 174,
    175, 185, 188, 209, 210, 215, 216,
    220, 221, 227, 231, 236, 256, 265,
    266, 269, 278c, 278e, 279, 280a,
    280d, 282, 283, 285, 286, 290, 306,
    312, 316, 330, 341, 348, 357, 362,
    371, 373, 376, 390, 419, 438, 443,
    446f, 446g, 463d, 469e, 471, 479,
    480, 484, 487, 491, 492, 510, 511,
    517j, 521, 522, 523, 549, 552, 441a,
    441b, 441d, 441f, 441g, 442
    Núcleo 39, 393
    Objetivo 61, 338, 371, 413, 480, 499,
    518b,
    Olhar 30, 32, 33, 96, 136, 192, 259,
    261, 364, 388, 402, 490
    Opção 100b, 128, 146, 179, 196, 257,
    276, 322, 337, 391, 392, 393, 395,
    396, 397, 398, 399, 409, 417, 437l,
    446a, 446c, 446e, 491, 501
    Opção pelos pobres 128, 397, 398,
    399
    Originalidade 8, 111, 264, 313
    Pai 6, 7, 14, 17, 19, 21, 23, 28, 32, 100b,
    101, 102, 103, 107, 108, 113, 126,
    129, 131, 132, 133, 134, 137, 139,
    143, 144, 147, 149, 151, 152, 155,
    158, 177, 187, 193, 216, 220, 227,
    241, 248, 249, 255, 258, 266, 267,
    336, 347, 348, 350, 351, 356, 358,
    361, 373, 382, 383, 395, 470, 478,
    523, 532, 246, 550, 554
    Palavra 19, 21, 25, 27, 41, 102, 131,
    133, 142, 146, 151, 152, 165, 167,
    172, 175, 205, 211, 235, 242, 247,
    248, 249, 253, 255, 266, 271, 279,
    280c, 292, 319, 323, 348, 350,
    354, 377, 382, 386, 399, 420, 516,
    517g, 518l, 554
    V CONFERÊNCIA GERAL DO EPISCOPADO LATINO-AMERICANO E DO CARIBE- aparecida – DOCUMENTO FINAL 293
    Palavra de Deus 99a, 121, 158, 178,
    179, 180, 189, 191, 199, 226c,
    232, 247, 248, 271, 289, 298, 300,
    308, 309, 316, 323, 331, 437n,
    448, 485, 517h
    Paróquia 99e, 128, 169, 170, 172, 173,
    174, 175, 175a, 176, 179, 182, 197,
    201, 202, 203, 204, 206, 278d, 293,
    294, 296, 302, 304, 305, 306, 309,
    314, 365, 372, 437f, 446a, 483,
    490, 513, 517e, 517k, 518b, 518c
    Pastoral 19, 95, 99a, 99c, 99d, 99e, 99f,
    175f, 177, 179, 181, 183, 185, 194,
    195, 196, 197, 198, 199, 200, 207,
    211, 212, 214, 225, 231, 232, 238,
    248, 252, 253, 280, 280d, 291, 296,
    313, 314, 319, 334, 337, 338, 344,
    345, 365, 366, 367, 368, 370, 371,
    393, 394, 399, 403, 411, 412, 413,
    414, 418, 419, 421, 429, 430, 431,
    437f, , 437j, 437n, 442, 458a, 461,
    462, 474b, 475, 484, 493, 501, 517i,
    517k, 518, 518a, 518b, 518i, 518n,
    518o, 519, 533, 547
    Pastoral da Infância, 99e
    Pastoral da Juventude 99e, 463c, 446a,
    446d
    Pastoral Educativa 337
    Pastoral Familiar 99e, 302, 435, 437,
    437i, 463a
    Pastoral Orgânica 99g, 169, 198, 371,
    401
    Pastoral Social 99f, 281, 399, 401, 402
    Pastoral Universitária 343
    Pastoral Urbana 509, 513, 517
    Pastoral Vocacional 314
    Pecado 5, 6, 8, 27, 29, 92, 95, 102, 104,
    175d, 177, 227, 254, 278b, 351,
    479, 523, 532
    Pedagogia 4, 272, 280d, 322, 446b,
    469f
    Pentecostes 91, 150, 171, 269, 362, 548
    Peregrino 109, 127, 259, 260
    Pessoa 29, 36, 42, 44, 52, 118, 126,
    131, 136, 145, 172, 277, 278c,
    278e, 280b, 322, 331, 337, 339,
    359, 380, 399, 496, 517i, 539, 550
    Pessoa de Jesus Cristo 23, 136, 243,
    244, 292
    Pessoa humana 6, 42, 60, 66, 104, 105,
    112, 123, 217, 334, 335, 340, 341,
    387, 389, 390, 468, 480
    Plano 137, 365, 400, 443, 446c, 456,
    457, 497, 517b
    Pluralidade 340, 372, 520
    Pluralismo cultural e religioso 100d,
    100g, 479
    Pobreza 62, 72, 73, 89, 90, 99c, 176,
    185, 219, 379, 392, 405, 409, 439,
    444, 501, 503, 514, 517g, 528,
    540, 550
    Política 36, 48, 51, 63, 75, 76, 77, 78,
    96, 212, 403, 408, 410, 411, 414,
    422, 430, 437d, 446e, 449, 458d,
    486i, 504, 463e, 474d, 511, 517b,
    528, 537
    Povo 2, 4, 6, 8, 9, 13, 16, 21, 33, 43, 56,
    74, 77, 83, 85, 88, 90, 92, 93, 95,
    96, 98, 99b, 114, 125, 128, 129,
    143, 155, 159, 164, 178, 189, 198,
    209, 224, 235, 238, 239, 247, 258,
    262, 264, 271, 298, 302, 311, 325,
    353, 364, 375, 380, 382, 389, 391,
    406, 432, 447, 448, 473, 476, 477,
    478, 482, 491, 504, 515, 520, 524,
    525, 528, 529, 530, 532, 534, 538,
    542, 544, 548, 549, 550
    Povo de Deus 7, 10, 127, 155, 157, 163,
    165, 181, 182, 186, 187, 188, 190,
    199, 206, 209, 252, 259, 282, 312,
    314, 320, 375, 491, 550
    Povos nossos 1, 3, 7, 10, 13, 14, 18, 19,
    22, 25, 26, 30, 32, 35, 88, 99c, 99d,
    99g, 106, 127, 128, 140, 162, 176,
    250, 256, 262, 264, 265, 269, 274,
    329, 346, 347, 348, 350, 359, 361,
    381, 384, 386, 389, 396, 401, 402,
    294 CELAM
    403, 435, 436, 443, 474a, 476, 520,
    521, 524, 526, 535, 536, 543, 549
    Presbitério 165, 198, 326
    Presença 21, 65, 75, 88, 99c, 99e, 100d,
    119, 151, 215, 217, 237, 244, 257,
    269, 272, 279, 280c, 281, 312,
    343, 374, 383, 405, 438, 458b,
    474b, 491, 504, 517k, 518i, 518j,
    524, 549
    Processo 45, 61, 69, 73, 74, 94, 96,
    204, 245, 249, 276, 278, 278a,
    279, 281, 288, 289, 293, 294, 298,
    300, 314, 319, 334, 337, 338, 356,
    365, 399, 427, 429, 430, 441c,
    446c, 446d, 473, 484, 518d, 523,
    528, 539, 541
    Processo de formação 276, 278, 279,
    280, 280a, 308, 310, 318, 319,
    321, 322, 326, 338, 518g
    Profeta 30, 209, 471
    Programa 11, 46, 145, 207, 252, 370,
    372, 427, 437g, 458d, 469d, 469f
    Projeto 66, 90, 122, 141, 145, 153,
    169, 170, 179, 202, 213, 266, 280d,
    281, 314, 318, 319, 326, 332, 335,
    337, 340, 356, 361, 371, 407, 431,
    437b, 457, 505, 515, 518b, 533,
    534
    Projeto de vida 129, 294, 302, 321
    Projeto do Pai, 266, 358
    Projeto do Reino, 520
    Promoção humana 26, 98, 99d, 146,
    338, 346, 399, 401, 429, 550
    Protagonismo 128, 214, 458a
    Proximidade 139, 257, 259, 363, 398,
    517i, 518c
    Qualidade 65, 96, 123, 329, 334, 360,
    445, 499
    Querigmático 226a
    Reconciliação 7, 98, 142, 162, 175,
    175d, 177, 199, 202, 228, 254,
    267, 278b, 350, 353, 359, 363,
    430, 446c, 518e, 524, 534, 535,
    542, 546
    Reino 11, 17, 30, 33, 139, 144, 152,
    154, 190, 212, 219, 224, 250, 358,
    361, 383, 384, 441a, 516, 518j,
    520, 548
    Reino de Deus 19, 29, 95, 121, 184,
    196, 223, 276, 278e, 280d, 282,
    315, 367, 374a, 380, 382, 417,
    438, 518i, 552
    Reino de vida 24, 143, 353, 358, 361,
    366
    Relação 44, 58, 104, 131, 132, 193,
    227, 235, 255, 331, 358, 385, 452,
    476, 518i, 544
    Religiosidade Popular 37, 43, 93, 99b,
    258, 300, 549
    Renovação 9, 99a, 99b, 99e, 100b,
    100h, 172, 173, 201, 294, 337,
    365, 367, 369, 443, 513
    Respeito 44, 64, 74, 89, 96, 233, 238,
    258, 441a, 448, 469c, 469e, 472,
    473, 479, 546
    Rosto 22, 32, 35, 65, 100h, 107, 188,
    224, 257, 265, 271, 392, 393, 402,
    407, 445, 529
    Sacramento 19, 25, 117, 142, 155,
    175f, 177, 187, 195, 199, 202, 237,
    251, 254, 278b, 350, 396, 420, 433,
    437c, 518e, 523, 424, 535, 542
    Sagrado 93, 108, 112, 195, 388, 398,
    482
    Salvação 19, 129, 134, 137, 143, 146,
    151, 158, 172, 236, 237, 266, 267,
    273, 331, 437j, 477, 480
    Santidade 5, 99c, 129, 148, 163, 184,
    187, 220, 230, 262, 275, 315, 316,
    352, 368, 374d, 505
    Santo 1, 3, 7, 9, 14, 17, 19, 23, 33, 98,
    100h, 106, 127, 130, 137, 149,
    151, 152, 153, 155, 157, 160, 171,
    222, 230, 231, 232, 236, 241, 246,
    260, 251, 259, 262, 267, 273, 290,
    V CONFERÊNCIA GERAL DO EPISCOPADO LATINO-AMERICANO E DO CARIBE- aparecida – DOCUMENTO FINAL 295
    311, 336, 347, 348, 363, 367, 374,
    395, 447, 547, 551
    Santuário 3, 259, 260, 264, 265, 268,
    269, 537
    Seguimento 41, 129, 139, 147, 167,
    179, 216, 232, 250, 266, 270, 276,
    277, 278c, 282, 287, 289, 291,
    305, 371, 446c, 450, 506, 532,
    543, 549
    Seminário 99c, 183, 314, 316, 317,
    318, 319, 322, 323, 326, 413,
    469c, 475
    Ser humano 13, 27, 36, 37, 44, 98,
    105, 108, 112, 116, 141, 176, 330,
    332, 333, 356, 384, 387, 388, 390,
    446c, 464, 467, 469c, 470, 480,
    503, 514
    Serviço 9, 13, 14, 24, 32, 33, 45, 60, 63,
    66, 68, 69, 75, 82, 95, 98, 99c, 99d,
    100c, 106, 111, 119, 120, 128, 151,
    158, 162, 169, 170, 175f, 178, 179,
    181, 183, 184, 188, 190, 193, 201,
    202, 205, 206, 216, 220, 223, 224,
    240, 262, 272, 278e, 279, 280b,
    280c, 280d, 281, 282, 284, 285, 289,
    296, 299, 303, 313, 315, 316, 322,
    324, 336, 338, 341, 344, 345, 346,
    347, 353, 358, 366, 372, 387, 394,
    399, 406c, 412, 440, 446b, 450, 457,
    463f, 473, 485, 490, 504, 516, 517g,
    518c, 518e, 518m, 518n, 520, 530,
    537, 544, 545, 553
    Sexualidade 44, 196, 321, 328, 356,
    437e, 441d
    Sinal 4, 14, 125, 155, 161, 162, 176,
    179, 196, 214, 255, 261, 290, 316,
    356, 374, 380, 433, 438, 536
    Sinal dos tempos, 33, 99g, 366
    Sociedade civil 75, 372, 406a, 414, 426
    Solidariedade 7, 26, 39, 57, 64, 65,
    93, 99g, 100e, 103, 126, 167, 199,
    245, 248, 337, 363, 372, 394, 396,
    398, 400, 404, 406e, 437m, 441d,
    469g, 474c, 480, 514, 517c, 522,
    525, 528, 534, 544, 545, 550
    Subjetividade 44, 479
    Tarefa 7, 10, 14, 100c, 104, 120, 144,
    146, 171, 189, 195, 197, 200, 236,
    276, 285, 287, 293, 297, 304, 337,
    381, 384, 385, 386, 403, 414, 464,
    483, 492, 500, 507, 546, 552
    Técnica 45, 479, 487
    Tecnologia 34, 42, 60, 62, 123
    Teologia 124, 323, 344, 437j, 490
    Testemunho 16, 55, 98, 99c, 99f, 105,
    138, 140, 144, 172, 187, 189, 207,
    208, 210, 211, 212, 219, 221, 224,
    226, 228, 233, 236, 237, 239, 249,
    256, 257, 262, 273, 274, 275, 278a,
    281, 290, 303, 315, 317, 341, 352,
    362, 363, 368, 371, 374d, 378,
    385, 386, 449, 451, 460, 483, 496,
    532548, 554
    Trabalho 19, 48, 62, 65, 71, 93, 98,
    99c, 103, 120, 121, 122, 174, 185,
    210, 284, 371, 402, 404, 407, 414,
    426, 437j, 446f, 450, 475, 492,
    517, 518m, 539
    Transcendência 52, 57, 126, 260, 263,
    339, 481
    Transformação 44, 90, 151, 210, 283,
    336, 351, 394, 397, 486c
    Trindade 117, 141, 155, 157, 240, 304,
    347, 451, 543
    Unidade 8, 36, 37, 60, 155, 159, 162,
    176, 188, 189, 202, 206, 227, 230,
    231, 232, 234, 240, 279, 282, 288,
    303, 313, 324, 335, 336, 362, 520,
    523, 524, 525, 527, 528, 544, 554
    Universidade 343, 346
    Universidade Católica 341, 342, 463d,
    469d, 498
    Urbano 60, 173, 474b, 511, 514, 517,
    517j, 518
    Valor 22, 43, 51, 52, 57, 58, 61, 66, 74,
    91, 92, 93, 95, 96, 99g, 106, 108,
    109, 114, 123, 204, 212, 215, 219,
    221, 224, 262, 279, 302, 321, 328,
    329, 330, 331, 332, 334, 335, 339,
    340, 341, 358, 371, 374, 385, 387,
    388, 398, 404, 422, 423, 428, 435,
    296 CELAM
    444, 451, 463c, 468, 479, 482,
    486c, 486h, 491, 497, 506, 518i,
    518j, 530, 532, 537, 552,
    Verdade 1, 2, 5, 6, 13, 19, 22, 42, 61,
    100h, 101, 108, 116, 123, 129,
    136, 137, 152, 186, 220, 229, 242,
    246, 249, 276, 280c, 336, 350, 380,
    390, 428, 477, 480, 494, 496, 507,
    508, 535, 542, 548, 550, 554
    Vida consagrada/contemplativa 99c,
    100b, 100e, 169, 216, 218, 219,
    220, 221, 222, 224, 232, 278d,
    314, 315, 446c, 518b
    Vida cristã 100b, 110, 158, 168, 175,
    175a, 204, 263, 278c, 278d, 280d,
    286, 289, 293, 294, 312, 314, 348,
    394, 505, 517g, 535
    Vida digna 35, 71, 112, 125, 358, 359,
    361, 363, 425, 467
    Vida em Cristo, 13, 128, 175, 229, 250,
    281, 348, 349, 355, 356, 357, 359,
    361, 362, 399
    Vida nova 11, 220, 250, 281, 332, 348,
    349, 350, 351, 356, 357, 399, 536
    Vida social 35, 78, 212, 453, 480, 501,
    480, 501
    Vida Trinitária 347, 348
    Vida, estilo de 7, 51, 58, 66, 100h, 131,
    139, 196, 272, 273, 280d, 387,
    461, 474a, 540
    Vida, sentido da 38, 52, 143, 291, 314,
    380, 443
    Violência, 8, 29, 48, 65, 73, 78, 95,
    185, 197, 207, 239, 328, 402, 409,
    410, 411, 414, 427, 439, 443, 446f,
    454, 461, 468, 514, 542, 543
    Vocação 6, 14, 19, 31, 32, 36, 39, 41, 42,
    43, 107, 111, 129, 144, 156, 164,
    167, 181, 185, 186, 250, 251, 264,
    276, 278e, 282, 285, 303, 315, 317,
    319, 321, 443, 449, 457, 460, 463a,
    480, 502, 505, 508, 523, 534
    Vulnerabilidade 83, 438, 458c
    Índice geral
    5 Siglas
    7 Carta de SS. Bento XVI
    9 Introdu ção
    19 Primeira parte
    A vida de nossos povos hoje
    21 I. Os discípulos missionários
    22 1.1. Ação de graças a Deus
    24 1.2. A alegria de ser discípulos e missionários de Jesus Cristo
    24 1.3. A missão da Igreja é evangelizar
    27 II. Olhar dos discípulos missionários sobre a realidade
    27 2.1 A realidade que nos desafia como discípulos e missionários
    31 2.1.1 Situação sócio-cultural
    37 2.1.2 Situação econômica
    43 2.1.3 Dimensão sócio-política
    46 2.1.4 Biodiversidade, ecologia, Amazônia e Antártida
    48 2.1.5 Presença dos povos indígenas e afro-americanos na Igreja
    51 2.2 Situação de nossa Igreja nesta hora histórica de desafios
    59 Segunda parte
    A vida de jesus cristo
    Nos discípulos missionários
    61 III. A alegria de sermos discípulos missionários
    para anunciar o evangelho de Jesus Cristo
    62 3.1. A boa nova da dignidade humana
    63 3.2 A boa nova da vida
    65 3.3 A boa nova da família
    66 3.4 A boa nova da atividade humana
    66 3.4.1 O trabalho
    67 3.4.2 A ciência e a tecnologia
    298 CELAM
    68 3.5. A boa nova do destino universal dos bens e da ecologia
    69 3.6. O Continente da esperança e do amor
    71 IV. A vocação dos discípulos missionários à santidade
    71 4.1 Chamados ao seguimento de Jesus Cristo
    73 4.2 Parecidos com o Mestre
    75 4.3 Enviados a anunciar o Evangelho do Reino da vida
    77 4.4 Animados pelo Espírito Santo
    81 V. A comunhão dos discípulos missionários na Igreja
    81 5.1 Chamados a viver em comunhão
    84 5.2 Lugares eclesiais para a comunhão
    84 5.2.1 A diocese, lugar privilegiado da comunhão
    86 5.2.2 A paróquia, comunidade de comunidades
    90 5.2.3 ComunidadesEclesiaisdeBaseePequenasComunidades
    92 5.2.4 As Conferências Episcopais
    e a comunhão entre as Igrejas
    93 5.3. Discípulos missionários com vocações específicas
    94 5.3.1 Os bispos, discípulos missionários
    de Jesus Sumo Sacerdote
    95 5.3.2 Os presbíteros, discípulos missionários
    de Jesus Bom Pastor
    95 5.3.2.1 Identidade e missão dos presbíteros
    99 5.3.2.2 Os párocos, animadores de uma comunidade
    de discípulos missionários
    100 5.3.3 Os diáconos permanentes, discípulos de Jesus Servidor
    101 5.3.4 Os fiéis leigos e leigas, discípulos e missionários de Jesus
    Luz do Mundo
    104 5.3.5 Os consagrados e consagradas,
    discípulos missionários de Jesus Testemunha do Pai
    106 5.4 Os que deixaram a Igreja para se unir a outros grupos religiosos
    108 5.5 Diálogo ecumênico e interreligioso
    108 5.5.1 Diálogo ecumênico para que o mundo creia
    108 5.5.2 Relação com o judaísmo e diálogo interreligioso
    113 VI. O caminho de formação dos discípulos missionários
    113 6.1 Uma espiritualidade trinitária do encontro com Jesus Cristo
    114 6.1.1 O encontro com Jesus Cristo
    115 6.1.2 Lugares de encontro com Jesus Cristo
    120 6.1.3 A piedade popular como lugar de encontro
    com Jesus Cristo
    123 6.1.4 Maria, discípula e missionária
    127 6.1.5 Os apóstolos e os santos
    V CONFERÊNCIA GERAL DO EPISCOPADO LATINO-AMERICANO E DO CARIBE- aparecida – DOCUMENTO FINAL 299
    128 6.2. O processo de formação dos discípulos missionários
    128 6.2.1 Aspectos do processo
    130 6.2.2 Critérios gerais
    130 6.2.2.1 Uma formação integral,
    querigmática e permanente
    131 6.2.2.2 Uma formação atenta a dimensões diversas
    132 6.2.2.3 Uma formação respeitosa dos processos
    133 6.2.2.4 Uma formação que contempla
    o acompanhamento dos discípulos
    133 6.2.2.5 Uma formação na espiritualidade
    da ação missionária
    134 6.3 Iniciação à vida cristã e catequese permanente
    134 6.3.1 Iniciação à vida cristã
    135 6.3.2 Proposta para a iniciação cristã
    137 6.3.3 Catequese permanente
    139 6.4 Lugares de formação para os discípulos missionários
    139 6.4.1 A Família, primeira escola da fé
    140 6.4.2 As Paróquias
    141 6.4.3 Pequenas comunidades eclesiais
    142 6.4.4 Os movimentos eclesiais e novas comunidades
    143 6.4.5 Os Seminários e Casas de formação religiosa
    149 6.4.6 A Educação Católica
    150 6.4.6.1 Os centros educativos católicos
    155 6.4.6.2 As universidades e centros superiores
    de educação católica
    159 Terceira parte
    A vida de jesus cristo
    Para nossos povos
    161 VII. A missão dos discípulos a serviço da vida plena
    161 7.1 Viver e comunicar a vida nova em Cristo a nossos povos
    163 7.1.1 Jesus a serviço da vida
    163 7.1.2 Várias dimensões da vida em Cristo
    165 7.1.3 A serviço da vida plena para todos
    166 7.1.4 Uma missão para comunicar vida
    168 7.2 Conversão pastoral e renovação missionária das comunidades
    170 7.3. Nosso compromisso com a missão ad gentes
    173 Viii. Reino de Deus e promoção da dignidade humana
    173 8.1 Reino de Deus, justiça social e caridade cristã
    176 8.2 A dignidade humana
    177 8.3 A opção preferencial pelos pobres e excluídos
    180 8.4Uma renovada pastoral social para a promoção humana integral
    300 CELAM
    183 8.5 Globalização da solidariedade e justiça internacional
    184 8.6 Rostos sofredores que doem em nós
    184 8.6.1 Pessoas que vivem na rua nas grandes cidades
    185 8.6.2 Migrantes
    187 8.6.3 Enfermos
    188 8.6.4 Dependentes de drogas
    190 8.6.5 Detidos em prisões
    193 Ix. Família, pessoas e vida
    193 9.1 O matrimônio e a família
    196 9.2 As crianças
    198 9.3 Os adolescentes e jovens
    201 9.4 O bem-estar dos idosos
    202 9.5 A dignidade e participação das mulheres
    205 9.6 A responsabilidade do homem e pai de família
    207 9.7 A cultura da vida: sua proclamação e sua defesa
    211 9.8 O cuidado com o meio-ambiente
    215 X. Nossos povos e nossa cultura
    215 10.1 A cultura e sua evangelização
    217 10.2 A educação como bem público
    218 10.3 Pastoral da Comunicação Social
    221 10.4 Novos areópagos e centros de decisão
    224 10.5 Discípulos e missionários na vida pública
    226 10.6 A Pastoral Urbana
    232 10.7 A serviço da unidade e fraternidade de nossos povos
    235 10.8 A integração dos indígenas e afro-americanos
    237 10.9 Caminhos de reconciliação e solidariedade
    243 Conclusão
    249 Santa Missa de inauguração da V Conferência Geral
    do Episcopado da América Latina e do Caribe,
    na praça em frente ao santuário de Aparecida
    – Homilia (13 de maio de 2007)
    255 Oração do Santo Rosário e encontro com os sacerdotes,
    os religiosos, as religiosas, os seminaristas e os diáconos
    na basílica do Santuário de Aparecida
    – Discurso (12 maio de 2007)
    263 Oração do Regina Coeli – Saudação (13 de maio de 2007)
    267 Sessão inaugural dos trabalhos da V Conferência Geral
    do Episcopado da América Latina e do Caribe,
    na sala de conferência do Santuário de Aparecida
    – Discurso (13 de maio de 2007)
    267 1. A fé cristã na américa latina
    V CONFERÊNCIA GERAL DO EPISCOPADO LATINO-AMERICANO E DO CARIBE- aparecida – DOCUMENTO FINAL 301
    270 2. Continuidade com as outras Conferências
    271 3. Discípulos e missionários
    275 4. “Para que nele tenham vida”
    276 A Missa Dominical, centro da vida cristã
    276 Os problemas sociais e políticos
    279 5. Outros campos prioritários
    279 A família
    280 Os sacerdotes
    281 Religiosos, religiosas e consagrados
    282 Os leigos
    282 Os jovens e a pastoral vocacional
    283 6. “Fica conosco”
    284 Conclusão
    285 Índice analítico

DOCUMENTO DE APARECIDA – INTRODUÇÃO
Por V CELAM
Fonte: http://redelatina.marista.edu.br/
Introdução

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  1. Com a luz do Senhor ressuscitado e com a força do Espírito Santo, nós os bispos da América nos
    reunimos em Aparecida, Brasil, para celebrar a V Conferência Geral do Episcopado Latino Americano e
    do Caribe. Fizemos isso como pastores que querem seguir estimulando a ação evangelizadora da Igreja,
    chamada a fazer de todos os seus membros discípulos e missionários de Cristo, Caminho, Verdade e Vida
    para que nossos povos tenham vida n’Ele. Fazemos isso em comunhão com todas as Igrejas locais
    presentes na América. Maria, Mãe de Jesus Cristo e de seus discípulos, tem estado muito perto de nós,
    tem-nos acolhido, tem cuidado de nós e de nossos trabalhos, amparando-nos, como a João Diego e a
    nossos povos, na dobra de seu manto, sob sua maternal proteção. Temos pedido a ela, como mãe,
    perfeita discípula e pedagoga da evangelização, que nos ensine a ser filhos em seu Filho e a fazer o que
    Ele nos disser (cf. Jo 2,5).
  2. Com alegria estivemos reunidos com o Sucessor de Pedro, Cabeça do Colégio Episcopal. Sua Santidade
    Bento XVI confirmou-nos no primado da fé em Deus, de sua verdade e amor, para o bem das pessoas e
    dos povos. Agradecemos a todos os seus ensinamentos, que foram iluminação e guia seguro para nossos
    trabalhos, especialmente, seu Discurso inaugural. A lembrança agradecida dos últimos Papas, e em
    especial por seu rico Magistério que têm estado também presente em nossos trabalhos, merece especial
    memória e gratidão.
  3. Sentimo-nos acompanhados pela oração de nosso povo católico, representado visivelmente pela
    companhia do Pastor e dos fiéis da Igreja de Deus em Aparecida e pela multidão de peregrinos de todo
    Brasil e de outros países da América ao Santuário, que nos edificaram e evangelizaram. Na comunhão
    dos santos, tivemos presente todos aqueles que nos antecederam como discípulos e missionários na
    vinha do Senhor e especialmente a nossos santos latino-americanos, entre eles Santo Toríbio de
    Mogrovejo, patrono do Episcopado latino-americano.
  4. O Evangelho chegou a nossas terras em meio a um dramático e desigual encontro de povos e culturas.
    As “sementes do Verbo”1 presentes nas culturas autóctones, facilitaram a nossos irmãos indígenas
    encontrarem no Evangelho respostas vitais às suas aspirações mais profundas: “Cristo era o Salvador que
    esperavam silenciosamente”2. A visitação de Nossa Senhora de Guadalupe foi acontecimento decisivo
    para o anúncio e reconhecimento de seu Filho, pedagogia e sinal de inculturação da fé, manifestação e
    renovado ímpeto missionário de propagação do Evangelho3.
  5. Desde a primeira evangelização até os tempos recentes a Igreja tem experimentado luzes e
    sombras4. Ela escreveu páginas de nossa história com grande sabedoria e santidade. Sofreu também
    tempos difíceis, tanto por perseguições como pelas debilidades, compromissos mundanos e incoerências,
    em outras palavras, pelo pecado de seus filhos, que confundiram a novidade do Evangelho, a
    luminosidade da verdade e a prática da justiça e da caridade. No entanto, o mais decisivo na Igreja é
    sempre a ação santa de seu Senhor.
  6. Por isso, diante de tudo damos graças a Deus e o louvamos por tudo o que nos tem sido dado.
    Acolhemos a toda a realidade do Continente como um dom: a beleza e fecundidade de suas terras, a
    riqueza de humanidade que se expressa nas pessoas, famílias, povos e culturas do Continente.
    Sobretudo, nos tem sido dado Jesus Cristo, a plenitude da revelação de Deus, um tesouro incalculável, a
    “pérola preciosa” (cf. Mt 13,45-46). Verbo de Deus feito carne, Caminho, Verdade e Vida dos homens e
    das mulheres aos quais abre um destino de plena justiça e felicidade. Ele é o único Libertador e
    Salvador que, com sua morte e ressurreição, rompeu as cadeias opressivas do pecado e da morte,
    revelando o amor misericordioso do Pai e a vocação, dignidade e destino da pessoa humana.
  7. As maiores riquezas de nossos povos são a fé no Deus de amor e a tradição católica na vida e na
    cultura. Manifesta-se na fé madura de muitos batizados e na piedade popular que expressa “o amor a
    Cristo sofredor, o Deus da compaixão, do perdão e da reconciliação (…), o amor ao Senhor presente na
    Eucaristia (…), – o Deus próximo dos pobres e dos que sofrem, – a profunda devoção à Santíssima Virgem
    de Guadalupe, de Aparecida ou dos diversos nomes nacionais e locais”5. Expressa-se também na
    caridade que em todas as partes anima gestos, obras e caminhos de solidariedade para com os mais
    necessitados e desamparados. Está presente também na consciência da dignidade da pessoa, na
    sabedoria diante da vida, na paixão pela justiça, na esperança contra toda esperança e na alegria de
    viver que move o coração de nosso povo, ainda que em condições muito difíceis. As raízes católicas
    permanecem na arte, linguagem, tradições e estilo de vida do povo, ao mesmo tempo dramático e
    festivo e no enfrentamento da realidade. Por isso, o Santo padre nos responsabilizou ainda mais, como
    Igreja, da “grande tarefa de proteger e alimentar a fé do povo de Deus”6.
  8. O dom da tradição católica é um cimento fundamental de identidade, originalidade e unidade da
    América latina e do caribe: uma realidade histórico-cultural, marcada pelo Evangelho de Cristo,
    realidade na qual abunda o pecado – abandono de Deus, comportamentos viciosos, de opressão,
    violência, ingratidões e misérias – porém, onde superabunda a graça da vitória pascal. Nossa Igreja goza,
    não obstante as debilidades e misérias humanas, de um alto índice de confiança e de credibilidade por
    parte do povo. A Igreja é morada de povos irmãos e casa dos pobres.
  9. A V Conferência do Episcopado Latino-americano e Caribenho é um novo passo no caminho da Igreja,
    especialmente desde o Concílio Ecumênico Vaticano II. Ela dá continuidade e, ao mesmo tempo,
    recapitula o caminho de fidelidade, renovação e evangelização da Igreja latino-americanas a serviço de
    seus povos, que se expressou oportunamente nas Conferências Gerais anteriores do Episcopado (Rio,
    1955; Medellín, 1968; Puebla, 1979; Santo Domingo, 1992). Em todas elas reconhecemos a ação do
    Espírito. Também nos lembramos da Assembléia Especial do Sínodo dos Bispos para América (1997).
  10. Esta V Conferência se propõe “à grande tarefa de conservar e alimentar a fé do povo de Deus e
    recordar também aos fiéis deste continente que, em virtude de seu batismo, são chamados a serem
    discípulos e missionários de Jesus Cristo”7. Com desafios e exigências, abre-se passagem para um novo
    período da história, caracterizado pela desordem generalizada que se propaga por novas turbulências
    sociais e políticas, pela difusão de uma cultura distante e hostil à tradição cristã e pela emergência de
    variadas ofertas religiosas que tratam de responder, a sua maneira, à sede de Deus que nossos povos
    manifestam.
  11. A Igreja é chamada a repensar profundamente e a relançar com fidelidade e audácia sua missão nas
    novas circunstâncias latino-americanas e mundiais. Ela não pode fechar-se àqueles que trazem
    confusão, perigos e ameaças ou àqueles que pretendem cobrir a variedade e complexidade das situações
    com uma capa de ideologias gastas ou de agressões irresponsáveis. Trata-se de confirmar, renovar e
    revitalizar a novidade do Evangelho arraigada em nossa história, a partir de um encontro pessoal e
    comunitário com Jesus Cristo, que desperte discípulos e missionários. Isso não depende de grandes
    programas e estruturas, mas de homens e mulheres novos que encarnem essa tradição e novidade,
    como discípulos de Jesus Cristo e missionários de seu reino, protagonistas de uma vida nova para uma
    América Latina que deseja se reconhecer com a luz e a força do Espírito.
  12. Uma fé católica reduzida a conhecimento, a um elenco de algumas normas e de proibições, a
    práticas de devoção fragmentadas, a adesões seletivas e parciais das verdades da fé, a uma participação
    ocasional em alguns sacramentos, à repetição de princípios doutrinais, a moralismos brandos ou
    crispados que não convertem a vida dos batizados, não resistiria aos embates do tempo. Nossa maior
    ameaça “é o medíocre pragmatismo da vida cotidiana da Igreja na qual, aparentemente, tudo procede
    com normalidade, mas na verdade a fé vai se desgastando e degenerando em mesquinhez”8. A todos nos
    toca “recomeçar a partir de Cristo”9, reconhecendo que “não se começa a ser cristão por uma decisão
    ética ou uma grande idéia, mas pelo encontro com um acontecimento, com uma Pessoa, que dá um
    novo horizonte à vida e, com isso, uma orientação decisiva”10.
  13. Na América Latina e no Caribe, quando muitos de nossos povos se preparam para celebrar o bicentenário de sua independência, encontramo-nos diante do desafio de revitalizar nosso modo de ser
    católico e nossas opções pessoais pelo Senhor, para que a fé cristã se estabeleça mais profundamente no
    coração das pessoas e dos povos latino-americanos como acontecimento fundante e encontro vivificante
    com Cristo, manifestado como novidade de vida e de missão de todas as dimensões da existência pessoal
    e social. Isto requer, a partir de nossa identidade católica, uma evangelização muito mais missionária,
    em diálogo com todos os cristãos e a serviço de todos os homens. Do contrário, “o rico tesouro do
    Continente Americano… seu patrimônio mais valioso: a fé no Deus de amor…”11 corre os risco de
    seguir desgastando-se e diluindo-se de maneira crescente em diversos setores da população. Hoje se
    considera escolher entre caminhos que conduzem à vida ou caminhos que conduzem à morte (cf. Dt
    30.15). Caminhos de morte são os que levam a dilapidar os bens que recebemos de Deus através
    daqueles que nos precederam na fé. São caminhos que traçam uma cultura sem Deus e sem seus
    mandamentos ou inclusive contra Deus, animada pelos ídolos do poder, da riqueza e do prazer efêmero,
    a qual termina sendo uma cultura contra o ser humano e contra o bem dos povos latino-americanos. Os
    caminhos de vida verdadeira e plena para todos, caminhos de vida eterna, são aqueles abertos pela fé
    que conduzem à “plenitude de vida que Cristo nos trouxe: com esta vida divina, também se desenvolve
    em plenitude a existência humana, em sua dimensão pessoal, familiar, social e cultural”12. Essa é a
    vida que Deus nos participa por seu amor gratuito, porque “é o amor que dá a vida”13. Estes caminhos
    frutificam nos dons de verdade e de amor que nos foram dados em Cristo, na comunhão dos discípulos e
    missionários do Senhor, para que América Latina e Caribe sejam efetivamente um continente no qual a
    fé, a esperança e o amor renovem a vida das pessoas e transformem as culturas dos povos.
  14. O Senhor nos disse: “não tenham medo” (Mt 28,5). Como às mulheres na manhã da Ressurreição nos
    é repetido: “Por que buscam entre os mortos aquele que está vivo?” (Lc 24,5). Os sinais da vitória de
    Cristo ressuscitado nos estimulam enquanto suplicamos a graça da conversão e mantemos viva a
    esperança que não defrauda. O que nos define não são as circunstâncias dramáticas da vida, nem os
    desafios da sociedade ou as tarefas que devemos empreender, mas todo o amor recebido do Pai, graças
    a Jesus Cristo pela unção do Espírito Santo. Esta prioridade fundamental é a que tem presidido todos os
    nossos trabalhos que oferecemos a Deus, à nossa Igreja, a nosso povo, a cada um dos latino-americanos,
    enquanto elevamos ao Espírito Santo nossa súplica para que redescubramos a beleza e a alegria de ser
    cristãos. Aqui está o desafio fundamental que contrapomos: mostrar a capacidade da Igreja de promover
    e formar discípulos que respondam à vocação recebida e comuniquem em todas as partes,
    transbordando de gratidão e alegria, o dom do encontro com Jesus Cristo. Não temos outro tesouro a
    não ser este. Não temos outra felicidade nem outra prioridade que não seja sermos instrumentos do
    Espírito de Deus na Igreja, para que Jesus Cristo seja encontrado, seguido, amado, adorado, anunciado
    e comunicado a todos, não obstante todas as dificuldades e resistências. Este é o melhor serviço – seu
    serviço! – que a Igreja tem que oferecer às pessoas e nações14.
  15. Nesta hora em que renovamos a esperança, queremos fazer nossas as palavras de SS. Bento XVI no
    início de seu Pontificado, fazendo eco a seu predecessor, o Servo de Deus, João Paulo II, e proclamá-las
    para toda a América Latina: Não temam! Abram, abram de par em par as portas a Cristo!… quem deixa
    Cristo entrar a não perde nada, nada – absolutamente nada – do que faz a vida livre, bela e grande. Não!
    Só com esta amizade abrem-se as portas da vida. Só com esta amizade abrem-se realmente as grandes
    potencialidades da condição humana. Só com esta amizade experimentamos o que é belo e o que nos
    liberta… Não tenham medo de Cristo! Ele não tira nada e nos dá tudo. Quem se dá a Ele, recebe cem
    por um. Sim, abram, abram de par em par as portas a Cristo e encontrarão a verdadeira vida15.
  16. “Esta V Conferência Geral celebra-se em continuidade com as outras quatro que a precederam no
    Rio de Janeiro, Medellín, Puebla e Santo Domingo. Com o mesmo espírito que as animou, os pastores
    querem dar agora um novo impulso à evangelização, a fim de que estes povos sigam crescendo e
    amadurecendo em sua fé, para serem luz do mundo e testemunhas de Jesus Cristo com sua própria
    vida”16. Como pastores da Igreja estamos conscientes de que “depois da IV Conferência Geral, em
    Santo Domingo, muitas coisas mudaram na sociedade. A Igreja, que participa dos gozos e esperanças,
    das tristezas e alegrias de seus filhos, quer caminhar ao seu lado neste período de tantos desafios, para
    infundir-lhes sempre esperança e consolo”17.
  17. Nossa alegria, portanto, baseia-se no amor do Pai, na participação no mistério pascal de Jesus cristo
    que, pelo Espírito Santo, faz-nos passar da morte para a vida, da tristeza para a alegria, do absurdo para
    o sentido profundo da existência, do desalento para a esperança que não engana. Esta alegria não é um
    sentimento artificialmente provocado nem um estado de ânimo passageiro. O amor do Pai nos foi
    revelado em Cristo que nos convida a entrar em seu reino. Ele nos ensinou a orar dizendo “Abba, Pai”
    (Rm 8,15; cf. Mt 6,9).
  18. Conhecer a Jesus Cristo pela fé é nossa alegria; segui-lo é uma graça, e transmitir este tesouro aos
    demais é uma tarefa que o Senhor, ao nos chamar e nos eleger, nos confiou. Com os olhos iluminados
    pela luz de Jesus Cristo ressuscitado podemos e queremos contemplar o mundo, a história, os nossos
    povos da América Latina e do Caribe e cada um de seus habitantes.
    PRIMEIRA PARTE: A VIDA DE NOSSOS POVOS HOJE
  19. Em continuidade com as Conferências Gerais anteriores do Episcopado Latino-americano, este
    documento faz uso do método “ver, julgar e agir”. Este método implica em contemplar a Deus com os
    olhos da fé através de sua Palavra revelada e o contato vivificador dos Sacramentos, a fim de que, na
    vida cotidiana, vejamos a realidade que nos circunda à luz de sua providência e a julguemos segundo
    Jesus Cristo, Caminho, Verdade e Vida, e atuemos a partir da Igreja, Corpo Místico de Cristo e
    Sacramento universal de salvação, na propagação do Reino de Deus, que se semeia nesta terra e que
    frutifica plenamente no Céu. Muitas vozes, vindas de todo o Continente ofereceram contribuições e
    sugestões nesse sentido, afirmando que este método tem colaborado para que vivamos mais
    intensamente nossa vocação e missão na Igreja: tem enriquecido nosso trabalho teológico e pastoral e,
    em geral, tem-nos motivado a assumir nossas responsabilidades diante das situações concretas de nosso
    continente. Este método nos permite articular, de modo sistemático, a perspectiva cristã de ver a
    realidade; a assunção de critérios que provêm da fé e da razão para seu discernimento e valorização,
    com sentido crítico; e, em conseqüência, a projeção do agir como discípulos missionários de Jesus
    Cristo. A adesão crente, alegre e confiada no Deus Pai, Filho e Espírito Santo e a inserção eclesial, são
    pressupostos indispensáveis que garantem a eficácia deste método18.
    CAPÍTULO 1
    OS DISCÍPULOS MISSIONÁRIOS
  20. Nossa reflexão a respeito do caminho das Igrejas da América Latina e do Caribe tem lugar em meio à
    luzes e sombras de nosso tempo. Afligem-nos, mas não nos confundem, as grandes mudanças que
    experimentamos. Temos recebido dons incalculáveis, que nos ajudam a olhar a realidade como
    discípulos missionários de Jesus Cristo.
  21. A presença cotidiana e cheia de esperança de incontáveis peregrinos nos lembra dos primeiros
    seguidores de Jesus Cristo que foram ao Jordão, onde João batizava, com a esperança de encontrar o
    Messias (cf. Mc 1,5). Eles se sentiram atraídos pela sabedoria das palavras de Jesus, pela bondade de
    seu trato e pelo poder de seus milagres. E pelo assombro inusitado que a pessoa de Jesus despertava,
    acolheram o dom da fé e vieram a ser discípulos de Jesus. Ao sair das trevas e das sombras de morte (cf.
    Lc 1,79) a vida deles adquiriu uma plenitude extraordinária: a de haver sido enriquecida com o dom do
    Pai. Viveram a história de seu povo e de seu tempo e passaram pelos caminhos do Império Romano, sem
    esquecer o encontro mais importante e decisivo de sua vida que os havia preenchido de luz, de força e
    de esperança: o encontro com Jesus, sua rocha, sua paz, sua vida.
  22. Assim também nos ocorre olhar a realidade de nossos povos e de nossa Igreja, com seus valores, suas
    limitações, suas angústias e esperanças. Enquanto sofremos e nos alegramos, permanecemos no amor de
    Cristo, vendo nosso mundo e procurando discernir seus caminhos com a alegre esperança e a indizível
    gratidão de crer em Jesus Cristo. Ele é o Filho de Deus verdadeiro, o único Salvador da humanidade. A
    importância única e insubstituível de Cristo para nós, para a humanidade, consiste em que Cristo é o
    caminho, a Verdade e a Vida. “Se não conhecemos a Deus em Cristo e com Cristo, toda a realidade se
    torna um enigma indecifrável; não há caminho e, ao não haver caminho, não há vida nem verdade”19.
    No clima cultural relativista que nos circunda, onde é aceita só uma religião natural, faz-se sempre mais
    importante e urgente estabelecer e fazer amadurecer em todo o corpo eclesial a certeza de que Cristo,
    o Deus de rosto humano, é nosso verdadeiro e único salvador.
  23. Neste encontro, queremos expressar a alegria de sermos discípulos do Senhor e de termos sido
    enviados com o tesouro do Evangelho. Ser cristão não é uma carga, mas um dom: Deus Pai nos abençoou
    em Jesus Cristo seu Filho, Salvador do mundo.
    1.1. Ação de graças a Deus
  24. Bendito seja Deus, Pai de nosso Senhor Jesus Cristo, que nos abençoou com toda sorte de bênçãos
    na pessoa de Cristo (cf. Ef 1,3). O Deus da Aliança, rico em misericórdia, nos amou primeiro;
    imerecidamente amou a cada um de nós; por isso o bendizemos, animados pelo Espírito Santo, Espírito
    vivificador, alma e vida da Igreja. Ele, que foi derramado em nossos corações, geme e intercede por nós
    e, com seus dons nos fortalece em nosso caminho de discípulos e missionários.
  25. Bendizemos a Deus com ânimo agradecido, porque nos chamou para sermos instrumentos de seu
    reino de amor e de vida, de justiça e de paz, pelo qual tantos se sacrificaram. Ele mesmo nos
    encomendou a obra de suas mãos para que cuidemos dela e a coloquemos a serviço de todos.
    Agradecemos a Deus por nos fazer seus colaboradores para que sejamos solidários com sua criação pela
    qual somos responsáveis. Bendizemos a Deus que nos deu a natureza criada que é seu primeiro livro para
    possamos conhecer a Ele e viver nela como em nossa casa.
  26. Damos graças a Deus que nos deu o dom da palavra, com a qual podemos nos comunicar entre nós e
    com Ele por meio de seu Filho, que é sua Palavra (cf. Jo 1,1). Damos graças a Ele que, por seu grande
    amor fala a nós como a amigos (cf. Jo 15,14-15). Bendizemos a Deus que se nos dá na celebração da fé,
    especialmente na Eucaristia, pão de vida eterna. A ação de graças a Deus pelos numerosos e admiráveis
    dons que nos outorgou culmina na celebração central da Igreja, que é a Eucaristia, alimento substancial
    dos discípulos e missionários. Também pelo Sacramento do Perdão de Cristo que nos alcançou na cruz.
    Louvamos ao Senhor Jesus pelo presente de sua Mãe Santíssima, Mãe de Deus e Mãe da Igreja na
    América Latina e do Caribe, estrela da evangelização renovada, primeira discípula e grande missionária
    de nossos povos.
    1.2. A alegria de ser discípulos e missionários de Jesus Cristo
  27. Iluminados pelo Cristo, o sofrimento, a injustiça e a cruz nos desafiam a viver como Igreja
    samaritana (cf. Lc 10,25-37), recordando que “a evangelização vai unida sempre à promoção humana e
    à autêntica libertação cristã”20. Damos graças a Deus e nos alegramos pela fé, solidariedade e alegria
    características de nossos povos, transmitidas ao longo do tempo pelas avós e avôs, as mães e pais, os
    catequistas, os rezadores e tantas pessoas anônimas, cuja caridade mantém viva a esperança em meio
    às injustiças e adversidades.
  28. A Bíblia mostra reiteradamente que, quando Deus criou o mundo com sua Palavra, expressou
    satisfação, dizendo que era “bom” (Gn 1,21), e quando criou o ser humano, homem e mulher, disse que
    “era muito bom” (Gn 1,31). O mundo criado por Deus é belo. Procedemos de um desígnio divino de
    sabedoria e amor. Mas, através do pecado esta beleza originária foi desonrada e esta bondade ferida.
    Deus, por nosso Senhor Jesus Cristo, em seu mistério pascal, recriou o homem fazendo-o filho e dando a
    ele a garantia de novos céus e de uma nova terra (cf. Ap 21,1). Levamos a imagem do primeiro Adão,
    mas somos chamados também, desde o princípio, a produzir a imagem de Jesus Cristo, novo Adão (cf. 1
    Cor 15,45). A criação leva a marca do Criador e deseja ser libertada e “participar na gloriosa liberdade
    dos filhos de Deus” (Rm 8,21).
    1.3. A missão da Igreja é evangelizar
  29. A história da humanidade, história que Deus nunca abandona, transcorre sob seu olhar compassivo.
    Deus amou tanto nosso mundo que nos deu seu Filho. Ele anuncia a boa nova do Reino aos pobres e aos
    pecadores. Por isso, nós, como discípulos e missionários de Jesus, queremos e devemos proclamar o
    Evangelho, que é o próprio Cristo. Anunciamos a nossos povos que Deus nos ama, que sua existência não
    é uma ameaça para o homem, que Ele está perto com o poder salvador e libertador de seu Reino, que
    Ele nos acompanha na tribulação, que alenta incessantemente nossa esperança em meio a todas as
    provas. Os cristãos são portadores de boas novas para a humanidade, não profetas de desventuras.
  30. A Igreja deve cumprir sua missão seguindo os passos de Jesus e adotando suas atitudes (cf. Mt 9,35-
    36). Ele, sendo o Senhor, fez-se servo e obediente até a morte de cruz (cf. Fl 2,8); sendo rico, escolheu
    ser pobre por nós (cf. 2 Cor 8,9), ensinando-nos o caminho de nossa vocação de discípulos e
    missionários. No Evangelho aprendemos a sublime lição de ser pobres seguindo a Jesus pobre (cf. Lc
    6,20; 9,58), e a de anunciar o Evangelho da paz sem bolsa ou alforje, sem colocar nossa confiança no
    dinheiro nem no poder deste mundo (cf. Lc 10,4 ss). Na generosidade dos missionários se manifesta a
    generosidade de Deus, na gratuidade dos apóstolos aparece a gratuidade do Evangelho.
  31. No rosto de Jesus Cristo, morto e ressuscitado, maltratado por nossos pecados e glorificado pelo Pai,
    nesse rosto doente e glorioso21, com o olhar da fé podemos ver o rosto humilhado de tantos homens e
    mulheres de nossos povos e, ao mesmo tempo, sua vocação à liberdade dos filhos de Deus, à plena
    realização de sua dignidade pessoal e à fraternidade entre todos. A Igreja está a serviço de todos os
    seres humanos, filhos e filhas de Deus.
  32. Desejamos que a alegria que recebemos no encontro com Jesus Cristo, a quem reconhecemos como
    o Filho de Deus encarnado e redentor, chegue a todos os homens e mulheres feridos pelas adversidades;
    desejamos que a alegria da boa nova do Reino de Deus, de Jesus Cristo vencedor do pecado e da morte,
    chegue a todos quantos jazem à beira do caminho, pedindo esmola e compaixão (cf. Lc 10,29-37; 18,25-
    43). A alegria do discípulo é antídoto frente a um mundo atemorizado pelo futuro e agoniado pela
    violência e pelo ódio. A alegria do discípulo não é um sentimento de bem-estar egoísta, mas uma
    certeza que brota da fé, que serena o coração e capacita para anunciar a boa nova do amor de Deus.
    Conhecer a Jesus é o melhor presente que qualquer pessoa pode receber; tê-lo encontrado foi o melhor
    que ocorreu em nossas vidas, e fazê-lo conhecido com nossa palavra e obras é nossa alegria.
    CAPÍTULO 2
    OLHAR DOS DISCÍPULOS MISSIONÁRIOS SOBRE A REALIDADE
    2.1 A realidade que nos desafia como discípulos e missionários
  33. Os povos da América Latina e do Caribe vivem hoje uma realidade marcada por grandes mudanças
    que afetam profundamente suas vidas. Como discípulos de Jesus Cristo, sentimo-nos desafiados a
    discernir os “sinais dos tempos”, à luz do Espírito Santo, para nos colocar a serviço do Reino, anunciado
    por Jesus, que veio para que todos tenham vida e “para que a tenham em abundância” (Jo 10,10).
  34. A novidade destas mudanças, diferentemente do ocorrido em outras épocas, é que elas têm um
    alcance global que, com diferenças e matizes, afetam o mundo inteiro. Habitualmente elas são
    caracterizadas como o fenômeno da globalização. Um fator determinante destas mudanças é a ciência e
    a tecnologia, com sua capacidade de manipular geneticamente a própria vida dos seres vivos, e com sua
    capacidade de criar uma rede de comunicações de alcance mundial, tanto pública como privada, para
    interagir em tempo real, ou seja, com simultaneidade, não obstante as distâncias geográficas. Como se
    costuma dizer, a história se acelerou e as próprias mudanças se tornam vertiginosas, visto que se
    comunica com grande velocidade a todos os cantos do planeta.
  35. Esta nova escala mundial do fenômeno humano traz conseqüências em todos os campos de atividade
    da vida social, impactando a cultura, a economia, a política, as ciências, a educação, o esporte, as artes
    e também, naturalmente, a religião. Interessa-nos, como pastores da Igreja, saber como este fenômeno
    afeta a vida de nossos povos e o sentido religioso e ético de nossos irmãos que buscam infatigavelmente
    o rosto de Deus, e que, no entanto, devem fazê-lo, agora desafiados por novas linguagens do domínio
    técnico, que nem sempre revelam, mas que também ocultam o sentido divino da vida humana redimida
    em Cristo. Sem uma clara percepção do mistério do Deus, o desígnio amoroso e paternal de uma vida
    digna para todos os seres humanos torna-se opaco também.
  36. Neste novo contexto social, a realidade para o ser humano se tornou cada vez mais sem brilho e
    complexa. Isto quer dizer que qualquer pessoa individual necessita sempre mais informação se deseja
    exercer sobre a realidade o senhorio a que, por vocação, está chamada. Isto tem nos ensinado a olhar a
    realidade com mais humildade, sabendo que ela é maior e mais complexa que as simplificações com que
    costumávamos vê-la em um passado ainda não muito distante e que, em muitos casos, introduziram
    conflitos na sociedade, deixando muitas feridas que ainda não conseguiram cicatrizar. Também se
    tornou difícil perceber a unidade de todos os fragmentos dispersos que resultam da informação que
    reunimos. É freqüente que alguns queiram olhar a realidade unilateralmente a partir da informação
    econômica, outros a partir da informação política ou científica, outros a partir do entretenimento ou do
    espetáculo. No entanto, nenhum destes critérios parciais consegue nos propor um significado coerente
    para tudo o que existe. Quando as pessoas percebem esta fragmentação e limitação, costumam se sentir
    frustradas, ansiosas, angustiadas. A realidade social parece muito grande para uma consciência que,
    levando em consideração sua falta de saber e de informação, facilmente se crê insignificante, sem
    ingerência alguma nos acontecimentos, mesmo quando soma sua voz a outras vozes que procuram se
    ajudar reciprocamente.
  37. Esta é a razão pela qual muitos estudiosos de nossa época sustentam que a realidade traz
    inseparavelmente uma crise do sentido. Eles não se referem aos múltiplos sentidos parciais que cada um
    pode encontrar nas ações cotidianas que realiza, mas ao sentido que dá unidade a tudo o que existe e
    nos sucede na experiência, e que os cristãos chamam de sentido religioso. Habitualmente, este sentido
    se coloca a nossa disposição através de nossas tradições culturais que representam a hipótese de
    realidade com que cada ser humano pode olhar o mundo em que vive. Em nossa cultura latinoamericana e caribenha conhecemos o papel tão nobre e orientador que a religiosidade popular
    desempenha, especialmente a devoção mariana, que contribuiu para nos tornar mais conscientes de
    nossa comum condição de filhos de Deus e de nossa comum dignidade perante seus olhos, não obstante
    as diferenças sociais, étnicas ou de qualquer outro tipo.
  38. No entanto, devemos admitir que esta preciosa tradição começa a se diluir. A maioria dos meios de
    comunicação de massa nos apresentam agora novas imagens, atrativas e cheias de fantasia. Ainda que
    todos saibam que elas não podem mostrar o sentido unitário de todos os fatores da realidade, oferecem
    ao menos o consolo de ser transmitidas em tempo real, ao vivo e direto, com atualidade. Longe de
    preencher o vazio produzido em nossa consciência pela falta de um sentido unitário da vida, em muitas
    ocasiões a informação transmitida pelos meios só nos distrai. A falta de informação só se resolve com
    mais informação, retro-alimentando a ansiedade de quem percebe que está em um mundo opaco o qual
    não compreende.
  39. Este fenômeno talvez explique um dos fatos mais desconcertantes e originais que vivemos no
    presente. Nossas tradições culturais já não se transmitem de uma geração à outra com a mesma fluidez
    que no passado. Isso afeta, inclusive, esse núcleo mais profundo de cada cultura, constituído pela
    experiência religiosa, que parece agora igualmente difícil de ser transmitido através da educação e da
    beleza das expressões culturais, alcançando inclusive a própria família que, como lugar do diálogo e da
    solidariedade inter-geracional, havia sido um dos veículos mais importantes da transmissão da fé. Os
    meios de comunicação invadiram todos os espaços e todas as conversas, introduzindo-se também na
    intimidade do lar. Ao lado da sabedoria das tradições, em competição, localizam-se agora a informação
    de último minuto, a distração, o entretenimento, as imagens dos vencedores que souberam usar a seu
    favor as ferramentas tecnológicas e as expectativas de prestígio e estima social. Isso faz com que as
    pessoas busquem denodadamente uma experiência de sentido que preencha as exigências de sua
    vocação, ali onde nunca poderão encontrá-la.
  40. Entre os pressupostos que enfraquecem e menosprezam a vida familiar encontramos a ideologia de
    gênero, segundo a qual cada um pode escolher sua orientação sexual, sem levar em consideração as
    diferenças dadas pela natureza humana. Isto tem provocado modificações legais que ferem gravemente
    a dignidade do matrimônio, o respeito ao direito à vida e a identidade da família22.
  41. Por esta razão, os cristãos precisam recomeçar a partir de Cristo, a partir da contemplação de quem
    nos revelou em seu mistério a plenitude do cumprimento da vocação humana e de seu sentido.
    Necessitamos nos fazer discípulos dóceis, para aprende d’Ele, em seu seguimento, a dignidade e a
    plenitude de vida. E necessitamos, ao mesmo tempo, que o zelo missionário nos consuma para levar ao
    coração da cultura de nosso tempo aquele sentido unitário e completo da vida humana que nem a
    ciência, nem a política, nem a economia nem os meios de comunicação poderão proporcionar. Em Cristo
    Palavra, Sabedoria de Deus (cf. 1 Cor 1,30), a cultura pode voltar a encontrar seu centro e sua
    profundidade, a partir de onde é possível olhar a realidade no conjunto de todos seus fatores,
    discernindo-os à luz do Evangelho e dando a cada um seu lugar e sua dimensão adequada.
  42. Como nos disse o Papa em seu discurso inaugural: “só quem reconhece a Deus, conhece a realidade
    e pode responder a ela de modo adequado e realmente humano”23. A sociedade que coordena suas
    atividades só mediante múltiplas informações, acredita que pode operar de fato como se Deus não
    existisse. Mas a eficácia dos procedimentos conseguida mediante a informação, ainda que com as
    tecnologias mais desenvolvidas, não consegue satisfazer o desejo de dignidade inscrito no mais profundo
    da vocação humana. Por isso, não basta supor que a mera diversidade de pontos de vista, de opções e,
    finalmente, de informações, que costuma receber o nome de pluri ou multiculturalidade, resolverá a
    ausência de um significado unitário para tudo o que existe. A pessoa humana é, em sua própria
    essência, aquele lugar da natureza para onde converge a variedade dos significados em uma única
    vocação de sentido. As pessoas não se assustam com a diversidade. O que de fato as assusta é não
    conseguir reunir o conjunto de todos estes significados da realidade em uma compreensão unitária que
    lhes permita exercer sua liberdade com discernimento e responsabilidade. A pessoa sempre procura a
    verdade de seu ser, visto que é esta verdade que ilumina a realidade de tal modo que possa se
    desenvolver nela com liberdade e alegria, com gozo e esperança.
    2.1.1 Situação Sócio-cultural
  43. Portanto, a realidade social que em sua dinâmica atual descrevemos com a palavra globalização,
    antes que qualquer outra dimensão, impacta a nossa cultura e o modo como nos inserimos e nos
    apropriamos dela. A variedade e a riqueza das culturas latino-americanas, desde aquelas mais
    originárias até aquelas que com a passagem da história e a mestiçagem de seus povos foram se
    sedimentando nas nações, nas famílias, nos grupos sociais, nas instituições educativas e na convivência
    cívica, constitui um dado bastante evidente para nós o qual valorizamos como uma singular riqueza. O
    que hoje em dia está em jogo não é a diversidade que os meios de comunicação são capazes de
    individualizar e registrar. O que ninguém esquece é, pelo contrário, a possibilidade de que esta
    diversidade possa convergir em uma síntese que, envolvendo a variedade de sentidos, seja capaz de
    projetá-la em um destino histórico comum. Nisto reside o valor incomparável do ânimo mariano de
    nossa religiosidade popular que, sob distintos nomes, tem sido capaz de fundir as histórias latinoamericanas diversas em uma história compartilhada: aquela que conduz a Cristo, Senhor da vida, em
    quem se realiza a mais alta dignidade de nossa vocação humana.
  44. Vivemos uma mudança de época cujo nível mais profundo é o cultural. Dissolve-se a concepção
    integral do ser humano, sua relação com o mundo e com Deus; “aqui está precisamente o grande erro
    das tendências dominantes do último século… Que excluem Deus de seu horizonte, falsificam o
    conceito da realidade e só podem terminar em caminhos equivocados e com receitas destrutivas24.
    Surge hoje, com grande força, uma sobrevalorização da subjetividade individual. Independentemente de
    sua forma, a liberdade e a dignidade da pessoa são reconhecidas. O individualismo enfraquece os
    vínculos comunitários e propõe uma radical transformação do tempo e do espaço, dando um papel
    primordial à imaginação. Os fenômenos sociais, econômicos e tecnológicos estão na base da profunda
    vivência do tempo, ao que se concebe fixado no próprio presente, trazendo concepções de
    inconsistência e instabilidade. Deixa-se de lado a preocupação pelo bem comum para dar lugar à
    realização imediata dos desejos dos indivíduos, à criação de novos e, muitas vezes, arbitrários direitos
    individuais, aos problemas da sexualidade, da família, das enfermidades e da morte.
  45. A ciência e a tecnologia quando colocadas exclusivamente a serviço do mercado, com os critérios
    únicos da eficácia, da rentabilidade e do funcional, criam uma nova visão da realidade. A utilização dos
    meios de comunicação de massa está introduzindo na sociedade um sentido estético, uma visão a
    respeito da felicidade, uma percepção da realidade e até uma linguagem, que se querem impor como
    uma autêntica cultura. Deste modo, termina-se por destruir o que de verdadeiramente humano há nos
    processos de construção cultural, que nascem do intercâmbio pessoal e coletivo.
  46. Verifica-se, em nível intenso, uma espécie de nova colonização cultural pela imposição de culturas
    artificiais, desprezando as culturas locais e com tendência a impor uma cultura homogeneizada em
    todos os setores. Esta cultura se caracteriza pela auto-referência do indivíduo, que conduz à indiferença
    pelo outro, de quem não necessita e por quem não se sente responsável. Prefere-se viver o dia a dia,
    sem programas a longo prazo nem apegos pessoais, familiares e comunitários. As relações humanas
    estão sendo consideradas objetos de consumo, conduzindo a relações afetivas sem compromisso
    responsável e definitivo.
  47. Também se verifica uma tendência para a afirmação exasperada de direitos individuais e subjetivos.
    Esta busca é pragmática e imediatista, sem preocupação com critérios éticos. A afirmação dos direitos
    individuais e subjetivos, sem um esforço semelhante para garantir os direitos sociais culturais e
    solidários, resulta em prejuízo da dignidade de todos, especialmente daqueles que são mais pobres e
    vulneráveis.
  48. Nesta hora da América Latina e do Caribe, é imperativo tomar consciência da situação precária que
    afeta a dignidade de muitas mulheres. Algumas desde crianças e adolescentes, são submetidas a
    múltiplas formas de violência dentro e fora de casa: tráfico, violação, escravização e assédio sexual;
    desigualdades na esfera do trabalho, da política e da economia; exploração publicitária por parte de
    muitos meios de comunicação social que as tratam como objeto de lucro.
  49. As mudanças culturais modificaram os papéis tradicionais de homens e mulheres, que procuram
    desenvolver novas atitudes e estilos de suas respectivas identidades, potencializando todas suas
    dimensões humanas na convivência cotidiana, na família e na sociedade, às vezes por vias equivocadas.
  50. A avidez do mercado descontrola o desejo de crianças, jovens e adultos. A publicidade conduz
    ilusoriamente a mundos distantes e maravilhosos, onde todo desejo pode ser satisfeito pelos produtos
    que têm um caráter eficaz, efêmero e até messiânico. Legitima-se que os desejos se tornem felicidade.
    Como só se necessita do imediato, a felicidade se pretende alcançar através do bem-estar econômico e
    da satisfação hedonista.
  51. As novas gerações são as mais afetadas por esta cultura do consumo em suas aspirações pessoais
    profundas. Crescem na lógica do individualismo pragmático e narcisista, que desperta nelas mundos
    imaginários especiais de liberdade e igualdade. Afirmam o presente porque o passado perdeu relevância
    diante de tantas exclusões sociais, políticas e econômicas. Para eles o futuro é incerto. Assim mesmo,
    participam da lógica da vida como espetáculo, considerando o corpo como ponto de referência de sua
    realidade presente. Têm um novo vício pelas sensações e crescem em uma grande maioria sem
    referência aos valores e instâncias religiosas. Em meio à realidade de mudança cultural emergem novos
    sujeitos, com novos estilos de vida, maneiras de pensar, de sentir, de perceber e com novas formas de
    se relacionar. São produtores e atores da nova cultura.
  52. Entre os aspectos positivos desta mudança cultural aparece o valor fundamental da pessoa, de sua
    consciência e experiência, a busca do sentido da vida e da transcendência. Para dar respostas à busca
    mais profunda do significado da vida, o fracasso das ideologias dominantes, permitiu que a simplicidade
    e o reconhecimento do fraco e do pequeno na existência surgissem como valor, com uma grande
    capacidade e potencial que não podem ser desvalorizados. Esta ênfase na apreciação da pessoa abre
    novos horizontes, onde a tradição cristã adquire um renovado valor, sobretudo quando a pessoa se
    reconhece no Verbo encarnado que nasce em um estábulo e assume uma condição humilde, de pobre.
  53. A necessidade de construir o próprio destino e o desejo de encontrar razões para a existência
    podem colocar em movimento o desejo de se encontrar com outros e compartilhar o vivido, como uma
    maneira de se dar uma resposta. Trata-se de uma afirmação da liberdade pessoal e, por isso, da
    necessidade de se questionar em profundidade as próprias convicções e opções.
  54. Porém, junto com a ênfase na responsabilidade individual em meio a sociedades que promovem o
    acesso aos bens através dos meios. Paradoxalmente, nega-se às grandes maiorias o acesso aos mesmos
    bens, que constituem elementos básicos e essenciais para viverem como pessoas.
  55. A ênfase na experiência pessoal e no vivencial nos leva a considerar o testemunho como um
    componente chave na vivência da fé. Os fatos são valorizados quando são significativos para a pessoa.
    Na linguagem testemunhal podemos encontrar um ponto de contato com as pessoas que compõem a
    sociedade e delas entre si.
  56. Por outro lado, a riqueza e a diversidade cultural dos povos da América Latina e do Caribe parecem
    evidentes. Existem em nossa região diversas culturas indígenas, afro americanas, mestiças, camponesas,
    urbanas e suburbanas. As culturas indígenas se caracterizam sobretudo por seu apego profundo à terra,
    pela vida comunitária e por uma certa procura de Deus Os afro-americanos se caracterizam, entre
    outros elementos, pela expressividade corporal, o enraizamento familiar e o sentido de Deus. A cultura
    camponesa está referida ao ciclo agrário. A cultura mestiça, que é a mais extensa entre muitos povos da
    região, tem buscado em meios às contradições sintetizar ao longo da história estas múltiplas fontes
    culturais originárias, facilitando o diálogo das respectivas cosmovisões e permitindo sua convergência
    em uma história compartilhada. A esta complexidade cultural haveria que se acrescentar também a de
    tantos imigrantes europeus que se estabeleceram nos países de nossa região.
  57. Estas culturas coexistem em condições desiguais com a chamada cultura globalizada. Elas exigem
    reconhecimento e oferecem valores que constituem uma resposta aos anti-valores da cultura e que se
    impõem através dos meios de comunicação de massas: comunitarismo, valorização da família, abertura
    à transcendência e solidariedade. Estas culturas são dinâmicas e estão em interação permanente entre
    si e com as diferentes propostas culturais.
  58. A cultura urbana é híbrida, dinâmica e mutável, pois amálgama múltiplas formas, valores e estilos
    de vida e afeta todas as coletividades. A cultura suburbana é fruto de grandes migrações de população,
    em sua maioria pobre, que se estabeleceu ao redor das cidades nos cinturões de miséria. Nestas culturas
    os problemas de identidade e pertença, relação, espaço vital e lar são cada vez mais complexos.
  59. Existem também comunidades de migrantes que deixaram as culturas e tradições trazidas de suas
    terras de origem, sejam cristãs ou de outras religiões. Por sua vez, esta diversidade inclui comunidades
    que foram se formando com a chegada de diferentes denominações cristãs e outros grupos religiosos.
    Assim, assumir a diversidade cultural, que é um imperativo do momento, envolve superar os discursos
    que pretendem uniformizar a cultura, com enfoques baseados em modelos únicos.
    2.1.2 Situação econômica
  60. O Papa , em seu Discurso Inaugural, vê a globalização como um fenômeno “de relações de nível
    planetário”, considerando-o “uma conquista da família humana”, porque favorece o acesso a novas
    tecnologias, mercados e finanças. As altas taxas de crescimento de nossa economia regional e,
    particularmente, seu desenvolvimento urbano, não seriam possíveis sem a abertura ao comércio
    internacional, sem acesso às tecnologias de última geração, sem a participação de nossos cientistas e
    técnicos no desenvolvimento internacional do conhecimento e sem o alto investimento registrado nos
    meio eletrônicos de comunicação. Tudo isso leva também consigo o surgimento de uma classe média
    tecnologicamente letrada. Ao mesmo tempo a globalização se manifesta como a profunda aspiração do
    gênero humano à unidade. Não obstante estes avanços, o Papa também assinala que a globalização
    “comporta o risco dos grandes monopólios e de converter o lucro em valor supremo”. Por isso, Bento XVI
    enfatiza que “como em todos os campos da atividade humana, a globalização deve se reger também
    pela ética, colocando tudo a serviço da pessoa humana, criada a imagem e semelhança de Deus”25.
  61. A globalização é um fenômeno complexo que possui diversas dimensões (econômicas, políticas,
    culturais, comunicacionais, etc). Para sua justa valorização, é necessária uma compreensão analítica e
    diferenciada que permita detectar tanto seus aspectos positivos quanto os negativos. Lamentavelmente,
    a face mais difundida e de êxito da globalização é sua dimensão econômica, que se sobrepõe e
    condiciona as outras dimensões da vida humana. Na globalização, a dinâmica do mercado absolutiza
    com facilidade a eficácia e a produtividade como valores reguladores de todas as relações humanas.
    Este peculiar caráter faz da globalização um processo promotor de iniqüidades e injustiças múltiplas. A
    globalização, tal como está configurada atualmente, não é capaz de interpretar e reagir em função de
    valores objetivos que se encontram além do mercado e que constituem o mais importante da vida
    humana: a verdade, a justiça, o amor, e muito especialmente, a dignidade e os direitos de todos,
    inclusive daqueles que vivem à margem do próprio mercado.
  62. Conduzida por uma tendência que privilegia o lucro e estimula a competitividade, a globalização
    segue uma dinâmica de concentração de poder e de riqueza em mãos de poucos. Concentração não só
    dos recursos físicos e monetários, mas sobretudo de informação e dos recursos humanos, o que produz a
    exclusão de todos aqueles não suficientemente capacitados e informados, aumentando as desigualdades
    que marcam tristemente nosso continente e que mantêm na pobreza uma multidão de pessoas. O que
    existe hoje é a pobreza de conhecimento e do uso e acesso a novas tecnologias. Por isso é necessário
    que os empresários assumam sua responsabilidade de criar mais fontes de trabalho e de investir na
    superação desta nova pobreza.
  63. Porém, está claro que o predomínio desta tendência não têm eliminado a possibilidade de se formar
    pequenas e médias empresas. Elas se associam ao dinamismo exportador da economia, prestam-lhe
    serviços colaterais ou aproveitam nichos específicos do mercado interno. No entanto, sua fragilidade
    econômica e financeira e a pequena escala em que se desenvolvem, tornam-nas extremamente
    vulneráveis frente às taxas de juros, ao risco do câmbio, aos custos previsionais e a variação nos preços
    de seus insumos. A debilidade destas empresas se associa à precariedade do emprego que estão em
    condições de oferecer. Sem uma política de proteção específica dos estados a elas, corre-se o risco de
    que as economias dos grandes consórcios termine por se impor como a única forma determinante do
    dinamismo econômico.
  64. Por isso, frente a esta forma de globalização, sentimos um forte chamado para promover uma
    globalização diferente, que esteja marcada pela solidariedade, pela justiça e pelo respeito aos direitos
    humanos, fazendo da América Latina e do Caribe não só o Continente da esperança, mas também o
    Continente do amor, como propôs SS. Bento XVI no Discurso Inaugural desta Conferência.
  65. Isto deveria nos levar a contemplar os rostos daqueles que sofrem. Entre eles estão as comunidades
    indígenas e afro-americanas que, em muitas ocasiões, não são tratadas com dignidade e igualdade de
    condições; muitas mulheres são excluídas, em razão de seu sexo, raça ou situação sócio-econômica;
    jovens que recebem uma educação de baixa qualidade e não têm oportunidades de progredir em seus
    estudos nem de entrar no mercado de trabalho para se desenvolver e constituir uma família; muitos
    pobres, desempregados, migrantes, deslocados, agricultores sem terra, aqueles que procuram
    sobreviver na economia informal; meninos e meninas submetidos à prostituição infantil ligada muitas
    vezes ao turismo sexual; também as crianças vítimas do aborto. Milhões de pessoas e famílias vivem na
    miséria e inclusive passam fome. Preocupam-nos também os dependentes das drogas, as pessoas com
    limitações físicas, os portadores e vítimas de enfermidades graves como a malária, a tuberculose e HIV –
    AIDS, que sofrem a solidão e se vêem excluídos da convivência familiar e social. Não nos esqueçamos
    também dos seqüestrados e aqueles que são vítimas da violência, do terrorismo, de conflitos armados e
    da insegurança na cidade. Também os anciãos que, além de se sentirem excluídos do sistema produtivo,
    vêem-se muitas vezes recusados por sua família como pessoas incômodas e inúteis. Sentimos as dores,
    enfim, da situação desumana em que vive a grande maioria dos presos, que também necessitam de
    nossa presença solidária e de nossa ajuda fraterna. Uma globalização sem solidariedade afeta
    negativamente os setores mais pobres. Já não se trata simplesmente do fenômeno da exploração e
    opressão, mas de algo novo: da exclusão social. Com ela o pertencimento à sociedade na qual se vive
    fica afetado, pois já não se está abaixo, na periferia ou sem poder, mas se está de fora. Os excluídos
    não são somente “explorados”, mas “supérfluos” e “descartáveis”.
  66. As instituições financeiras e as empresas transnacionais se fortalecem ao ponto de subordinar as
    economias locais, sobretudo, debilitando os Estados, que aparecem cada vez mais impotentes para levar
    adiante projetos de desenvolvimento a serviço de suas populações, especialmente quando se trata de
    investimentos de longo prazo e sem retorno imediato. As indústrias extrativistas internacionais e a
    agroindústria, muitas vezes, não respeitam os direitos econômicos, sociais, culturais e ambientais das
    populações locais e não assumem suas responsabilidades. Com muita freqüência, se subordina a
    preservação da natureza ao desenvolvimento econômico, com danos á biodiversidade, com o
    esgotamento das reservas de água e de outros recursos naturais, com a contaminação do ar e a mudança
    climática. As possibilidades e eventuais problemas da produção de agrocombustíveis devem ser
    estudadas, de tal maneira que prevaleça o valor da pessoa humana e de suas necessidades de
    sobrevivência. A América Latina possui os aqüíferos mais abundantes do planeta, junto com grandes
    extensões de território selvagem, que são pulmões da humanidade. Assim se dão gratuitamente ao
    mundo serviços ambientais que não são reconhecidos economicamente. A região se vê afetada pelo
    aquecimento da terra e a mudança climática provocada principalmente pelo estilo de vida não
    sustentável dos países industrializados.
  67. A globalização tem celebrado freqüentes Tratados de Livre Comércio entre países com economias
    assimétricas, que nem sempre beneficiam os países mais pobres, ao mesmo tempo, pressiona-se os
    países da região com exigências desmedidas em matéria de propriedade intelectual, a tal ponto que se
    permitem direitos de patente sobre a vida em todas as suas formas. Além disso, a utilização de
    organismos geneticamente manipulados tem mostrado o que nem sempre a globalização contribui para o
    combate contra a fome, nem para o desenvolvimento rural sustentável.
  68. Ainda que se tenha progredido muitíssimo no controle da inflação e na estabilidade macroeconômica dos países da região, muitos governos se encontram severamente limitados para o
    financiamento de seu orçamento público pelos elevados serviços da dívida externa26 e interna e que,
    por outro lado, não contam com sistemas tributários verdadeiramente eficientes, progressivos e
    eqüitativos.
  69. A atual concentração de renda e riqueza acontece principalmente pelos mecanismos do sistema
    financeiro. A liberdade concedida aos investimentos financeiros favorecem o capital especulativo, que
    não tem incentivos para fazer investimentos produtivos de longo prazo, mas busca o lucro imediato nos
    negócios com títulos públicos, moedas e derivados. No entanto, segundo a Doutrina Social da Igreja, “o
    objeto da economia é a formação da riqueza e seu incremento progressivo, em termos não só
    quantitativos, mas qualitativos: tudo é moralmente correto se está orientado para o desenvolvimento
    global e solidário do homem e da sociedade na qual vive e trabalha. O desenvolvimento, na verdade,
    não pode se reduzir a um mero processo de acumulação de bens e de serviços. Ao contrário, a pura
    acumulação, ainda que para o bem comum, não é uma condição suficiente para a realização de uma
    autêntica felicidade humana”27. A empresa é chamada a prestar uma contribuição maior na sociedade,
    assumindo a chamada responsabilidade social-empresarial, a partir dessa perspectiva.
  70. É também alarmante o nível de corrupção nas economias envolvendo tanto o setor público quanto o
    setor privado, ao que se soma uma notável falta de transparência e prestação de contas à cidadania. Em
    muitas ocasiões, a corrupção está vinculada ao flagelo do narcotráfico ou do narconegócio ,e por outro
    lado, vem destruindo o tecido social e econômico em regiões inteiras.
  71. A população economicamente ativa da região é afetada pelo subemprego (42%) e o desemprego
    (9%), e quase a metade está empregada no trabalho informal. O trabalho formal, por sua vez, vê-se
    submetido à precariedade das condições de emprego e à pressão constante da subcontratação, que traz
    consigo salários mais baixos e falta de proteção na área da segurança social, não permitindo a muitos o
    desenvolvimento de uma vida digna. Neste contexto, os sindicatos perdem a possibilidade de defender
    os direitos dos trabalhadores. Por outro lado, é possível destacar fenômenos positivos e criativos para
    enfrentar esta situação por parte dos afetados, que vêm estimulando diversas experiências, como por
    exemplo, micro-finanças, economia local e solidária e comércio justo.
  72. Os homens do campo, em sua maioria, sofrem por causa da pobreza, agravada por não terem acesso
    à terra própria. No entanto, existem grandes latifúndios em mãos de poucos. Em alguns países, esta
    situação tem levado a população a exigir uma Reforma Agrária, estando atentos aos males que podem
    lhes ocasionar os Tratados de Livre Comércio, a manipulação de drogas e outros fatores.
  73. Um dos fenômenos mais importantes em nossos países é o processo de mobilidade humana, em sua
    dupla expressão de migração e de itinerância em que milhões de pessoas migram ou se vêem forçadas a
    migrar dentro e fora de seus respectivos países. As causas são diversas e estão relacionadas com a
    situação econômica, a violência em suas diversas formas, a pobreza que afeta as pessoas e a falta de
    oportunidades para a pesquisa e o desenvolvimento profissional. Em muitos casos as conseqüência são
    de enorme gravidade em nível pessoal, familiar e cultural. A perda do capital humano de milhões de
    pessoas, de profissionais qualificados, de pesquisadores e amplos setores d agricultura, vai nos
    empobrecendo cada vez mais. A exploração do trabalho chega, em alguns casos, a gerar condições de
    verdadeira escravidão. Acontece também um vergonhoso tráfico de pessoas, que inclui a prostituição,
    inclusive de menores. Merece especial menção a situação dos refugiados, que questiona a capacidade de
    acolhida da sociedade e das igrejas. Por outro lado, no entanto, a remessa de divisas dos emigrados a
    seus países de origem tem se tornado uma importante e, às vezes, insubstituível fonte de recursos para
    diversos países da região, ajudando o bem-estar e à mobilidade social ascendente daqueles que
    conseguem participar com êxito neste processo.
    2.1.3 Dimensão sócio-política
  74. Constatamos um certo progresso democrático que se demonstra em diversos processos eleitorais. No
    entanto, vemos com preocupação o acelerado avanço de diversas formas de regressão autoritária por via
    democrática que, em certas ocasiões, resultam em regimes de corte neo-populista. Isto indica que não
    basta uma democracia puramente formal, fundada em procedimentos eleitorais honestos, mas que é
    necessário uma democracia participativa e baseada na promoção e respeito dos direitos humanos. Uma
    democracia sem valores como os mencionados torna-se facilmente uma ditadura e termina traindo o
    próprio povo.
  75. Com a presença da Sociedade Civil assumindo uma atitude mais protagonista e a irrupção de novos
    atores sociais como são os indígenas, os afro-americanos, as mulheres, os profissionais, uma extensa
    classe média e os setores marginalizados organizados, está se fortalecendo a democracia participativa e
    estão se criando maiores espaços de participação política. Estes grupos estão tomando consciência do
    poder que têm em suas mãos e da possibilidade de gerarem mudanças importantes para a conquista de
    políticas públicas mais justas, que revertam sua situação de exclusão. Neste plano, percebe-se também
    uma crescente influência de organismos das nações unidas e de Organizações Não-Governamentais de
    caráter internacional que nem sempre ajustam suas recomendações a critérios éticos. Não faltam
    também atuações que radicalizam as posições, fomentam a conflitividade e a polarização extremas e
    colocam esse potencial a serviço de interesses alheios aos seus, o que, ao final, pode frustrar e reverter
    negativamente suas esperanças.
  76. Depois de uma época de debilidade dos Estados devido a aplicação de ajustes estruturais na
    economia, por recomendação de organismos financeiros internacionais, olha-se, atualmente, com bons
    olhos um esforço por parte dos Estados em definir e aplicar políticas públicas nos campos da saúde,
    educação, segurança alimentar, previdência social, acesso à terra e à moradia, promoção eficaz da
    economia para a criação de empregos e leis que favorecem as organizações solidárias. Tudo isto mostra
    que não pode existir democracia verdadeira e estável sem justiça social, sem divisão real de poderes e
    sem a vigência do Estado de direito28.
  77. Cabe assinalar como um grande fator negativo, o recrudescimento da corrupção na sociedade e no
    Estado em boa parte da região, envolvendo os poderes legislativos e executivo em todos os seus níveis,
    alcançando também o sistema judicial que, muitas vezes, inclina seu juízo a favor dos poderosos e gera
    impunidade, o que coloca em sério risco a credibilidade das instituições públicas e aumenta a
    desconfiança do povo, fenômeno que se une a um profundo desprezo pela legalidade. Em amplos setores
    da população e especialmente entre os jovens cresce o desencanto pela política e particularmente pela
    democracia, pois as promessas de uma vida melhor e mais justa não se cumpriram ou se cumpriram só
    pela metade. Neste sentido, esquece-se de que a democracia e a participação política são fruto da
    formação que se faz realidade somente quando os cidadãos são conscientes de seus direitos
    fundamentais e de seus deveres correspondentes.
  78. A vida social em convivência harmônica e pacífica está se deteriorando gravemente em muitos
    países da América Latina e do Caribe pelo crescimento da violência, que se manifesta em roubos,
    assaltos, seqüestros, e o que é mais grave, em assassinatos que a cada dia destroem mais vidas humanas
    e enchem de dor as famílias e a sociedade inteira. A violência se reveste de várias formas e tem diversos
    agentes: o crime organizado e o narco-tráfico, grupos paramilitares, violência comum sobretudo na
    periferia das grandes cidades, violência de grupos de jovens e crescente violência intra-familiar. Suas
    causas são múltiplas: a idolatria elo dinheiro, o avanço de uma ideologia individualista e utilitarista, a
    falta de respeito pela dignidade de cada pessoa, a deterioração do tecido social, a corrupção inclusive
    nas forças de ordem e a falta de políticas públicas de equidade social.
  79. Alguns parlamentos ou assembléias legislativas aprovam leis injustas contra os direitos humanos e a
    vontade popular, precisamente por não estar perto de seus representados, nem saber escutar e dialogar
    com os cidadãos, mas também por ignorância, por falta de acompanhamento e porque muitos cidadãos
    abdicam de seu dever de participar na vida pública.
  80. Em alguns países tem aumentado a repressão, a violência dos direitos humanos, inclusive o direito à
    liberdade religiosa, a liberdade de expressão e a liberdade de ensino, assim como o desprezo à objeção
    de consciência.
  81. Ainda que alguns países tenham conseguido acordos de paz superando dessa forma conflitos antigos,
    em outros, continua a luta armada com todas as suas seqüelas (mortes violentas, violações dos Direitos
    Humanos, ameaças, crianças na guerra, seqüestros, etc.), sem que se possa observar soluções em curto
    prazo. A influência do narco-negócio nestes grupos dificulta ainda mais as possíveis soluções.
  82. Na América Latina e no Caribe vê-se com bons olhos uma crescente vontade de integração regional
    com acordos multilaterais, envolvendo um número crescente de países que geram suas próprias regras
    no campo do comércio, dos serviços e das patentes. À origem comum unem-se a cultura, a língua e a
    religião que podem contribuir para que a integração não seja só de mercados, mas de instituições civis e
    de pessoas. Também é positiva a globalização da justiça, no campo dos direitos humanos e dos crimes
    contra a humanidade que permitirá a todos viver progressivamente sob normas iguais chamadas a
    proteger sua dignidade, sua integridade e sua vida.
    2.1.4 Biodiversidade, ecologia, Amazônia e Antártida
  83. A América Latina é o Continente que possui uma das maiores biodiversidades do planeta e uma rica
    sócio diversidade representada por seus povos e culturas. Estes possuem um grande acervo de
    conhecimentos tradicionais sobre a utilização dos recursos naturais, assim como sobre o valor medicinal
    de plantas e outros organismos vivos, muitos dos quais formam a base de sua economia. Tais
    conhecimentos são atualmente objeto de apropriação intelectual ilícita, sendo patenteados por
    indústrias farmacêuticas e de biogenética, gerando vulnerabilidade dos agricultores e suas famílias que
    dependem desses recursos para sua sobrevivência.
  84. Nas decisões sobre as riquezas da biodiversidade e da natureza as populações tradicionais têm sido
    praticamente excluídas. A natureza foi e continua sendo agredida. A terra foi depredada. As águas estão
    sendo tratadas como se fossem uma mercadoria negociável pelas empresas, além de haver sido
    transformadas em um bem disputado pelas grandes potências. Um exemplo muito importante nesta
    situação é a Amazônia29.
  85. Em seu discurso aos jovens, no Estádio do Pacaembu, em São Paulo, o Papa Bento XVI chamou a
    atenção sobre a “devastação ambiental da Amazônia e as ameaças à dignidade humana de seus
    povos”30 e pediu aos jovens “um maior compromisso nos mais diversos espaços de ação31”.
  86. A crescente agressão ao meio-ambiente pode servir de pretexto para propostas de
    internacionalização da Amazônia, que só servem aos interesses econômicos das corporações
    internacionais. A sociedade panamazõnica é pluriétnica, pluricultural e plurireligiosa. Nela, está-se
    intensificando, cada vez mais, a disputa pela ocupação do território. As populações tradicionais da
    região querem que seus territórios sejam reconhecidos e legalizados.
  87. Além disso, constatamos o retrocesso das geleiras em todo o mundo: o degelo do Ártico cujo
    impacto já está se vendo na flora e fauna desse ecossistema; também o aquecimento global se faz sentir
    no estrondoso crepitar dos blocos de gelo ártico que reduzem a cobertura glacial do Continente e que
    regula o clima do mundo. Profeticamente, há 20 anos, desde a fronteira das Américas, João Paulo II
    assinalou: “Desde o Cone Sul do Continente Americano e frente aos ilimitados espaços da Antártida,
    lanço um chamado a todos os responsáveis de nosso planeta para proteger e conservar a natureza criada
    por Deus: não permitamos que nosso mundo seja uma terra cada vez mais degradada e degradante”32.
    2.1.5 Presença dos povos indígenas e afro-americanos na Igreja
  88. Os indígenas constituem a população mais antiga do Continente. Estão na raiz primeira da
    identidade latino-americana e caribenha. Os afro-americanos constituem outra raiz que foi arrancada da
    África e trazida para cá como gente escravizada. A terceira raiz é a população pobre que migrou da
    Europa a partir do século XVI, em busca de melhores condições de vida e o grande fluxo de imigrantes
    de todo o mundo a partir de meados do século XIX. De todos estes grupos e de suas correspondentes
    culturas se formou a mestiçagem que é a base social e cultural de nossos povos latino-americanos e
    caribenhos, como já o reconheceu a III Conferência Geral do Episcopado Latino-americano celebrada em
    Puebla, México33.
  89. Os indígenas e afro-americanos são, sobretudo, “outros” diferentes que exigem respeito e
    reconhecimento. A sociedade tende a menosprezá-los, desconhecendo o porquê de suas diferenças. Sua
    situação social está marcada pela exclusão e pela pobreza. A Igreja acompanha os indígenas e afroamericanos nas lutas por seus legítimos direitos.
  90. Hoje, os povos indígenas e afros estão ameaçados em sua existência física, cultural e espiritual; em
    seus modos de vida; em suas identidades; em sua diversidade; em seus territórios e projetos. Algumas
    comunidades indígenas se encontram fora de suas terras porque elas foram invadidas e degradadas, ou
    não tem terras suficientes para desenvolver suas culturas. Sofrem graves ataques a sua identidade e
    sobrevivência, pois a globalização econômica e cultural coloca em perigo sua própria existência como
    povo diferentes. Sua progressiva transformação cultural provoca o rápido desaparecimento de algumas
    línguas e culturas. A migração, forçada pela pobreza, está influindo profundamente na mudança de seus
    costumes, de relacionamentos e inclusive de religião.
  91. Os indígenas e afro-americanos emergem agora na sociedade e na Igreja. Este é um “kairós” para
    aprofundar o encontro da Igreja com estes setores humanos que reivindicam o reconhecimento pleno de
    seus direitos individuais e coletivos, serem levados em consideração na catolicidade com sua
    cosmovisão, seus valores e suas identidades particulares, para viver um novo Pentecostes eclesial.
  92. Já, em Santo Domingo, os pastores reconheciam que “os povos indígenas cultivam valores humanos
    de grande significado”34; valores que “a Igreja defende… diante da força dominadora das estruturas de
    pecado manifestas na sociedade moderna”35; “são possuidores de inumeráveis riquezas culturais, que
    estão na base de nossa identidade atual”36; e, a partir da perspectiva da fé, “estes valores e convicções
    são fruto de ‘sementes do Verbo’, que já estavam presentes e operavam em seus antepassados”37.
  93. Entre eles podemos assinalar: “abertura à ação de Deus pelos frutos da terra, o caráter sagrado da
    vida humana, a valorização da família, o sentido de solidariedade e a co-responsabilidade no trabalho
    comum, a importância do cultual, a crença em uma vida ultra terrena”38. Atualmente, o povo tem
    enriquecido amplamente estes valores através da evangelização e os tem desenvolvido em múltiplas
    formas de autêntica religiosidade popular.
  94. Como Igreja que assume a causa dos pobres, estimulamos a participação dos indígenas e afroamericanos na vida eclesial Vemos com esperança o processo de inculturação discernido à luz do
    magistério. É prioritário fazer traduções católicas da Bíblia e dos textos litúrgicos nos idiomas desses
    povos. Necessita-se, igualmente, promover mais as vocações e os ministérios ordenados procedentes
    destas culturas.
  95. Nosso serviço pastoral à vida plena dos povos indígenas exige que anunciemos a Jesus Cristo e a Boa
    Nova do Reino de Deus, denunciemos as situações de pecado, as estruturas de morte, a violência e as
    injustiças internas e externas e fomentemos o diálogo intercultural, interreligioso e ecumênico. Jesus
    Cristo é a plenitude da revelação para todos os povos e o centro fundamental de referência para
    discernir os valores e as deficiências de todas as culturas, incluindo as indígenas. Por isso, o maior
    tesouro que podemos oferecer a eles é que cheguem ao encontro com Jesus Cristo ressuscitado, nosso
    Salvador. Os indígenas que já receberam o Evangelho, como discípulos e missionários de Jesus Cristo,
    são chamados a viver com imensa alegria sua realidade cristã, a explicar a razão de sua fé em meio a
    suas comunidades e a colaborar ativamente para que nenhum povo indígena da América Latina renegue
    sua fé cristã, mas ao contrário, sintam que em Cristo encontram o sentido pleno de sua existência.
  96. A história dos afro-americanos tem sido atravessada por uma exclusão social, econômica, política e,
    sobretudo, racial, onde a identidade étnica é fator de subordinação social. Atualmente, são
    discriminados na inserção do trabalho, na qualidade e conteúdo da formação escolar, nas relações
    cotidianas e, além disso, existe um processo de ocultamento sistemático de seus valores, história,
    cultura e expressões religiosas. Permanece, em alguns casos, uma mentalidade e um certo olhar de
    menor respeito em relação aos indígenas e afro-americanos. Desse modo, descolonizar as mentes, o
    conhecimento, recuperar a memória histórica, fortalecer os espaços e relacionamentos inter-culturais,
    são condições para a afirmação da plena cidadania destes povos.
  97. A realidade latino-americana conta com comunidades afro-americanas muito vivas que participam
    ativa e criativamente na construção deste continente. Os movimentos pela recuperação das
    identidades, dos direitos dos cidadãos e contra o racismo e os grupos alternativos de economias
    solidárias, fazem das mulheres e homens negros sujeitos construtores de sua história e de uma nova
    história que se vai desenhando na atualidade latino-americana e caribenha. Esta nova realidade se
    baseia em relações inter-culturais onde a diversidade não significa ameaça, não justifica hierarquias de
    um poder sobre outros, mas sim diálogo a partir de visões culturais diferentes de celebração, de interrelacionamento e de reavivamento da esperança.
    2.2 Situação de nossa Igreja nesta hora histórica de desafios
  98. A Igreja católica na América Latina e no Caribe, apesar das deficiências e ambigüidades de alguns de
    seus membros, tem dado testemunho de Cristo, anunciado seu Evangelho e oferecido seu serviço de
    caridade principalmente aos mais pobres, no esforço por promover sua dignidade e também no empenho
    de promoção humana nos campos da saúde, da economia solidária, da educação, do trabalho, do acesso
    à terra, da cultura, da habitação e assistência, entre outros. Com sua voz, unida à de outras instituições
    nacionais e mundiais, tem ajudado a dar orientações prudentes e a promover a justiça, os direitos
    humanos e a reconciliação dos povos. Isto tem permitido que a Igreja seja reconhecida socialmente em
    muitas ocasiões como uma instância de confiança e credibilidade. Seu empenho a favor dos mais pobres
    e sua luta pela dignidade de cada ser humano tem ocasionado, em muitos casos, a perseguição e,
    inclusive, a morte de alguns de seus membros, os quais consideramos testemunhas da fé. Queremos
    recordar o testemunho valente de nossos santos e santas, e aqueles que, inclusive sem haver sido
    canonizados, tem vivido com radicalidade o evangelho e oferecido sua vida por Cristo, pela Igreja e por
    seu povo.
  99. Os esforços pastorais orientados para o encontro com Jesus Cristo vivo deram e continuam dando
    frutos. Entre outros, destacamos os seguintes:
    a) Devido a animação bíblica da pastoral, aumenta o conhecimento da Palavra de Deus e do amor por
    ela. Graças à assimilação do Magistério da Igreja e a uma melhor formação de generosos catequistas, a
    renovação da Catequese tem produzido fecundos resultados em todo o Continente, chegando inclusive
    a países da América do Norte, Europa e Ásia, para onde muitos latino-americanos e caribenhos têm
    emigrado.
    b) A renovação litúrgica acentuou a dimensão celebrativa e festiva da fé cristã centrada no mistério
    pascal de Cristo Salvador, em particular na Eucaristia. Crescem as manifestações da religiosidade
    popular, especialmente a piedade eucarística e a devoção mariana. Esforços têm sido realizados para
    inculturar a liturgia nos povos indígenas e afro-americanos. Estão sendo superados os riscos de reduzir a
    Igreja a sujeito político, com um melhor discernimento dos impactos sedutores das ideologias. Têm-se
    fortalecido a responsabilidade e a vigilância com relação às verdades da Fé, ganhando em profundidade
    e serenidade de comunhão.
    c) Nosso povo tem grande estima pelos sacerdotes. Reconhece a santidade de muitos deles, como
    também seu testemunho de vida, seu trabalho missionário e sua criatividade pastoral, particularmente
    daqueles que estão em lugares distantes ou em contextos de maior dificuldade. Muitas de nossas Igrejas
    contam com uma pastoral sacerdotal com experiências concretas de vida em comum e de uma
    retribuição do clero mais justa. Em algumas Igrejas desenvolve-se o diaconato permanente. Contam
    também com ministérios confiados aos leigos e outros serviços pastorais, como delegados da Palavra,
    animadores de assembléia e de pequenas comunidades, entre elas, as comunidades eclesiais de base, os
    movimentos eclesiais e um grande número de pastorais específicas. Faz-se um grande esforço pela
    formação em nossos Seminários, nas casas de formação para a vida consagrada e nas escolas para o
    diaconato permanente. É significativo o testemunho da vida consagrada, sua participação na ação
    pastoral e sua presença em situações de pobreza, de risco e de fronteira. A Igreja estimula com
    esperança o incremento de vocações para a vida contemplativa masculina e feminina.
    d) Ressalta a abnegada entrega de tantos missionários e missionárias que, até o dia de hoje, tem
    desenvolvido uma valiosa obra evangelizadora e de promoção humana em todos os nossos povos, com
    multiplicidade de obras e serviços. Desse modo é reconhecido o trabalho de numerosos sacerdotes,
    consagradas e consagrados, leigos e leigas que, a partir do nosso Continente, participam da missão ad
    gentes.
    e) Crescem os esforços de renovação pastoral nas paróquias, favorecendo um encontro com Cristo vivo
    mediante diversos métodos de nova evangelização que se transformam em comunidade de comunidades
    evangelizadas e missionárias. Contata-se em alguns lugares um florescimento de comunidades eclesiais
    de base, segundo o critério das Conferências Gerais anteriores, em comunhão com os Bispos e fiéis ao
    Magistério da Igreja39. Valoriza-se a presença e o crescimento dos movimentos eclesiais e novas
    comunidades que difundem sua riqueza carismática, educativa e evangelizadora. Tem-se tomado
    consciência da importância da pastoral Familiar, da Infância e Juvenil.
    f) A Doutrina Social da Igreja constitui uma riqueza sem preço que tem animado o testemunho e a ação
    solidária dos leigos e leigas, aqueles que se interessam cada vez mais por sua formação teológica como
    verdadeiros missionários da caridade, e se esforçam por transformar de maneira efetiva o mundo
    segundo Cristo. Hoje, inumeráveis iniciativas laicas no âmbito social, cultural, econômico e político,
    deixam-se inspirar pelos princípios permanentes, pelos critérios de juízo e pelas diretrizes de ação
    provenientes da Doutrina Social da Igreja. Valoriza-se o desenvolvimento que tem tido a Pastoral Social,
    como também a ação da Cáritas em seus vários níveis e a riqueza do voluntariado, nos mais diversos
    apostolados com incidência social. Tem-se desenvolvido a pastoral da comunicação social e mais do que
    nunca a Igreja tem contado com mais meios de comunicação para a evangelização da cultura,
    neutralizando em parte outros grupos religiosos que ganham constantemente adeptos, usando com
    perspicácia o rádio e a televisão. Temos rádios, televisão, cinema, jornais, internet, páginas de web e a
    RIIAL que nos enchem de esperança.
    g) A diversificação da organização eclesial, com a criação de muitas comunidades, novas jurisdições e
    organismos pastorais, permitiu que muitas Igrejas locais avançassem na estruturação de uma Pastoral
    Orgânica, para servir melhor às necessidades dos fiéis. Não com a mesma intensidade, em todas as
    Igrejas, tem-se desenvolvido o diálogo ecumênico. Também o diálogo interreligioso, quando segue as
    normas do Magistério, pode enriquecer os participantes em diversos encontros40. Em outros lugares,
    tem-se criado escolas de ecumenismo ou de colaboração ecumênica em assuntos sociais e outras
    iniciativas. Manifesta-se, como reação ao materialismo, uma busca de espiritualidade, de oração e de
    mística que expressa fome e sede de Deus. Por outro lado, a valorização da ética é um sinal dos tempos
    que indica a necessidade de superar o hedonismo, a corrupção e o vazio dos valores. Alegra-nos, além
    disso, o profundo sentimento de solidariedade que caracteriza nossos povos e a prática de compartilhar
    e de ajuda mútua.
  100. Apesar dos aspectos positivos que nos alegram na esperança, observamos sombras, entre as quais
    mencionamos as seguintes:
    a) Para a Igreja Católica, a América Latina e o Caribe são de grande importância, por seu dinamismo
    eclesial, por sua criatividade e porque 43% de todos os seus fiéis vivem nesses locais; no entanto,
    observamos que o crescimento percentual da Igreja não segue o mesmo ritmo que o crescimento
    populacional. Na média, o aumento do clero, e sobretudo, das religiosas, distancia-se cada vez mais do
    crescimento populacional em nossa região41.
    b) Lamentamos, seja algumas tentativas de voltar a um certo tipo de eclesiologia e espiritualidade
    contrárias à renovação do Concílio Vaticano II42, seja algumas leituras e aplicações reducionistas da
    renovação conciliar; lamentamos a ausência de uma autêntica obediência e do exercício evangélico da
    autoridade, das infidelidades à doutrina, à moral e à comunhão, nossas débeis vivências da opção
    preferencial pelos pobres, não poucas recaídas secularizantes na vida consagrada influenciada por uma
    antropologia meramente sociológica e não evangélica. Tal como manifestou o Santo Padre no Discurso
    Inaugural de nossa Conferência: “percebe-se um certo enfraquecimento da vida cristã no conjunto da
    sociedade e do próprio pertencimento à Igreja Católica”43.
    c) Constatamos o escasso acompanhamento dado aos fiéis leigos em suas tarefas de serviço à sociedade,
    particularmente quando assumem responsabilidades nas diversas estruturas de ordem temporal.
    Percebemos uma evangelização com pouco ardor e sem novos métodos e expressões, uma ênfase no
    ritualismo sem o conveniente caminho de formação, descuidando de outras tarefas pastorais. De igual
    forma, preocupa-nos uma espiritualidade individualista. Verificamos, deste modo, uma mentalidade
    relativista no ético e no religioso, a falta de aplicação criativa do rico patrimônio que contêm a Doutrina
    Social da Igreja e, em certas ocasiões, uma compreensão limitada do caráter secular que constitui a
    identidade própria e específica dos fiéis leigos.
    d) Na evangelização, na catequese e, em geral, na pastoral, persistem também linguagens pouco
    significativas para a cultura atual e em particular, para os jovens. Muitas vezes as linguagens utilizadas
    parecem não levar em consideração a mutação dos códigos existencialmente relevantes nas sociedades
    influenciadas pela pós-modernidade e marcadas por um amplo pluralismo social e cultural. As mudanças
    culturais dificultam a transmissão da Fé por parte da família e da sociedade. Frente a isso, não se vê
    uma presença importante da Igreja na geração de cultura, de modo especial no mundo universitário e
    nos meios de comunicação.
    e) O número insuficiente de sacerdotes e sua não eqüitativa distribuição impossibilitam que muitíssimas
    comunidades possam participar regularmente na celebração da Eucaristia. Recordando que a Eucaristia
    faz à Igreja, preocupa-nos a situação de milhares destas comunidades privadas da Eucaristia dominical
    por longos períodos de tempo. A isto se acrescenta a relativa escassez de vocações ao ministério e à
    vida consagrada. Falta espírito missionário em membros do clero, inclusive em sua formação. Muitos
    católicos vivem e morrem sem assistência da Igreja, à qual pertencem pelo batismo. Enfrentam-se
    dificuldades para assumir a sustentação econômica das estruturas pastorais. Falta solidariedade na
    comunhão de bens no interior das igrejas locais e entre elas. Em muitas das nossas Igrejas locais não se
    assume suficientemente a pastoral penitenciária, nem a pastoral de menores infratores e em situações
    de risco. É insuficiente o acompanhamento pastoral para os migrantes e itinerantes. Alguns movimentos
    eclesiais nem sempre se integram adequadamente na pastoral paroquial e diocesana; por sua vez,
    algumas estruturas eclesiais não são suficientemente abertas para acolhê-los.
    f) Nas últimas décadas vemos com preocupação, por um lado, que numerosas pessoas perdem o sentido
    transcendental de suas vidas e abandonam as práticas religiosas e, por outro lado, que um número
    significativo de católicos estão abandonando a Igreja para entrar em outros grupos religiosos. Ainda que
    este seja um problema real em todos os países latino-americanos e caribenhos, não existe
    homogeneidade no que se refere a suas dimensões e sua diversidade.
    g) Dentro do novo pluralismo religioso em nosso continente, não se tem diferenciado suficientemente os
    cristãos que pertencem a outras igrejas ou comunidades eclesiais, tanto por sua doutrina como por suas
    atitudes, dos que fazem parte da grande diversidade de grupos cristãos (inclusive pseudo-cristãos) que
    se tem instalado entre nós. Isto porque não é adequado englobar a todos em uma só categoria de
    análise. Muitas vezes não é fácil o diálogo ecumênico com grupos cristãos que atacam a Igreja Católica
    com insistência.
    h) Reconhecemos que, ocasionalmente, alguns católicos tem se afastado do Evangelho, que requer um
    estilo de vida mais simples, austero e solidário, mais fiel à verdade e à caridade, como também nos tem
    faltado valentia, persistência e docilidade à graça de prosseguir, fiel à Igreja de sempre, a renovação
    iniciada pelo Concílio Vaticano II, impulsionada pelas Conferências Gerais anteriores, e para assegurar o
    rosto latino-americano e caribenho de nossa Igreja. Reconhecemo-nos como comunidade de pobres
    pecadores, mendicantes da misericórdia de Deus, congregada, reconciliada, unida e enviada pela força
    da Ressurreição de seu Filho e a graça de conversão do Espírito Santo.
    SEGUNDA PARTE: A VIDA DE JESUS CRSITO NOS DISCÍPULOS MISSIONÁRIOS
    CAPÍTULO 3
    A ALEGRIA DE SERMOS DISCÍPULOS MISSIONÁRIOS PARA ANUNCIAR O EVANGELHO DE JESUS CRISTO
  101. Neste momento, com incertezas no coração, perguntamo-nos com Tomé: “Como vamos saber o
    caminho?” (Jo 14,5). Jesus nos responde com uma proposta provocadora: “Eu sou o Caminho, a Verdade
    e a Vida” (Jo 14,6). Ele é o verdadeiro caminho para o Pai., quem tanto amou ao mundo que deu a seu
    Filho único, para que todo aquele que nele creia tenha a vida eterna (cf. Jo 3,16). Esta é a vida eterna:
    “que te conheçam a ti o único Deus verdadeiro, e a Jesus Cristo teu enviado” (Jo 17,3). A fé em Jesus
    como o Filho do Pai é a porta de entrada para a Vida. Como discípulos de Jesus, confessamos nossa fé
    com as palavras de Pedro: “Tuas palavras dão vida eterna” (Jo 6,68); “Tu és o Messias, o Filho do Deus
    vivo” (Mt 16,16).
  102. Jesus é o Filho de Deus, a Palavra feito carne (cf. Jo 1,14), verdadeiro Deus e verdadeiro homem,
    prova do amor de Deus aos homens. Sua vida é uma entrega radical de si mesmo a favor de todas as
    pessoas, consumada definitivamente em sua morte e ressurreição. Por ser o Cordeiro de Deus, Ele é o
    Salvador. Sua paixão, morte e ressurreição possibilita a superação do pecado e a vida nova para toda a
    humanidade. N’Ele, o Pai se faz presente, porque quem conhece o Filho conhece o Pai (cf. Jo 14,7).
  103. Como discípulos de Jesus reconhecemos que Ele é o primeiro e maior evangelizador enviado por
    Deus (cf. Lc 4,44) e, ao mesmo tempo, o Evangelho de Deus (cf. Rm 1,3). Cremos e anunciamos “a boa
    nova de Jesus, Messias, Filho de Deus” (Mc 1,1). Como filhos obedientes á voz do Pai queremos escutar a
    Jesus (cf. Lc 9,35) porque Ele é o único Mestre (cf. Mt 23,8). Como seus discípulos sabemos que suas
    palavras são Espírito e Vida (cf. Jo 6,63.68). Com a alegria da fé somos missionários para proclamar o
    Evangelho de Jesus Cristo e, n’Ele, a boa nova da dignidade humana, da vida, da família, do trabalho,
    da ciência e da solidariedade com a criação.
    3.1. A boa nova da dignidade humana
  104. Bendizemos a Deus pela dignidade da pessoa humana, criada a sua imagem e semelhança. Ele nos
    criou livres e nos fez sujeitos de direitos e deveres em meios à criação. Agradecemos-lhe por nos
    associar ao aperfeiçoamento do mundo, dando-nos inteligência e capacidade para amar; pela dignidade,
    que recebemos também com a tarefa e o dever de proteger, cultivar e promover. Bendizemos a Deus
    pelo dom da fé que nos permite viver em aliança com Ele até o momento de compartilhar a vida eterna.
    Bendizemos a Deus por nos fazer suas filhas e filhos em Cristo, por nos haver redimido com o preço de
    seu sangue e pelo relacionamento permanente que estabelece conosco, que é fonte de nossa dignidade
    absoluta, inegociável e inviolável. Se o pecado deteriorou a imagem de Deus no homem e feriu sua
    condição, a boa nova, que é Cristo, o redimiu e o restabeleceu na graça (cf. Rm 5,12-21).
  105. Louvamos a Deus pelos homens e mulheres da América Latina e do Caribe que, movidos por sua fé,
    tem trabalhado incansavelmente na defesa da dignidade da pessoa humana, especialmente dos pobres e
    marginalizados. Em seu testemunho, levado até a entrega total, resplandece a dignidade do ser
    humano.
    3.2 A boa nova da vida
  106. Louvamos a Deus pelo dom maravilhoso da vida e por aqueles que a honram e a dignificam ao
    colocá-la a serviço dos demais; pelo espírito alegre de nossos povos que amam a música, a dança, a
    poesia, a arte, o esporte e cultivam uma firme esperança em meio a problemas e lutas. Louvamos a
    Deus porque, sendo nós pecadores, Ele nos mostrou seu amor reconciliando-nos consigo pela morte de
    seu Filho na cruz. Louvamos a Deus porque Ele continua derramando seu amor em nós pelo Espírito
    Santo e nos alimentando com a Eucaristia, pão da vida (cf. Jo 6,35). A Encíclica “Evangelho da Vida”, de
    João Paulo II, ilumina o grande valor da vida humana a qual devemos cuidar e pela qual continuamente
    devemos louvar a Deus.
  107. Bendizemos ao Pai pelo dom de seu Filho Jesus Cristo “rosto humano de Deus e rosto divino do
    homem”44. “Na realidade, tão só o mistério do Verbo encarnado explica verdadeiramente o mistério do
    homem. Cristo, na própria revelação do mistério do Pai e de seu amor, manifesta plenamente o homem
    ao próprio homem e descobre sua altíssima vocação”45.
  108. Bendizemos ao Pai porque, mesmo entre dificuldades e incertezas, todo homem aberto
    sinceramente à verdade e ao bem comum, pode chegar a descobrir na lei natural escrita em seu coração
    (cf. Rm 2,14-150, o valor sagrado da vida humana desde seu início até seu fim natural e afirmar o
    direito de cada ser humano de ver respeitado totalmente este seu bem primário. “A convivência humana
    e a própria comunidade política”46 se fundamenta no reconhecimento desse direito.
  109. Diante de uma vida sem sentido, Jesus nos revela a vida íntima de Deus em seu mistério mais
    elevado, a comunhão trinitária. É tal o amor de Deus, que faz do homem, peregrino neste mundo, sua
    morada: “Viremos a ele e viveremos nele” (Jo 14,23). Diante do desespero de um mundo sem Deus, que
    só vê na morte o final definitivo da existência, Jesus nos oferece a ressurreição e a vida eterna na qual
    deus será tudo em todos (cf. 1 Cor 15,28). Diante da idolatria dos bens terrenos, Jesus apresenta a vida
    em Deus como valor supremo: “de que vale alguém ganhar o mundo e perder a sua vida?” (Mc 8,36)47.
  110. Diante do subjetivismo hedonista, Jesus propõe entregar a vida para ganha-la, porque “quem
    aprecia sua vida terrena, perdê-la-á” (Jo 12,25). É próprio do discípulo de Jesus gastar sua vida como
    sal da terra e luz do mundo. Diante do individualismo, Jesus convoca a viver e caminhar juntos. A vida
    cristã só se aprofunda e se desenvolve na comunhão fraterna. Jesus nos disse “um é seu mestre e todos
    vocês são irmãos” (Mt 23,8). Diante da despersonalização, Jesus ajuda a construir identidades
    integradas.
  111. A própria vocação, a própria liberdade e a própria originalidade são dons de Deus para a plenitude
    e a serviço do mundo.
  112. Diante da exclusão, Jesus defende os direitos dos fracos e a vida digna de todo ser humano. De seu
    Mestre, o discípulo tem aprendido a lutar contra toda forma de desprezo da vida e de exploração da
    pessoa humana48. Só o Senhor é autor e dono da vida. O ser humano, sua imagem vivente, é sempre
    sagrado, desde a sua concepção até a sua morte natural; em todas as circunstâncias e condições de sua
    vida. Diante das estruturas de morte, Jesus faz presente a vida plena. “Eu vim para dar vida aos homens
    e para que a tenham em abundância” (Jo 10,10). Por isso, cura os enfermos, expulsa os demônios e
    compromete os discípulos na promoção da dignidade humana e de relacionamentos sociais fundados na
    justiça.
  113. Diante da natureza ameaçada, Jesus que conhecia o cuidado do Pai pelas criaturas que Ele
    alimenta e embeleza (cf Lc 12,28), convoca-nos a cuidar da terra para que ela ofereça abrigo e sustento
    a todos os homens (cf. Gn 1,29; 2,15).
    3.3 A boa nova da família
  114. Proclamamos com alegria o valor da família na América Latina e no Caribe. O Papa Bento XVI
    afirma que a família, “patrimônio da humanidade, constitui um dos tesouros mais importantes dos povos
    latino-americanos e caribenhos. Ela tem sido e é escola da fé, palestra de valores humanos e cívicos, lar
    em que a vida humana nasce e se acolhe generosa e responsavelmente… A família é insubstituível para
    a serenidade pessoal e para a educação de seus filhos”49.
  115. Agradecemos a Cristo que nos revela que “Deus é amor e vive em si mesmo um mistério pessoal de
    amor”50 e, optando por viver em família em meio a nós, eleva-a à dignidade de ‘Igreja Doméstica’.
  116. Bendizemos a Deus por haver criado o ser humano, homem e mulher, ainda que hoje se queira
    confundir esta verdade: “Criou Deus os seres humanos a sua imagem; a imagem de Deus os criou,
    homem e mulher os criou” (Gn 1,27). Pertence à natureza humana que o homem e a mulher busquem
    um no outro sua reciprocidade e complementaridade51.
    117.O fato de sermos amados por Deus enche-nos de alegria. O amor humano encontra sua plenitude
    quando participa do amor divino, do amor de Jesus que se entrega solidariamente por nós em seu amor
    pleno até o fim (cf. Jo 13,1; 15,9). O amor conjugal é a doação recíproca entre um homem e uma
    mulher, os esposos: é fiel e exclusivo até a morte e fecundo, aberto á vida e á educação dos filhos,
    assemelhando-se ao amor fecundo da Santíssima Trindade52. O amor conjugal é assumido no
    Sacramento do Matrimônio para significar a união de Cristo com sua Igreja. Por isso, na graça de Jesus
    Cristo ele encontra sua purificação, alimento e plenitude ( Ef 5,23-33).
  117. No seio de uma família, a pessoa descobre os motivos e o caminho para pertencer á família de
    Deus. Dela, recebemos a vida que é a primeira experiência do amor e da fé. O grande tesouro da
    educação dos filhos na fé consiste na experiência de uma vida familiar que recebe a fé, conserva-a,
    celebra-a, transmite-a e dá testemunha dela. Os pais devem tomar nova consciência de sua alegre e
    irrenunciável responsabilidade na formação integral de seus filhos.
  118. Deus ama nossas famílias, apesar de tantas feridas e divisões. A presença invocada de Cristo
    através da oração em família nos ajuda a superar os problemas, a curar as feridas e abre caminhos de
    esperança. Muitos vazios de lar podem ser atenuados através de serviços prestados pela comunidade
    eclesial, família de famílias.
    3.4 A boa nova da atividade humana
    3.4.1 O trabalho
  119. Louvamos a Deus porque na beleza da criação, que é obra de suas mãos, resplandece o sentido do
    trabalho como participação de sua tarefa criadora e como serviço aos irmãos e irmãs. Jesus, o
    carpinteiro (cf. Mc 6,3), dignificou o trabalho e o trabalhador e recorda que o trabalho não é um mero
    apêndice da vida, mas que “constitui uma dimensão fundamental da existência do homem na terra”53,
    pela qual o homem e a mulher se realizam como seres humanos54. O trabalho garante a dignidade e a
    liberdade do homem, e é provavelmente “a chave essencial de toda ‘a questão social’”55.
  120. Damos graças a Deus porque sua palavra nos ensina que, apesar do cansaço que muitas vezes
    acompanha o trabalho, o cristão sabe que este, unido à oração, serve não só para o progresso terreno,
    mas também para a santificação pessoal e a construção do Reino de Deus56. O desemprego, a injusta
    remuneração pelo trabalho e o viver sem querer trabalhar são contrários ao desígnio de Deus. O
    discípulo e o missionário, respondendo a este desígnio, promovem a dignidade do trabalhador e do
    trabalho, o justo reconhecimento de seus direitos e de seus deveres, desenvolvem a cultura do trabalho
    e denunciam toda injustiça. A guarda do domingo, como dia de descanso, da família e do culto ao
    Senhor, garante o equilíbrio entre trabalho e repouso. Cabe à comunidade criar estruturas que ofereçam
    um trabalho ás pessoas deficientes, segundo suas possibilidades57.
  121. Louvamos a Deus pelos talentos, pelo estudo e pela decisão de homens e mulheres para promover
    iniciativas e projetos geradores de trabalho e produção, que elevam a condição humana e o bem-estar
    da sociedade. A atividade empresarial é boa e necessária quando respeita a dignidade do trabalhador, o
    cuidado do meio-ambiente e se ordena o bem comum. Perverte-se ao visar só o lucro, atenta contra os
    direitos dos trabalhadores e a justiça.
    3.4.2 A ciência e a tecnologia
  122. Louvamos a Deus por aqueles que cultivam as ciências e a tecnologia oferecendo uma imensa
    quantidade de bens e valores culturais que tem contribuído, entre outras coisas, para prolongar a
    expectativa de vida e sua qualidade. No entanto, a ciência e a tecnologia não têm as respostas às
    grandes interrogações da vida humana. A resposta última às questões fundamentais do homem só pode
    vir de uma razão e ética integrais, iluminadas pela revelação de Deus. Quando a verdade, o bem e a
    beleza se separam; quando a pessoa humana e suas exigências fundamentais não constituem o critério
    ético, a ciência e a tecnologia voltam-se contra o homem que as criou.
  123. Hoje em dia as fronteiras traçadas entre as ciências se desvanecem. Com este modo de
    compreender o diálogo, sugere-se a idéia de que nenhum conhecimento é completamente autônomo.
    Esta situação abre um terreno de oportunidades à teologia para interagir com as ciências sociais.
    3.5. A boa nova do destino universal dos bens e da ecologia
  124. Junto com os povos originários da América, louvamos ao Senhor que criou o universo como espaço
    para a vida e a convivência de todos seus filhos e filhas e no-los deixou como sinal de sua bondade e de
    sua beleza. A criação também é manifestação do amor providente de Deus; foi-nos entregue para que
    cuidemos dela e a transformemos em fonte de vida digna para todos. Ainda que hoje se tenha
    generalizado uma maior valorização da natureza, percebemos claramente de quantas maneiras o
    homem ameaça e inclusive destrói seu ‘habitat’. “Nossa irmã a mãe terra” é nossa casa comum58 e o
    lugar da aliança de Deus com os seres humanos e com toda a criação. Desatender as mútuas relações e o
    equilíbrio que o próprio Deus estabeleceu entre as realidades criadas, é uma ofensa ao Criador, um
    atentado contra a biodiversidade e, definitivamente, contra a vida. O discípulo missionário, a quem
    Deus encarregou a criação, deve contemplá-la, cuidar dela e utilizá-la, respeitando sempre a ordem
    dada pelo Criador.
  125. A melhor forma de respeitar a natureza é promover uma ecologia humana aberta à transcendência
    que, respeitando a pessoa e a família, os ambientes e as cidades, segue a indicação paulina de
    recapitular as coisas em Cristo e de louvar com Ele ao Pai (cf. 1 Cor 3,21-23). O Senhor entregou o
    mundo para todos, para os das gerações presentes e futuras. O destino universal dos bens exige a
    solidariedade com a geração presente e as futuras. Visto que os recursos são cada vez mais limitados,
    seu uso deve estar regulado segundo um princípio de justiça distributiva, respeitando o desenvolvimento
    sustentável.
    3.6 O Continente da esperança e do amor
  126. Como discípulos e missionários agradecemos a Deus porque a maioria dos latino-americanos e
    caribenhos estão batizados. A providência de Deus nos confiou o precioso patrimônio de pertencer á
    Igreja pelo dom do batismo que nos tem feito membros do Corpo de Cristo, povo de Deus peregrino em
    terra americanas há mais de quinhentos anos. Alenta nossa esperança a multidão de nossas crianças, os
    ideais de nossos jovens e o heroísmo de muitas de nossas famílias que, apesar das crescentes
    dificuldades, seguem sendo fiéis ao amor.. Agradecemos a Deus pela religiosidade de nossos povos que
    resplandece na devoção ao Cristo sofredor e a sua Mãe bendita, na veneração aos Santos com suas festas
    patronais, no amor ao Papa e aos demais pastores, no amor à Igreja universal como grande família de
    Deus que nunca pode nem deve deixar seus próprios filhos sós ou na miséria59.
  127. Reconhecemos o dom da vitalidade da Igreja que peregrina na América Latina e no Caribe, sua
    opção pelos pobres, suas paróquias, suas comunidades, suas associações, seus movimentos eclesiais,
    novas comunidades e seus múltiplos serviços sociais e educativos. Louvamos ao Senhor por ter feito
    deste continente um espaço de comunhão e comunicação de povos e culturas indígenas. Também
    agradecemos o protagonismo que vão adquirindo setores que foram deslocados: mulheres, indígenas,
    afro-americanas, os homens do campo e habitantes de áreas marginais das grandes cidades. Toda a vida
    de nossos povos fundada em Cristo e redimida por Ele pode olhar para o futuro com esperança e alegria,
    acolhendo o chamado do Papa Bento XVI: “Só da Eucaristia brotará a civilização do amor que
    transformará a América latina e o Caribe para que, além de ser o Continente da esperança, seja
    também o Continente do amor!”60.
    CAPÍTULO 4
    A VOCAÇÃO DOS DISCÍPULOS MISSIONÁRIOS À SANTIDADE
    4.1 Chamados ao seguimento de Jesus Cristo
  128. Por assim dizer, Deus Pai sai de si, para nos chamar a participar de sua vida e de sua glória.
    Mediante Israel, povo que fez seu, Deus nos revela seu projeto de vida. Cada vez que Israel procurou e
    necessitou de seu Deus, sobretudo nas desgraças nacionais, teve uma singular experiência de comunhão
    com Ele, que o fazia partícipe de sua verdade, sua vida e sua santidade. Por isso, não demorou em
    testemunhar que seu Deus – diferentemente dos ídolos – é o “Deus vivo” (Dt 5,26) que o liberta dos
    opressores (cf. Ex 3,7-10), que perdoa incansavelmente (cf. Ec 34,6; Eclo 2,11) e que restitui a salvação
    perdida quando o povo, envolvido “nas redes da morte” (Sl 116,3), dirige-se a Ele suplicante (Cf. Is
    38,16). Deste Deus – que é seu Pai – Jesus afirmará que “não é um Deus de mortos, mas de vivos” (Mc
    12,27).
  129. Nestes últimos tempos, Ele nos tem falado por meio de Jesus seu Filho (Hb 1,1ss), com quem chega
    a plenitude dos tempos (cf. Gl 4,4). Deus, que é Santo e nos ama, nos chama por meio de Jesus a ser
    santos (cf. Ef 1,4-5).
  130. O chamado que Jesus, o Mestre faz, implica numa grande novidade. Na antiguidade, os mestres
    convidavam seus discípulos a se vincular com algo transcendente e os mestres da Lei propunham a
    adesão à Lei de Moisés. Jesus convida a nos encontrar com Ele e a que nos vinculemos estreitamente a
    Ele porque é a fonte da vida (cf. Jo 15,1-5) e só Ele tem palavra de vida eterna (cf. Jo 6,68). Na
    convivência cotidiana com Jesus e na confrontação com os seguidores de outros mestres, os discípulos
    logo descobrem duas coisas originais no relacionamento com Jesus. Por um lado, não foram eles que
    escolheram seu mestre foi Cristo quem os escolheu. E por outro lado, eles não foram convocados para
    algo (purificar-se, aprender a Lei…), mas para Alguém, escolhidos para se vincular intimamente a sua
    pessoa (cf. Mc 1,17; 2,14). Jesus os escolheu para “que estivessem com Ele e para enviá-los a pregar”
    (Mc 3,14), para que o seguissem com a finalidade de “ser d’Ele” e fazer parte “dos seus” e participar de
    sua missão. O discípulo experimenta que a vinculação íntima com Jesus no grupo dos seus é participação
    da Vida saída das entranhas do Pai, é se formar para assumir seu estilo de vida e suas motivações (cf. Lc
    6,40b), viver seu destino e assumir sua missão de fazer novas todas as coisas.
  131. Com a parábola da Videira e dos ramos (cf. Jo 15,1-8), Jesus revela o tipo de vínculo que Ele
    oferece e que espera dos seus. Não quer um vínculo como “servos” (cf. Jo 8,33-36), porque “o servo não
    conhece o que faz seu senhor” (jo 15,15). O servo não tem entrada na casa de seu amo, muito menos
    em sua vida. Jesus quer que seu discípulo se vincule a Ele como “amigo” e como “irmão”. O “amigo”
    ingressa em sua Vida, fazendo-a própria. O amigo escuta a Jesus, conhece ao Pai e faz fluir sua Vida
    (Jesus Cristo) na própria existência (cf. Jo 15,14), marcando o relacionamento com todos (cf. Jo 15,12).
    O “irmão” de Jesus (cf. Jo 20,17) participa da vida do Ressuscitado, Filho do Pai celestial, porque Jesus
    e seu discípulo compartilham a mesma vida que procede do Pai: Jesus, por natureza (cf. Jo 5,26; 10,30)
    e o discípulo, por participação (cf. Jo 10,10). A conseqüência imediata deste tipo de vínculo é a
    condição de irmãos que os membros de sua comunidade adquirem.
  132. Jesus faz dos discípulos seus familiares, porque compartilha com eles a mesma vida que procede do
    Pai e lhes pede, como discípulos, uma união íntima com Ele, obediência à Palavra do Pai, para produzir
    frutos de amor em abundância. Dessa forma o testemunho de São João no prólogo de seu Evangelho:”A
    todos aqueles que crêem em seu nome, deu-lhes a capacidade para serem filhos de Deus”, e são filhos
    de Deus que “não nascem por via de geração humana, nem porque o homem o deseje, mas sim nascem
    de Deus” (Jo 1,12-13).
  133. Como discípulos e missionários, somos chamados a intensificar nossa resposta de fé e a anunciar
    que Cristo redimiu todos os pecados e males da humanidade, “no aspecto mais paradóxico de seu
    mistério, a hora da cruz. O grito de Jesus: “Deus, meu, Deus, meu, por que me abandonaste?” (Mc
    15,34) não revela a angústia de um desesperado, mas a oração do Filho que oferece a sua vida ao Pai no
    amor para a salvação de todos”61.
  134. A resposta a seu chamado exige entrar na dinâmica do Bom samaritano (cf. Lc 10,29-37), que nos
    dá o imperativo de nos fazer próximos, especialmente com o que sofre, e gerar uma sociedade sem
    excluídos, seguindo a prática de Jesus que come com publicanos e pecadores (cf. Lc 5,29-32), que
    acolhe os pequenos e as crianças (cf. Mc 10,13-16), que cura os leprosos (cf. Mc 1,40-45), que perdoa e
    liberta a mulher pecadora (cf. Lc 7,36-49; Jo 8,1-11), que fala com a Samaritana (cf. Jo 4,1-26).
    4.2 Parecidos com o Mestre
  135. A admiração pela pessoa de Jesus, seu chamado e seu olhar de amor despertam uma resposta
    consciente e livre desde o mais íntimo do coração do discípulo, uma adesão de toda sua pessoa ao saber
    que Cristo o chama por seu nome (cf. Jo 10,3). É um “sim” que compromete radicalmente a liberdade
    do discípulo a se entregar a Jesus, Caminho, Verdade e Vida (cf. Jo 14,6). É uma resposta de amor a
    quem o amou primeiro “até o extremo” (cf. Jo 13,1). A resposta do discípulo amadurece neste amor de
    Jesus: “Te seguirei por onde quer que vás” (Lc 9,57).
  136. O Espírito Santo, com o qual o Pai nos presenteia, identifica-nos com Jesus-Caminho, abrindo-nos a
    seu mistério de salvação para que sejamos seus filhos e irmãos uns dos outros; identifica-nos com JesusVerdade, ensinando-nos a renunciar a nossas mentiras e ambições pessoais, e nos identifica com JesusVida, permitindo-nos abraçar seu plano de amor e nos entregar para que outros “tenham vida n’Ele”.
  137. Para ficar parecido verdadeiramente com o Mestre é necessário assumir a centralidade do
    Mandamento do amor, que Ele quis chamar seu e novo: “Amem-se uns aos outros, como eu os amei” (Jo
    15,12). Este amor, com a medida de Jesus, com total dom de si, além de ser o diferencial de cada
    cristão, não pode deixar de ser a característica de sua Igreja, comunidade discípula de Cristo, cujo
    testemunho de caridade fraterna será o primeiro e principal anúncio, “todos reconhecerão que sois
    meus discípulos” (Jo 13,35).
  138. No seguimento de Jesus Cristo, aprendemos e praticamos as bem-aventuranças do Reino, o estilo
    de vida do próprio Jesus: seu amor e obediência filial ao Pai, sua compaixão entranhável frente à dor
    humana, sua proximidade aos pobres e aos pequenos, sua fidelidade à missão encomendada, seu amor
    serviçal até a doação de sua vida. Hoje, contemplamos a Jesus Cristo tal como os Evangelhos nos
    transmitiram para conhecer o que Ele fez e para discernir o que nós devemos fazer nas atuais
    circunstâncias.
  139. Identificar-se com Jesus Cristo é também compartilhar seu destino: “Onde eu estiver, aí estará
    também o meu servo” (Jo 12,26). O cristão vive o mesmo destino do Senhor, inclusive até a cruz: “Se
    alguém quer vir após mim, negue-se a si mesmo, carregue a sua cruz e me siga” (Mc 8,34). Estimula-nos
    o testemunho de tantos missionários e mártires de ontem e de hoje em nossos povos que tem chegado a
    compartilhar a cruz de Cristo até a entrega de sua vida.
  140. A Virgem Maria é a imagem esplêndida da conformação ao projeto trinitário que se cumpre em
    Cristo. Desde a sua Concepção Imaculada até sua Assunção, recorda-nos que a beleza do ser humano
    está toda no vínculo do amor com a Trindade, e que a plenitude de nossa liberdade está na resposta
    positiva que lhe damos.
  141. Na América Latina e no Caribe inumeráveis cristãos procuram buscar a semelhança do Senhor ao
    encontrá-lo na escuta orante da Palavra, no receber seu perdão no Sacramento da Reconciliação, e sua
    vida na celebração da Eucaristia e dos demais sacramentos, na entrega solidária aos irmãos mais
    necessitados e na vida de muitas comunidades que reconhecem com alegria o Senhor em meio a eles.
    4.3 Enviado a anunciar o Evangelho do Reino da vida
  142. Jesus Cristo, verdadeiro homem e verdadeiro Deus, com palavras e ações e com sua morte e
    ressurreição inaugura no meio de nós o Reino de vida do Pai,que alcançará sua plenitude num lugar onde
    não haverá mais “morte, nem luto, nem pranto, nem dor, porque tudo o que é antigo desaparecerá” (Ap
    21,4). Durante sua vida e com sua morte na cruz, Jesus permanece fiel a seu Pai e a sua vontade (cf. Lc
    22,42). Durante seu ministério, os discípulos não foram capazes de compreender que o sentido de sua
    vida selava o sentido de sua morte. Muito menos podiam compreender que, segundo o desígnio do Pai, a
    morte do Filho era fonte de vida fecunda para todos (cf. Jo 12,23-24). O mistério pascal de Jesus é o ato
    de obediência e amor ao Pai e de entrega por todos seus irmãos. Com esse ato, o Messias doa
    plenamente aquela vida que oferecia nos caminhos e aldeias da Palestina. Por seu sacrifício voluntário,
    o Cordeiro de Deus oferece sua vida nas mãos do Pai (cf. Lc 23,46), que o faz salvação “para nós” (1 Cor
    1,30). Pelo mistério pascal, o Pai sela a nova aliança e gera um novo povo que tem por fundamento seu
    amor gratuito de Pai que salva.
  143. Ao chamar aos seus para que o sigam, Jesus lhes dá uma missão muito precisa: anunciar o
    evangelho do Reino a todas as nações (cf. Mt 28,19; Lc 24,46-48). Por isto, todo discípulo é missionário,
    pois Jesus o faz partícipe de sua missão ao mesmo tempo que o vincula a Ele como amigo e irmão. Desta
    maneira, como Ele é testemunha do mistério do Pai, assim os discípulos são testemunhas da morte e
    ressurreição do Senhor até que Ele retorne. Cumprir esta missão não é uma tarefa opcional, mas parte
    integrante da identidade cristã, porque é a difusão testemunhal da própria vocação.
  144. Quando cresce no cristão a consciência de se pertencer a Cristo, em razão da gratuidade e alegria
    que produz, cresce também o ímpeto de comunicar a todos o dom desse encontro. A missão não se
    limita a um programa ou projeto, mas em compartilhar a experiência do acontecimento do encontro
    com Cristo, testemunhá-lo e anunciá-lo de pessoa a pessoa, de comunidade a comunidade e da Igreja a
    todos os confins do mundo (cf. At 1,8).
  145. Bento XVI nos recorda que: “o discípulo, fundamentado assim na rocha da Palavra de Deus, sentese motivado a levar a Boa Nova da salvação a seus irmãos. Discipulado e missão são como os dois lados
    de uma mesma moeda: quando o discípulo está enamorado de Cristo, não pode deixar de anunciar ao
    mundo que só Ele salva (cf. At 4,12). Na realidade, o discípulo sabe que sem Cristo não há luz, não há
    esperança, não há amor, não há futuro”62. Esta é a tarefa essencial da evangelização, que inclui a
    opção preferencial pelos pobres, a promoção humana integral e a autêntica libertação cristã.
  146. Jesus saiu ao encontro de pessoas em situações muito diferentes: homens e mulheres, pobres e
    ricos, judeus e estrangeiros, justos e pecadores… convidando-os a segui-los. Hoje, segue convidando a
    encontrar n’Ele o amor do Pai. Por isto mesmo, o discípulo missionário há de ser um homem ou uma
    mulher que torna visível o amor misericordioso do Pai, especialmente aos pobres e pecadores.
  147. Ao participar desta missão, o discípulo caminha para a santidade. Vive-la na missão o conduz ao
    coração do mundo. Por isso, a santidade não é uma fuga para o intimismo ou para o individualismo
    religioso, muito menos um abandono da realidade urgente dos grandes problemas econômicos, sociais e
    políticos da América Latina e do mundo e, muito menos, uma fuga da realidade para um mundo
    exclusivamente espiritual63.
    4.4 Animados pelo Espírito Santo
  148. No começo de sua vida pública e depois de seu batismo, Jesus foi conduzido pelo Espírito Santo ao
    deserto para se preparar para a sua missão (cf. Mc 1,12-13) e, através da oração e do jejum, discerniu a
    vontade do Pai e venceu as tentações de seguir outros caminhos. Esse mesmo Espírito acompanhou Jesus
    durante toda sua vida (cf. At 10,38). Uma vez ressuscitado, Ele comunicou seu Espírito vivificado aos
    seus (cf. At 2,33).
  149. A partir de Pentecostes, a Igreja experimenta de imediato fecundas irrupções do Espírito,
    vitalidade divina que se expressa em diversos dons e carismas (cf. 1 Cor 12,1-11) e variados ofícios que
    edificam a Igreja e servem à evangelização (cf. 1 Cor 12,28-29). Através destes dons, a Igreja propaga o
    ministério salvífico do Senhor até que Ele de novo se manifeste no final dos tempos (cf. 1 Cor 1,6-7). O
    Espírito na Igreja forja missionários decididos e valentes como Pedro (cf. At 4,13) e Paulo (cf. At 13,9),,
    indica os lugares que devem ser evangelizados e escolhe aqueles que devem faze-lo (cf. At 13,2).
  150. A Igreja, enquanto marcada e selada “com Espírito Santo e fogo” (Mt 3,110, continua a obra do
    Messias, abrindo para o crente as portas da salvação (cf. 1 Cor 6,110. Paulo afirma isso desse modo:
    “Vocês são uma carta de cristo redigida por nosso ministério e escrita não com tinta, mas com o Espírito
    do deus vivo” (2 Cor 3,3). O mesmo e único Espírito guia e fortalece a Igreja no anúncio da Palavra, na
    celebração da fé e no serviço da caridade até que o Corpo de Cristo alcance a estatura de sua Caneca
    (cf. Ef 4,15-16). Deste modo, pela eficaz presença de seu Espírito, até a parusia Deus assegura sua
    proposta de vida para homens e mulheres de todos os tempos e lugares, impulsionando a transformação
    da história e seus dinamismos. Portanto, o Senhor continua derramando hoje sua Vida pelo trabalho da
    Igreja que, com “a força do Espírito Santo enviado desde o céu” (1 Pe 1,12), continua a missão que
    Jesus Cristo recebeu de seu pai (cf. Jo 20,21).
  151. Jesus nos transmitiu as palavras de seu Pai e é o Espírito que recorda à Igreja as palavras de Cristo
    (cf. Jo 14,26). Desde o princípio, os discípulos haviam sido formados por Jesus no Espírito Santo (cf. At
    1,2) que é, na Igreja, o Mestre interior que conduz ao conhecimento da verdade total formando
    discípulos e missionários. Esta é a razão pela qual os seguidores de Jesus devem se deixar guiar
    constantemente pelo Espírito (cf. Gl 5,25), e tornar a paixão pelo Pai e pelo Reino sua própria paixão:
    anunciar a Boa Nova aos pobres, curar os enfermos, consolar os tristes, libertar os cativos e anunciar a
    todos o ano da graça do Senhor (cf. Lc 4,18-19).
  152. Esta realidade se faz presente em nossa vida por obra do Espírito Santo que também, através dos
    sacramentos, nos ilumina e vivifica. Em virtude do Batismo e da Confirmação somos chamados a ser
    discípulos missionários de Jesus Cristo e entramos na comunhão trinitária na Igreja. Esta tem seu ponto
    alto na Eucaristia, que é princípio e projeto de missão do cristianismo. “Assim, pois, a Santíssima
    Eucaristia conduz a iniciação cristã a sua plenitude e é como o centro e fim de toda a vida
    sacramental”64.
    CAPÍTULO 5
    A COMUNHÃO DOS DISCÍPULOS MISSIONÁRIOS NA IGREJA
    5.1 Chamados a viver em comunhão
  153. Jesus, no início de seu ministério, escolhe os doze para viver em comunhão com Ele (cf. Mc 3,14).
    Para favorecer a comunhão e avaliar a missão, Jesus lhes pede: “Venham só a um lugar desabitado, para
    descansar um pouco” (Mc 6,31-320. Em outras oportunidades Jesus se encontrará com eles para lhes
    explicar o mistério do Reino (cf. Mc 4,11.33-34). Jesus age da mesma maneira com o grupo dos setenta
    e dos discípulos (cf. Lc 10,17-20). Ao que parece, o encontro a sós indica que Jesus quer lhes falar ao
    coração (cf. Os 2,14). Também hoje o encontro dos discípulos com Jesus na intimidade é indispensável
    para alimentar a vida comunitária e a atividade missionária.
  154. Os discípulos de Jesus são chamados a viver em comunhão com o Pai (1 Jo 1,30 e com seu Filho
    morto e ressuscitado, na “comunhão no Espírito Santo” (1 Cor 13,13). O mistério da Trindade é a fonte,
    o modelo e a meta do mistério da Igreja: “um povo reunido pela unidade do Pai do Filho e do Espírito”,
    chamado em Cristo “como sacramento ou sinal e instrumento da íntima união com Deus e da unidade de
    todo o gênero humano”65. A comunhão dos fiéis e das Igrejas locais do Povo de Deus se sustenta na
    comunhão com a Trindade.
  155. A vocação ao discipulado missionário é convocação à comunhão em sua Igreja. Não há discipulado
    sem comunhão. Diante da tentação, muito presente na cultura atual de ser cristãos sem Igreja e das
    novas buscas espirituais individualistas, afirmamos que a fé em Jesus Cristo nos chegou através da
    comunidade eclesial e ela “nos dá uma família, a família universal de Deus na Igreja Católica. A fé nos
    liberta do isolamento do eu, porque nos conduz à comunhão”66. Isto significa que uma dimensão
    constitutiva do acontecimento cristão é o fato de pertencer a uma comunidade concreta na qual
    podemos viver uma experiência permanente de discipulado e de comunhão com os sucessores dos
    Apóstolos e com o Papa.
  156. Ao receber a fé e o batismo, os cristãos acolhem a ação do Espírito Santo que leva a confessar a
    Jesus como Filho de Deus e a chamar Deus “Abba”. Como todos os batizados e batizadas da América
    Latina e do Caribe “através do sacerdócio comum do Povo de Deus”67, somos chamados a viver e a
    transmitir a comunhão com a Trindade, pois “a evangelização é um chamado à participação da
    comunhão trinitária”68.
  157. Igual às primeiras comunidades de cristãos, hoje nos reunimos assiduamente para “escutar o
    ensinamento dos apóstolos, viver unidos e participar do partir do pão e nas orações” (At 2,42). A
    comunhão da Igreja se nutre com o Pão da Palavra de Deus e com o Pão do Corpo de Cristo. A
    Eucaristia, participação de todos no mesmo Pão de Vida e no mesmo Cálice de Salvação, faz-nos
    membros do mesmo Corpo (cf. 1 Cor 10,17). Ela é a fonte e o ponto mais alto da vida cristã69, sua
    expressão mais perfeita e o alimento da vida em comunhão. Na Eucaristia, nutrem-se as novas relações
    evangélicas que surgem do fato de sermos filhos e filhas do Pai e irmãos e irmãs em Cristo. A Igreja que
    a celebra é “casa e escola de comunhão”70 onde os discípulos compartilham a mesma fé, esperança e
    amor a serviço da missão evangelizadora.
  158. A Igreja, como “comunidade de amor”71 é chamada a refletir a glória do amor de Deus que, é
    comunhão, e assim atrair as pessoas e os povos para Cristo. No exercício da unidade desejada por Jesus,
    os homens e mulheres de nosso tempo se sentem convocados e recorrem à formosa aventura da fé.
    “Que também eles vivam unidos a nós para que o mundo creia” (Jo 17,21). A Igreja cresce, não por
    proselitismo mas “por ‘atração’: como Cristo ‘atrai tudo a si’ com a força de seu amor”72. A Igreja
    “atrai” quando vive em comunhão, pois os discípulos de Jesus serão reconhecidos se amarem uns aos
    outros como Ele nos amou (cf. Rm 12,4-13; Jo 13,34).
  159. A Igreja peregrina vive antecipadamente a beleza do amor que se realizará no final dos tempos na
    perfeita comunhão com Deus e com os homens73. Sua riqueza consiste em viver, já neste tempo, a
    “comunhão dos santos”, ou seja, a comunhão nos bens divinos entre todos os membros da Igreja, em
    particular entre os que peregrinam e os que já gozam da glória74. Constatamos que em nossa Igreja
    existem numerosos católicos que expressam sua fé e seu pertencimento de forma esporádica,
    especialmente através da piedade a Jesus Cristo, a Virgem e sua devoção aos santos. Convidamos a
    esses a aprofundar sua fé e a participar mais plenamente na vida da Igreja recordando-lhes que “em
    virtude do batismo, estão chamados a ser discípulos e missionários em Jesus Cristo”75.
  160. A Igreja é comunhão no amor. Esta é sua essência através da qual é chamada a ser reconhecida
    como seguidora de Cristo e servidora da humanidade. O novo mandamento é o que une os discípulos
    entre si, reconhecendo-se como irmãos e irmãs, obedientes ao mesmo Mestre, membros unidos à mesma
    Cabeça e, por isso, chamados a cuidarem uns dos outros (1 Cor 13; Cl 3,12-14).
  161. A diversidade de carismas, ministérios e serviços abre o horizonte para o exercício cotidiano da
    comunhão através da qual os dons do Espírito são colocados à disposição dos demais para que circule a
    caridade (cf. 1 Cor 12,4-12). Cada batizado, na verdade, é portador de dons que deve desenvolver em
    unidade e complementaridade com os dons dos outros, a fim de formar o único Corpo de Cristo,
    entregue para a vida do mundo. O reconhecimento prático da unidade orgânica e da diversidade de
    funções assegurará maior vitalidade missionária e será sinal e instrumento de reconciliação e paz para
    nossos povos. Cada comunidade é chamada a descobrir e integrar os talentos escondidos e silenciosos
    com os quais o espírito presenteia aos fiéis.
  162. No povo de Deus “a comunhão e a missão estão profundamente unidas entre si… A comunhão é
    missionária e a missão é para a comunhão”76. Nas igrejas locais todos os membros do povo de Deus,
    segundo suas vocações específicas, são convocados à santidade na comunhão e na missão.
    5.2 Lugares eclesiais para a comunhão
    5.2.1 A diocese, lugar privilegiado da comunhão
  163. A vida em comunidade é essencial à vocação cristã. O discipulado e a missão sempre supõe o
    pertencimento a uma comunidade. Deus não quis nos salvar isoladamente, mas formando um Povo77.
    Este é um aspecto que distingue a experiência da vocação cristã de um simples sentimento religioso
    individual. Por isso a experiência de fé é sempre vivida em uma Igreja local.
  164. Reunida e alimentada pela Palavra e pela Eucaristia, a Igreja Católica existe e se manifesta em
    cada Igreja local, em comunhão com o Bispo de Roma78. Esta é, como afirma o Concílio “uma porção do
    povo de Deus confiada a um bispo para que a apascente com seu presbitério”79.
  165. A Igreja local é totalmente Igreja, mas não é toda a Igreja. É a realização concreta do mistério da
    Igreja Universal em um determinado tempo e lugar. Para isso, ela deve estar em comunhão com as
    outras igrejas locais e sob o pastoreio supremo do Papa, o Bispo de Roma, que preside todas as Igrejas.
  166. O amadurecimento no seguimento de Cristo e a paixão por anunciá-lo requerem que a Igreja local
    se renove constantemente em sua vida e ardor missionário. Só assim pode ser, para todos os batizados,
    casa e escola de comunhão, de participação e solidariedade. Em sua realidade social concreta, o
    discípulo tem a experiência do encontro com Jesus Cristo vivo, amadurece sua vocação cristã, descobre
    a riqueza e a graça de ser missionário e anuncia a palavra com alegria.
  167. A Diocese, em todas suas comunidades e estruturas, é chamada a ser uma “comunidade
    missionária”80. Cada Diocese necessita fortalecer sua consciência missionária, saindo ao encontro
    daquele que ainda não crêem em cristo no espaço de seu próprio território e responder adequadamente
    aos grandes problemas da sociedade na qual está inserida. Mas também, com espírito materno, é
    chamada a sair em busca de todos os batizados que não participam na vida das comunidades cristãs.
  168. A Diocese, presidida pelo Bispo, é o primeiro espaço da comunhão e da missão. Ele deve estimular
    e conduzir uma ação pastoral orgânica e vigorosa, de maneira que a variedade de carismas, ministérios,
    serviços e organizações se orientem em um mesmo projeto missionário para comunicar vida no próprio
    território. Este projeto, que surge de um caminho de variada participação, torna possível a pastoral
    orgânica, capaz de dar resposta aos novos desafios. Porque um projeto só é eficiente se cada
    comunidade cristã, cada paróquia, cada comunidade educativa, cada comunidade de vida consagrada,
    cada associação ou movimento e cada pequena comunidade se inserirem ativamente na pastoral
    orgânica de cada diocese. Cada uma é chamada a evangelizar de um modo harmônico e integrado no
    projeto pastoral da Diocese.
    5.2.2 A paróquia, comunidade de comunidades
  169. Entre as comunidades eclesiais nas quais vivem e se formam os discípulos e missionários de Jesus
    Cristo as Paróquias sobressaem. Elas são células vivas da Igreja81 e o lugar privilegiado no qual a
    maioria dos fiéis tem uma experiência concreta de Cristo e a comunhão eclesial82. São chamadas a ser
    casas e escolas de comunhão. Um dos maiores desejos que se tem expressado nas Igrejas da América
    Latina e do Caribe motivando a preparação da V Conferência Geral, é o de uma corajosa ação
    renovadora das Paróquias, a fim de que sejam de verdade “espaços da iniciação cristã, da educação e
    celebração da fé, abertas à diversidade de carismas, serviços e ministérios, organizadas de modo
    comunitário e responsável, integradoras de movimentos de apostolado já existentes, atentas à
    diversidade cultural de seus habitantes, abertas aos projetos pastorais e supra-paroquiais e às
    realidades circundantes”83.
  170. Todos os membros da comunidade paroquial são responsáveis pela evangelização dos homens e
    mulheres em cada ambiente. O Espírito Santo que atua em Jesus Cristo é também enviado a todos
    enquanto membros da comunidade, porque sua ação não se limita ao âmbito individual. A tarefa
    missionária se abre sempre às comunidades, assim como ocorreu no Pentecostes (cf. At 2,1-13).
  171. A renovação das paróquias no início do terceiro milênio exige a reformulação de suas estruturas,
    para que seja uma rede de comunidades e grupos, capazes de se articular conseguindo que seus
    membros se sintam realmente discípulos e missionários de Jesus Cristo em comunhão. A partir da
    paróquia é necessário anunciar o que Jesus Cristo “fez e ensinou” (At 1,1) enquanto esteve entre nós.
    Sua pessoa e sua obra são a boa nova da salvação anunciada pelos ministros e testemunhas da Palavra
    que o Espírito desperta e inspira. A palavra acolhida é salvífica e reveladora do mistério de Deus e de
    sua vontade. Toda paróquia é chamada a ser o espaço onde se receba e acolha a Palavra, celebra-se e
    se expresse na adoração do Corpo de Cristo e, assim, é a fonte dinâmica do discipulado missionário. Sua
    própria renovação exige que se deixe iluminar de novo e sempre pela Palavra viva e eficaz.
  172. A V Conferência Geral é uma oportunidade para que todas as nossas paróquias se tornem
    missionárias. O número de católicos que chegam a nossa celebração dominical é limitado; é imenso o
    número dos distanciados, assim como o número daqueles que não conhecem a Cristo. A renovação
    missionária das paróquias se impõe, tanto na evangelização das grandes cidades como do mundo rural
    de nosso Continente, que está exigindo de nós imaginação e criatividade para chegar às multidões que
    desejam o Evangelho de Jesus Cristo. Particularmente no mundo urbano é urgente a criação de novas
    estruturas pastorais, visto que muitas delas nasceram em outras épocas para responder às necessidades
    do âmbito rural.
  173. Os melhores esforços das paróquias neste início do terceiro milênio devem estar na convocação e
    na formação de missionários leigos. Só através da multiplicação deles poderemos chegar a responder às
    exigências missionárias do momento atual. Também é importante recordar que o campo específico da
    atividade evangelizadora laica é o complexo mundo do trabalho, da cultura, das ciências e das artes, da
    política, dos meios de comunicação e da economia, assim como as esferas da família, da educação, da
    vida profissional, sobretudo nos contextos onde a Igreja se faz presente somente por eles84.
  174. Seguindo o exemplo da primeira comunidade cristã (cf At 2,46-47), a comunidade paroquial se
    reúne para partir o pão da Palavra e da Eucaristia e perseverar na catequese, na vida sacramental e na
    prática da caridade85. Na celebração eucarística ela renova sua vida em Cristo. A Eucaristia, na qual se
    fortalece a comunidade dos discípulos, é para a Paróquia uma escola de vida cristã. Nela, juntamente
    com a adoração eucarística e com a prática do sacramento da reconciliação para comungar dignamente,
    seus membros são preparados para dar frutos permanentes de caridade, reconciliação e justiça para a
    vida do mundo.
    a) A Eucaristia, fonte e ponto alto da vida cristã, faz com que nossas paróquias sejam sempre
    comunidades eucarísticas que vivem sacramentalmente o encontro com o Cristo Salvador. Elas também
    celebram com alegria:
    b) No batismo: a incorporação de um novo membro a Cristo e a seu corpo que é a Igreja.
    c) Na Confirmação: a perfeição do caráter batismal e o fortalecimento do pertencimento eclesial e do
    amadurecimento apostólico.
    d) Na Penitência ou Reconciliação: a conversão que todos necessitamos para combater o pecado, que
    nos faz incoerentes com os compromissos batismais.
    e) Na Unção dos Enfermos; o sentido evangélico dos membros da comunidade, seriamente enfermos ou
    em perigo de morte.
    f) No sacramento da Ordem: o dom do ministério apostólico que continua sendo exercido na Igreja para
    o serviço pastoral de todos os fiéis.
    g) No Matrimônio: o amor entre o casal que como graça de Deus germina e cresce até a maturidade
    tornando efetiva na vida cotidiana a doação total que mutuamente fizeram ao se casar.
  175. A Eucaristia, sinal da unidade com todos, que prolonga e faz presente o mistério do Filho de Deus
    feito homem (cf. Fl 2,6-8), coloca-nos a exigência de uma evangelização integral. A imensa maioria dos
    católicos de nosso continente vivem sob o flagelo da pobreza. Esta tem diversas expressões: econômica,
    física, espiritual, moral, etc. Se Jesus veio para que todos tenhamos vida em abundância, a paróquia
    tem a maravilhosa ocasião de responder às grande necessidades de nossos povos. Para isso tem que
    seguir o caminho de Jesus e chegar a ser a boa samaritana como Ele. Cada paróquia deve chegar a
    concretizar em sinais solidários seu compromisso social nos diversos meios em que ela se move, com
    toda “a imaginação da caridade”86. Não pode ser alheia aos grandes sofrimentos que vive a maioria de
    nossa gente e que com muita freqüência são pobrezas escondidas. Toda autêntica missão unifica a
    preocupação pela dimensão transcendente do ser humano e por todas suas necessidades concretas, para
    que todos alcancem a plenitude que Jesus Cristo oferece.
  176. Bento XVI nos recorda que “o amor à Eucaristia leva também a apreciar cada vez mais o
    Sacramento da Reconciliação”87. Vivemos em uma cultura marcada por um forte relativismo e uma
    perda do sentido do pecado que nos leva a esquecer a necessidade do sacramento da Reconciliação que
    nos permite aproximar dignamente para receber a Eucaristia. Como pastores, somos chamados a
    fomentar a confissão freqüente. Convidamos nossos presbíteros a dedicar tempo suficiente para
    oferecer o sacramento da reconciliação com zelo pastoral e entranhas de misericórdia, a preparar
    dignamente os lugares da celebração, de maneira que sejam expressão do significado deste sacramento.
    Igualmente, pedimos a nossos fiéis que valorizem este presente maravilhoso de Deus e se aproximem
    dele para renovar a graça batismal e viver, com maior autenticidade, o chamado de Jesus a serem seus
    discípulos e missionários. Nós, bispos e presbíteros, ministros da reconciliação, somos chamados a viver,
    de maneira particular, na intimidade com o Mestre. Somos conscientes de nossa fraqueza e da
    necessidade de sermos purificados pela graça do sacramento, que se nos oferece para nos identificar,
    cada vez mais, com Cristo, Bom Pastor e missionário do Pai. Simultaneamente, com plena
    disponibilidade, temos a alegria de ser ministros da reconciliação, e da mesma maneira nos
    aproximamos freqüentemente, em um caminho penitencial, ao Sacramento da Reconciliação.
    5.2.2 Comunidades Eclesiais de Base e Pequenas comunidades
  177. Na experiência eclesial de algumas igrejas da América Latina e do Caribe, as Comunidades Eclesiais
    de Base tem sido escolas que tem ajudado a formar cristãos comprometidos com sua fé, discípulos e
    missionários do Senhor, como testemunhas de uma entrega generosa, até mesmo com o derramar do
    sangue de muitos de seus membros. Elas abraçam a experiência das primeiras comunidades, como estão
    descritas nos Atos dos Apóstolos (At 2,42-47). Medellín reconheceu nelas uma célula inicial de
    estruturação eclesial e foco de fé e evangelização88. Puebla constatou que as pequenas comunidades,
    sobretudo as comunidades eclesiais de base, permitiram ao povo chegar a um conhecimento maior da
    Palavra de Deus, ao compromisso social em nome do Evangelho, ao surgimento de novos serviços leigos
    e à educação da fé dos adultos89, no entanto, também constatou “que não tem faltado membros de
    comunidade ou comunidades inteiras que, atraídas por instituições puramente leigas ou radicalizadas
    ideologicamente, foram perdendo o sentido eclesial90”.
  178. As comunidades eclesiais de base, no seguimento missionário de Jesus, têm a Palavra de Deus como
    fonte de sua espiritualidade e a orientação de seus pastores como guia que assegura a comunhão
    eclesial. Demonstram seu compromisso evangelizador e missionário entre os mais simples e afastados e
    são expressão visível da opção preferencial pelos pobres. São fonte e semente de vários serviços e
    ministérios a favor da vida na sociedade e na Igreja. Mantendo-se em comunhão com seu Bispo e
    inserindo-se no projeto pastoral diocesano, as CEBs se convertem em um sinal de vitalidade na Igreja
    particular. Atuando, dessa forma, juntamente com os grupos paroquiais, associações e movimentos
    eclesiais, podem contribuir para revitalizar as paróquias fazendo das mesmas uma comunidade de
    comunidades. Em seu esforço de corresponder aos desafios dos tempos atuais, as comunidades eclesiais
    de base terão cuidado para não alterar o tesouro precioso da Tradição e do Magistério da Igreja.
  179. Como resposta às exigências da evangelização, junto com as comunidades eclesiais de base,
    existem outras formas válidas de pequenas comunidades, e inclusive redes de comunidades, de
    movimentos, grupos de vida, de oração e de reflexão da palavra de Deus. Todas as comunidades e
    grupos eclesiais darão fruto na medida em que a Eucaristia seja o centro de sua vida e a Palavra de Deus
    seja o farol de seu caminho e sua atuação na única Igreja de Cristo.
    5.2.4 As Conferências Episcopais e a comunhão entre as Igrejas
  180. Os bispos, além do serviço à comunhão que prestam em suas igrejas locais, exercem este ofício
    junto com as outras igrejas diocesanas. Deste modo, realizam e manifestam o vínculo de comunhão que
    as une entre si. Esta experiência de comunhão episcopal, sobretudo depois do Concílio Vaticano II, deve
    ser entendida como um encontro com o Cristo vivo, presente nos irmãos que estão reunidos em seu
    nome91. Para crescer nessa fraternidade e na co-responsabilidade pastoral, os bispos devem cultivar a
    espiritualidade da comunhão, a fim de acrescentar os vínculos de colegialidade que os unem aos demais
    bispos de sua própria Conferência, e também a todo o Colégio Episcopal e à Igreja de Roma, presidida
    pelo sucessor de Pedro: cum Petro et sub Petro92. Na Conferência Episcopal, os bispos encontram seu
    espaço de discernimento solidário sobre os grandes problemas da sociedade e da Igreja e o estímulo
    para oferecer orientações pastorais que animem os membros do Povo de Deus a assumirem com
    fidelidade e decisão sua vocação de serem discípulos missionários.
  181. O Povo de Deus se constrói como uma comunhão de Igrejas locais e, através delas, como um
    intercâmbio entre as culturas. Neste marco, os bispos e as Igrejas locais expressam sua solicitude para
    com todas as Igrejas, especialmente para com mais próximas, reunidas nas províncias eclesiásticas, nas
    conferências regionais e em outras formas de associação interdiocesana no interior de cada Nação ou
    entre países de uma mesma Região ou Continente. Estas várias formas de comunhão estimulam com
    vigor as “relações de irmandade entre as dioceses e as paróquias”93 e fomentam “uma maior
    cooperação entre as igrejas irmãs”94.
  182. O CELAM é um organismo eclesial de fraterna ajuda episcopal, cuja preocupação fundamental é
    colaborar para a evangelização do Continente. Ao longo de seus 50 anos têm oferecido serviços muito
    importantes às Conferências Episcopais e às nossas Igrejas locais, entre as quais destacamos as
    Conferências Gerais, os Encontros Regionais, os Seminários de estudo, em seus diversos organismos e
    instituições. O resultado de todo este esforço é uma perceptível fraternidade entre os bispos do
    Continente e uma reflexão teológica e uma linguagem pastoral comuns que favorecem a comunhão e o
    intercâmbio entre as Igrejas.
    5.3. Discípulo missionários com vocações específicas
  183. A condição do discípulo brota de Jesus Cristo como de sua fonte pela fé e pelo batismo e cresce na
    Igreja, comunidade onde todos os seus membros adquirem igual dignidade e participam de diversos
    ministérios e carismas. Deste modo, realiza-se na Igreja a forma própria e específica de viver a
    santidade batismal a serviço do Reino de Deus.
  184. No fiel cumprimento de sua vocação batismal, o discípulo deve levar em consideração os desafios
    que o mundo de hoje apresenta à Igreja de Jesus, entre outros: o êxodo de fiéis para seitas e outros
    grupos religiosos; as correntes culturais contrárias a Cristo e a Igreja; a desmotivação de sacerdotes
    frente ao vasto trabalho pastoral; a escassez de sacerdotes em muitos lugares; a mudança de
    paradigmas culturais; o fenômeno da globalização e a secularização; os graves problemas de violência,
    pobreza e injustiça; a crescente cultura da morte que afeta a vida em todas as suas formas.
    5.3.1 Os bispos, discípulos missionários de Jesus Sumo Sacerdote
  185. Os bispos, como sucessores dos apóstolos junto com o Sumo Pontífice e sob sua autoridade95, com
    fé e esperança aceitamos a vocação de servir ao Povo de Deus, conforme o coração de Cristo, o Bom
    Pastor. Junto com todos os fiéis e em virtude do batismo somos, antes de mais nada, discípulos e
    membros do Povo de Deus. Como todos os batizados e, junto com eles, queremos seguir a Jesus, Mestre
    de vida e de verdade, na comunhão da Igreja. Como Pastores, servidores do Evangelho, somos
    conscientes de termos sido chamados a viver o amor a Jesus Cristo e à Igreja na intimidade da oração e
    da doação de nós mesmos aos irmãos e irmãs, a quem presidimos na caridade. É como disse santo
    Agostinho: com vocês sou cristão, para vocês sou bispo.
  186. O Senhor nos chama a promover por todos os meios a caridade e a santidade dos fiéis.
    Empenhamo-nos para que o povo de Deus cresça na graça mediante os sacramentos presididos por nós
    mesmos e pelos demais ministros ordenados. Somos chamados a ser mestres da fé e, portanto, a
    anunciar a Boa Nova, que é fonte de esperança para todos e a velar e promover com solicitude e
    coragem a fé católica. Em virtude da íntima fraternidade que provêm do sacramento da Ordem, temos o
    dever de cultivar de maneira especial os vínculos que nos unem a nossos presbíteros e diáconos.
    Servimos a Cristo e à Igreja mediante o discernimento da vontade do Pai, para refletir o Senhor em
    nosso modo de pensar, de sentir, de falar e de se comportar em meio aos homens. Em síntese, os bispos
    têm de ser testemunhas próximas e alegres de Jesus Cristo, Bom Pastor (cf. Jo 10,1-18).
  187. Os bispos, como pastores e guias espirituais das comunidades a nós encomendadas, são chamados a
    “fazer da Igreja uma casa e escola de comunhão”96. Como animadores da comunhão, temos a missão de
    acolher, discernir e animar carismas, ministérios e serviços na Igreja. Como padres e centro da unidade,
    esforçamo-nos por apresentar ao mundo o rosto de uma Igreja na qual todos se sintam acolhidos como
    em sua própria casa. Para todo o Povo de Deus, em especial para os presbíteros, procuramos ser padres,
    amigos e irmãos sempre abertos ao diálogo, especialmente para os presbíteros.
  188. Para crescer nestas atitudes, os bispos precisam procurar a união constante com o Senhor, cultivar
    a espiritualidade de comunhão com todos os que crêem em Cristo e promover os vínculos de
    colegialidade que os unem ao Colégio Episcopal, particularmente com seu cabeça, o Bispo de Roma. Não
    podemos esquecer que o bispo é princípio e construtor da unidade de sua Igreja Local e santificador de
    seu povo, testemunha de esperança e padre dos fiéis, especialmente dos pobres, e que sua principal
    tarefa é ser mestres da fé, anunciador da Palavra de Deus e da administração dos sacramentos, como
    servidores da grei.
  189. Todo o Povo de Deus deve agradecer aos Bispos eméritos que, como pastores têm entregado sua
    vida a serviço do Reino de Deus, sendo discípulos e missionários. A eles acolhemos com carinho e
    aproveitamos sua vasta experiência apostólica que, não obstante, pode produzir muitos frutos. Eles
    mantêm profundos vínculos com as dioceses que lhes foram confiadas às quais estão unidos por sua
    caridade e sua oração.
    5.3.2 Os presbíteros, discípulos missionários de Jesus Bom Pastor
    5.3.2.1 Identidade e missão dos presbíteros
  190. Valorizamos e agradecemos com alegria que a imensa maioria dos presbíteros vivam seu ministério
    com fidelidade e sejam modelo para os demais, que separem tempo para sua formação permanente,
    que cultivem uma vida espiritual que estimule os demais presbíteros e seja centrada na escuta da
    palavra de Deus e na celebração diária da Eucaristia: “Minha Missa é minha vida e minha vida é uma
    Missa prolongada!”97. Agradecemos também àqueles que foram enviados a outras Igrejas motivados por
    um autêntico sentido missionário.
  191. Um olhar ao nosso momento atual nos mostra situações que afetam e desafiam a vida e o ministério
    de nossos presbíteros. Entre outras coisas, a identidade teológica do ministério presbiterial, sua
    inserção na cultura atual e situações que incidem em sua existência.
  192. O primeiro desafio tem relação com a identidade teológica do ministério presbiterial. O Concílio
    Vaticano II estabelece o sacerdócio ministerial a serviço do sacerdócio comum dos fiéis, e cada um,
    ainda que de maneira qualitativamente diferente, participa do único sacerdócio de Cristo98. Cristo,
    Sumo e Eterno Sacerdote, tem-nos redimido e nos permitido participar de sua vida divina. N’Ele, somos
    todos filhos do mesmo Pai e irmãos entre nós. O sacerdote não pode cair na tentação de se considerar
    somente um mero delegado ou só um representante da comunidade, mas sim em ser um dom para ela,
    pela unção do Espírito e por sua especial união com Cristo. “Todo Sumo Sacerdote é tomado dentre os
    homens e colocado para intervir a favor dos homens em tudo aquilo que se refere ao serviço de Deus”
    (Hb 5,1).
  193. O segundo desafio se refere ao ministério do presbítero inserido na cultura atual. O presbítero é
    chamado a conhecê-la para semear nela a semente do Evangelho, ou seja, para que a mensagem de
    Jesus chegue a ser uma interpelação válida, compreensível, cheia de esperança e relevante para a vida
    do homem e da mulher de hoje, especialmente para os jovens. Este desafio inclui a necessidade de
    potencializar adequadamente a formação inicial e permanente dos presbíteros, em suas quatro
    dimensões; humana, espiritual, intelectual e pastoral99.
  194. O terceiro desafio se refere aos aspectos vitais e afetivos, ao celibato e a uma vida espiritual
    intensa fundada na caridade pastoral, que se nutre na experiência pessoal com Deus e na comunhão com
    os irmãos; também o cultivo de relações fraternas com o Bispo, com os demais presbíteros da diocese e
    com os leigos. Para que o ministério do presbítero seja coerente e testemunhal, ele deve amar e
    realizar sua tarefa pastoral em comunhão com o bispo e com os demais presbíteros da diocese. O
    ministério sacerdotal que brota da Ordem Sagrada tem uma “radical forma comunitária” e só pode ser
    desenvolvido como uma “tarefa coletiva”100. O sacerdote deve ser homem de oração, maduro em sua
    opção de vida por Deus, fazer uso dos meios de perseverança, como o Sacramento da confissão, da
    devoção à Santíssima Virgem, da mortificação e da entrega apaixonada por sua missão pastoral.
  195. Em particular, o presbítero é convidado a valorizar o celibato, como um dom de Deus, que lhe
    possibilita uma especial configuração com o estilo de vida do próprio Cristo e o faz sinal de sua caridade
    pastoral na entrega a Deus e aos homens com o coração pleno e indivisível. “Na verdade, esta opção do
    sacerdote é uma expressão singular da entrega que o configura com Cristo e da entrega de si mesmo
    pelo Reino de Deus”101. O celibato solicita assumir com maturidade a própria afetividade e
    sexualidade, vivendo-as com serenidade e alegria em um caminho comunitário102.
  196. Outros desafios são de caráter estrutural, como por exemplo, a existência de paróquias muito
    grandes que dificultam o exercício de uma pastoral adequada: paróquias muito pobres que fazem com
    que os pastores se dediquem a outras tarefas para poder subsistir; paróquias situadas em regiões de
    extrema violência e insegurança e a falta e má distribuição de presbíteros nas Igrejas do Continente.
  197. O presbítero, a imagem do Bom Pastor, é chamado a ser homem de misericórdia e de compaixão,
    próximo a seu povo e servidor de todos, particularmente dos que sofrem grandes necessidades. A
    caridade pastoral, fonte da espiritualidade sacerdotal, anima e unifica sua vida e ministério. Consciente
    de suas limitações, ele valoriza a pastoral orgânica e se insere com gosto em seu presbitério.
  198. O Povo de Deus sente a necessidade de presbíteros-discípulos: que tenham uma profunda
    experiência de Deus, configurados com o coração do Bom Pastor, dóceis às orientações do Espírito, que
    se nutram da Palavra de Deus, da Eucaristia e da oração; de presbíteros-missionários; movidos pela
    caridade pastoral: que os leve a cuidar do rebanho a eles confiados e a procurar aos mais distanciados
    pregando a Palavra de Deus, sempre em profunda comunhão com seu Bispo, os presbíteros, diáconos,
    religiosos, religiosas e leigos; de presbíteros-servis da vida: que estejam atentos às necessidades dos
    mais pobres, comprometidos na defesa dos direitos dos mais fracos e promotores da cultura da
    solidariedade. Também de presbíteros cheios de misericórdia, disponíveis para administrar o sacramento
    da reconciliação.
  199. Tudo isto requer que as Dioceses e as Conferências Episcopais desenvolvam uma pastoral
    presbiteral que privilegie a espiritualidade específica e a formação permanente e integral dos
    sacerdotes. A Exortação Apostólica Pastores Dabo Vobis, enfatiza que: “A formação permanente,
    precisamente porque é “permanente”, deve acompanhar os sacerdotes sempre, isto é, em qualquer
    período e situação de sua vida, assim como nos diversos cargos de responsabilidade eclesial que sejam
    confiados a eles; tudo isso, levando em consideração, naturalmente, as possibilidades e características
    próprias da idade, condições de vida e tarefas encomendadas”103. Levando em consideração o número
    de presbíteros que abandonaram o ministério, cada Igreja local deve procurar estabelecer com eles
    relações de fraternidade e de mútua colaboração conforme as normas prescritas pela Igreja.
    5.3.2.2 Os párocos, animadores de uma comunidade de discípulos missionários
  200. A renovação da paróquia exige atitudes novas dos párocos e dos sacerdotes que estão a serviço
    dela. A primeira exigência é que o pároco seja um autêntico discípulo de Jesus Cristo, porque só um
    sacerdote enamorado do Senhor pode renovar uma paróquia. Mas ao mesmo tempo, deve ser um
    ardoroso missionário que vive o constante desejo de buscar os afastados e não se contenta com a
    simples administração.
  201. Mas, sem dúvida, não basta a entrega generosa do sacerdote e das comunidades de religiosos.
    Requer-se que todos os leigos se sintam co-responsáveis na formação dos discípulos e na missão. Isto
    supõe que os párocos sejam promotores e animadores da diversidade missionária e que dediquem tempo
    generosamente ao sacramento da reconciliação. Uma paróquia renovada multiplica as pessoas que
    realizam serviços e acrescenta os ministérios. Igualmente, neste campo, se requer imaginação para
    encontrar resposta aos muitos e sempre mutáveis desafios que a realidade coloca, exigindo novos
    serviços e ministérios. A integração de todos eles na unidade de um único projeto evangelizador é
    essencial para assegurar uma comunhão missionária.
  202. Uma paróquia, comunidade de discípulos missionários, requer organismos que superem qualquer
    tipo de burocracia. Os Conselhos pastorais paroquiais terão que estar formados por discípulos
    missionários constantemente preocupados em chegar a todos. O Conselho de assuntos Econômicos junto
    a toda a comunidade paroquial, trabalhará para obter os recursos necessários, de maneira que a missão
    avance e se faça realidade em todos os ambientes. Estes e todos os organismos precisam estar animados
    por uma espiritualidade de comunhão missionária: “Sem este caminho espiritual de pouco serviriam os
    instrumentos externos da comunhão. Mais do que modos de expressão e de crescimento, esses
    instrumentos se tornariam meios sem alma, máscaras de comunhão”104.
  203. Dentro do território paroquial, a família cristã é a primeira e mais básica comunidade eclesial. Nela
    são vividos e transmitidos os valores fundamentais da vida cristã. Ela é chamada de “Igreja
    Doméstica”105. Ali, os pais desempenham o papel de primeiros transmissores da fé a seus filhos,
    ensinando-lhes através do exemplo e da palavra, a serem verdadeiros discípulos missionários. Ao mesmo
    tempo, quando esta experiência de discipulado missionário é autêntica, “uma família se faz
    evangelizadora de muitas outras famílias e do ambiente em que ela vive”106. Isto opera na vida diária
    “dentro e através dos atos, das dificuldades, dos acontecimentos da existência de cada dia”107. O
    espírito, que tudo faz, novo atua inclusive dentro de situações irregulares nas quais se realiza um
    processo de transmissão de fé, mas temos de reconhecer que, nas atuais circunstâncias, às vezes este
    processo se encontra com muitas dificuldades. Não se propõe que a Paróquia chegue só a sujeitos
    afastados, mas à vida de todas as famílias, para fortalecer sua dimensão missionária.
    5.3.3 Os diáconos permanentes, discípulos de Jesus Servo
  204. Alguns discípulos e missionários do Senhor são chamados a servir à Igreja como diáconos
    permanentes, fortalecidos, em sua maioria, pela dupla sacramentalidade do matrimônio e da Ordem.
    Eles são ordenados para o serviço da Palavra, da caridade e da liturgia, especialmente para os
    sacramentos do batismo e do Matrimônio; também para acompanhar a formação de novas comunidades
    eclesiais, especialmente nas fronteiras geográficas e culturais, onde ordinariamente não chega a ação
    evangelizadora da Igreja.
  205. Cada diácono permanente deve cultivar esmeradamente sua inserção no corpo diaconal, em fiel
    comunhão com seu bispo e em estreita unidade com os presbíteros e os demais membros do povo de
    Deus. Quando estão a serviço de uma paróquia, é necessário que os diáconos e presbíteros procurem o
    diálogo e trabalhem em comunhão.
  206. Eles devem receber uma adequada formação humana, espiritual, doutrinal e pastoral com
    programas adequados, que levem em consideração – no caso dos que estão casados – à esposa e sua
    família. Sua formação os habilitará a exercer seu ministério com fruto nos campos da evangelização, da
    vida das comunidades, da liturgia e da ação social, especialmente com os mais necessitados, dando
    assim, testemunho de Cristo servindo ao lado dos enfermos, dos que sofrem, dos migrantes e refugiados,
    dos excluídos e das vítimas da violência e encarcerados.
  207. A V Conferência espera dos diáconos um testemunho evangélico e um impulso missionário para que
    sejam apóstolos em suas famílias, em seus trabalhos, em suas comunidades e nas novas fronteiras da
    missão. Não é necessário criar nos candidatos ao diaconato expectativas permanentes que superem a
    natureza própria que corresponde ao grau do diaconato.
    5.3.4 Os fiéis leigos e leigas, discípulos e missionários de Jesus, Luz do Mundo
  208. Os fiéis leigos são “os cristãos que estão incorporados a Cristo pelo batismo, que formam o povo de
    Deus e participam das funções de Cristo: sacerdote, profeta e rei. Eles realizam, segundo sua condição,
    a missão de todo o povo cristão na Igreja e no mundo”108. São “homens da Igreja no coração do mundo,
    e homens do mundo no coração da Igreja”109.
  209. Sua missão própria e específica se realiza no mundo, de tal modo que, com seu testemunho e sua
    atividade, eles contribuam para a transformação das realidades e para a criação de estruturas justas
    segundo os critérios do Evangelho. “O espaço próprio de sua atividade evangelizadora é o mundo vasto e
    complexo da política, da realidade social e da economia, como também o da cultura, das ciências e das
    artes, da vida internacional, dos ‘mass media’, e outras realidades abertas à evangelização, como são o
    amor, a família, a educação das crianças e adolescentes, o trabalho profissional e o sofrimento”110.
    Além disso, eles tem o dever de fazer crível a fé que professam, mostrando a autenticidade e coerência
    em sua conduta.
  210. Os leigos também são chamados a participar na ação pastoral da Igreja, primeiro com o
    testemunho de sua vida e, em segundo lugar, com ações no campo da evangelização, da vida litúrgica e
    outras formas de apostolado segundo as necessidades locais sob a orientação de seus pastores. Eles
    estarão dispostos a abrir para eles espaços de participação e a confiar ministérios e responsabilidades
    em uma Igreja onde todos vivam de maneira responsável seu compromisso cristão. Aos catequistas,
    delegados da Palavra e animadores de comunidades que cumprem uma magnífica tarefa dentro da
    Igreja111, reconhecemos e animamos a continuarem o compromisso que adquiriram no batismo e na
    confirmação.
  211. Para cumprir sua missão com responsabilidade pessoal, os leigos necessitam de uma sólida
    formação doutrinal, pastoral, espiritual e um adequado acompanhamento para darem testemunho de
    Cristo e dos valores do reino no âmbito da vida social, econômica, política e cultural.
  212. Hoje, toda a Igreja na América e no Caribe querem se colocar em estado de missão. A
    evangelização do Continente, nos dizia o papa João Paulo II, não pode se realizar hoje sem a
    colaboração dos fiéis leigos112. Eles hão de ser parte ativa e criativa na elaboração e execução de
    projetos pastorais a favor da comunidade. Isto exige, da parte dos pastores, uma maior abertura de
    mentalidade para que entendam e acolham o “ser” e o “fazer” do leigo na Igreja, que por seu batismo e
    sua confirmação, é discípulo e missionário de Jesus Cristo. Em outras palavras, é necessário que o leigo
    seja levado em consideração com um espírito de comunhão e de participação113.
  213. Neste contexto é um sinal de esperança, o fortalecimento de várias associações leigas, movimentos
    apostólicos eclesiais e caminhos de formação cristã, comunidades eclesiais e novas comunidades, que
    devem ser apoiados pelos pastores. Eles ajudam muitos batizados e muitos grupos missionários a assumir
    com maior responsabilidade sua identidade cristã e colaborar mais ativamente na missão
    evangelizadora. Nas últimas décadas, várias associações e movimentos apostólicos laicos desenvolveram
    um forte protagonismo. Por isso, um adequado discernimento, incentivo, coordenação e condução
    pastoral, sobretudo da parte dos sucessores dos Apóstolos, contribuirá para ordenar este dom para a
    edificação da única Igreja114.
  214. Reconhecemos o valor e a eficiência dos Conselhos paroquiais, Conselhos diocesanos e nacionais de
    fiéis leigos, porque incentivam a comunhão e a participação na Igreja e sua presença ativa no mundo. A
    construção da cidadania no sentido mais amplo e a construção de eclesialidade nos leigos, é um só e
    único movimento.
    5.3.5 Os consagrados e consagradas, discípulos missionários de Jesus, Testemunha do Pai
  215. A vida consagrada é um dom do pai, por meio do Espírito, à sua Igreja115, e constitui um elemento
    decisivo para sua missão116. Expressa-se na vida monástica, contemplativa e ativa, nos institutos
    seculares, naqueles que se inserem nas sociedades de vida apostólica e outras novas formas. É um
    caminho de especial seguimento de Cristo, no qual cada um deve dedicar-se Ele com um coração
    indivisível e, colocar-se, como Ele, a serviço de Deus e da humanidade, assumindo a forma de vida que
    Cristo escolheu para vir a este mundo: uma vida virginal, pobre e obediente117.
  216. Em comunhão com os pastores, os consagrados e consagradas são chamados a fazer de seus lugares
    de presença, de sua vida fraterna em comunhão e de suas obras, lugares de anúncio explícito do
    Evangelho, principalmente aos mais pobres, como tem sido em nosso continente desde o início da
    evangelização. Deste modo, segundo seus carismas fundacionais, eles colaboram com a gestação de uma
    nova geração de cristãos discípulos e missionários e de uma sociedade onde se respeite a justiça e a
    dignidade da pessoa humana.
  217. A partir do seu ser, a vida consagrada é chamada a ser especialista em comunhão, tanto no interior
    da Igreja quanto no interior da sociedade. A vida e missão dos consagrados devem estar inseridas na
    Igreja local e em comunhão com o Bispo. Para isso, é necessário criar procedimentos comuns e
    iniciativas de colaboração que levem a um conhecimento e valorização mútuos e a um compartilhar da
    missão com todos os chamados a seguir a Jesus.
  218. Em um continente no qual se manifestam sérias tendências de secularização, também na vida
    consagrada, os religiosos são chamados a dar testemunho da absoluta primazia de Deus e de seu reino. A
    vida consagrada se converte em testemunha do Deus da vida em uma realidade que relativiza seu valor
    (obediência), é testemunha de liberdade frente ao mercado e às riquezas que valorizam as pessoas pelo
    ter (pobreza), e é testemunha de uma entrega no amor radical e livre a Deus e à humanidade frente à
    erotização e banalização das relações (castidade).
  219. Na atualidade da América latina e do caribe, a vida consagrada é chamada a ser uma vida
    discipular, apaixonada por Jesus-Caminho ao Pai misericordioso, e por isso, de caráter profundamente
    místico e comunitário. É chamada a ser uma vida missionária, apaixonada pelo anúncio de JesusVerdade do Pai, por isso mesmo, radicalmente profética, capaz de mostrar a luz de Cristo às sombras do
    mundo atual e os caminhos de uma vida nova, para o que se requer um profetismo que aspire até a
    entrega da vida em continuidade com a tradição de santidade e martírio de tantas e tantos consagrados
    ao longo da história do Continente. E, a serviço do mundo, uma vida apaixonada por Jesus-Vida do Pai,
    que se faz presente nos mais pequenos e nos últimos a quem serve, a partir do próprio carisma e
    espiritualidade.
  220. De maneira especial, a América latina e o Caribe necessitam da vida contemplativa, testemunha de
    que só deus basta para preencher a vida de sentido e de alegria. “Em um mundo que continua perdendo
    o sentido do divino, diante da supervalorização do material, vocês queridas religiosas, comprometidas
    desde seus claustros a serem testemunhas dos valores pelos quais vivem, sejam testemunhas do Senhor
    para o mundo de hoje, infundam com sua oração um novo sopro de vida na Igreja e no homem
    atual”118.
  221. O Espírito segue despertando novas formas de vida consagrada nas Igrejas, aos quais necessitam ser
    acolhidas e acompanhadas em seu crescimento e desenvolvimento no interior das Igrejas locais. O Bispo
    precisa usar um discernimento sério e ponderado sobre seu sentido, necessidade e autenticidade. Os
    Pastores valorizam como um inestimável dom a virgindade consagrada, daqueles que se entregam a
    Cristo e a sua Igreja com generosidade e coração indivisível, e se propõem velar por sua formação inicial
    e permanente.
  222. As Confederações de Institutos Seculares (CISAL) e de religiosas e religiosos (CLAR) e as
    Conferências Nacionais são estruturas de serviço e de animação que, em autêntica comunhão com os
    Pastores e sob sua orientação, em um diálogo fecundo e amistoso119, estão convocadas a estimular seus
    membros a realizarem a missão como discípulos e missionários a serviço do reino de Deus120.
  223. Os povos latino-americanos e caribenhos esperam muito da vida consagrada, especialmente do
    testemunho e contribuição das religiosas contemplativas e de vida apostólica que, junto aos demais
    irmãos religiosos, membros de Institutos Seculares e Sociedades de Vida Apostólica, mostram o rosto
    materno da Igreja. Seu desejo de escuta, acolhida e serviço, e seu testemunho dos valores alternativos
    do Reino, mostram que uma nova sociedade latino-americana e caribenha, fundada em Cristo, é
    possível121.
    5.4 Os que deixaram a Igreja para se unir a outros grupos religiosos
  224. Segundo nossa experiência pastoral, muitas vezes, a pessoa sincera que sai de nossa Igreja não o
    faz pelo que os grupos “não católicos” crêem, mas, fundamentalmente por causa de como eles vivem;
    não por razões doutrinais, mas vivenciais; não por motivos estritamente dogmáticos, mas pastorais; não
    por problemas teológicos, mas metodológicos de nossa Igreja. Esperam encontrar respostas a suas
    inquietações. Procuram, não sem sérios perigos, responder a algumas aspirações que, quem sabe, não
    têm encontrado, como deveria ser, na Igreja.
  225. Em nossa Igreja temos de reforçar quatro eixos:
    a) A experiência religiosa. Em nossa Igreja devemos oferecer a todos os nossos fiéis um “encontro
    pessoal com Jesus Cristo”, uma experiência religiosa profunda e intensa, um anúncio kerigmático e o
    testemunho pessoal dos evangelizadores, que leve a uma conversão pessoal e a uma mudança de vida
    integral.
    b) A vivência comunitária. Nossos fiéis procuram comunidades cristãs, onde sejam acolhidos
    fraternalmente e se sintam valorizados, visíveis e eclesialmente incluídos. É necessário que nossos fiéis
    se sintam realmente membros de uma comunidade eclesial e co-responsáveis em seu desenvolvimento.
    Isso permitirá um maior compromisso e entrega em e pela Igreja.
    c) A formação bíblico-doutrinal. Junto a uma forte experiência religiosa e uma destacada convivência
    comunitária, nossos fiéis necessitam aprofundar o conhecimento da Palavra de Deus e os conteúdos da
    fé, visto que esta é a única maneira de amadurecer sua experiência religiosa. Neste caminho
    acentuadamente vivencial e comunitário, a formulação doutrinal não se experimenta como um
    conhecimento teórico e frio, mas como uma ferramenta fundamental e necessária no crescimento
    espiritual, pessoal e comunitário.
    d) O compromisso missionário de toda a comunidade. Ela sai ao encontro dos afastados, interessa-se por
    sua situação, a fim de reencantá-los com a Igreja e convidá-los a novamente se envolverem com ela.
    5.5 Diálogo ecumênico e interreligioso
    5.5.1 Diálogo ecumênico para que o mundo creia
  226. A compreensão e a prática da eclesiologia de comunhão nos conduz ao diálogo ecumênico. A
    relação com os irmãos e irmãs batizados de outras Igrejas e comunidades eclesiais é um caminho
    irrenunciável para o discípulo e missionário122, pois a falta de unidade representa um escândalo, um
    pecado e um atraso do cumprimento do desejo de Cristo: “para que todos sejam um, como tu, Pai,estás
    em mim e eu em ti. E para que também eles estejam em nós, a fim de que o mundo acredite que tu me
    enviaste” (Jo 17,21).
  227. O ecumenismo não se justifica por uma exigência simplesmente sociológica mas evangélica,
    trinitária e batismal: “expressa a comunhão real, ainda que imperfeita” que já existe entre “os que
    foram regenerados pelo batismo” e o testemunho concreto de fraternidade123. O Magistério insiste no
    caráter trinitário e batismal do esforço ecumênico, onde o o diálogo emerge como atitude espiritual e
    prática, em um caminho de conversão e reconciliação. Só assim chegará “o dia em poderemos celebrar,
    junto com todos os que crêem em Cristo, a divina Eucaristia”124. Uma via fecunda para avançar para a
    comunhão é recuperar em nossas comunidades o sentido do compromisso do Batismo.
  228. Hoje, faz-se necessário reabilitar a autêntica apologética que faziam os pais da Igreja como
    explicação da fé. A apologética não tem porque ser negativa ou meramente defensiva per se. Implica,
    na verdade, a capacidade de dizer o que está em nossas mentes e corações de forma clara e
    convincente, como disse São Paulo “fazendo a verdade na caridade” (Ef 4,15). Mais do que nunca os
    discípulos e missionários de Cristo de hoje necessitam de uma apologética renovada para que todos
    possam ter vida n’Ele.
  229. Às vezes esquecemos que a unidade é, antes de tudo, um dom do Espírito Santo, e oramos pouco
    por esta intenção. “Esta conversão do coração e esta santidade de vida, juntamente com as orações
    particulares e públicas pela unidade dos cristãos, hão de ser considerado como a alma de todo o
    movimento ecumênico e com razão pode se chamar ecumenismo espiritual”125.
  230. Faz mais de quarenta anos que o Concílio vaticano II reconheceu a ação do Espírito Santo no
    movimento pela unidade dos cristãos. Desde então, temos colhido muitos frutos. Neste campo,
    necessitamos de mais agentes de diálogo e melhor qualificados. É bom tornar mais conhecidas as
    declarações que a própria Igreja Católica tem subscrito no campo do ecumenismo desde o Concílio. Os
    diálogos bilaterais e multilaterais têm produzido bons frutos. Também é oportuno estudar o Diretório
    ecumênico e suas indicações em relação a catequese, a liturgia, a formação presbiteral e a pastoral126.
    A mobilidade humana, característica do mundo atual, pode ser ocasião propícia para o diálogo
    ecumênico da vida127.
  231. Em nosso contexto, o surgimento de novos grupos religiosos, mais a tendência a confundir o
    ecumenismo com o diálogo interreligioso, tem causado obstáculos na conquista de maiores frutos no
    diálogo ecumênico. Por isso mesmo, incentivamos os ministros ordenados, aos leigos e á vida consagrada
    a participarem de organismos ecumênicos com uma cuidadosa preparação e um esmerado seguimento
    dos pastores e realizarem ações conjuntas nos diversos campos da vida eclesial, pastoral e social. Na
    verdade, o contato ecumênico favorece a estima recíproca, convoca á escuta comum da palavra de Deus
    e chama à conversão aqueles que se declaram discípulos e missionários de Jesus Cristo. Esperamos que a
    promoção da unidade dos cristãos, assumida pelas Conferências Episcopais, consolide-se e frutifique sob
    a luz do espírito Santo.
  232. Nesta nova etapa evangelizadora, queremos que o diálogo e a cooperação ecumênica se
    encaminhem para despertar novas formas de discipulado e missão em comunhão. Cabe observar que
    onde se estabelece o diálogo, diminui o proselitismo, cresce o conhecimento recíproco e o respeito e se
    abrem possibilidades de testemunho comum.
  233. Como resposta generosa à oração do Senhor “para que todos sejam um” (Jo 17,21), os Papas nos
    tem incentivado a avançar pacientemente no caminho da unidade. João Paulo II nos exorta: “No
    corajoso caminho para a unidade, a clareza e prudência da fé nos conduzem a evitar o falso irenismo e
    o desinteresse pelas normas da Igreja. Inversamente, a mesma clareza e a mesma prudência nos
    recomendam evitar a indiferença na busca da unidade e, mais ainda, a posição pré-concebida ou o
    derrotismo que tende a ver tudo como negativo”128. Bento XVI abriu seu pontificado dizendo: “Não
    bastam as manifestações de bons sentimentos. Fazem falta gestos concretos que penetrem nos espíritos
    e sacudam as consciências, impulsionando cada um à conversão interior, que é o fundamento de todo
    progresso no caminho do ecumenismo”129.
    5.5.2 relação com o judaísmo e diálogo interreligioso
  234. Reconhecemos com gratidão os laços que nos relacionam com o povo judeu, que nos une na fé no
    único Deus e sua palavra revelada no Antigo Testamento130. São nossos “irmãos maiores” na fé de
    Abraão, Isaque e Jacó. Dói em nós a história de desencontros que eles tem sofrido, também em nossos
    países. São muitas as causas comuns que na atualidade exigem maior colaboração e respeito mútuo.
  235. Pelo sopro do Espírito Santo e outros meios conhecidos de Deus, a graça de Cristo pode alcançar a
    todos os que Ele redimiu, além da comunidade eclesial, porém de modos diferentes131. Explicitar e
    promover esta salvação já operante no mundo é uma das tarefas da Igreja com respeito às palavras do
    Senhor: “Sejam minhas testemunhas até os extremos da terra” (At 1,8).
  236. O diálogo interreligioso, em especial com as religiões monoteístas, fundamenta-se justamente na
    missão que Cristo nos confiou, solicitando a sábia articulação entre o anúncio e o diálogo como
    elementos constitutivos da evangelização132. Com tal atitude, a Igreja, “sacramento universal de
    salvação”133, reflete a luz de Cristo que “ilumina a todo homem” (Jo 1,9). A presença da Igreja entre
    as religiões não cristãs é feita de empenho, discernimento e testemunho, apoiados na fé, esperança e
    caridade teologais134.
  237. Mesmo quando o subjetivismo e a identidade pouco definida de certas propostas dificultam os
    contatos, isso não nos permite abandonar o compromisso e a graça do diálogo135. Em lugar de desistir,
    é necessário investir no conhecimento das religiões, no discernimento teológico-pastoral e na formação
    de agentes competentes para o diálogo interreligioso, atendendo às diferentes visões religiosas
    presentes nas culturas de nosso continente. O diálogo interreligioso não significa que deixar de anunciar
    a Boa Nova de Jesus Cristo aos povos não cristãos, mas com mansidão e respeito por suas convicções
    religiosas.
  238. O diálogo interreligioso, além de seu caráter teológico, tem um especial significado na construção
    da nova humanidade: abre caminhos inéditos de testemunho cristão, promove a liberdade e dignidade
    dos povos, estimula a colaboração para o bem comum, supera a violência motivada por atitudes
    religiosas fundamentalistas, educa para a paz e para a convivência cidadã: é um campo de bemaventuranças que são assumidas pela Doutrina Social da Igreja.
    CAPÍTULO 6
    O CAMINHO DE FORMAÇÃO DOS DISCÍPULOS MISSIONÁRIOS
    6.1 Uma espiritualidade trinitária do encontro com Jesus Cristo
  239. Uma autêntica proposta de encontro com Jesus Cristo deve se estabelecer sobre o sólido
    fundamento da Trindade-Amor. A experiência de um Deus uno e trino, que é unidade e comunhão
    inseparável, permite-nos superar o egoísmo para nos encontrar plenamente no serviço para com o outro.
    A experiência batismal é o ponto de início de toda espiritualidade cristã que se funda na Trindade.
  240. É Deus Pai que nos atrai por meio da entrega eucarística de seu Filho (cf. Jo 6,44), dom de amor
    com o qual saiu ao encontro de seus filhos, para que, renovados pela força do Espírito, possamos
    chamá-lo de Pai: “Quando chegou a plenitude dos tempos, Deus enviou seu próprio Filho, nascido de
    uma mulher, nascido sob o domínio da lei, para nos libertar do domínio da lei e fazer com que
    recebêssemos a condição de filhos adotivos de Deus. E porque já somos filhos, Deus enviou o Espírito de
    seu Filho a nossos corações e o Espírito clama: Abbá! Pai!” (Gl 4,4-5). Trata-se de uma nova criação,
    onde o amor do Pai, do Filho e do Espírito Santo, renova a vida das criaturas.
  241. Na história do amor trinitário, Jesus de Nazaré, homem como nós e Deus conosco, morto e
    ressuscitado, nos é dado como Caminho, Verdade e Vida. No encontro de fé com o inaudito realismo de
    sua Encarnação, podemos ouvir, ver com nossos olhos, contemplar e tocar com nossas mãos a Palavra de
    vida (cf. 1 Jo 1,1), experimentamos que “o próprio Deus vai atrás da ovelha perdida, a humanidade
    doente e extraviada. Quando em suas parábolas Jesus fala do pastor que vai atrás da ovelha desgarrada,
    da mulher que procura a dracma, do pai que sai ao encontro de seu filho pródigo e o abraça, não se
    trata só de meras palavras, mas da explicação de seu próprio ser e agir”136. Esta prova definitiva de
    amor tem o caráter de um esvaziamento radical (kenosis), porque Cristo “se humilhou a si mesmo
    fazendo-se obediente até a morte e morte de cruz” (Fl 2,8).
    6.1.1 O encontro com Jesus Cristo
  242. O acontecimento de Cristo é, portanto, o início desse sujeito novo que surge na história e a quem
    chamamos discípulo: “Não se começa a ser cristão por uma decisão ética ou uma grande idéia, mas
    através do encontro com um acontecimento, com uma Pessoa, que dá um novo horizonte à vida e, com
    isso, uma orientação decisiva”137. Isto é justamente o que, com apresentações diferentes, todos os
    evangelhos nos tem conservado como sendo o início do cristianismo: um encontro de fé com a pessoa de
    Jesus (cf. Jo 1,35-39).
  243. A própria natureza do cristianismo consiste, portanto, em reconhecer a presença de Jesus Cristo e
    segui-lo. Essa foi a maravilhosa experiência daqueles primeiros discípulos que, encontrando Jesus,
    ficaram fascinados e cheios de assombro frente a excepcional idade de quem lhes falava, diante da
    maneira como os tratava, coincidindo com a fome e sede de vida que havia em seus corações. O
    evangelista João nos deixou por escrito o impacto que a pessoa de Jesus produziu nos primeiros
    discípulos que o encontraram, João e André. Tudo começa com uma pergunta: “que procuram?” (Jo
    1,38). A essa pergunta seguiu um convite a viver uma experiência: “venham e verão” (Jo 1,39). Esta
    narração permanecerá na história como síntese única do método cristão.
  244. No hoje do nosso continente latino-americano, levanta-se a mesma pergunta cheia de expectativa:
    “Mestre, onde vives?” (Jo 1,38), onde te encontramos de maneira adequada para “abrir um autêntico
    processo de conversão, comunhão e solidariedade?”138 Quais são os lugares, as pessoas, os dons que nos
    falam de ti, que nos colocam em comunhão contigo e nos permitem ser discípulos e teus missionários?
    6.1.2 Lugares de encontro com Jesus Cristo
  245. O encontro com Cristo, graças à ação invisível do Espírito Santo, realiza-se na fé recebida e vivida
    na Igreja. Com as palavras do papa Bento XVI repetimos com certeza: “A Igreja é nossa casa! Esta é
    nossa casa” Na Igreja católica temos tudo o que é bom, tudo o que é motivo de segurança e de consolo!
    Quem aceita a Cristo: Caminho, Verdade e Vida, em sua totalidade, tem garantida a paz e a felicidade,
    nesta e na outra vida!”139.
  246. Encontramos Jesus na Sagrada Escritura, lida na Igreja. A Sagrada Escritura, “Palavra de Deus
    escrita por inspiração do Espírito Santo”140, é, com a Tradição, fonte de vida para a Igreja e alma de
    sua ação evangelizadora. Desconhecer a Escritura é desconhecer Jesus Cristo e renunciar a anunciá-lo.
    Daí o convite de Bento XVI: “Ao iniciar a nova etapa que a Igreja missionária da América Latina e do
    Caribe se dispõe a empreender, a partir desta V Conferência em Aparecida, é condição indispensável o
    conhecimento profundo e vivencial da Palavra de Deus, Por isto, é necessário educar o povo na leitura e
    na meditação da palavra: que ela se converta em seu alimento para que, por experiência própria, vejam
    que as palavras de Jesus são espírito e vida (cf. Jo 6,63). Do contrário, como vão anunciar uma
    mensagem cujo conteúdo e espírito não conhecem profundamente? É preciso fundamentar nosso
    compromisso missionário e toda nossa vida na rocha da Palavra de Deus”141.
  247. Faz-se, pois, necessário propor aos fiéis a Palavra de Deus como dom do Pai para o encontro com
    Jesus Cristo vivo, caminho de “autêntica conversão e de renovada comunhão e solidariedade”142. Esta
    proposta será mediação de encontro com o Senhor se for apresentada a Palavra revelada, contida na
    Escritura, como fonte de evangelização. Os discípulos de Jesus desejam se alimentar com o Pão da
    Palavra: querem chegar à interpretação adequada dos textos bíblicos, empregá-los como mediação de
    diálogo com Jesus Cristo e a que sejam alma da própria evangelização e do anúncio de Jesus a todos.
    Por isto, a importância de uma “pastoral bíblica”, entendida como animação bíblica da pastoral, que
    seja escola de interpretação ou conhecimento da Palavra, de comunhão com Jesus ou oração com a
    Palavra, e de evangelização inculturada ou de proclamação da Palavra. Isto exige por parte dos bispos,
    presbíteros, diáconos e ministros leigos da Palavra uma aproximação à Sagrada Escritura que não seja só
    intelectual e instrumental, mas com um coração “faminto de ouvir a Palavra do Senhor” (Am 8,11).
  248. Entre as muitas formas de se aproximar da Sagrada Escritura existe uma privilegiada à qual todos
    estamos convidados: a Lectio divina ou exercício de leitura orante da Sagrada Escritura. Esta leitura
    orante, bem praticada, conduz ao encontro com Jesus-Mestre, ao conhecimento do mistério de JesusMessias, à comunhão com Jesus-Filho de Deus e ao testemunho de Jesus-Senhor do universo. Com seus
    quatro momentos (leitura, meditação, oração, contemplação), a leitura orante favorece o encontro
    pessoal com Jesus Cristo semelhante ao modo de tantos personagens do evangelho: Nicodemos e sua
    ânsia de vida eterna (cf. Jo 3,1-21), a Samaritana e seu desejo de culto verdadeiro (cf. Jo 4,1-12), o
    cego de nascimento e seu desejo de luz interior (cf. Jo 9), Zaqueu e sua vontade de ser diferente (cf. Lc
    19,1-10)… Todos eles, graças a este encontro, foram iluminados e recriados porque se abriram à
    experiência da misericórdia do Pai que se oferece por sua Palavra de verdade e vida. Não abriram seu
    coração para algo do Messias, mas ao próprio Messias, caminho de crescimento na “maturidade
    conforme a sua plenitude” (Ef 4,13), processo de discipulado, de comunhão com os irmãos e de
    compromisso com a sociedade.
  249. Encontramos Jesus Cristo, de modo admirável, na Sagrada Liturgia. Ao vivê-la, celebrando o
    mistério pascal, os discípulos de Cristo penetram mais nos mistérios do Reino e expressam de modo
    sacramental sua vocação de discípulos e missionários. A Constituição sobre a Sagrada Liturgia do
    Vaticano II nos mostra o lugar e a função da liturgia no seguimento de Cristo, na ação missionária dos
    cristãos, na vida nova em Cristo e na vida de nossos povos n’Ele143.
  250. A Eucaristia é o lugar privilegiado do encontro do discípulo com Jesus Cristo. Com este Sacramento,
    Jesus nos atrai para si e nos faz entrar em seu dinamismo em relação a Deus e ao próximo. Há um
    estreito vínculo entre as três dimensões da vocação cristã: crer, celebrar e viver o mistério de Jesus
    Cristo, de tal modo, que a existência cristã adquira verdadeiramente uma forma eucarística. Em cada
    Eucaristia, os cristãos celebram e assumem o mistério pascal, participando n’Ele. Portanto, os fiéis
    devem viver sua fé na centralidade do mistério pascal de Cristo através da Eucaristia, de maneira que
    toda sua vida seja cada vez mais vida eucarística. A Eucaristia, fonte inesgotável da vocação cristã é, ao
    mesmo tempo, fonte inextinguível do impulso missionário. Ali, o Espírito Santo fortalece a identidade do
    discípulo e desperta nele a decidida vontade de anunciar com audácia aos demais o que tem escutado e
    vivido.
  251. Entende-se, assim, a grande importância do preceito dominical de “viver segundo o domingo”, com
    uma necessidade interior do cristão, da família cristã, da comunidade paroquial. Sem uma participação
    ativa na celebração eucarística dominical e nas festas de preceito não existirá um discípulo missionário
    maduro. Cada grande reforma na Igreja está vinculada ao redescobrimento da fé na Eucaristia144. Por
    causa disso, é importante promover a “pastoral do domingo” e dar a ela “prioridade nos programas
    pastorais”145 para um novo impulso na evangelização do povo de Deus no Continente latino-americano.
  252. Com profundo afeto pastoral, queremos dizer, às milhares de comunidades com seus milhões de
    membros, que não têm a oportunidade de participar da Eucaristia dominical, que também elas podem e
    devem viver “segundo o domingo”. Elas podem alimentar seu já admirável espírito missionário
    participando da “celebração dominical da Palavra”, que faz presente o Mistério Pascal no amor que
    congrega (cf. 1 Jo 3,14), na Palavra acolhida (cf. Jo 5,24-25) e na oração comunitária (cf. Mt 18,20).
    Sem dúvida, os fiéis devem desejar a participação plena na Eucaristia dominical, pela qual também os
    motivamos a orar pelas vocações sacerdotais.
  253. O sacramento da reconciliação é o lugar onde o pecador experimenta de maneira singular o
    encontro com Jesus Cristo, que se compadece de nós e nos dá o dom de seu perdão misericordioso, faznos sentir que o amor é mais forte que o pecado cometido, nos liberta de tudo o que nos impede de
    permanecer em seu amor, e nos devolve a alegria e o entusiasmo de anunciá-lo aos demais com o
    coração aberto e generoso.
  254. A oração pessoal e comunitária é o lugar onde o discípulo, alimentado pela Palavra e pela
    Eucaristia, cultiva uma relação de profunda amizade com Jesus Cristo e procura assumir a vontade do
    Pai. A oração diária é um sinal do primado da graça no caminho do discípulo missionário. Por isso, “é
    necessário aprender a orar, voltando sempre a aprender esta arte dos lábios do Mestre”146.
  255. Jesus está presente em meio a uma comunidade viva na fé e no amor fraterno. Ali Ele cumpre sua
    promessa: “Onde estão dois ou três reunidos em meu nome, ali estou eu no meio deles” (Mt 18,20). Ele
    está em todos os discípulos que procuram fazer sua a existência de Jesus, e viver sua própria vida
    escondida na vida de Cristo (cf. Cl 3,3). Eles experimentam a força de sua ressurreição até se identificar
    profundamente com Ele: “Já não vivo eu, mas é Cristo que vive em mim” (Gl 2,20). Jesus está nos
    Pastores, que representam o próprio Cristo (cf. Mt 10,40; Lc 10,16). “Os Bispos tem sucedido, por
    instituição divina, aos Apóstolos, como Pastores da Igreja, de modo que quem os escuta, escuta a Cristo,
    e quem os despreza, despreza a Cristo e a quem ele enviou” (Lúmen Gentium, 20”. Está naqueles que
    dão testemunho de luta por justiça, pela paz e pelo bem comum, algumas vezes chegando a entregar a
    própria vida em todos os acontecimentos da vida de nossos povos, que nos convidam a procurar um
    mundo mais justo e mais fraterno em toda realidade humana, cujos limites às vezes causam dor e nos
    agoniam.
  256. Também o encontramos de um modo especial nos pobres, aflitos e enfermos (cf. Mt 25,37-40), que
    exigem nosso compromisso e nos dão testemunho de fé, paciência no sofrimento e constante luta para
    continuar vivendo. Quantas vezes os pobres e os que sofrem realmente nos evangelizam! No
    reconhecimento desta presença e proximidade e na defesa dos direitos dos excluídos encontra-se a
    fidelidade da Igreja a Jesus Cristo147. O encontro com Jesus Cristo através dos pobres é uma dimensão
    constitutiva de nossa fé em Jesus Cristo. Da contemplação do rosto sofredor de Cristo neles148 e do
    encontro com Ele nos aflitos e marginalizados, cuja imensa dignidade Ele mesmo nos revela, surge nossa
    opção por eles. A mesma união a Jesus Cristo é a que nos faz amigos dos pobres e solidários com seu
    destino.
    6.1.3 A piedade popular como lugar de encontro com Jesus Cristo
  257. O Santo Padre destacou a “rica e profunda religiosidade popular, na qual aparece a alma dos povos
    latino-americanos, e a apresentou como “o precioso tesouro da Igreja católica na América Latina”149.
    Convidou a promovê-la e a protegê-la. Esta maneira de expressar a fé está presente de diversas formas
    em todos os setores sociais, em uma multidão que merece nosso respeito e carinho, porque sua piedade
    “reflete uma sede de Deus que somente os pobres e simples podem conhecer”150. A “religião do povo
    latino-americano é expressão da fé católica. É um catolicismo popular”151, profundamente inculturado,
    que contem a dimensão mais valiosa da cultura latino-americana.
  258. Entre as expressões desta espiritualidade contam-se: as festas patronais, as novenas, os rosários e
    via crucis, as procissões, as danças e os cânticos do folclore religioso, o carinho aos santos e aos anjos,
    as promessas, as orações em família. Destacamos as peregrinações onde é possível reconhecer o Povo de
    Deus no caminho. Ali o cristão celebra a alegria de se sentir imerso em meio a tantos irmãos,
    caminhando juntos para Deus que os espera. O próprio Cristo se faz peregrino e caminha ressuscitado
    entre os pobres. A decisão de caminhar em direção ao santuário já é uma confissão de fé, o caminhar é
    um verdadeiro canto de esperança e a chegada é um encontro de amor. O olhar do peregrino se
    deposita sobre uma imagem que simboliza a ternura e a proximidade de Deus. O amor se detém,
    contempla o silêncio, desfruta dele em silêncio. Também se comove, derramando todo o peso de sua
    dor e de seus sonhos. A súplica sincera, que flui confiadamente, é a melhor expressão de um coração
    que renunciou à auto-suficiência, reconhecendo que sozinho, nada é possível. Um breve instante
    sintetiza uma viva experiência espiritual152.
  259. Ali, o peregrino vive a experiência de um mistério que o supera, não só da transcendência de Deus,
    mas também da Igreja, que transcende sua família e seu bairro. Nos santuários, muitos peregrinos
    tomam decisões que marcam suas vidas. As paredes dos santuários contêm muitas histórias de
    conversão, de perdão e de dons recebidos que milhões poderiam contar.
  260. A piedade popular penetra delicadamente a existência pessoal de cada fiel e ainda que se viva em
    uma multidão, não é uma “espiritualidade de massas”. Nos diferentes momentos da luta cotidiana,
    muitos recorrem a algum pequeno sinal do amor de Deus: um crucifixo, um rosário, uma vela que se
    acende para acompanhar um filho em sua enfermidade, um Pai Nosso recitado entre lágrimas, um olhar
    entranhável a uma imagem querida de Maria, um sorriso dirigido ao Céu em meio a uma simples alegria.
  261. É verdade que a fé que se encarnou na cultura pode ser aprofundada e penetrar cada vez mais na
    forma de viver de nossos povos. Mas isso só pode acontecer se valorizarmos positivamente o que o
    Espírito Santo já semeou. A piedade popular é um “imprescindível ponto de partida para conseguir que a
    fé do povo amadureça e se faça mais fecunda”153. Por isso, o discípulo missionário precisa ser “sensível
    a ela, saber perceber suas dimensões interiores e seus valores inegáveis”154. Quando afirmamos que é
    necessário evangelizá-la ou purificá-la, não queremos dizer que esteja privada de riqueza evangélica.
    Simplesmente desejamos que todos os membros do povo fiel, reconhecendo o testemunho de Maria e
    também dos santos, procurem imitá-los cada dia mais. Assim procurarão um contato mais direto com a
    Bíblia e uma maior participação nos sacramentos, chegarão a desfrutar da celebração dominical da
    Eucaristia e viverão melhor o serviço do amor solidário. Por este caminho será possível aproveitar o mais
    rico potencial de santidade e de justiça social que encerra a mística popular.
  262. Não podemos rebaixar a espiritualidade popular ou considerá-la um modo secundário da vida cristã,
    porque seria esquecer o primado da ação do Espírito e a iniciativa gratuita do amor de Deus. A piedade
    popular contém e expressa um intenso sentido da transcendência, uma capacidade espontânea de se
    apoiar em Deus e uma verdadeira experiência de amor teologal. É também uma expressão de sabedoria
    sobrenatural, porque a sabedoria do amor não depende diretamente da ilustração da mente, mas da
    ação interna da graça. Por isso, a chamamos de espiritualidade popular. Ou seja, uma espiritualidade
    cristã que, sendo um encontro pessoal com o Senhor, integra muito o corpóreo, o sensível, o simbólico e
    as necessidades mais concretas das pessoas. É uma espiritualidade encarnada na cultura dos simples,
    que nem por isso é menos espiritual, mas que o é de outra maneira.
  263. A piedade popular é uma maneira legítima de viver a fé, um modo de se sentir parte da Igreja e
    uma forma de ser missionários, onde se recolhem as mais profundas vibrações da América Latina. É
    parte de uma “originalidade histórica cultural”155 dos pobres deste Continente, e fruto de “uma síntese
    entre as culturas e a fé cristã”156. No ambiente de secularização que vivem nossos povos, continua
    sendo uma poderosa confissão do Deus vivo que atua na história e um canal de transmissão da fé. O
    caminhar juntos para os santuários e o participar em outras manifestações da piedade popular, levando
    também os filhos ou convidando a outras pessoas, é em si mesmo um gesto evangelizador pelo qual o
    povo cristão evangeliza a si mesmo e cumpre a vocação missionária da Igreja.
  264. Nossos povos se identificam particularmente com o Cristo sofredor, olham-no, beijam-no ou tocam
    seus pés machucados, como se dissessem: Este é “o que me amou e se entregou por mim” (Gl 2,20).
    Muitos deles golpeados, ignorados despojados, não abaixam os braços. Com sua religiosidade
    característica se agarram no imenso amor que Deus tem por eles e que lhes recorda permanentemente
    sua própria dignidade. Também encontram a ternura e o amor de Deus no rosto de Maria. Nela vem
    refletida a mensagem essencial do Evangelho. Nossa Mãe querida, desde o santuário de Guadalupe, faz
    sentir a seus filhos menores que eles estão na dobra de seu manto. Agora, desde Aparecida, convida-os
    a lançar as redes ao mundo, para tirar do anonimato aqueles que estão submersos no esquecimento e
    aproximá-los da luz da fé. Ela, reunindo os filhos, integra nossos povos ao redor de Jesus Cristo.
    6.1.4 Maria, discípula e missionária
  265. A máxima realização da existência cristã como um viver trinitário de “filhos no Filho” nos é dada
    na Virgem Maria que, através de sua fé (cf. Lc 1,450 e obediência à vontade de Deus (cf. Lc 1,38), assim
    como por sua constante meditação da Palavra e das ações de Jesus (cf. Lc 2,19.51), é a discípula mais
    perfeita do Senhor157. Interlocutora do Pai em seu projeto de enviar seu verbo ao mundo para a
    salvação humana, com sua fé, Maria chega a ser o primeiro membro da comunidade dos crentes em
    Cristo, e também se faz colaboradora no renascimento espiritual dos discípulos. Sua figura de mulher
    livre e forte, emerge do Evangelho conscientemente orientada para o verdadeiro seguimento de Cristo.
    Ela viveu completamente toda a peregrinação da fé como mãe de Cristo e depois dos discípulos, sem
    que fosse livrada da incompreensão e da busca constante do projeto do Pai. Alcançou, dessa forma, o
    fato de estar ao pé da cruz em uma comunhão profunda, para entrar plenamente no mistério da
    Aliança.
  266. Com ela, providencialmente unida à plenitude dos tempos (cf. Gl 4,4) chega o cumprimento da
    esperança dos pobres e do desejo de salvação. A Virgem de Nazaré teve uma missão única na história da
    salvação, concebendo, educando e acompanhando seu filho até seu sacrifício definitivo. Desde a cruz
    Jesus Cristo confiou a seus discípulos, representados por João, o dom da maternidade de Maria, que
    nasce diretamente da hora pascal de Cristo: “E desse momento em diante, o discípulo a recebeu em
    sua casa” (Jo 19,27). Perseverando junto aos apóstolos à espera do Espírito (cf. At 1,13-14), ela
    cooperou com o nascimento da Igreja missionária, imprimindo-lhe um selo mariano que a identifica
    profundamente. Como mãe de tantos, fortalece os vínculos fraternos entre todos, estimula a
    reconciliação e o perdão e ajuda os discípulos de Jesus Cristo a experimentarem como uma família, a
    família de Deus. Em Maria, encontramo-nos com Cristo, com o Pai e com o Espírito Santo, assim como
    com os irmãos.
  267. Como na família humana, a Igreja-família é gerada ao redor de uma mãe, que confere “alma” e
    ternura à convivência familiar158. Maria, Mãe da Igreja, além de modelo e paradigma da humanidade, é
    artífice de comunhão. Um dos eventos fundamentais da Igreja é quando o “sim” brotou de Maria. Ela
    atrai multidões à comunhão com Jesus e sua Igreja, como experimentamos muitas vezes nos santuários
    marianos. Por isso, como a Virgem Maria, a Igreja é mãe. Esta visão mariana da Igreja é o melhor
    remédio para uma Igreja meramente funcional ou burocrática.
  268. Maria é a grande missionária, continuadora da missão de seu Filho e formadora de missionários.
    Ela, da mesma forma como deu à luz ao Salvador do mundo, trouxe o Evangelho a nossa América. No
    acontecimento em Guadalupe, presidiu junto com o humilde João Diego, o Pentecostes que nos abriu
    aos dons do Espírito. A partir desse momento são incontáveis as comunidades que encontraram nela a
    inspiração mais próxima para aprender como serem discípulos e missionários de Jesus. Com alegria
    constatamos que ela tem feito parte do caminhar de cada um de nossos povos, entrando profundamente
    no tecido de sua história e acolhendo as ações mais nobres e significativas de sua gente. Os diversos
    nomes e os santuários espalhados por todo o Continente testemunham a presença de Maria próxima às
    pessoas e, ao mesmo tempo, manifestam a fé e a confiança que os devotos sentem por ela. Ela pertence
    a eles e eles a sentem como mãe e irmã.
  269. Hoje, quando em nosso continente latino-americano e caribenho se quer enfatizar o discipulado e a
    missão, é ela quem brilha diante de nossos olhos como imagem acabada e fidelíssima do seguimento de
    Cristo. Esta é a hora da seguidora mais radical de Cristo, de seu magistério discipular e missionário
    conforme nos envia o Papa Bento XVI: Maria Santíssima, a Virgem pura e sem mancha é para nós escola
    de fé destinada a nos conduzir e a nos fortalecer no caminho que conduz ao encontro com o Criador do
    céu e da terra. O Papa veio a Aparecida com viva alegria para nos dizer em primeiro lugar:
    Permaneçam na escola de Maria. Inspirem-se em seus ensinamentos. Procurem acolher e guardar dentro
    do coração as luzes que ela, por mandato divino, envia a vocês a partir do alto”159.
  270. Ela, que “conservava todas estas recordações e meditava em seu coração” (Lc 2,19; cf. 2,51),
    ensina-nos o primado da escuta da Palavra na vida do discípulo e missionário. O Magnificat “está
    inteiramente tecido pelos fios da Sagrada Escritura, os fios tomados da palavra de Deus. Assim, se revela
    que nela a Palavra de Deus se encontra de verdade em sua casa, de onde sai e entra com naturalidade.
    Ela fala e pensa com a Palavra de Deus; a Palavra de Deus se faz a sua palavra e sua palavra nasce da
    Palavra de Deus. Além disso, assim se revela que seus pensamentos estão em sintonia com os
    pensamentos de Deus, que seu querer é um querer junto com Deus. Estando intimamente penetrada
    pela Palavra de Deus, Ela pode chegar a ser mãe da Palavra encarnada”160. Esta familiaridade com o
    mistério de Jesus é facilitada pela reza do Rosário, onde: “o povo cristão aprende de Maria a
    contemplar a beleza do rosto de Cristo e a experimentar a profundidade de seu amor. Mediante o
    Rosário, o cristão obtém abundantes graças, como recebendo-as das próprias mãos da mãe do
    Redentor”161.
  271. Com os olhos postos em seus filhos e em suas necessidades, como em Caná da Galiléia, Maria ajuda
    a manter vivas as atitudes de atenção, de serviço, de entrega e de gratuidade que devem distinguir os
    discípulos de seu Filho. Indica, além do mais, qual é a pedagogia para que os pobres, em cada
    comunidade cristã, “sintam-se como em sua casa”162. Cria comunhão e educa para um estilo de vida
    compartilhada e solidária, em fraternidade, em atenção e acolhida do outro, especialmente se é pobre
    ou necessitado. Em nossas comunidades, sua forte presença tem enriquecido e seguirá enriquecendo a
    dimensão materna da Igreja e sua atitude acolhedora, que a converte em “casa e escola da
    comunhão”163 e em espaço espiritual que prepara para a missão.
    6.1.5 Os apóstolos e os santos
  272. Também os apóstolos de Jesus e os santos marcaram a espiritualidade e o estilo de vida de nossas
    Igrejas. Suas vidas são lugares privilegiados de encontro com Jesus Cristo. Seu testemunho se mantém
    vigente e seus ensinamentos inspiram o ser e a ação das comunidades cristãs do Continente. Entre eles,
    Pedro o apóstolo, a quem Jesus confiou a missão de confirmar a fé de seus irmãos (cf. Lc 22,31-32),
    ajuda a estreitar o vínculo de comunhão com o Papa, seu sucessor, e a buscar em Jesus as palavras de
    vida eterna. Paulo, o evangelizador incansável, tem indicado o caminho da audácia missionária e a
    vontade de se aproximar de cada realidade cultural com a Boa Nova da salvação. João, o discípulo
    amado do Senhor, tem revelado a força transformadora do mandamento novo e a fecundidade de
    permanecer em seu amor.
  273. Nossos povos nutrem um carinho e especial devoção por José, esposo de Maria, homem justo, fiel e
    generoso que sabe se perder para se achar no mistério do Filho. São José, o silencioso mestre, fascina,
    atrai e ensina, não com palavras mas com o resplandecente testemunho de suas virtudes e de sua firme
    simplicidade.
  274. Nossas comunidades levam o selo dos apóstolos e, além disso, reconhecem o testemunho cristão de
    tantos homens e mulheres que espalharam em nossa geografia as sementes do Evangelho, vivendo
    valentemente sua fé, inclusive derramando seu sangue como mártires. Seu exemplo de vida e santidade
    constitui um presente precioso para o caminho cristão dos latino-americanos e, simultaneamente, um
    estímulo para imitar suas virtudes nas novas expressões culturais da história. Com a paixão de seu amor
    a Jesus Cristo, eles foram membros ativos e missionários em sua comunidade eclesial. Com valentia,
    perseveraram na promoção dos direitos das pessoas, foram perspicazes no discernimento crítico da
    realidade à luz do ensino social da Igreja e críveis pelo testemunho coerente de suas vidas. Nós,
    cristãos de hoje, acolhemos sua herança e nos sentimos chamados a continuar com renovado ardor
    apostólico e missionário o estilo evangélico de vida que nos transmitiram.
    6.2. O processo de formação dos discípulos missionários
  275. A vocação e o compromisso de ser hoje discípulos e missionários de Jesus Cristo na América Latina
    e no Caribe, requerem uma clara e decidida opção pela formação dos membros de nossas comunidades,
    a favor de todos os batizados, qualquer que seja a função que desenvolvem na Igreja. Olhamos para
    Jesus, o Mestre que formou pessoalmente a seus apóstolos e discípulos. Cristo nos dá o método:
    “Venham e vejam” (Jo 1, 39), “Eu sou o Caminho, a Verdade e a Vida” (Jo 14,6). Com Ele podemos
    desenvolver as potencialidades que estão nas pessoas e formar discípulos missionários. Com
    perseverante paciência e sabedoria, Jesus convidou a todos para que o seguissem e introduziu aqueles
    que aceitaram segui-lo no mistério do Reino de Deus. Depois de sua morte e ressurreição, enviou-os a
    pregar a Boa Nova na força do Espírito. Seu estilo se torna emblemático para os formadores e cobra
    especial relevância quando pensamos na paciente tarefa formativa que a Igreja deve empreender no
    novo contexto sócio-cultural da América Latina.
  276. O caminho de formação do seguidor de Jesus lança suas raízes na natureza dinâmica da pessoa e no
    convite pessoal de Jesus Cristo, que chama os seus por seu nome e estes o seguem porque conhecem a
    sua voz. O Senhor despertava as aspirações profundas de seus discípulos e os atraía a si, maravilhados. O
    seguimento é fruto de uma fascinação que responde ao desejo de realização humana, ao desejo de vida
    plena. O discípulo é alguém apaixonado por Cristo a quem reconhece como o mestre que o conduz e o
    acompanha.
    6.2.1 Aspectos do processo
  277. No processo de formação de discípulos missionários destacamos cinco aspectos fundamentais que
    aparecem de maneira diversa em cada etapa do caminho, mas que se complementam intimamente e se
    alimentam entre si:
    a) O Encontro com Jesus Cristo: Aqueles que serão seus discípulos já o buscam (cf. Jo 1,38), mas é o
    Senhor quem os chama: “Segue-me” (Mc 1,14; Mt 9,9). É necessário descobrir o sentido mais profundo
    da busca, assim como é necessário propiciar o encontro com Cristo que dá origem à iniciação cristã.
    Este encontro deve se renovar constantemente pelo testemunho pessoal, pelo anúncio do kerigma e
    pela ação missionária da comunidade. O kerygma não é somente uma etapa, mas o fio condutor de um
    processo que culmina na maturidade do discípulo de Jesus Cristo. Sem o kerygma, os demais aspectos
    deste processo estão condenados à esterilidade, sem corações verdadeiramente convertidos ao Senhor.
    Só a partir do kerygma acontece a possibilidade de uma iniciação cristã verdadeira. Por isso, a Igreja
    precisa tê-lo presente em todas as suas ações.
    b) A Conversão: É a resposta inicial de quem escutou o Senhor com admiração, crê n’Ele pela ação do
    Espírito, decide-se ser seu amigo e ir após Ele, mudando sua forma de pensar e de viver, aceitando a
    cruz de Cristo, consciente de que morrer para o pecado é alcançar a vida. No Batismo e no sacramento
    da reconciliação se atualiza para nós a redenção de Cristo.
    c) O Discipulado: A pessoa amadurece constantemente no conhecimento, amor e seguimento de Jesus
    Mestre, aprofunda no mistério de sua pessoa, de seu exemplo e de sua doutrina. Para isso são de
    fundamental importância a catequese permanente e a vida sacramental, que fortalecem a conversão
    inicial e permitem que os discípulos missionários possam perseverar na vida cristã e na missão em meio
    ao mundo que nos desafia.
    d) A Comunhão: Não pode existir vida cristã fora da comunidade; seja nas famílias, nas paróquias, nas
    comunidades de vida consagrada, nas comunidades de base, outras pequenas comunidades e
    movimentos. Como os primeiros cristãos, que se reuniam em comunidade, o discípulo participa na vida
    da Igreja e no encontro com os irmãos, vivendo o amor de Cristo na vida fraterna solidária. Ele também
    é acompanhado e estimulado pela comunidade e seus pastores para amadurecer na vida do Espírito.
    e) A Missão: O discípulo, à medida que conhece e ama a seu Senhor, experimenta a necessidade de
    compartilhar com outros a sua alegria de ser enviado, de ir ao mundo para anunciar Jesus Cristo, morto
    e ressuscitado, a fazer realidade o amor e o serviço na pessoa dos mais necessitados, em uma palavra, a
    construir o Reino de Deus. A missão é inseparável do discipulado, o qual não deve ser entendido como
    uma etapa posterior à formação, ainda que ela seja realizada de diversas maneiras de acordo com a
    própria vocação e ao momento da maturidade humana e cristã em que se encontre a pessoa.
    6.2.2 Critérios gerais
    6.2.2.1 Uma formação integral, kerygmática e permanente
    279 A missão principal da formação é ajudar os membros da Igreja a se encontrar sempre com Cristo, e
    assim reconhecer, acolher, interiorizar e desenvolver a experiência e os valores que constituem a
    própria identidade e missão cristã no mundo. Por isso, a formação obedece a um processo integral, ou
    seja, que compreende várias dimensões, todas harmonizadas entre si em unidade vital. Na base destas
    dimensões está a força do anúncio kerygmático. O poder do Espírito e da Palavra contagia as pessoas e
    as leva a escutar a Jesus Cristo, a crer n’Ele como seu Salvador, a reconhecê-lo como quem dá o pleno
    significado a suas vidas e a seguir seus passos. O anúncio se fundamenta no fato da presença de Cristo
    Ressuscitado hoje na Igreja, e é fator imprescindível no processo de formação de discípulos e
    missionários. Ao mesmo tempo, a formação é permanente e dinâmica, de acordo com o
    desenvolvimento das pessoas e como serviço que são chamadas a prestar, em meios às exigências da
    história.
    6.2.2.2 Uma formação atenta a dimensões diversas
  278. A formação abrange diversas dimensões que deverão ser integradas harmonicamente ao longo de
    todo o processo de formação. Trata-se da dimensão humana comunitária, espiritual, intelectual,
    comunitária e pastoral-misisonária.
    a) A Dimensão Humana e Comunitária. Tende a acompanhar processos de formação que levam a pessoa
    a assumir a própria história e a curá-la, com o objetivo de se tornar capaz de viver como cristão em um
    mundo plural, com equilíbrio, fortaleza, serenidade e liberdade interior. Trata-se de desenvolver
    personalidades que amadureçam em contato com a realidade e abertas ao Mistério.
    b) A Dimensão Espiritual: É a dimensão formativa que funda o ser cristão na experiência de Deus
    manifestado em Jesus e que o conduz pelo Espírito através dos caminhos de um amadurecimento
    profundo. Por meio dos diversos carismas a pessoa se fundamenta no caminho da vida e do serviço
    proposto por Cristo, com um estilo pessoal. Assim como a Virgem Maria, essa dimensão permite ao
    cristão aderir de coração e pela fé aos caminhos alegres, luminosos, dolorosos e gloriosos de seu Mestre
    e Senhor.
    c) A Dimensão Intelectual: O encontro com Cristo, Palavra feita carne, potencializa o dinamismo da
    razão que procura o significado da realidade e se abre para o Mistério. Ela se expressa em uma reflexão
    séria, feita diariamente no estudo que abre, com a luz da fé, abre a inteligência à verdade. Também
    capacita para o discernimento, o juízo crítico e o diálogo sobre a realidade e a cultura. Assegura de uma
    maneira especial o conhecimento bíblico-teológico e das ciências humanas para adquirir a necessária
    competência em vista dos serviços eclesiais que se requeira e para a adequada presença na vida secular.
    d) A dimensão Pastoral e Missionária: Um autêntico caminho cristão preenche de alegria e esperança o
    coração e leva o cristão a anunciar a Cristo de maneira constante em sua vida e em seu ambiente.
    Projeta para a missão de formar discípulos missionários para serviço do mundo. Habilita a propor
    projetos e estilos de vida cristão atraentes, com intervenções orgânicas e de colaboração fraterna com
    todos os membros da comunidade. Contribui para integrar evangelização e pedagogia, comunicando vida
    e oferecendo itinerários de acordo com a maturidade cristã, a idade e outras condições próprias das
    pessoas ou dos grupos. Incentiva a responsabilidade dos leigos no mundo para construir o Reino de Deus.
    Desperta uma inquietude constante pelos distanciados e pelos que ignoram o Senhor em suas vidas.
    6.2.2.3 Uma formação respeitosa dos processos
  279. Chegar à altura de uma vida nova em Cristo, identificando-se profundamente com Ele164 e sua
    missão, é um caminho longo que requer itinerários diversificados, respeitosos dos processos pessoais e
    dos ritmos comunitários, contínuos e graduais. Na diocese o eixo central deverá ser um projeto orgânico
    de formação, aprovado pelo Bispo e elaborado com os organismos diocesanos competentes, levando em
    consideração todas as forças vivas da Igreja local: associações, serviços e movimentos, comunidades
    religiosas, pequenas comunidades, comissões de pastoral social e diversos organismos eclesiais que
    ofereçam a visão do conjunto e da convergência das diversas iniciativas. Requer-se, também, equipes de
    formação convenientemente preparadas que assegurem a eficácia do próprio processo e que
    acompanhem as pessoas com pedagogias dinâmicas, ativas e abertas. A presença e contribuição de
    leigos e leigas nas equipes de formação apresenta uma riqueza original, pois, a partir de suas
    experiências e competências, eles oferecem critérios, conteúdos e testemunhos valiosos para aqueles
    que estão se formando.
    6.2.2.4 Uma formação que contempla o acompanhamento dos discípulos
  280. Cada setor do Povo de Deus requer que a pessoa seja acompanhada e formada de acordo com a
    peculiar vocação e ministério para o qual tenha sido chamada: o bispo é o princípio da unidade na
    diocese devido a seu tríplice ministério de ensinar, santificar e governar; os presbíteros cooperam com o
    ministério do bispo, no cuidado do povo de Deus que lhes foi confiado; os diáconos permanentes no
    serviço vivificante, humilde e perseverante como ajuda valiosa para os bispos e presbíteros; os
    consagrados e consagradas no seguimento radical do Mestre; os leigos e leigas cumprem sua
    responsabilidade evangelizadora colaborando na formação de comunidades cristãs e na construção do
    Reino de Deus no mundo. Requer-se, portanto, capacitar aqueles que possam acompanhar espiritual e
    pastoralmente a outros.
  281. Destacamos que a formação dos leigos e leigas deve contribuir, antes de mais nada, para sua
    atuação como discípulos missionários no mundo, na perspectiva do diálogo e da transformação da
    sociedade. É urgente uma formação específica para que possam ter uma incidência significativa nos
    diferentes campos, sobretudo, “no mundo vasto da política, da realidade social e da economia, como
    também da cultura, das ciências e das artes, da vida internacional, dos meios de comunicação e de
    outras realidades abertas à evangelização”165.
    6.2.2.5 Uma formação na espiritualidade da ação missionária
  282. É necessário formar os discípulos em uma espiritualidade da ação missionária, que se baseia na
    docilidade ao impulso do Espírito, a sua potência de vida que mobiliza e transfigura todas as dimensões
    da existência. Não é uma experiência que se limita aos espaços privados da devoção, mas que procura
    penetrá-lo completamente com seu fogo e sua vida. O discípulo e missionário, movido pelo estímulo e
    ardor que provêm do Espírito, aprende a expressa-lo no trabalho, no diálogo, no serviço e na missão
    cotidiana.
  283. Quando o impulso do Espírito impregna e motiva todas as áreas da existência, então também
    penetra e configura a vocação específica de cada pessoa. Assim se forma e desenvolve a espiritualidade
    própria de presbíteros, de religiosos e religiosas, de pais de família, de empresários, de catequistas,
    etc. Cada uma das vocações tem um modo concreto e diferente de viver a espiritualidade, que dá
    profundidade e entusiasmo para o exercício concreto de suas tarefas. Dessa forma, a vida no Espírito
    não nos fecha em uma intimidade cômoda e fechada, mas sim nos torna pessoas generosas e criativas,
    felizes no anúncio e no serviço. Torna-nos comprometidos com os sinais da realidade e capazes de
    encontrar um profundo significado a tudo o que nos toca fazer pela Igreja e pelo mundo.
    6.3 Iniciação à vida cristã e catequese permanente
    6.3.1 Iniciação à vida cristã
  284. São muitos os cristãos que não participam na Eucaristia dominical nem recebem com regularidade
    os sacramentos, nem se inserem ativamente na comunidade eclesial. Sem esquecer a importância da
    família na iniciação cristã, este fenômeno nos desafia profundamente a imaginar e organizar novas
    formas de aproximação deles para ajudá-los a valorizar o sentido da vida sacramental, da participação
    comunitária e do compromisso cidadão. Temos uma alta porcentagem de católicos sem consciência de
    sua missão de ser sal e fermento no mundo, com uma identidade cristã fraca e vulnerável.
  285. Isto constitui um grande desafio que questiona a fundo a maneira como estamos educando na fé e
    como estamos alimentando a experiência cristã; um desafio que devemos encarar com decisão, com
    coragem e criatividade, visto que em muitas partes a iniciação cristã tem sido pobre e fragmentada. Ou
    educamos na fé, colocando as pessoas realmente em contato com Jesus Cristo e convidando-as para seu
    seguimento, ou não cumpriremos nossa missão evangelizadora. Impõem-se a tarefa irrenunciável de
    oferecer uma modalidade de iniciação cristã, que além de marcar o que, dê também elementos para o
    quem, o como e o onde se realiza. Dessa forma, assumiremos o desafio de uma nova evangelização, à
    qual temos sido reiteradamente convocados.
  286. A iniciação cristã, que inclui o kerygma, é a maneira prática de colocar alguém em contato com
    Jesus Cristo e iniciá-lo no discipulado. Dá-nos, também, a oportunidade de fortalecer a unidade dos três
    sacramentos e aprofundar a pessoa em seu rico sentido. A iniciação cristã propriamente falando, referese à primeira iniciação nos mistérios da fé, seja na forma do catecumenato batismal para os não
    batizados, seja na forma do catecumenato pós-batismal para os batizados não suficientemente
    catequisados. Este catecumenato está intimamente unido aos sacramentos da iniciação: batismo,
    confirmação e eucaristia, celebrados solenemente na Vigília Pascal. Teríamos que distingui-la,
    portanto, de outros processos catequéticos e de formação que podem ter a iniciação cristã como base.
    6.3.2 Proposta para a iniciação cristã
  287. Sentimos a urgência de desenvolver em nossas comunidades um processo de iniciação na vida cristã
    que comece pelo kerygma que guiado pela Palavra de Deus, que conduza a um encontro pessoal, cada
    vez maior, com Jesus Cristo, perfeito Deus e perfeito homem166, experimentado como plenitude da
    humanidade e que leve à conversão, ao seguimento em uma comunidade eclesial e a um
    amadurecimento de fé na prática dos sacramentos, do serviço e da missão.
  288. Recordamos que o caminho de formação do cristão na tradição mais antiga da Igreja “teve sempre
    um caráter de experiência, na qual era determinante o encontro vivo e persuasivo com Cristo,
    anunciado por autênticas testemunhas”167. Trata-se de uma experiência que introduz o cristão numa
    profunda e feliz celebração dos sacramentos, com toda a riqueza de seus sinais. Deste modo, a vida vem
    se transformando progressivamente pelos santos mistérios que se celebram, capacitando o cristão a
    transformar o mundo. Isto é o que se chama “catequese mistagógica”.
  289. Ser discípulo é um dom destinado a crescer. A iniciação cristã dá a possibilidade de uma
    aprendizagem gradual no conhecimento, no amor e no seguimento de Cristo. Dessa forma, ela forja a
    identidade cristã com as convicções fundamentais e acompanha a busca do sentido da vida. É necessário
    assumir a dinâmica catequética da iniciação cristã. Uma comunidade que assume a iniciação cristã
    renova sua vida comunitária e desperta seu caráter missionário. Isto requer novas atitudes pede
    capacitação não formal, a prosseguirem incansavelmente em sua abnegada e insubstituível missão apostólica. Storais
    por parte dos bispos, presbíteros, diáconos, pessoas consagradas e agentes de pastoral.
  290. Como características do discípulo que indica a iniciação cristã destacamos; que ele tenha como
    centro a pessoa de Jesus Cristo, nosso Salvador e plenitude de nossa humanidade, fonte de toda
    maturidade humana e cristã; que tenha o espírito de oração, seja amante da Palavra, pratique a
    confissão freqüente e participe da Eucaristia; que se insira cordialmente na comunidade eclesial e
    social, seja solidário no amor e um fervoroso missionário.
  291. A paróquia precisa ser o lugar onde se assegure a iniciação cristã e terá como tarefas
    irrenunciáveis: iniciar na vida cristã os adultos batizados e não suficientemente evangelizados; educar
    na fé as crianças batizadas em um processo que os leve a completar sua iniciação cristã; iniciar os não
    batizados que, havendo escutado o kerygma, querem abraçar a fé. Nesta tarefa, o estudo e a
    assimilação do Ritual de Iniciação Cristã de Adultos é uma referência necessária e um apoio seguro.
  292. Assumir esta iniciação cristã exige não só uma renovação de modalidade catequética da paróquia.
    Propomos que o processo catequético de formação adotado pela Igreja para a iniciação cristã seja
    assumido em todo o Continente como a maneira ordinária e indispensável de introdução na vida cristã e
    como a catequese básica e fundamental. Depois, virá a catequese permanente que continua o processo
    de amadurecimento da fé, na qual se deve incorporar um discernimento vocacional e a iluminação para
    projetos pessoais de vida.
    6.3.3 Catequese permanente
  293. Quanto a situação atual da catequese, é evidente que tem havido um progresso. Tem crescido o
    tempo que se dedica à preparação para os sacramentos. Tem-se tomado maior consciência de sua
    necessidade tanto nas famílias como entre os pastores. Compreende-se que ela é imprescindível em
    toda formação cristã. Tem-se constituído ordinariamente comissões diocesanas e paroquiais de
    catequese. É admirável o grande número de pessoas que se sentem chamadas a se fazer catequistas,
    com grande entrega. A elas, esta Assembléia manifesta um sincero reconhecimento.
  294. No entanto, apesar da boa vontade, a formação teológica e pedagógica dos catequistas não
    costuma ser a desejável. Os materiais são com freqüência muito variados e não se integram em uma
    pastoral de conjunto; e nem sempre são portadores de métodos pedagógicos atualizados. Os serviços de
    catequese das paróquias freqüentemente carecem de uma colaboração próxima das famílias. Os párocos
    e demais responsáveis não assumem com maior empenho a função que lhes corresponde como primeiros
    catequistas.
  295. Os desafios que apresenta a situação da sociedade na América latina e no Caribe requerem uma
    identidade católica mais pessoal e fundamentada. O fortalecimento desta identidade passa por uma
    catequese adequada que promova uma adesão pessoal e comunitária a Cristo, sobretudo aos mais fracos
    na fé168. É uma tarefa que incumbida a toda a comunidade de discípulos, mas de maneira especial a
    nós que, como bispos, temos sido chamados a servir à Igreja, pastoreando-a, conduzindo-a ao encontro
    com Jesus e ensinando-a a viver tudo o que Ele nos tem mandado (cf. Mt 28,19-20).
  296. A catequese não deve ser só ocasional, reduzida a momentos prévios aos sacramentos ou à
    iniciação cristã, mas sim “um itinerário catequético permanente”169. Por isto, compete a cada Igreja
    local, com a ajuda das Conferências Episcopais, estabelecer um processo catequético orgânico e
    progressivo que se propague por toda a vida, desde a infância até a terceira idade, levando em
    consideração que o Diretório Geral de catequese considera a catequese de adultos como a forma
    fundamental da educação na fé. Para que o povo conheça a fundo e verdadeiramente a Cristo e o siga
    fielmente dele deve ser conduzido especialmente na leitura e meditação da Palavra de Deus, que é o
    primeiro fundamento de uma catequese permanente170.
  297. A catequese não pode se limitar a uma formação meramente doutrinal, mas precisa ser uma
    verdadeira escola de formação integral. Portanto, é necessário cultivar a amizade com Cristo na oração,
    o apreço pela celebração litúrgica, a experiência comunitária, o compromisso apostólico mediante um
    permanente serviço aos demais. Para isso, seriam úteis alguns subsídios catequéticos elaborados a partir
    do Catecismo da Igreja Católica e do Compêndio da Doutrina Social da Igreja, estabelecendo cursos e
    escolas de formação permanente aos catequistas.
  298. Deve ser dada uma catequese apropriada que acompanhe a fé já presente na religiosidade popular.
    Uma maneira concreta pode ser oferecer um processo de iniciação cristã em visitas às famílias, onde
    não só seja comunicado elas os conteúdos da fé, mas que também as conduza à prática da oração
    familiar, à leitura orante da Palavra de Deus e ao desenvolvimento das virtudes evangélicas, que as
    consolidem cada vez mais como Igrejas domésticas. Para este crescimento na fé, também é conveniente
    aproveitar pedagogicamente o potencial educativo presente na piedade popular mariana. Trata-se de
    um caminho educativo que, cultivando o amor pessoal à Virgem, verdadeira “educadora na fé”171 que
    nos leva a nos assemelhar cada vez mais a Jesus Cristo, provoque a apropriação progressiva de suas
    atitudes.
    6.4 Lugares de formação para os discípulos missionários
  299. A seguir, consideraremos brevemente alguns lugares de formação de discípulos missionários.
    6.4.1 A Família, primeira escola da fé
  300. A família, “patrimônio da humanidade”, constitui um dos tesouros mais valiosos dos povos latinoamericanos. Ela tem sido e é o lugar e escola de comunhão, fonte de valores humanos e cívicos, lar no
    qual a vida humana nasce e se acolhe generosa e responsavelmente. Para que a família seja “escola de
    fé” e possa ajudar os pais a serem os primeiros catequistas de seus filhos, a pastoral familiar deve
    oferecer espaços de formação, materiais catequéticos, momentos celebrativos, que lhes permitam
    cumprir sua missão educativa. A família é chamada a introduzir os filhos no caminho da iniciação cristã .
    A família, pequena Igreja, deve ser, junto com a Paróquia, o primeiro lugar para a iniciação cristã das
    crianças172. Ela oferece aos filhos um sentido cristão de existência e os acompanha na elaboração de
    seu projeto de vida, como discípulos missionários.
  301. É, além disso, um dever dos pais, através especialmente através de seu exemplo de vida, a
    educação dos filhos para o amor com dom de si mesmos e a ajuda que eles prestam para descobrir sua
    vocação de serviço, seja na vida laica como na vida consagrada. Deste modo, opera-se a formação dos
    filhos como discípulos de Jesus Cristo, nas experiências da vida diária na família cristã. Os filhos têm o
    direito de poder contar com o pai e a mãe para que cuidem deles e os acompanhem até a plenitude de
    vida. A “catequese familiar”, implementada de diversas maneiras, tem-se revelado como uma ajuda
    eficiente à unidade das famílias, oferecendo, além disso, uma possibilidade eficiente de formar os pais
    de família, os jovens e as crianças, para que sejam testemunhas firmes da fé em suas respectivas
    comunidades.
    6.4.2 As Paróquias
  302. A dimensão comunitária é intrínseca ao mistério e à realidade da Igreja que deve refletir a
    Santíssima Trindade. Esta dimensão especial tem sido vivida de diversas maneiras ao longo dos séculos.
    A Igreja é comunhão. As Paróquias são células vivas da Igreja173 e os lugares privilegiados em que a
    maioria dos fiéis tem uma experiência concreta de Cristo e de sua Igreja174. Encerram uma imensa
    riqueza comunitária porque nelas se encontra uma imensa variedade de situações, de idades, de
    tarefas. Sobretudo hoje, quando as crises da vida familiar afeta a tantas crianças e jovens, as Paróquias
    oferecem um espaço comunitário para se formar na fé e crescer comunitariamente.
  303. Portanto, deve se cultivar a formação comunitária especialmente na paróquia. Com diversas
    celebrações e iniciativas, principalmente com a Eucaristia dominical, que é “momento privilegiado do
    encontro das comunidades com o Senhor ressuscitado”175, os fiéis devem experimentar a paróquia
    como uma família na fé e na caridade, onde mutuamente se acompanhem e se ajudem no seguimento
    de Cristo.
  304. Se queremos que as paróquias sejam centros de irradiação missionária em seus próprios territórios,
    elas devem ser também lugares de formação permanente. Isto requer que se organizem nelas várias
    instâncias formativas que assegurem o acompanhamento e o amadurecimento de todos os agentes
    pastorais e dos leigos inseridos no mundo. As paróquias vizinhas também podem unir esforços neste
    sentido, sem desperdiçar as ofertas formativas da Diocese e da Conferência Episcopal.
    6.4.3 Pequenas comunidades eclesiais
  305. Constata-se que nos últimos anos está crescendo a espiritualidade de comunhão e que, com
    diversas metodologias, não poucos esforços tem sido feitos para levar os leigos a se integrar nas
    pequenas comunidades eclesiais, que vão mostrando frutos abundantes. Nas pequenas comunidades
    eclesiais temos um meio privilegiado para chegar a Nova Evangelização e para chegar a que os batizados
    vivam como autênticos discípulos e missionários de Cristo.
  306. Elas são um ambiente propício para se escutar a Palavra de Deus, para viver a fraternidade, para
    animar na oração, para aprofundar processos de formação na fé e para fortalecer o exigente
    compromisso de ser apóstolos na sociedade de hoje. Elas são lugares de experiência cristã e
    evangelização que, em meio à situação cultural que nos afeta, secularizada e hostil à Igreja, se fazem
    muito mais necessários.
  307. Se desejamos pequenas comunidades vivas e dinâmicas, é necessário despertar nelas uma
    espiritualidade sólida, baseada na Palavra de Deus, que as mantenham em plena comunhão de vida e
    ideais com a Igreja local e, em particular, com a comunidade paroquial. Por outro lado, conforme Há
    anos estamos propondo na América Latina, a Paróquia chegará a ser “comunidade de comunidades”176.
  308. Destacamos que é preciso reanimar os processos de formação de pequenas comunidades no
    Continente, pois nelas temos uma fonte segura de vocações ao sacerdócio, à vida religiosa e à vida leiga
    com especial dedicação ao apostolado. Através das pequenas comunidades, poderia-se também
    conseguir chegar aos afastados, aos indiferentes e aos que alimentam descontentamento ou
    ressentimento em relação à Igreja.
    6.4.4 Os movimentos eclesiais e novas comunidades
  309. Os novos movimentos e comunidades são um dom do Espírito Santo para a Igreja. Neles, os fiéis
    encontram a possibilidade de se formar na fé cristã, crescer e se comprometer apostolicamente até ser
    verdadeiros discípulos missionários. Assim exercitam o direito natural e batismal de livre associação,
    como o indicou o Concílio vaticano II177 e confirma o Código de Direito Canônico. Seria conveniente
    incentivar a alguns movimentos e associações que mostram hoje certo cansaço ou fraqueza e convidá-los
    a renovar seu carisma original, que não deixa de enriquecer a diversidade com que o Espírito se
    manifesta e atua no povo cristão.
  310. Os movimentos e novas comunidades constituem uma valiosa contribuição na realização da Igreja
    local. Por sua própria natureza expressam a dimensão carismática da Igreja: “na Igreja não há contraste
    ou contraposição entre a dimensão institucional e a dimensão carismática, da qual os movimentos são
    uma expressão significativa, porque ambos são igualmente essenciais para a constituição divina do Povo
    de Deus”178. Na vida e na ação evangelizadora da Igreja, constatamos que no mundo moderno devemos
    responder a novas situações e necessidades da vida cristã. Neste contexto também os movimentos e
    novas comunidades são uma oportunidade para que muitas pessoas afastadas possam ter uma
    experiência de encontro vital com Jesus Cristo e, assim, recuperar sua identidade batismal e sua ativa
    participação na vida da Igreja179. Neles “podemos ver a multiforme presença e ação santificadora do
    Espírito”180.
  311. Para aproveitar melhor os carismas e serviços dos movimentos eclesiais no campo da formação dos
    leigos desejamos respeitar seus carismas e sua originalidade, procurando que se integrem mais
    plenamente na estrutura originária que acontece na diocese. Ao mesmo tempo, é necessário que a
    comunidade diocesana acolha a riqueza espiritual e apostólica dos movimentos. É verdade que os
    movimentos devem manter sua especificidade, mas dentro de uma profunda unidade com a Igreja local,
    não só de fé mas de ação. Quanto mais se multiplicar a riqueza dos carismas, mais os bispos serão
    chamados a exercer o discernimento espiritual para favorecer a necessária integração dos movimentos
    na vida diocesana, apreciando a riqueza de sua experiência comunitária, formativa e missionária.
    Convêm dar especial acolhida e valorização àqueles movimentos eclesiais que já passaram pelo
    reconhecimento e discernimento da Santa Sé, considerados como dons e bens para a Igreja universal.
    6.4.5 Os Seminários e Casas de formação religiosa
  312. No que se refere à formação dos discípulos e missionários de Cristo ocupa um lugar particular a
    pastoral vocacional, que acompanha cuidadosamente todos os que o Senhor chama a servir à Igreja no
    sacerdócio, na vida consagrada ou no estado de leigo. A pastoral vocacional, que é responsabilidade de
    todo o povo de Deus, começa na família e continua na comunidade cristã, deve se dirigir às crianças e
    especialmente aos jovens para ajudá-los a descobrir o sentido da vida e o projeto que Deus tem para
    cada um, acompanhando-os em seu processo de discernimento. Plenamente integrada no âmbito da
    pastoral ordinária, a pastoral vocacional é fruto de uma sólida pastoral de conjunto, nas famílias, na
    paróquia, nas escolas católicas e nas demais instituições eclesiais. É necessário intensificar de diversas
    maneiras a oração pelas vocações, com as quais também se contribui para criar uma maior sensibilidade
    e receptividade diante do chamado do Senhor; assim como promover e coordenar diversas iniciativas
    vocacionais181. As vocações são dom de Deus, portanto, em cada diocese, não devem faltar orações
    especiais ao “Dono da messe”.
  313. Diante da escassez de pessoas que respondam à vocação ao sacerdócio e à vida consagrada na
    América Latina e no Caribe, é urgente dedicar um cuidado especial à promoção vocacional, cultivando
    os ambientes nos quais nascem às vocações ao sacerdócio e à vida consagrada, com a certeza de que
    Jesus continua chamando discípulos e missionários para estar com Ele e para enviá-los a pregar o Reino
    de Deus. Esta V Conferência faz um chamado urgente a todos os cristãos e especialmente aos jovens
    para que estejam abertos a uma possível chamada de Deus ao sacerdócio ou à vida consagrada; recorda
    que o Senhor dará a graça necessária para responder com decisão e generosidade, apesar dos problemas
    gerados por uma cultura secularizada, centralizada no consumismo e no prazer. Convidamos as famílias
    a reconhecerem a benção de ter um filho chamado por Deus para esta consagração e a apoiar sua
    decisão e seu caminho de resposta vocacional. Aos sacerdotes, estimulamo-los a dar testemunho de vida
    feliz, alegre, entusiástica e de santidade no serviço do Senhor.
  314. Sem dúvida, os seminários e as casas de formação constituem um lugar privilegiado – escola e casa
  • para a formação de discípulos e missionários. O tempo da primeira formação é uma etapa onde os
    futuros presbíteros compartilham a vida a exemplo da comunidade apostólica ao redor do Cristo
    ressuscitado: oram juntos, celebram uma mesma liturgia que culmina na Eucaristia, a partir da palavra
    de Deus recebem os ensinamentos que vão iluminando sua mente e modelando seu coração para o
    exercício da caridade fraterna e da justiça, prestam serviços pastorais periodicamente a diversas
    comunidades, preparando-se assim para viver uma sólida espiritualidade de comunhão com Cristo Pastor
    e docilidade à ação do Espírito Santo, convertendo-se em sinal pessoal e atrativo de Cristo no mundo,
    segundo o caminho de santidade próprio do ministério sacerdotal182.
  1. Reconhecemos o esforço dos formadores dos Seminários. Seu testemunho e preparação são
    decisivos para o acompanhamento dos seminaristas para um amadurecimento afetivo que os faça aptos
    para abraçar o celibato e capazes de viver em comunhão com seus irmãos na vocação sacerdotal; neste
    sentido, os cursos de formadores que se tem implementado são um meio eficaz de ajuda a sua
    missão183.
  2. A realidade atual exige de nós maior atenção aos projetos de formação dos Seminários, pois os
    jovens são vítimas da influência negativa da cultura pós-moderna, especialmente dos meios de
    comunicação, trazendo consigo a fragmentação da personalidade, a incapacidade de assumir
    compromisso definitivos, a ausência de maturidade humana, o enfraquecimento da identidade
    espiritual, entre outros, que dificultam o processo de formação de autênticos discípulos e missionários.
    Por isso, antes do ingresso no Seminário, é necessário que os formadores e responsáveis façam uma
    esmerada seleção dos candidatos que leve em consideração o equilíbrio psicológico de uma sã
    personalidade, uma motivação genuína de amor a Cristo, à Igreja, ao mesmo tempo que capacidade
    intelectual adequada às exigências do ministério no tempo atual184.
  3. É necessário um projeto de formação do Seminário que ofereça aos seminaristas um verdadeiro
    processo integral: humano, espiritual, intelectual e pastoral, centrado em Jesus Cristo, Bom pastor. É
    fundamental que, durante os anos de formação, os seminaristas sejam autênticos discípulos, chegando a
    realizar um verdadeiro encontro pessoal com Jesus Cristo na oração com a palavra, para que
    estabeleçam com Ele relações de amizade e amor, assegurando um autêntico processo de iniciação
    espiritual, especialmente, no Período Propedêutico. A espiritualidade que se promove deverá responder
    à identidade da própria vocação, seja diocesana ou religiosa185.
  4. Ao longo da formação, procurar-se-á desenvolver um amor terno e filial a Maria, de maneira que
    cada formando chegue a ter com ela uma espontânea familiaridade e a “acolha em sua casa” como o
    discípulo amado. Ela oferecerá aos sacerdotes força e esperança nos momentos difíceis e os estimulará
    a ser incessantemente discípulos missionários para o Povo de Deus.
  5. Especial atenção deverá ser prestada ao processo de formação humana para a maturidade, de tal
    maneira que a vocação ao sacerdócio ministerial dos candidatos chegue a ser para cada um deles um
    projeto de vida estável e definitivo, em meio a uma cultura que exalta o descartável e o provisório.
    Diga-se o mesmo da educação para o amadurecimento da afetividade e da sexualidade. Esta deve levar
    a compreender melhor o significado evangélico do celibato consagrado como valor que configura a Jesus
    Cristo, portanto, como um estado de amor, fruto do dom precioso da graça divina, segundo o exemplo
    da doação nupcial do Filho de Deus; a acolhê-lo como tal com firme decisão, com magnanimidade e de
    todo o coração e a vivê-lo com serenidade e fiel perseverança, com a devida ascese em um caminho
    pessoal e comunitário, como entrega a Deus e aos demais com o coração pleno e indivisível186.
  6. Em todo o processo de formação, o ambiente do Seminário e da pedagogia formativa deverão
    cuidar do clima de sã liberdade e de responsabilidade pessoal, evitando criar ambientes artificiais ou
    itinerários impostos. A opção do candidato pela vida e ministério sacerdotal deve amadurecer e se
    apoiar em motivações verdadeiras e autênticas, livres e pessoais. A isso se orienta a disciplina nas casas
    de formação. As experiências pastorais, discernidas e acompanhadas no processo de formação são
    sumamente importantes para confirmar a autenticidade das motivações no candidato e a ajudá-lo a
    assumir o ministério como um verdadeiro e generoso serviço, no qual o ser e o agir, pessoa consagrada e
    ministério, são realidades inseparáveis.
  7. Ao mesmo tempo, o Seminário deverá oferecer uma formação intelectual séria e profunda, no
    campo da filosofia, das ciências humanas e, especialmente, da teologia e da missiologia, a fim de que o
    futuro sacerdote aprenda a anunciar a fé em toda a sua integridade, fiel ao Magistério da Igreja, com
    atenção crítica atento ao contexto cultural de nosso tempo e às grandes correntes de pensamento e de
    conduta que deverá evangelizar. Simultaneamente, deverá se reforçar o estudo da palavra de Deus no
    acadêmico nos diversos campos de formação, procurando que a palavra de Deus divina não se reduza só
    a noções, mas que seja uma verdade de espírito e vida que ilumine e alimente toda a existência.
    Portanto, será necessário contar em cada seminário com o número suficiente de professores bem
    preparados187.
  8. É indispensável confirmar que os candidatos sejam capazes de assumir as exigências da vida
    comunitária, o que implica diálogo, capacidade de serviço, humildade, valorização dos carismas alheios,
    disposição para se deixar interpelar pelos outros, obediência ao bispo e abertura para crescer em
    comunhão missionária com os presbíteros, diáconos, religiosos e leigos, servindo à unidade na
    diversidade. A Igreja necessita de sacerdotes e consagrados que nunca percam a consciência de serem
    discípulos em comunhão.
  9. Os jovens provenientes de famílias pobres ou de grupos indígenas, requerem uma formação
    inculturada, ou seja, devem receber a adequada formação teológica e espiritual para seu futuro
    ministério, sem que isso faça perder suas raízes e, desta forma, possam ser evangelizadores próximos a
    seus povos e culturas188.
  10. É oportuno indicar a complementaridade entre a formação iniciada no Seminário e o processo de
    formação que abrange as diversas etapas de vida do presbítero. É necessário despertar a consciência de
    que a formação só termina com a morte. A formação permanente “é um dever principalmente para os
    sacerdotes jovens e precisa ter aquela freqüência e programação de encontros que, simultaneamente,
    prolongam a seriedade e a solidez da formação recebida no seminário, levem progressivamente os
    jovens presbíteros a compreender e viver a singular riqueza do “dom” de Deus – o sacerdócio – e a
    desenvolver suas potencialidades e aptidões ministeriais, também mediante uma inserção cada vez mais
    convencida e responsável no presbitério e, portanto, na comunhão e na co-responsabilidade com todos
    os irmãos189” Em relação a isso, requerem-se projetos diocesanos bem articulados e constantemente
    avaliados.
  11. As casas e os centros de formação da Vida Religiosa são também lugares privilegiados de
    discipulado e de formação dos missionários e missionárias, segundo o carisma próprio de cada instituto
    religioso.
    6.4.6 A Educação Católica
  12. A América latina e o Caribe vivem uma particular e delicada emergência educativa. Na verdade, as
    novas formas educacionais de nosso continente, impulsionadas para se adaptar às novas exigências que
    vão se criando com a mudança global, aparecem centradas prioritariamente na aquisição de
    conhecimentos e habilidades e denotam um claro reducionismo antropológico, visto que concebem a
    educação preponderantemente em função da produção, da competitividade e do mercado. Por outro
    lado, com freqüência, elas propiciam a inclusão de fatores contrários á vida, a família e a uma sã
    sexualidade. Desta forma, elas não manifestam os melhores valores do jovens nem seu espírito religioso;
    menos ainda ensinam-lhes os caminhos para superar a violência e se aproximar da felicidade, nem os
    ajudam a levar uma vida sóbria e adquirir aquelas atitudes, virtudes e costumes que tornariam estável o
    lar que estabelecessem, e que os converteriam em construtores solidários da paz e do futuro da
    sociedade190.
  13. Diante desta situação, fortalecendo a estreita colaboração com os pais de família e pensando em
    uma educação de qualidade à que tem direito, sem distinção, todos os alunos e alunas de nossos povos,
    é necessário insistir no autêntico fim de toda escola. Ela é chamada a se transformar, antes de mais
    nada, em lugar privilegiado de formação e promoção integral, mediante a assimilação sistemática e
    crítica da cultura, fato que consegue mediante um encontro vivo e vital com o patrimônio cultural. Isto
    supõe que esse encontro se realize na escola em forma de elaboração, ou seja, confrontando e inserindo
    os valores perenes no contexto atual. Na realidade, a cultura, para ser educativa, deve se inserir nos
    problemas do tempo no qual se desenvolve a vida do jovem. Desta maneira, as diferentes disciplinas
    precisam se apresentar não só um saber por adquirir, mas valores por assimilar e verdades por
    descobrir.
  14. Constitui uma responsabilidade estrita da escola, enquanto instituição educativa, destacar a
    dimensão ética e religiosa da cultura, precisamente com o objetivo de ativar o dinamismo espiritual do
    sujeito e de ajudá-lo a alcançar a liberdade ética que pressupõe e aperfeiçoa à psicológica.. Mas não se
    dá liberdade ética, a não ser na confrontação com os valores absolutos dos quais depende o sentido e o
    valor da vida do ser humano. Inclusive no âmbito da educação, manifesta-se a tendência a assumir a
    realidade como parâmetro dos valores, correndo dessa forma o perigo de responder a aspirações
    secundárias e superficiais, e de perder de vista as exigências mais profundas do mundo contemporâneo
    (E.C. 30). A educação, humaniza e personaliza o ser humano quando consegue que este desenvolva
    plenamente seu pensamento e sua liberdade, fazendo-o frutificar em hábitos de compreensão e em
    iniciativas de comunhão com a totalidade da ordem real. Desta maneira, o ser humano humaniza seu
    mundo, produz cultura, transforma a sociedade e constrói a história191.
    6.4.6.1 Os centros educativos católicos
  15. A missão primária da Igreja é anunciar o Evangelho de maneira tal que garanta a relação entre a fé
    e a vida tanto na pessoa individual como no contexto sócio-cultural em que as pessoas vivem, atuam e
    se relacionam entre si, Assim mediante a força do Evangelho, a Igreja procura “transformar os critérios
    de juízo, os valores determinantes, os pontos de interesse, as linhas de pensamento, as fontes
    inspiradoras e os modelos de vida da humanidade que estão em contraste com a Palavra de Deus e o
    desígnio de salvação”192.
  16. Portanto, quando falamos de uma educação cristã, entendemos que o mestre educa para um
    projeto de ser humano no qual habite Jesus Cristo com o poder transformador de sua vida nova. Existem
    muitos aspectos nos quais se educa e entre os quais consta o projeto educativo. Existem muitos valores,
    mas estes valores nunca estão sozinhos, sempre formam uma constelação ordenada, explícita ou
    implicitamente. Se a ordenação tem a Cristo como fundamento e fim, então esta educação está
    recapitulando tudo em Cristo e é uma verdadeira educação cristã; se não, pode falar de Cristo, mas
    corre o perigo de não ser cristã193.
  17. Deste modo, é produzida uma identificação entre os dois aspectos. Isto significa que não se
    concebe a possibilidade de se anunciar o Evangelho sem que este ilumine, infunda alento e esperança e
    inspire soluções adequadas aos problemas da existência; muito menos que possa se pensar em uma
    verdadeira e plena promoção do ser humano sem abri-lo a Deus e anunciar-lhe Jesus Cristo194
  18. Em suas escolas, a Igreja é chamada a promover uma educação centrada na pessoa humana que é
    capaz de viver na comunidade. Diante do fato de que muitos se encontram excluídos, a Igreja deverá
    estimular uma educação de qualidade para todos, formal e não-formal, especialmente para os mais
    pobres. Uma educação que ofereça ás crianças, aos jovens e aos adultos o encontro com os valores
    culturais do próprio país, descobrindo ou integrando neles a dimensão religiosa e transcendente. Para
    isso, necessitamos de uma pastoral da educação dinâmica e que acompanhe os processos educativos,
    que seja voz, que legitime e salvaguarde a liberdade de educação diante do Estado e o direito a uma
    educação de qualidade para os mais despossuídos.
  19. Deste modo, estamos em condições de afirmar que no projeto educativo da escola católica, Cristo
    o Homem perfeito, é o fundamento em quem todos os valores humanos encontram sua plena realização
    e, a partir daí, sua unidade. Ele revela e promove o sentido novo da existência e a transforma,
    capacitando o homem e a mulher a viverem de maneira divina; ou seja, para pensar, querer e agir
    segundo o Evangelho, fazendo das bem-aventuranças a norma de suas vidas. Precisamente pela
    referência explícita e compartilhada por todos os membros da comunidade escolar, a visão cristã – ainda
    que em grau diverso, e respeitando a liberdade de consciência e religiosa dos não cristãos presentes
    nela – a educação é “católica”, pois os princípios evangélicos se convertem para ela em normas
    educativas, motivações interiores e, ao mesmo tempo, em metas finais. Este é o caráter
    especificamente católico da educação. Jesus Cristo, pois, eleva e enobrece a pessoa humana, dá valor a
    sua existência e constitui o perfeito exemplo de vida. Esta é a melhor notícia, proposta pelos centros de
    formação católica aos jovens195.
  20. Portanto, a meta que a escola católica se propõe com relação às crianças e jovens, é a de conduzir
    ao encontro com Jesus Cristo vivo, Filho do Pai, irmão e amigo, Mestre e Pastor misericordioso,
    esperança, caminho, verdade e vida e, dessa forma, à vivência da aliança com Deus e com os homens.
    Faz isso colaborando na construção da personalidade dos alunos, tendo Cristo como referência no plano
    da mentalidade e da vida. Tal referência, ao se fazer progressivamente explícita e interiorizada,
    ajudará a ver a história com Cristo a vê, a julgar a vida como Ele faz, a escolher e amar como Ele, a
    cultivar a esperança como Ele nos ensina e a viver n’Ele a comunhão com o Pai e o Espírito Santo. Pela
    fecundidade misteriosa desta referência, a pessoa se constrói na unidade existencial, isto é, assume
    suas responsabilidades e procura o significado último de sua vida. Situada na Igreja, comunidade de
    cristãos, ela consegue com liberdade viver intensamente a fé, anunciá-la e celebrá-la com alegria na
    realidade de cada dia. Como conseqüência, amadurecem e parecem co-naturais as atitudes humanas
    que levam a se abrir sinceramente à verdade, a respeitar e amar as outras pessoas, a expressar sua
    própria liberdade na doação de si e no serviço aos demais para a transformação da sociedade.
  21. A Escola católica é chamada a uma profunda renovação. Devemos resgatar a identidade católica de
    nossos centros educativos por meio de um impulso missionário corajoso e audaz, de modo que chegue a
    ser uma opção profética plasmada em uma pastoral da educação participativa. Tais projetos devem
    promover a formação integral da pessoa, tendo seu fundamento em Cristo, com identidade eclesial e
    cultural, e com excelência acadêmica. Além disso, há de gerar solidariedade e caridade para com os
    mais pobres. O acompanhamento dos processos educativos, a participação dos pais de família neles e a
    formação de docentes, são tarefas prioritárias da pastoral educativa.
  22. Propõe-se que nas instituições católicas a educação na fé seja integral e transversal em todo o
    currículo, levando em consideração o processo de formação para encontrar a Cristo e para viver como
    discípulos e missionários e inserindo nela verdadeiros processos de iniciação cristã. Ao mesmo tempo,
    recomenda-se que a comunidade educativa (diretores, mestres, pessoal administrativo, alunos, pais de
    família, etc) enquanto autêntica comunidade eclesial e centro de evangelização, assuma seu papel de
    formadora de discípulos e missionários em todos seus estratos. Que, a partir dali, em comunhão com a
    comunidade cristã que é sua matriz, promova um serviço pastoral no setor em que se insere,
    especialmente aos jovens, à família, na catequese e na promoção humana dos mais pobres. Estes
    objetivos são essenciais nos processos de admissão de alunos, de suas famílias e na contratação dos
    docentes.
  23. Um princípio irrenunciável para a Igreja é a liberdade de ensino. O amplo exercício do direito á
    educação, como condição para sua autêntica realização, reivindica por sua vez, a plena liberdade que
    deve gozar toda pessoa na escolha educação de seus filhos que considere mais adequada aos valores que
    eles mais estimam e que consideram indispensáveis. Pelo fato de haver dado a vida aos filhos, os pais
    assumiram a responsabilidade de oferecer a eles condições favoráveis para seu crescimento e a séria
    obrigação de educá-los. A sociedade precisa reconhecê-los como os primeiros e principais educadores.
    O dever da educação familiar, como primeira escola de virtudes sociais, é de tanta transcendência que,
    quando falta, dificilmente pode ser suprida. Este princípio é irrenunciável196.
  24. Este direito intransferível, que implica uma obrigação e que expressa a liberdade da família na
    esfera da educação por seu significado e alcance precisa ser decididamente garantido pelo Estado. Por
    esta razão, o poder público, a quem compete a proteção e a defesa das liberdades dos cidadãos,
    atendendo à justiça distributiva, deve distribuir as ajudas públicas – que provêm dos impostos de todos
    os cidadãos – de tal maneira que a totalidade dos pais, independente de sua condição social, possam
    escolher, segundo sua consciência, em meio a uma pluralidade de projetos educativos, as escolas
    adequadas para seus filhos. Esse é o valor fundamental e a natureza jurídica que fundamenta a
    subvenção escolar. Portanto, nenhum setor educacional, nem sequer o próprio Estado, tem o privilégio
    e a exclusividade de escolher a escola dos mais pobres, sem com isso infringir importantes direitos.
    Deste modo, respeitam-se direitos naturais da pessoa humana, da convivência pacífica dos cidadãos e do
    progresso de todos.
    6.4.6.2 As universidades e centros superiores de educação católica
  25. Segundo sua própria natureza, a Universidade Católica presta uma importante ajuda à Igreja em
    sua missão evangelizadora. Trata-se de um vital testemunho de ordem institucional de Cristo e de sua
    mensagem, tão necessários e importantes para as culturas impregnadas pelo secularismo. As atividades
    fundamentais de uma universidade católica deverão se vincular e se harmonizar com a missão
    evangelizadora da Igreja. Essa missão se realiza através de uma pesquisa realizada à luz da mensagem
    cristã, que coloque os novos descobrimentos humanos a serviço das pessoas e da sociedade. Dessa forma
    oferece uma formação dada em um contexto de fé, que prepara pessoas capazes de um juízo racional e
    crítico, conscientes da dignidade transcendental da pessoa humana. Isto implica uma formação
    profissional que compreende os valores éticos e a dimensão de serviço às pessoas e à sociedade; o
    diálogo com a cultura, que favorece uma melhor compreensão e transmissão da fé; e a pesquisa
    teológica que ajuda a fé a se expressar em linguagem significativa para estes tempos. Porque é cada vez
    mais consciente de sua missão salvífica neste mundo, a Igreja quer sentir estes centros pertos de si
    mesma e deseja tê-los presentes e operantes na difusão da mensagem autêntica de Cristo197.
  26. As universidades católicas, por conseguinte, terão que desenvolver com fidelidade sua
    especificidade cristã, visto que possuem responsabilidades evangélicas que instituições de outro tipo
    não estão obrigadas a realizar. Entre elas, encontra-se, sobretudo, o diálogo fé e razão, fé e cultura e a
    formação de professores, alunos e pessoal administrativo através da Doutrina Social e Moral da Igreja,
    para que sejam capazes de compromisso solidário com a dignidade humana, de serem solidários com a
    comunidade e de mostrar profeticamente a novidade que representa o cristianismo na vida das
    sociedades latino-americanas e caribenhas. Para isso, é indispensável que se cuide do perfil humano,
    acadêmico e cristão dos que são os principais responsáveis pela pesquisa e docência.
    343.É necessária uma pastoral universitária que acompanhe a vida e o caminhar de todos os membros da
    comunidade universitária, promovendo um encontro pessoal e comprometido com Jesus Cristo e
    múltiplas iniciativas solidárias e missionárias. Também deve-se procurar uma presença próxima e
    dialogante com membros de outras universidades públicas e centros de estudo.
  27. Nas últimas décadas na América Latina e no Caribe observamos o surgimento de diversos Institutos
    de Teologia e Pastoral, orientados para a formação e atualização de agentes de pastoral. Neste
    caminho, tem-se conseguido criar espaços de diálogo, discussão e busca de respostas adequadas aos
    enormes desafios enfrentados pela evangelização no Continente. Ao mesmo tempo, tem sido possível
    formar inumeráveis líderes a serviço das Igrejas locais.
  28. Convidamos a se valorizar a rica reflexão pós-conciliar da Igreja presente na América Latina e no
    Caribe, assim como a reflexão filosófica, teológica e pastoral de nossas Igrejas e de seus centros de
    formação e pesquisa, a fim de fortalecer nossa própria identidade, desenvolver a criatividade pastoral e
    potencializar o nosso. É necessário fomentar o estudo e a pesquisa teológica e pastoral frente aos
    desafios da nova realidade social, plural, diferenciada e globalizada, procurando novas respostas que
    dêem sustentação à fé e à experiência do discipulado dos agentes de pastoral. Sugerimos também uma
    maior utilização dos serviços que oferecem os institutos de formação teológica pastoral existentes,
    promovendo o diálogo entre os mesmos e destinar mais recursos e esforços conjuntos na formação de
    leigos e leigas.
  29. Esta V Conferência agradece o inestimável serviço que diversas instituições de educação católica
    prestam na promoção humana e na evangelização das novas gerações, como sua contribuição à cultura
    de nossos povos e apoio às dioceses, congregações religiosas e organizações de leigos católicos que
    mantêm escolas, universidades, institutos de educação superior e de capacitação não formal, a
    prosseguirem incansavelmente em sua abnegada e insubstituível missão apostólica.
    TERCEIRA PARTE: VIDA DE JESUS CRISTO PARA NOSSOS POVOS
    CAPÍTULO 7
    A MISSÃO DOS DISCÍPULOS A SERVIÇO DA VIDA PLENA
  30. “A Igreja peregrina é missionária por natureza, porque toma sua origem da missão do Filho e do
    Espírito Santo, segundo o desígnio do Pai”198. Por isso, o impulso missionário é fruto necessário à vida
    que a Trindade comunica aos discípulos.
    7.1 Viver e comunicar a vida nova em Cristo a nossos povos
  31. A grande novidade que a Igreja anuncia ao mundo é que Jesus Cristo, o Filho de Deus feito homem,
    a Palavra e a Vida, veio ao mundo para nos fazer “partícipes da natureza divina” (2 Pe 1,4), e para que
    participemos de sua própria vida. É a vida trinitária do Pai, do Filho e do Espírito Santo, a vida eterna.
    Sua missão é manifestar o imenso amor do Pai, que quer que sejamos seus filhos. O anúncio do kerygma
    convida a tomar consciência desse amor vivificador de Deus que nos é oferecido em Cristo morto e
    ressuscitado. Isto é o que primeiro necessitamos anunciar e também escutar, porque a graça tem um
    primado absoluto na vida cristã e na atividade evangelizadora da Igreja: “Pela graça de Deus sou o que
    sou” (1 Cor 15,10).
  32. O chamado de Jesus no Espírito e o anúncio da Igreja apelam sempre à nossa acolhida, confiados
    pela fé. “Aquele que crê em mim tem a vida eterna”. O batismo não só purifica dos pecados. Faz
    renascer o batizado, conferindo-lhe vida nova em Cristo, que o incorpora à comunidade dos discípulos e
    missionários de Cristo, à Igreja, e o faz filho de Deus, permite reconhecer a Cristo como Primogênito e
    Cabeça de toda a humanidade. Sermos humanos implica vivermos fraternalmente e sempre atentos às
    necessidades dos mais fracos.
  33. Nossos povos não querem andar pelas sombras da morte. Têm sede de vida e de felicidade em
    Cristo. Buscam-no como fonte de vida. Desejam essa vida nova em Deus, para a qual o discípulo do
    Senhor nasce pelo batismo e renasce pelo sacramento da reconciliação. Procuram essa vida que se
    fortalece, quando é confirmada pelo Espírito de Jesus e quando o discípulo renova sua aliança de amor
    em Cristo, com o Pai e com os irmãos, em cada celebração eucarística. Acolhendo a Palavra de vida
    eterna e alimentados pelo Pão descido do céu, quer viver a plenitude do amor e conduzir todos ao
    encontro com Aquele que é o Caminho, a Verdade e a Vida.
  34. No entanto, no exercício de nossa liberdade, às vezes recusamos essa vida nova (cf. Jo 5,40) ou não
    perseveramos no caminho (cf. Hb 3,12-14). Com o pecado, optamos por um caminho de morte. Por isso,
    o anúncio de Jesus sempre convoca à conversão, que nos faz participar do triunfo do Ressuscitado e
    inicia um caminho de transformação.
  35. Dos que vivem em Cristo se espera um testemunho muito crível de santidade e de compromisso.
    Desejando e procurando essa santidade não vivemos menos, mas melhor, porque, quando Deus pede
    mais, é porque está oferecendo muito mais: “Não tenham medo de Cristo! Ele não tira nada e nos dá
    tudo!”199.
    7.1.1 Jesus a serviço da vida
  36. Jesus, o Bom Pastor, quer nos comunicar a sua vida e se colocar a serviço da vida. Vemos como ele
    se aproxima do cego no caminho (cf. Mc 10,46-52), quando dignifica a samaritana (cf. Jo 4,7-26),
    quando cura os enfermos (cf. Mt 11,2-6), quando alimenta o povo faminto (cf. Mc 6,30-44), quando
    liberta os endemoninhados (cf. Mc 5,1-20). Em seu Reino de vida Jesus inclui a todos: come e bebe com
    os pecadores (cf. Mc 2,16), sem se importar que o tratem como comilão e bêbado (cf. Mt 11,19); toca
    leprosos (cf. Lc 5,13), deixa que uma prostituta unja seus pés (cf. Lc 7,36-50) e, de noite, recebe
    Nicodemos para convidá-lo a nascer de novo (cf. Jo 3,1-15). Igualmente, convida a seus discípulos à
    reconciliação (cf. Mt 5,24), ao amor pelos inimigos (cf. Mt 5,44) e a optarem pelos mais pobres (cf. Lc
    14,15-24).
  37. Em sua palavra e em todos os sacramentos Jesus nos oferece um alimento para o caminho. A
    Eucaristia é o centro vital do universo, capaz de saciar a fome de vida e de felicidade: “Aquele que
    come de mim, viverá” (Jo 6,57). Nesse banquete feliz participamos da vida eterna e, assim, nossa
    existência cotidiana se converte em uma Missa prolongada. Mas todos os dons de Deus requerem uma
    disposição adequada para que possam produzir frutos de mudança. Especialmente, nos exigem um
    espírito comunitário, que abramos os olhos para reconhecê-lo e servi-lo nos mais pobres: “No mais
    humilde encontramos o próprio Jesus”200. Por isso, São João Crisóstomo exortava: “Querem em verdade
    honrar o corpo de Cristo? Não consintam que esteja nu. Não o honrem no templo com mantos de seda
    enquanto fora o deixam passar frio e nudez”201.
    7.1.2 Várias dimensões da vida em Cristo
  38. Jesus Cristo é a plenitude que eleva a condição humana à condição divina para sua glória: “Eu vim
    para dar vida aos homens e para que a tenham em abundância” (Jo 10,10). Sua amizade não nos exige
    que renunciemos a nossos desejos de plenitude vital, porque Ele ama nossa felicidade também nesta
    terra. Diz o Senhor que Ele criou tudo “para que o desfrutemos” (1 Tm 6,17).
  39. A vida nova de Jesus Cristo atinge o ser humano por inteiro e desenvolve em plenitude a existência
    humana “em sua dimensão pessoal, familiar, social e cultural”202. Para isso, faz falta entrar em um
    processo de mudança que transfigure os vários aspectos da própria vida. Só assim será possível perceber
    que Jesus Cristo é nosso salvador em todos os sentidos da palavra. Só assim manifestaremos que a vida
    em Cristo cura, fortalece e humaniza. Porque “Ele é o Vivente, que caminha a nossa lado,
    manifestando-nos o sentido dos acontecimentos, da dor e da morte, da alegria e da festa”203. A vida
    em Cristo inclui a alegria de comer juntos, o entusiasmo por progredir, a paixão por trabalhar e por
    aprender, a alegria de servir a quem necessite de nós, o contato com a natureza, o entusiasmo dos
    projetos comunitários, o prazer de uma sexualidade vivida segundo o Evangelho e todas as coisas com as
    quais o Pai nos presenteia como sinais de seu amor sincero. Podemos encontrar o Senhor em meio às
    alegrias de nossa limitada existência e, dessa forma, brota uma gratidão sincera.
  40. Mas o consumismo hedonista e individualista, que coloca a vida humana em função de um prazer
    imediato e sem limites, obscurece o sentido da vida e a degrada. A vitalidade que Cristo oferece nos
    convida a ampliar nossos horizontes e a reconhecer que abraçando a cruz cotidiana entramos nas
    dimensões mais profundas da existência. O Senhor que nos convida a valorizar as coisas e a progredir,
    também nos previne sobre a obsessão por acumular: Não amontoem tesouros nesta terra” (Mt 6,19). “de
    que serve ao homem ganhar o mundo, mas perder a sua vida?” (Mt 16,26). Jesus Cristo nos oferece
    muito, inclusive muito mais do que esperamos. À Samaritana, ele dá mais do que a água do poço. À
    multidão faminta ele oferece mais do que o alívio da fome. Entrega-se a si mesmo como a vida em
    abundância. A vida nova em Cristo é participação na vida de amor do Deus Uno e Trino. Começa no
    batismo e chega a sua plenitude na ressurreição final.
    7.1.3 A serviço de uma vida plena para todos
  41. Mas as condições de vida de muitos abandonados, excluídos e ignorados em sua miséria e sua dor,
    contradizem este projeto do Pai e desafiam os cristãos a um maior compromisso a favor da cultura da
    vida. O Reino de vida que Cristo veio trazer é incompatível com essas situações desumanas. Se
    pretendemos fechar os olhos diante destas realidades, não somos defensores da vida do Reino e nos
    situamos no caminho da morte: “Nós sabemos que passamos da morte para a vida porque amamos os
    irmãos. Aquele que não ama, permanece na morte” (1 Jo 3,14). É necessário sublinhar “a inseparável
    relação entre o amor a Deus e o amor ao próximo”204, que “convida a todos a suprimir as graves
    dificuldades sociais e as enormes diferenças no acesso aos bens”205. Tanto a preocupação por
    desenvolver estruturas mais justas como por transmitir os valores sociais do Evangelho situam-se neste
    contexto de serviço fraterno à vida digna.
  42. Descobrimos, dessa forma, uma lei profunda da realidade: a vida só se desenvolve plenamente na
    comunhão fraterna e justa. Porque “Deus, em Cristo, não redime só a pessoa individual, mas também as
    relações sociais entres os seres humanos”206. Diante de diversas situações que manifestam a ruptura
    entre irmãos, compele-nos que a fé católica de nossos povos latino-americanos e caribenhos se
    manifeste em uma vida mais digna para todos. O rico magistério social da Igreja nos indica que não
    podemos conceber uma oferta de vida em Cristo sem um dinamismo de libertação integral, de
    humanização, de reconciliação e de inserção social.
    7.1.4 Uma missão para comunicar vida
  43. A vida se acrescenta dando-a e se enfraquece no isolamento e na comodidade. De fato, os que mais
    desfrutam da vida são os que deixam a segurança da margem e se apaixonam na missão de comunicar
    vida aos demais. O Evangelho nos ajuda a descobrir que um cuidado enfermo da própria vida depõe
    contra a qualidade humana e cristã dessa mesma vida. Vive-se muito melhor quando temos liberdade
    interior para dá-la a todos: “Quem aprecia sua vida terrena, a perderá” (Jo 12,25). Aqui descobrimos
    outra lei profunda da realidade: “ que a vida se alcança e amadurece à medida que se a entrega para
    dar vida aos outros. Isso é, definitivamente, a missão.
  44. O projeto de Jesus é instaurar o Reino de seu Pai. Por isso, pede a seus discípulos: “Proclamem que
    está chegando o Reino dos céus!” (Mt 10,7). Trata-se do Reino da vida. Porque a proposta de Jesus
    Cristo a nossos povos, o conteúdo fundamental desta missão, é a oferta de uma vida plena para todos.
    Por isso, a doutrina, as normas, as orientações éticas e toda a atividade missionária das Igrejas, deve
    deixar transparecer esta atrativa oferta de uma vida mais digna, em Cristo, para cada homem e para
    cada mulher da América Latina e do Caribe.
  45. Assumimos o compromisso de uma grande missão em todo o Continente, que nos exigirá aprofundar
    e enriquecer todas as razões e motivações que permitam converter a cada cristão em um discípulo
    missionário. Necessitamos desenvolver a dimensão missionária da vida de Cristo. A Igreja necessita de
    uma forte comoção que a impeça de se instalar na comodidade, no estancamento e na indiferença, à
    margem do sofrimento dos pobres do Continente. Necessitamos que cada comunidade cristã se
    transforme num poderoso centro de irradiação da vida em Cristo. Esperamos um novo Pentecostes que
    nos livre do cansaço, da desilusão, da acomodação ao ambiente; esperamos uma vinda do Espírito que
    renove nossa alegria e nossa esperança. Por isso, é imperioso assegurar calorosos espaços de oração
    comunitária que alimentem o fogo de um ardor incontido e tornem possível um atrativo testemunho de
    unidade “para que o mundo creia” (Jo 17,21).
  46. A força deste anúncio de vida será fecundo se o fazemos da forma adequada, com as atitudes do
    Mestre, tendo sempre a Eucaristia como fonte e alvo de toda atividade missionária. Invocamos o Espírito
    Santo para poder dar um testemunho de proximidade que entranha proximidade afetuosa, escuta,
    humildade, solidariedade, compaixão, diálogo, reconciliação, compromisso com a justiça social e
    capacidade de compartilhar, como Jesus fez. Ele continua convocando, continua oferecendo
    incessantemente uma vida digna e plena para todos. Nós somos agora, na América Latina e no Caribe,
    seus discípulos e discípulas, chamados a navegar mar adentro para uma pesca abundante. Trata-se de
    sair de nossa consciência isolada e de nos lançarmos com ousadia e confiança à missão de toda a Igreja.
  47. Detemos o olhar em Maria e reconhecemos nela uma imagem perfeita da discípula missionária. Ela
    nos exorta a fazer o que Jesus nos diz (cf. Jo 2,5) para que Ele possa derramar sua vida na América
    Latina e no Caribe. Junto com ela queremos estar atentos uma vez mais à escuta do Mestre, e ao redor
    dela, voltarmos a receber com estremecimento ao mandado missionário de seu filho: “Vão e façam,
    discípulos de todos os povos” (Mt 28,19). Escutamos Jesus como comunidade de discípulos missionários
    que experimentaram o encontro vivo com Ele e queremos compartilhar com os demais essa alegria
    incomparável todos os dias.
    7.2 Conversão pastoral e renovação missionária das comunidades
  48. Esta firme decisão missionária deve impregnar todas as estruturas eclesiais e todos os planos
    pastorais de dioceses, paróquias, comunidades religiosas, movimentos e de qualquer instituição da
    Igreja. Nenhuma comunidade deve se isentar de entrar decididamente, com todas suas forças, nos
    processos constantes de renovação missionária e de abandonar as ultrapassadas estruturas que já não
    favoreçam a transmissão da fé.
  49. A conversão pessoal desperta a capacidade de submeter tudo a serviço da instauração do reino da
    vida. Os bispos, presbíteros, diáconos permanentes, consagrados e consagradas, leigos e leigas, são
    chamados a assumir uma atitude de permanente conversão pastoral, que envolve escutar com atenção
    e discernir “o que o Espírito está dizendo às Igrejas” (Ap 2,29) através dos sinais dos tempos nos quais
    Deus se manifesta.
  50. A pastoral da Igreja não pode prescindir do contexto histórico onde vivem seus membros. Sua vida
    acontece em contextos sócio-culturais bem concretos. Estas transformações sociais e culturais
    representam naturalmente novos desafios para a Igreja em sua missão de construir o Reino de Deus. Em
    fidelidade ao Espírito santo que a conduz, nasce dali a necessidade de uma renovação eclesial, que
    envolve reformas espirituais, pastorais e também institucionais.
  51. A conversão dos pastores nos leva também a viver e promover uma espiritualidade de comunhão e
    participação, “propondo-a como princípio educativo em todos os lugares onde se forma o homem e o
    cristão,, onde se educam os ministros do altar, as pessoas consagradas e os agentes pastorais, onde se
    constroem as famílias e as comunidades”207. A conversão pastoral requer que as comunidades eclesiais
    sejam comunidades de discípulos missionários ao redor de Jesus Cristo, Mestre e Pastor. Dali nasce a
    atitude de abertura, de diálogo e de disponibilidade para promover a co-responsabilidade e
    participação efetiva de todos os fiéis na vida das comunidades cristãs. Hoje, mais do que nunca, o
    testemunho de comunhão eclesial e de santidade são uma urgência pastoral. A programação pastoral há
    de se inspirar no mandamento novo do amor (cf Jo 13,35)208.
  52. Encontramos o modelo paradigmático desta renovação comunitária nas primitivas comunidades
    cristãs (cf. At 2,42-47), que souberam buscar novas formas para evangelizar de acordo com as culturas e
    as circunstâncias. Ao mesmo tempo, motiva-nos a eclesiologia de comunhão do Concílio Vaticano II, o
    caminho sinodal no pós-concílio e as Conferências Gerais anteriores do Episcopado Latino-americano e
    do Caribe. Não esqueçamos que como nos assegura Jesus, “onde estiverem dois ou três reunidos em
    meu nome, ali estarei no meio deles” (Mt 18,20).
  53. A conversão pastoral de nossas comunidades exige que se vá além de uma pastoral de mera
    conservação para uma pastoral decididamente missionária. Assim, será possível que “o único programa
    do Evangelho siga introduzindo-se na história de cada comunidade eclesial”209 com novo ardor
    missionário, fazendo com que a Igreja se manifeste como uma mãe que nos sai ao encontro, uma casa
    acolhedora, uma escola permanente de comunhão missionária.
  54. O projeto pastoral da Diocese, caminho de pastoral orgânica, deve ser uma resposta consciente e
    eficaz para atender as exigências do mundo de hoje com “indicações programáticas concretas, objetivos
    e métodos de trabalho, de formação e valorização dos agentes e da procura dos meios necessários que
    permitam que o anúncio de Cristo chegue às pessoas, modele as comunidades e incida profundamente
    na sociedade e na cultura mediante o testemunho dos valores evangélicos”210. Os leigos devem
    participar do discernimento, da tomada de decisões, do planejamento e da execução211. Este projeto
    diocesano exige um acompanhamento constante por parte do bispo, dos sacerdotes e dos agentes
    pastorais, com uma atitude flexível que lhes permita se manter atentos às exigências da realidade
    sempre mutável.
  55. Levando em consideração as dimensões de nossas paróquias é aconselhável a setorização em
    unidades territoriais menores, com equipes próprias de animação e de coordenação que permitam uma
    maior proximidade com as pessoas e grupos que vivem na região. É recomendável que os agentes
    missionários promovam a criação de comunidades de famílias que fomentem a colocação em comum de
    sua fé cristã e das respostas aos problemas. Reconhecemos como um fenômeno importante de nosso
    tempo o aparecimento e difusão de diversas formas de voluntariado missionário que se ocupam de uma
    pluralidade de serviços. A Igreja apóia as redes e programas de voluntariado nacional e internacional
    que surgiram em muitos países, na esfera das organizações da sociedade civil, para o bem dos mais
    pobres de nosso continente, à luz dos princípios de dignidade, subsidiariedade e solidariedade, em
    conformidade com a Doutrina Social da Igreja. Não se trata só de estratégias para procurar êxitos
    pastorais, mas da fidelidade na imitação do Mestre, sempre próximo, acessível, disponível a todos,
    desejoso de comunicar vida em cada região da terra.
    7.3. Nosso compromisso com a missão ad gentes
  56. Conscientes e agradecidos porque o Pai amou tanto ao mundo que enviou seu Filho para salva-lo
    (cf. Jo 3,16), queremos ser continuadores de sua missão, visto que esta é a razão de ser da Igreja e que
    define sua identidade mais profunda.
  57. Como discípulos missionários, queremos que a influência de Cristo chegue até aos confins da terra.
    Descobrimos a presença do Espírito Santo em terras de missão mediante sinais:
    1) A presença dos valores do Reino de Deus nas culturas, recriando-as a partir de dentro para
    transformar as situações anti-evangélicas.
    2) Os esforços de homens e mulheres que encontram em suas crenças religiosas o impulso para seu
    compromisso histórico.
    3) O nascimento da comunidade eclesial.
    4) O testemunho de pessoas e comunidades que anunciam Jesus Cristo com a santidade de suas vidas.
  58. Sua Santidade Bento XVI confirmou que a missão ad gentes se abre a novas dimensões: “O campo
    da Missão ad gentes tem se ampliado notavelmente e não se pode defini-lo baseando-se só em
    considerações geográficas ou jurídicas. Na verdade, os verdadeiros destinatários da atividade
    missionária do povo de Deus não são só os povos não cristãos e das terras distantes, mas também nos
    campos sócio-culturais e, sobretudo, os corações”212.
  59. Ao mesmo tempo, o mundo espera de nossa Igreja latino-americana e caribenha um compromisso
    mais significativo com a missão universal em todos os Continentes. Para não cair na armadilha de nos
    fechar em nós mesmos, devemos nos formar como discípulos missionários sem fronteiras, dispostos a ir
    “á outra margem”, àquela na qual Cristo não é ainda reconhecido como Deus e Senhor, e a Igreja não
    está presente213.
  60. Os discípulos, que por essência são também missionários em virtude do Batismo e da Confirmação,
    são formados com um coração universal, aberto a todas as culturas e a todas as verdades, cultivando a
    capacidade de contato humano e de diálogo. Estamos dispostos com a coragem que nos dá o Espírito, a
    anunciar a Cristo onde não é aceito, com nossa vida, com nossa ação, com nossa profissão de fé e com
    sua Palavra. Os emigrantes são igualmente discípulos e missionários, e são chamados a ser uma nova
    semente de evangelização, a exemplo de tantos emigrantes e missionários que trouxeram a fé cristã a
    nossa América.
  61. Queremos estimular as Igrejas locais para que apóiem e organizem os centros missionários
    nacionais e atuem em estreita colaboração com as Obras Missionais Pontifícias e outras instâncias
    eclesiais cooperantes, cuja importância e dinamismo para a animação e a cooperação missionária
    reconhecemos e agradecemos de coração. Por ocasião dos cinqüenta anos da encíclica Fidei Donum,
    agradecemos a Deus pelos missionárias e missionárias que vieram ao Continente e aqueles que hoje
    estão presentes nele, dando testemunho do espírito missionário de suas Igrejas locais ao serem enviados
    por elas.
  62. Nosso desejo é que esta V Conferência seja um estímulo para que muitos discípulos de nossas
    Igrejas vão e evangelizem na “outra margem”. A fé se fortalece quando é transmitida e é preciso que
    entremos em nosso continente em uma nova primavera da missão ad gentes. Somos Igrejas pobres, mas
    “devemos dar a partir de nossa pobreza e a partir da alegria de nossa fé”214 e isto sem colocar sobre
    alguns poucos enviados o compromisso que é de toda a comunidade cristã. Nossa capacidade de
    compartilhar nossos dons espirituais, humanos e materiais com outras Igrejas, confirmará a
    autenticidade de nossa nova abertura missionária. Por isso, estimulamos a participação na celebração
    dos congressos missionários.
    CAPÍTULO 8
    O REINO DE DEUS E A PROMOÇÃO DA DIGNIDADE HUMANA
  63. A missão do anúncio da Boa Nova de Jesus Cristo tem uma destinação universal. Seu mandado de
    caridade alcança todas as dimensões da existência, todas as pessoas, todos os ambientes da convivência
    e todos os povos. Nada do humano pode lhe parecer estranho. A Igreja sabe, por revelação de Deus e
    pela experiência humana da fé, que Jesus Cristo é a resposta total, superabundante e satisfatória às
    perguntas humanas sobre a verdade, o sentido da vida e da realidade, a felicidade, a justiça e a beleza.
    São as inquietudes que estão arraigadas no coração de toda pessoa e que pulsam no mais profundo da
    cultura dos povos. Por isso, todo sinal autêntico de verdade, bem e beleza na aventura humana vem de
    Deus e clama por Deus.
    381.Procurando aproximar da vida de Jesus Cristo como resposta aos desejos de nossos povos,
    destacamos a seguir alguns grandes campos de atividade, prioridades e tarefas para a missão dos
    discípulos de Jesus Cristo no hoje da América Latina e do Caribe.
  64. 1 Reino de Deus, justiça social e caridade cristã
  65. “O prazo se cumpriu. O Reino de Deus está chegando. Convertam-se e creiam no Evangelho” (Mc
    1,15). A voz do Senhor continua nos chamando como discípulos missionários e nos desafia a orientar
    toda nossa vida a partir da realidade transformadora do Reino de Deus que se faz presente em Jesus.
    Acolhemos com muita alegria esta boa nova. Deus amor é Pai de todos os homens e mulheres de todos
    os povos e raças. Jesus Cristo é o Reino de Deus que procura demonstrar toda sua força transformadora
    em nossa Igreja e em nossas sociedades. N’Ele, Deus tem nos escolhido para que sejamos seus filhos com
    a mesma origem e destino, com a mesma dignidade, com os mesmos direitos e deveres vividos no
    mandamento supremo do amor. O Espírito colocou este germe do Reino em nosso Batismo e o faz
    crescer pela graça da conversão permanente graças à Palavra de Deus e aos sacramentos.
  66. Sinais evidentes da presença de Deus são: a experiência pessoal e comunitária das bemaventuranças, a evangelização dos pobres, o conhecimento e cumprimento da vontade do Pai, o martírio
    pela fé, o acesso de todos aos bens da criação, o perdão mútuo, sincero e fraterno, aceitando e
    respeitando a riqueza da pluralidade e a luta para não sucumbir à tentação e não ser escravos do mal.
  67. O fato de ser discípulos e missionários de Jesus Cristo para que nossos povos, n’Ele, tenham vida
    leva-nos a assumir evangelicamente e a partir da perspectiva do Reino as tarefas prioritárias que
    contribuem para a dignificação do ser humano e a trabalhar junto com os demais cidadãos e instituições
    para o bem do ser humano. O amor de misericórdia para com todos os que vêem vulnerada sua vida em
    qualquer de suas dimensões, como bem nos mostra o Senhor em todos seus gestos de misericórdia,
    requer que socorramos as necessidades urgentes, ao mesmo tempo que colaboremos com outros
    organismos ou instituições para organizar estruturas mais justas nos âmbitos nacionais e internacionais.
    É urgente criar estruturas que consolidem uma ordem social, econômica e política na qual não haja
    iniqüidade e onde haja possibilidade para todos. Igualmente, requerem-se novas estruturas que
    promovam uma autêntica convivência humana, que impeçam a prepotência de alguns e que facilitem o
    diálogo construtivo para os necessários consensos sociais.
  68. A misericórdia sempre será necessária, mas não deve contribuir para criar círculos viciosos que
    sejam funcionais a um sistema econômico iníquo. Requer-se que as obras de misericórdia estejam
    acompanhadas pela busca de uma verdadeira justiça social, que vá elevando o nível de vida dos
    cidadãos, promovendo-os como sujeitos de seu próprio desenvolvimento. Em sua Encíclica Deus Caritas
    est, o Papa Bento XVI tratou com clareza inspiradora a complexa relação entre justiça e caridade. Ali,
    disse-nos que “a ordem justa da sociedade e do Estado é uma tarefa principal da política” e não da
    Igreja. Mas a Igreja “não pode nem deve colocar-se à margem na luta pela justiça”215. Ela colabora
    purificando a razão de todos aqueles elementos que ofuscam e impedem a realização de uma libertação
    integral. Também é tarefa da Igreja ajudar com a pregação, a catequese, a denúncia e o testemunho do
    amor e da justiça, para que despertem na sociedade as forças espirituais necessárias e se desenvolvam
    os valores sociais. Só assim as estruturas serão realmente mais justas, poderão ser mais eficazes e
    sustentar-se no tempo. Sem valores não há futuro e não haverá estruturas salvadoras, visto que nelas
    sempre subjaz a fragilidade humana.
  69. A Igreja tem como missão própria e específica comunicar a vida de Jesus Cristo a todas as pessoas,
    anunciando a Palavra, administrando os sacramentos e praticando a caridade. É oportuno recordar que o
    amor se mostra nas obras mais do que nas palavras, e isto vale também para nossas palavras nesta V
    Conferência. Nem todo o que diz Senhor, Senhor… (cf. Mt 7,21). Os discípulos missionários de Jesus
    Cristo tem a tarefa prioritária de dar testemunho do amor de Deus e ao próximo com obras concretas.
    Dizia São Alberto Hurtado: “Em nossas obras, nosso povo sabe que compreendemos sua dor”.
    8.2 A dignidade humana
  70. A cultura atual tende a propor estilos de ser e de viver contrários à natureza e a dignidade do ser
    humano. O impacto dominante dos ídolos do poder, da riqueza e do prazer efêmero tem se
    transformado, acima do valor da pessoa, na norma máxima de funcionamento e no critério decisivo na
    organização social. Diante desta realidade, anunciamos, uma vez mais, o valor supremo de cada homem
    e de cada mulher. Na verdade, o Criador, ao colocar tudo o que foi criado a serviço do ser humano,
    manifesta a dignidade da pessoa humana e convida a respeitá-la (cf. Gn 1,26-30).
  71. Proclamamos que todo ser humano existe pura e simplesmente pelo amor de Deus que o criou e
    pelo amor de Deus que o conserva em cada instante. A criação do homem e da mulher a sua imagem e
    semelhança é um acontecimento divino de vida, e sua fonte é o amor fiel do Senhor. Por conseguinte, só
    o Senhor é o autor e o dono da vida, e o ser humano, sua imagem vivente, é sempre consagrado, desde
    sua concepção, em todas as etapas da existência, até sua morte natural e depois da morte. O olhar
    cristão sobre o ser humano permite perceber seu valor que transcende todo o universo: “Deus nos
    mostrou de modo insuperável como ama cada homem, e com isso confere a ele uma dignidade
    infinita”216.
  72. Nossa missão, para que nossos povos tenham vida n’Ele, manifesta nossa convicção de que o
    sentido, a fecundidade e a dignidade da vida humana se encontra no Deus vivo revelado em Jesus. É
    urgente a tarefa de entregar a nossos povos a vida plena e feliz que Jesus nos traz, para que cada
    pessoa humana viva de acordo com a dignidade que Deus lhe deu. Fazemos isso com a consciência de
    que essa dignidade alcançará sua plenitude quando Deus for tudo em todos. Ele é o Senhor da vida e da
    história, vencedor do mistério do mal e acontecimento salvífico que nos faz capazes de emitir um juízo
    verdadeiro sobre a realidade, que salvaguarde a dignidade das pessoas e dos povos.
  73. Nossa fidelidade ao Evangelho, exige que proclamemos a verdade sobre o ser humano e sobre a
    dignidade de toda pessoa humana em todos os espaços públicos e privados do mundo de hoje e a partir
    de todas as instâncias da vida e da missão da Igreja.
    8.3 A opção preferencial pelos pobres e excluídos
  74. Dentro desta ampla preocupação pela dignidade humana, situa-se nossa angústia pelos milhões de
    latino-americanos e latino-americanas que não podem levar uma vida que responda a essa dignidade. A
    opção preferencial pelos pobres é uma das peculiaridades que marca a fisionomia da Igreja latinoamericana e caribenha. De fato, João Paulo II, dirigindo-se a nosso continente, sustentou que
    “converter-se ao Evangelho para o povo cristão que vive na América, significa revisar todos os
    ambientes e dimensões de sua vida, especialmente tudo o que pertence a ordem social e á obtenção do
    bem comum”217.
  75. Nossa fé proclama que “Jesus Cristo é o rosto humano de Deus e o rosto divino do homem”218. Por
    isso, “a opção preferencial pelos pobres está implícita na fé cristológica naquele Deus que se fez pobre
    por nós, para nos enriquecer com sua pobreza”219. Esta opção nasce de nossa fé em Jesus Cristo, o
    Deus feito homem, que se fez nosso irmão (cf. Hb 2,11-12). Ela, no entanto, não é exclusiva, nem
    excludente.
  76. Se esta opção está implícita na fé cristológica, os cristãos, como discípulos e missionários, são
    chamados a contemplar nos rostos sofredores de nossos irmãos, o rosto de Cristo que nos chama a servilo neles: “Os rostos sofredores dos pobres são rostos sofredores de Cristo”220. Eles desafiam o núcleo do
    trabalho da Igreja, da pastoral e de nossas atitudes cristãs. Tudo o que tenha relação com Cristo, tem
    relação com os pobres e tudo o que está relacionado com os pobres reivindica a Jesus Cristo: “Quando
    fizeram a um deste meus irmãos menores, fizeram a mim” (Mt 25,40). João Paulo II destacou que este
    texto bíblico “ilumina o mistério de Cristo”221. Porque em Cristo, o maior se fez menor, o forte se fez
    fraco, o rico se fez pobre.
  77. De nossa fé em Cristo nasce também a solidariedade como atitude permanente de encontro,
    irmandade e serviço. Ela há de se manifestar em opções e gestos visíveis, principalmente na defesa da
    vida e dos direitos dos mais vulneráveis e excluídos, e no permanente acompanhamento em seus
    esforços por serem sujeitos de mudança e de transformação de sua situação. O serviço de caridade da
    Igreja entre os pobres “é um campo de atividade que caracteriza de maneira decisiva a vida cristã, o
    estilo eclesial e a programação pastoral”322.
  78. O Santo Padre nos recorda que a Igreja está convocada a ser “advogada da justiça e defensora dos
    pobres”223 diante das “intoleráveis desigualdades sociais e econômicas”224, que “clamam ao céu”225.
    Temos muito que oferecer, visto que “não há dúvida de que a Doutrina Social da Igreja é capaz de
    despertar esperança em meio às situações mais difíceis, porque se não há esperança para os pobres, não
    haverá para ninguém, nem sequer para os chamados ricos”226. A opção preferencial pelos pobres exige
    que prestemos especial atenção àqueles profissionais católicos que são responsáveis pelas finanças das
    nações, naqueles que fomentam o emprego, nos políticos que devem criar as condições para o
    desenvolvimento econômico dos países, a fim de lhes dar orientações éticas coerentes com sua fé.
  79. Comprometemo-nos a trabalhar para que a nossa Igreja Latino-americana e Caribenha continue
    sendo, com maior afinco, companheira de caminho de nossos irmãos mais pobres, inclusive até o
    martírio. Hoje queremos ratificar e potencializar a opção preferencial pelos pobres feita nas
    Conferências anteriores227. Que sendo preferencial implique que deva atravessar todas nossas
    estruturas e prioridades pastorais. A Igreja Latino-americana é chamada a ser sacramento de amor, de
    solidariedade e de justiça entre nossos povos.
  80. Nesta época costuma acontecer de defendermos de forma demasiada nossos espaços de
    privacidade e lazer, e nos deixemos contagiar facilmente pelo consumismo individualista. Por isso, nossa
    opção pelos pobres corre o risco de ficar em um plano teórico ou meramente emotivo, sem verdadeira
    incidência em nossos comportamentos e em nossas decisões. É necessária uma atitude permanente que
    se manifeste em opções e gestos concretos228, e evite toda atitude paternalista. É solicitado que
    dediquemos tempo aos pobres, prestar a eles uma amável atenção, escutá-los com interesse,
    acompanhá-los nos momentos difíceis, escolhê-los para compartilhar horas, semanas ou anos de nossas
    vidas e, procurando, a partir deles, a transformação de sua situação. Não podemos esquecer que o
    próprio Jesus propôs isso com seu modo de agir e com suas palavras: “Quando deres um banquete,
    convida os pobres, os inválidos, os coxos e os cegos” (Lc 14,13).
  81. Só a proximidade que nos faz amigos nos permite apreciar profundamente os valores dos pobres de
    hoje, seus legítimos desejos e seu modo próprio de viver a fé. A opção pelos pobres deve nos conduzir à
    amizade com os pobres. Dia a dia os pobres se fazem sujeitos da evangelização e da promoção humana
    integral: educam seus filhos na fé, vivem uma constante solidariedade entre parentes e vizinhos,
    procuram constantemente a Deus e dão vida ao peregrinar da Igreja. À luz do Evangelho reconhecemos
    sua imensa dignidade e seu valor sagrado aos olhos de Cristo, pobre como eles e excluído como eles.
    Desta experiência cristã compartilharemos com eles a defesa de seus direitos.
    8.4 Uma renovada pastoral social para a promoção humana integral
  82. Assumindo com nova força esta opção pelos pobres, manifestamos que todo processo evangelizador
    envolve a promoção humana e a autêntica libertação “sem a qual não é possível uma ordem justa na
    sociedade”229. Entendemos, além disso, que a verdadeira promoção humana não pode se reduzir a
    aspectos particulares: “Deve ser integral, isto é, promover a todos os homens e a todo homem”230, a
    partir da vida nova em Cristo que transforma a pessoa de tal maneira que “a faz sujeito de seu próprio
    desenvolvimento”231. Para a Igreja, o serviço da caridade, assim como o anúncio da Palavra e a
    celebração dos sacramentos, “é expressão irrenunciável da própria essência”232.
  83. Portanto, a partir de nossa condição de discípulos e missionários, queremos estimular o Evangelho
    da vida e da solidariedade em nossos planos pastorais, à luz da Doutrina Social da Igreja. Além disso,
    promover caminhos eclesiais mais efetivos, com a preparação e compromisso dos leigos para intervir nos
    assuntos sociais. As palavras de João Paulo II nos enchem de esperança: “Ainda que imperfeito e
    provisório, nada do que se possa realizar mediante o esforço solidário de todos e a graça divina em um
    momento dado da história, para fazer mais humana a vida dos homens, terá sido perdido ou terá sido
    em vão”233
  84. As Conferências Episcopais e as igrejas locais tem a missão de promover renovados esforços para
    fortalecer uma Pastoral Social estruturada, orgânica e integral que, com a assistência e a promoção
    humana234, faça-se presente nas novas realidades de exclusão e de marginalização em que vivem os
    grupos mais vulneráveis, onde a vida está mais ameaçada. No centro dessa ação está cada pessoa, que é
    acolhida e servida com cordialidade cristã. Nesta atividade a favor da vida de nossos povos, a Igreja
    católica apóia a colaboração mútua com outras comunidades cristãs.
  85. A globalização faz emergir em nossos povos, novos rostos pobres. Com especial atenção e em
    continuidade com a Conferências Gerais anteriores, fixamos nosso olhar nos rostos dos novos excluídos:
    os migrantes, as vítimas da violência, os deslocados e refugiados, as vítimas do tráfico de pessoas e
    seqüestros, os desaparecidos, os enfermos de HIV e de enfermidades endêmicas, os toxico-dependentes,
    idosos, meninos e meninas que são vítimas da prostituição, pornografia e violência ou do trabalho
    infantil, mulheres maltratadas, vítimas da violência, da exclusão e do tráfico para a exploração sexual,
    pessoas com capacidades diferentes, grandes grupos de desempregados (as), os excluídos pelo
    analfabetismo tecnológico, as pessoas que vivem na rua das grandes cidades, os indígenas e afroamericanos, agricultores sem terra e os mineiros. A Igreja, com sua Pastoral Social, deve dar acolhida e
    acompanhar esta pessoas excluídas nas esferas a que correspondam.
  86. Nesta tarefa e com criatividade pastoral, devem-se elaborar ações concretas que tenham
    incidência nos Estados para a aprovação de políticas sociais e econômicas que atendam as várias
    necessidades da população e que conduzam para um desenvolvimento sustentável. Com a ajuda de
    diferentes instâncias e organizações, a Igreja pode fazer uma permanente leitura cristã e uma
    aproximação pastoral à realidade de nosso continente, aproveitando o rico patrimônio da Doutrina
    Social da Igreja. Desta maneira, terá elementos concretos para exigir daqueles que têm a
    responsabilidade de elaborar e aprovar as políticas que afetam nossos povos, que o façam a partir de
    uma perspectiva ética, solidária e autenticamente humanista. Nesse aspecto os leigos e as leigas
    possuem um papel fundamental, assumindo tarefas pertinentes na sociedade.
  87. Estimulamos os empresários que dirigem as grandes e médias empresas e aos microempresários, os
    agentes econômicos da gestão produtiva e comercial, tanto da ordem privada quanto comunitária, por
    serem criadores de riqueza em nossas nações, quando se esforçam em gerar emprego digno, em facilitar
    a democracia e em promover a aspiração a uma sociedade mais justa e a uma convivência cidadã com
    bem-estar e em paz. Igualmente estimulamos os que não investem seu capital em ação especulativas
    mas em criar fontes de trabalho, preocupando-se com os trabalhadores, considerando-os ‘a eles e a suas
    famílias’ a maior riqueza da empresa, que, como cristãos, vivem modestamente por terem feito da
    austeridade um valor inestimável, que colaboram com os governos na preocupação e conquista do bem
    comum e se forem pródigos em obras de solidariedade e de misericórdia.
  88. Por fim, não podemos nos esquecer que a maior pobreza é a de não reconhecer a presença do
    mistério de Deus e de seu amor na vida do homem e seu amor, que é o único que verdadeiramente salva
    e liberta. Na verdade, “quem exclui a Deus de seu horizonte falsifica o conceito de realidade e,
    conseqüentemente, só pode terminar em caminhos equivocados e com receitas destrutivas235. A
    verdade desta afirmação parece evidente diante do fracasso de todos os sistemas que colocam Deus
    entre parêntesis.
    8.5 Globalização da solidariedade e justiça internacional
  89. A Igreja na América Latina e no Caribe sente que tem uma responsabilidade em formar cristãos e
    sensibilizá-los a respeito das grandes questões da justiça internacional. Por isso, tanto os pastores como
    os construtores da sociedade têm que estar atentos aos debates e normas internacionais sobre a
    matéria. Isto é especialmente importante para os leigos que assumem responsabilidades públicas,
    solidários com a vida dos povos. Por isso, propomos o seguinte:
    a). Apoiar a participação da sociedade civil para a re-orientação e conseqüente reabilitação ética da
    política. Por isso, são muito importantes os espaços de participação da sociedade civil para a vigência
    da democracia, uma verdadeira economia solidária e um desenvolvimento integral, solidário e
    sustentável.
    b). Formar na ética cristã que estabelece como desafio a conquista do bem comum a criação de
    oportunidades para todos, a luta contra a corrupção, a vigência dos direitos do trabalho e sindicais; é
    necessário colocar como prioridade a criação de oportunidades econômicas para setores da população
    tradicionalmente marginalizados, como as mulheres e os jovens, a partir do reconhecimento de sua
    dignidade. Por isso, é necessário trabalhar por uma cultura da responsabilidade em todo nível que
    envolva pessoas, empresas, governos e o próprio sistema internacional.
    c). Trabalhar pelo bem comum global é promover uma justa regulação da economia, das finanças e do
    comércio mundial. É urgente prosseguir no desendividamento externo para favorecer os investimentos
    em desenvolvimento e gasto social236, prever regulações globais para prevenir e controlar os
    movimentos especulativos de capitais, para a promoção de um comércio justo e a diminuição das
    barreiras protecionistas dos poderosos, para assegurar preços adequados das matérias primas que os
    países empobrecidos produzem e de normas justas para atrair e regular os investimentos e serviços
    entre outros.
    d). Examinar atentamente os Tratados inter-governamentais e outras negociações a respeito do livre
    comércio. A Igreja do país latino-americano envolvido, à luz de um balanço de todos os fatores que
    estão em jogo, precisa encontrar os caminhos mais eficazes para alertar os responsáveis políticos e a
    opinião pública a respeito das eventuais conseqüências negativas que podem afetar os setores mais
    desprotegidos e vulneráveis da população.
    e). Chamar todos os homens e mulheres de boa vontade a colocarem em prática princípios fundamentais
    como o bem comum (a casa é de todos), a subsidiariedade, a solidariedade intergeracional e
    intrageracional.
    8.6 Rostos sofredores que doem em nós
    8.6.1 Pessoas que vivem na rua nas grandes cidades
  90. Nas grandes cidades é cada vez maior o número das pessoas que vivem na rua. Requerem cuidado
    especial, atenção e trabalho de promoção humana por parte da Igreja, de tal modo que enquanto selhes proporciona ajuda no necessário para a vida, que também sejam incluídos em projetos de
    participação e promoção nos quais eles próprios sejam sujeitos de sua re-inserção social.
  91. Queremos chamar a atenção dos governos locais e nacionais para que elaborem políticas que
    favoreçam a atenção a estes seres humanos, assim como atendam as causas que produzem este flagelo
    que afeta milhões de pessoas em toda nossa América Latina e no Caribe.
  92. A opção preferencial pelos pobres nos impulsiona, como discípulos e missionários de Jesus, a
    procurar caminhos novos e criativos a fim de responder a outros efeitos da pobreza. A situação precária
    e a violência familiar com freqüência obrigam muitos meninos e meninas a procurarem recursos
    econômicos na rua para sua sobrevivência pessoal e familiar, expondo-se também a graves riscos morais
    e humanos.
  93. É dever social do Estado criar uma política inclusiva das pessoas da rua. Nunca se aceitará como
    solução a esta grave problemática social a violência e inclusive o assassinato dos meninos e jovens da
    rua, como tem sucedido lamentavelmente em alguns países de nosso continente.
    8.6.2 Migrantes
  94. É expressão de caridade, também eclesial, o acompanhamento pastoral dos migrantes. Há milhões
    de pessoas que por diferentes motivos estão em constante mobilidade. Na América Latina e Caribe os
    emigrantes, deslocados e refugiados sobretudo por causas econômicas, políticas e de violência
    constituem um fato novo e dramático.
  95. A Igreja, como Mãe, deve se sentir como Igreja sem fronteiras, Igreja familiar, atenta ao fenômeno
    crescente da mobilidade humana em seus diversos setores. Considera indispensável o desenvolvimento
    de uma mentalidade e uma espiritualidade a serviço pastoral dos irmãos em mobilidade, estabelecendo
    estruturas nacionais e diocesanas apropriadas, que facilitem o encontro do estrangeiro com a Igreja
    local de acolhida. As Conferências Episcopais e as Dioceses devem assumir profeticamente esta pastoral
    específica com a dinâmica de unir critérios e ações que favoreçam uma permanente atenção também
    aos migrantes, que devem chegar a ser também discípulos e missionários.
  96. Para conseguir este objetivo, faz-se necessário reforçar o diálogo e a cooperação de saída e de
    acolhida entre as Igrejas, a fim de dar uma atenção comunitária e pastoral aos que estão em
    mobilidade, apoiando-os em sua religiosidade e valorizando suas expressões culturais em tudo aquilo
    que se refira ao Evangelho. É necessário, que nos Seminários e Casas de formação se tome consciência
    sobre a realidade da mobilidade humana, para dar a esse fenômeno uma resposta pastoral. Também se
    requer a preparação de leigos que com sentido cristão, profissionalismo e capacidade de compreensão,
    possam acompanhar aqueles que chegam, como também as famílias que deixam nos lugares de
    saída237. Cremos que “a realidade das migrações não deve nunca ser vista só como um problema, mas
    também e sobretudo, como um grande recurso para o caminho da humanidade”238.
  97. Entre as tarefas da Igreja a favor dos migrantes está indubitavelmente a denúncia profética dos
    atropelos que sofrem freqüentemente, como também o esforço por incidir, junto aos organismos da
    sociedade civil, nos governos dos países, para conseguir uma política migratória que leve em
    consideração os direitos das pessoas em mobilidade. Deve ter presente também os deslocados pela
    violência. Nos países açoitados pela violência se requer a ação pastoral para acompanhar as vítimas e
    oferecer-lhes acolhida e capacitá-los para que possam viver de seu trabalho. Ao mesmo tempo, deverá
    aprofundar seu esforço pastoral e teológico para promover uma cidadania universal na qual não haja
    distinção de pessoas.
  98. Os migrantes devem ser acompanhados pastoralmente por suas Igrejas de origem e estimulados a
    se fazer discípulos e missionários nas terras e comunidades que os acolhem, compartilhando com eles as
    riquezas de sua fé e de suas tradições religiosas. Os migrantes que partem de nossas comunidades
    podem oferecer uma valiosa contribuição missionária às comunidades que os acolhem.
  99. As generosas remessas enviadas pelos imigrantes latino-americanos a partir dos Estados Unidos,
    Canadá, países europeus e outros, evidencia sua capacidade de sacrifício e amor solidário a favor das
    próprias famílias e pátrias de origem. É, geralmente, ajuda dos pobres para os pobres.
    8.6.3 Enfermos
  100. A Igreja tem feito uma opção pela vida. Esta nos projeta necessariamente para as periferias mais
    profundas da existência: o nascer e o morrer, a criança e o idoso, o são e o enfermo. São Irineu nos diz
    que “a glória de Deus é o homem vivo”, inclusive o fraco, o recém-nascido, o envelhecido pelos anos e o
    enfermo. Cristo enviou seus apóstolos a pregar o Reino de Deus e a curar os enfermos, verdadeiras
    catedrais do encontro com o Senhor Jesus.
  101. Desde o início da evangelização este duplo mandado tem sido cumprido. O combate à enfermidade
    tem como finalidade conseguir a harmonia física, psíquica, social e espiritual para o cumprimento da
    missão recebida. A Pastoral da Saúde é a resposta às grandes interrogações da vida, como são o
    sofrimento e a morte, à luz da morte e da ressurreição do Senhor.
  102. A saúde é um tema que move grandes interesses no mundo, mas não proporcionam uma finalidade
    que a transcenda. Na cultura atual a morte não cabe e, diante de sua realidade, trata-se de oculta-la.
    Abrindo a sua dimensão espiritual e transcendente, a Pastoral da Saúde se transforma no anúncio da
    morte e ressurreição do Senhor, única e verdadeira saúde. Ela unifica na economia sacramental de
    Cristo o amor de muitos “bons samaritanos”, presbíteros, diáconos, religiosas, leigos e profissionais da
    saúde. As 32.116 instituições católicas dedicadas à Pastoral da Saúde na América Latina representam um
    recurso para a evangelização que se deve aproveitar.
  103. A maternidade da Igreja se manifesta nas visitas aos enfermos nos centros de saúde, na companhia
    silenciosa ao enfermo, no carinhoso trato, na delicada atenção às necessidades da enfermidade, através
    dos profissionais e voluntários discípulos do Senhor. Ela abriga com sua ternura, fortalece o coração e,
    no caso do moribundo, acompanha-o no trânsito definitivo. O enfermo recebe com amor a Palavra, o
    perdão, o Sacramento da Unção e os gestos de caridade dos irmãos. O sofrimento humano é uma
    experiência especial da cruz e da ressurreição do Senhor.
  104. Deve-se, portanto, estimular nas Igrejas locais a Pastoral da Saúde que inclua diferentes campos de
    atenção. Consideramos de grande prioridade fomentar uma pastoral com pessoas que vivem com o HIV –
    Aids, em seu amplo contexto e em seus significados pastorais: que promova o acompanhamento
    compreensivo, misericordioso e a defesa dos direitos das pessoas infectadas; que implemente a
    informação, promova a educação e a prevenção, com critérios éticos, principalmente entre as novas
    gerações para que desperte a consciência de todos para conter a pandemia. A partir desta V
    Conferência pedimos aos governos o acesso gratuito e universal aos medicamentos para a Aids e a doses
    oportunas.
    8.6.4 Dependentes de drogas
  105. O problema da droga é como uma mancha de óleo que invade tudo. Não reconhece fronteiras, nem
    geográficas, nem humanas. Ataca igualmente a países ricos quanto pobres, a crianças, jovens, adultos e
    idosos, a homens e mulheres. A Igreja não pode permanecer indiferente diante deste flagelo que está
    destruindo a humanidade, especialmente as novas gerações. Sua tarefa deve ser direcionada em três
    direções: prevenção, acompanhamento e apoio das políticas governamentais para reprimir esta
    pandemia. Na prevenção, insiste na educação nos valores que devem conduzir às novas gerações,
    especialmente o valor da vida e do amor, a própria responsabilidade e a dignidade dos filhos de Deus.
    No acompanhamento, a Igreja está ao lado do dependente para ajudá-lo a recuperar sua dignidade e
    vencer esta enfermidade. No apoio à erradicação da droga, não deixa de denunciar a criminalidade sem
    nome dos narco-traficantes que comercializam com tantas vidas humanas, tendo como objetivo o lucro
    e a força em suas mais baixas expressões.
  106. Na América Latina e no Caribe, a Igreja deve promover uma luta frontal contra o consumo e tráfico
    de drogas, insistindo no valor da ação preventiva e reeducativa, assim como apoiando os governos e
    entidades civis que trabalham neste sentido, exortando o estado em sua responsabilidade de combater o
    narcotráfico e prevenir o uso de todo tipo de droga. A ciência tem indicado a religiosidade como um
    fator de proteção e recuperação importante para o usuário de drogas.
  107. Denunciamos que a comercialização da droga se tornou algo cotidiano em alguns de nossos países
    devido aos enormes interesses econômicos ao redor dela. Conseqüência disso é o grande número de
    pessoas, em sua maioria crianças e jovens, que agora se encontram escravizados e vivendo em situações
    muito precárias, que recorrem a droga para acalmar sua fome ou para escapar da cruel e desesperadora
    realidade em que vivem239.
  108. É responsabilidade do Estado combater com firmeza e com base legal, a comercialização
    indiscriminada da droga e o consumo ilegal da mesma. Lamentavelmente, a corrupção também se faz
    presente nesta esfera, e aqueles que deveriam estar na defesa de uma vida mais digna, às vezes fazem
    uso ilegítimo de suas funções para se beneficiar economicamente.
  109. Estimulamos todos os esforços que se realizam a partir do Estado, da sociedade civil e das Igrejas
    em acompanhar estas pessoas. A Igreja Católica tem muitas obras que respondem a esta problemática a
    partir do nosso ser discípulos e missionários de Jesus, ainda que não de maneira suficiente diante da
    magnitude do problema; são experiências que reconciliam os dependentes com a terra, com o trabalho,
    com a família e com Deus. Merecem especial atenção, neste sentido, as Comunidades terapêuticas, por
    sua visão humanística e transcendente da pessoa.
    8.6.5 Detido em prisões
  110. Uma realidade que golpeia a todos os setores da população, mas principalmente o mais pobre, é a
    violência produto das injustiças e outros males que durante longos anos está sendo semeado nas
    comunidades. Isto induz a uma maior criminalidade e, por fim, a que sejam muitas as pessoas que tem
    que cumprir penas em recintos penitenciários desumanos, caracterizados pelo comércio de armas,
    drogas, aglomeração, torturas, ausência de programas de reabilitação, crime organizado que impede um
    processo de reeducação e de inserção na vida produtiva da sociedade. No momento atual, os cárceres
    são com freqüência, lamentavelmente, escolas para aprender a delinqüir.
  111. É necessário que os Estados considerem com seriedade e verdade a situação do sistema de justiça e
    a realidade carcerária. É necessário uma maior agilidade nos procedimentos judiciais, uma atenção
    personalizada da pessoa civil e militar que, em condições muito difíceis, trabalha nos recintos
    penitenciários, e o reforço da formação ética e dos valores correspondentes.
  112. A Igreja agradece aos capelães e voluntários que, com grande entrega pastoral, trabalham nos
    recintos carcerários. Contudo, deve-se fortalecer a pastoral penitenciária, onde se incluam a tarefa
    evangelizadora e de promoção humana por parte dos capelães e do voluntariado carcerário. Têm
    prioridade as equipes de Direitos Humanos que garantem o devido processo aos privados de liberdade e
    uma atenção muito próxima à família dos presos.
  113. Recomenda-se às Conferências Episcopais e Dioceses fomentar as comissões de pastoral
    penitenciária, que sensibilizem a sociedade sobre a grave problemática carcerária, estimulem processos
    de reconciliação dentro do recinto penitenciário e incidam nas políticas locais e nacionais no que se
    refere à segurança cidadã e à problemática penitenciária.
    CAPÍTULO 9
    FAMÍLIA, PESSOAS E VIDA
  114. Não podemos nos deter aqui para analisar todas as questões que integram a atividade pastoral da
    Igreja, nem podemos propor projetos acabados ou linhas de ação exaustivas. Só nos deteremos a fim de
    mencionar algumas questões que alcançaram particular relevância nos últimos tempos, para que,
    posteriormente, as Conferências Episcopais e outros organismos locais avancem em considerações mais
    amplas, concretas e adaptadas às necessidades do próprio território.
    9.1 O matrimônio e a família
  115. A família é um dos tesouros mais importantes dos povos latino-americanos e caribenhos e é
    patrimônio da humanidade inteira. Em nossos países, uma parte importante da população está afetada
    por difíceis condições de vida que ameaçam diretamente a instituição familiar. Em nossa condição de
    discípulos e missionários de Jesus Cristo somos chamados a trabalhar para que esta situação seja
    transformada e a família assuma seu ser e sua missão240 no âmbito da sociedade e da Igreja241.
  116. A família cristã está fundada no sacramento do matrimônio entre um homem e uma mulher, sinal
    do amor de Deus pela humanidade e da entrega de Cristo por sua esposa, a Igreja. A partir desta aliança
    se manifestam a paternidade e a maternidade, a filiação e a fraternidade e o compromisso dos dois por
    uma sociedade melhor.
  117. Cremos que “a família é imagem de Deus que, em seu mistério mais íntimo não é uma solidão, mas
    uma família”242. Na comunhão de amor das três Pessoas divinas, nossas famílias tem sua origem, seu
    modelo perfeito, sua motivação mais bela e seu último destino.
  118. Visto que a família é o valor mais querido por nossos povos, cremos que se deve assumir a
    preocupação por ela como um dos eixos transversais de toda ação evangelizadora da Igreja. Em toda
    diocese se requer uma pastoral familiar “intensa e vigorosa”243 para proclamar o evangelho da família,
    promover a cultura da vida e trabalhar para que os direitos das famílias sejam reconhecidos e
    respeitados.
  119. Esperamos que os legisladores, governantes e profissionais da saúde, conscientes da dignidade da
    vida humana e do fundamento da família em nossos povos, defendam-na e protejam-na dos crimes
    abomináveis do aborto e da eutanásia; esta é sua responsabilidade. Por isso, diante de leis e disposições
    governamentais que são injustas à luz da fé e da razão, deve-se favorecer a objeção de consciência.
    Devemos nos ater à “coerência eucarística”, isto é, ser conscientes de que não podem receber a sagrada
    comunhão e ao mesmo tempo agir com atos ou palavras contra os mandamentos, em particular quando
    se propicia o aborto, a eutanásia e outros graves delitos contra a vida e a família. Esta responsabilidade
    pesa de maneira particular sobre os legisladores, governantes e os profissionais da saúde244.
  120. Para tutelar e apoiar a família, a pastoral familiar pode estimular, entre outras, as seguintes ações:
    a) Comprometer de uma maneira integral e orgânica ás outras pastorais, os movimentos e associações
    matrimoniais e familiares a favor das famílias.
    b) Estimular projetos que promovam famílias evangelizadas e evangelizadoras.
    c) Renovar a preparação remota e próxima para o sacramento do matrimônio e da vida familiar com
    itinerários pedagógicos de fé245.
    d) Promover, em diálogo com os governos e a sociedade, políticas e leis a favor da vida, do matrimônio
    e da família246.
    e) Estimular e promover a educação integral dos membros da família, especialmente daqueles membros
    da família que estão em situações difíceis, incluindo a dimensão do amor e da sexualidade247.
    f) Estimular centros paroquiais e diocesanos com uma pastoral de atenção integral à família,
    especialmente aquelas que estão em situações difíceis: mães adolescentes e solteiras, viúvas e viúvos,
    pessoas da terceira idade, crianças abandonadas, etc.
    g) Estabelecer programas de formação, atenção e acompanhamento para a paternidade e a maternidade
    responsáveis.
    h) Estudar as causas das crises familiares para encará-las em todos os seus fatores.
    i) Continuar oferecendo formação permanente, doutrinal e pedagógica para os agentes de pastoral
    familiar.
    j) Acompanhar com cuidado, prudência e amor compassivo, seguindo as orientações do Magistério248, os
    casais que vivem em situação irregular, conscientes que os divorciados e casados novamente não são
    permitidos comungar249. Requerem-se mediações para que a mensagem de salvação chegue a todos. É
    urgente estimular ações eclesiais, com um trabalho interdisciplinar de teologia e ciências humanas, que
    ilumine a pastoral e a preparação de agentes especializados para o acompanhamento destes irmãos.
    k) Diante das petições de nulidade matrimonial, fazer com que os Tribunais eclesiásticos sejam
    acessíveis e tenham uma correta e rápida atuação250.
    l) Ajudar a criar possibilidades para que os meninos e meninas órfãos e abandonados consigam, pela
    caridade cristã, condições de acolhida e adoção e possam viver em família.
    m) Organizar casas de acolhida e um acompanhamento específico para socorrer com compaixão e
    solidariedade ás meninas e adolescentes grávidas, ás mães “solteiras”, os lares incompletos.
    n) Ter presente que a Palavra de Deus, tanto no Antigo quanto no Novo Testamento, solicita-nos uma
    atenção especial em relação às viúvas. Procurar uma maneira para que elas recebam uma pastoral que
    as ajude a enfrentar esta situação, muitas vezes de desamparo e de solidão.
    9.2 As crianças
  121. A infância, hoje em dia, deve ser destinatária de uma ação prioritária da Igreja, da família e das
    instituições do Estado, tanto pelas possibilidades que oferece como pela vulnerabilidade a que se
    encontra exposta. As crianças são dom e sinal da presença de Deus em nosso mundo por sua capacidade
    de aceitar com simplicidade mensagem evangélica. Jesus os escolheu com especial ternura (cf. Mt
    19,14), e apresentou sua capacidade de acolher o Evangelho como modelo parar entrar no Reino de
    Deus (cf. Mc 10,14; Mt 18,3).
  122. Vemos com dor a situação de pobreza, de violência intra-familiar (sobretudo em famílias
    irregulares ou desintegradas), de abuso sexual, pela qual passa um bom número de nossas crianças: os
    setores de infância trabalhadora, crianças de rua, crianças portadora de HIV, órfãos, soldados, e
    crianças enganadas e expostas à pornografia e prostituição forçada, tanto virtual quanto real.
    Sobretudo, a primeira infância (0 a 6 anos) requer um cuidado e atenção especiais. Não se pode
    permanecer indiferente diante do sofrimento de tantas crianças inocentes.
  123. Por outro lado, a infância, ao ser a primeira etapa da vida do recém-nascido, constitui uma ocasião
    maravilhosa para a transmissão da fé. Vemos com gratidão a valiosa ação de tantas instituições a serviço
    da infância.
  124. A esse respeito, propomos algumas orientações pastorais:
    a) Inspirar-se na atitude de Jesus para com as crianças, de respeito e acolhida como os prediletos do
    Reino, atendendo a sua formação integral. De importância para toda sua vida é o exemplo de oração de
    seus pais e avós, que têm a missão de ensinar a seus filhos e netos as primeiras orações.
    b) Estabelecer, onde não existam, O Departamento ou Seção da Infância para desenvolver ações
    pontuais e orgânicas a favor dos meninos e meninas.
    c) Promover processos de reconhecimento da infância como um setor decisivo de especial cuidado por
    parte da Igreja, da Sociedade e do Estado.
    d) Tutelar a dignidade e os direitos naturais inalienáveis dos meninos e das meninas, sem prejuízo dos
    legítimos direitos dos pais. Cuidar para que os meninos recebam a educação adequada a sua faixa etária
    no âmbito da solidariedade, da afetividade e da sexualidade humana.
    e) Apoiar as experiências pastorais de atenção à primeira infância.
    f) Estudar e considerar as pedagogias adequadas para a educação na fé das crianças, especialmente em
    tudo aquilo relacionado à iniciação cristã, privilegiando o momento da primeira comunhão.
    g) Valorizar a capacidade missionária dos meninos e das meninas, que não só evangelizam seus próprios
    companheiros, mas que também podem ser evangelizadores de seus próprios pais.
    h) Promover e difundir processos permanentes de pesquisa sobre a infância, que façam sustentável,
    tanto o reconhecimento de seu cuidado, como as iniciativas a favor da defesa e de sua promoção
    integral.
    i) Fomentar a instituição da Infância Missionária.
    9.3 Os adolescentes e jovens
  125. Merece especial atenção a etapa da adolescência. Os adolescentes não são crianças nem são
    jovens. Estão na idade da procura de sua própria identidade, de independência frente a seus pais, de
    descoberta do grupo. Nesta idade, facilmente podem ser vítimas de falsos líderes constituindo grupos. É
    necessário estimular a pastoral dos adolescentes, com suas próprias características, que garanta sua
    perseverança e o crescimento na fé. O adolescente procura uma experiência de amizade com Jesus.
  126. Os jovens e adolescentes constituem a grande maioria da população da América latina e do Caribe.
    Representam um enorme potencial para o presente e futuro da Igreja e de nossos povos como discípulos
    e missionários do Senhor Jesus. Os jovens são sensíveis para descobrir sua vocação a ser amigos e
    discípulos de Cristo. São chamados a ser “sentinelas da manhã251”, comprometendo-se na renovação do
    mundo à luz do Plano de Deus. Não temem o sacrifício nem a entrega da própria vida, mas sim uma vida
    sem sentido. Por sua generosidade, são chamados a servir a seus irmãos, especialmente aos mais
    necessitados, com todo seu tempo e sua vida. Tem capacidade para se opor às falsas ilusões de
    felicidade e aos paraísos enganosos das drogas, do prazer, do álcool e de todas as formas de violência.
    Em sua procura pelo sentido da vida, são capazes e sensíveis para descobrir o chamado particular que o
    Senhor Jesus lhes faz. Como discípulos missionários, as novas gerações são chamadas a transmitir a seus
    irmãos jovens, sem distinção alguma, a corrente de vida que procede de Cristo e a compartilhá-la em
    comunidade, construindo a Igreja e a sociedade.
  127. Por outro lado, constatamos com preocupação que inumeráveis jovens do nosso continente passam
    por situações que os afetam significativamente: as seqüelas da pobreza, que limitam o crescimento
    harmônico de suas vidas e geram exclusão; a socialização cuja transmissão de valores já não acontece
    primariamente nas instituições tradicionais, mas em novos ambientes não isentos de uma forte carga de
    alienação; e sua permeabilidade às formas novas de expressões culturais, produto da globalização, que
    afeta sua própria identidade pessoal e social. São presa fácil das novas propostas religiosas e pseudoreligiosas. As crises, pelas quais passa a família hoje em dia, produz profundas carências afetivas e
    conflitos emocionais.
  128. Estão muito afetados por uma educação de baixa qualidade, que os deixa por baixo dos níveis
    necessários de competitividade, somado aos enfoques antropológicos reducionistas, que limitam seus
    horizontes de vida e dificultam a tomada de decisões duradouras. Vê-se ausência de jovens na esfera
    política devido á desconfiança que geram as situações de corrupção, o desprestígio dos políticos e a
    procura de interesses pessoais frente ao bem comum. Constata-se com preocupação suicídios de jovens.
    Outros não tem possibilidades de estudar ou trabalhar e muitos deixam seus países por não encontrar
    neles um futuro, dando assim ao fenômeno da mobilidade humana e da migração um rosto juvenil.
    Preocupa também o uso indiscriminado e abusivo que muitos jovens fazem da comunicação virtual.
  129. Diante destes desafios sugerimos algumas linhas de ação:
    a) Renovar, em estreita união com a família, de maneira eficaz e realista, a opção preferencial pelos
    jovens, em continuidade com as Conferências Gerais anteriores, dando novo impulso à Pastoral da
    Juventude nas comunidades eclesiais (dioceses, paróquias, movimentos, etc).
    b) Estimular os Movimentos eclesiais que tem uma pedagogia orientada à evangelização dos jovens e
    convidá-los a colocar mais generosamente suas riquezas carismáticas, educativas e missionárias a
    serviço das Igrejas locais.
    c) Propor aos jovens o encontro com Jesus Cristo vivo e seu seguimento na Igreja, à luz do Plano de
    Deus, que garanta a realização plena de sua dignidade de ser humano, que estimule-os a formar sua
    personalidade e que proponha a eles uma opção vocacional específica: o sacerdócio, a vida consagrada
    ou o matrimônio. Durante o processo de acompanhamento vocacional, irá aos poucos introduzindo
    gradualmente os jovens na oração pessoal e na lectio divina, na freqüência aos sacramentos da
    Eucaristia e da Reconciliação, da direção espiritual e do apostolado.
    d) Privilegiar na Pastoral da Juventude processos de educação e amadurecimento na fé como resposta
    de sentido e orientação da vida e garantia de compromisso missionário. De maneira especial, buscar-seá implementar uma catequese atrativa para os jovens que os introduza no conhecimento do mistério de
    Cristo, buscando mostrar a eles a beleza da Eucaristia dominical que os leve a descobrir nela Cristo vivo
    e o mistério fascinante da Igreja.
    e) A pastoral da Juventude ajudará os jovens a se formar de maneira gradual, para a ação social e
    política e a mudança de estruturas, conforme a Doutrina Social da Igreja, fazendo própria a opção
    preferencial e evangélica pelos pobres e necessitados.
    f) É imperativa a capacitação dos jovens para que tenham oportunidades no mundo do trabalho e evitar
    que caiam na droga e na violência.
    g) Nas metodologias pastorais, procurar uma maior sintonia entre o mundo adulto e o mundo dos jovens.
    h) Assegurar a participação dos jovens em peregrinações, nas Jornadas nacionais e mundiais da
    Juventude, com a devida preparação espiritual e missionária e com a companhia de seus pastores.
    9.4 O bem-estar dos idosos
  130. O acontecimento da apresentação no templo (cf. Lc 2,41-50) coloca-nos diante do encontro das
    gerações: as crianças e os anciãos. A criança que surge para a vida, assumindo e cumprindo a Lei, e os
    anciãos, que a festejam com a alegria do Espírito Santo. Crianças e anciãos constroem o futuro dos
    povos. As crianças porque levarão adiante a história, os anciãos porque transmitem a experiência e a
    sabedoria presente em suas vidas.
  131. O respeito e a gratidão dos anciãos deve ser testemunhado em primeiro lugar por sua própria
    família. A Palavra de Deus nos desafia de muitas maneiras a respeitar e valorizar os mais velhos e
    anciãos. Convida-nos, inclusive, a aprender deles, com gratidão e a acompanhá-los em sua solidão e
    fragilidade. A frase de Jesus: “aos pobres sempre terão com vocês e poderão socorrê-los quando
    quiserem” (Mc 14,7), pode muito bem ser entendida, porque fazem parte de cada família, povo e
    nação. No entanto, muitas vezes, são esquecidos ou descuidados pela sociedade e até mesmo por seus
    próprios familiares.
  132. Muitos de nossos idosos gastaram sua vida pelo bem de sua família e da comunidade, a partir de
    seu lugar e vocação. Muitos são verdadeiros discípulos missionários de Jesus, por seu testemunho e suas
    obras. Merecem ser reconhecidos como filhos e filhas de Deus, chamados a compartilhar a plenitude do
    amor e a serem queridos em particular pela cruz de suas doenças, da capacidade diminuída ou da
    solidão. A família não deve olhar só as dificuldades que traz conviver com eles ou o ter que atende-los.
    A sociedade não pode considerá-los como um peso ou uma carga. É lamentável que em alguns países não
    haja políticas sociais que se ocupem suficientemente dos idosos já aposentados, pensionistas, enfermos
    ou abandonados. Portanto, exortamos a criação de políticas sociais justas e solidárias, que atendam a
    estas necessidades.
  133. A Igreja se sente comprometida a procurar a atenção humana integral de todas as pessoas idosas,
    também ajudando-as a viver o seguimento de Cristo em sua atual condição e incorporando-as à missão
    evangelizadora o quanto possível. Por isso, enquanto agradece o trabalho que já vem realizando
    religiosas, religiosos e voluntários, a Igreja quer renovar suas estruturas pastorais e preparar inclusive
    mais agentes, a fim de ampliar este valioso serviço de amor.
    9.5 A dignidade e participação das mulheres
  134. A antropologia cristã ressalta a igual identidade entre homem e mulher em razão de terem sido
    criados a imagem e semelhança de Deus. O mistério da Trindade nos convida a viver uma comunidade de
    iguais na diferença. Em uma época marcada pelo machismo, a prática de Jesus foi decisiva para
    significar a dignidade da mulher e de seu valor indiscutível: falou com elas (cf Jo 4,27), teve singular
    misericórdia com as pecadoras (cf. Lc 7,36-50; Jo 8,11), curou-as (cf. Mc 5,25-34), reivindicou sua
    dignidade (cf Jo 8,1-11), escolheu-as como primeiras testemunhas de sua ressurreição (cf. Mt 28,9-10) e
    incorporou-as ao grupo de pessoas que lhe eram mais próximas (cf. Lc 8,1-3). A figura de Maria,
    discípula por excelência entre discípulos, é fundamental na recuperação da identidade da mulher e de
    seu valor na Igreja. O canto do Magnificat mostra Maria como mulher capaz de se comprometer com sua
    realidade e de ter uma voz profética diante dela.
  135. A relação entre a mulher e o homem é de reciprocidade e de colaboração mútua. Trata-se de
    harmonizar, complementar e trabalhar somando esforços. A mulher é co-responsável, junto com o
    homem, pelo presente e pelo futuro de nossa sociedade humana.
  136. Lamentamos que inumeráveis mulheres de toda condição não sejam valorizadas em sua dignidade,
    fiquem com freqüência sozinhas e abandonadas, não se reconheçam nelas suficientemente seu
    abnegado sacrifício e inclusive heróica generosidade no cuidado e educação dos filhos nem na
    transmissão da fé na família. Muito menos se valoriza nem se promove adequadamente sua
    indispensável e peculiar participação na construção de uma vida social mais humana e na edificação da
    Igreja. Ao mesmo tempo, sua urgente dignificação e participação pretende ser distorcida por correntes
    ideológicas, mascadas pela marca cultural das sociedades de consumo e do espetáculo, que são capazes
    de submeter as mulheres a novas formas de escravidão. Na América Latina e no Caribe é necessário
    superar uma mentalidade machista que ignora a novidade do cristianismo, onde se reconhece e
    proclama a “igual dignidade e responsabilidade da mulher em relação ao homem”252.
  137. Nesta hora da América Latina e do Caribe é imperativo escutar o clamor, muitas vezes silenciado,
    de mulheres que são submetidas a muitas formas de exclusão e de violência em todas as suas formas e
    em todas as etapas de suas vidas. Entre elas, as mulheres pobres, indígenas e afro-americanas tem
    sofrido uma dupla marginalização. É necessário que todas as mulheres possam participar plenamente na
    vida eclesial, familiar, cultural, social e econômica, criando espaços e estruturas que favoreçam uma
    maior inclusão.
  138. As mulheres constituem, geralmente, a maioria de nossas comunidades. São as primeiras
    transmissoras da fé e colaboradoras dos pastores, que devem atendê-las, valorizá-las e respeitá-las.
  139. É necessário valorizar a maternidade como missão excelente das mulheres. Isto não se opõe a seu
    desenvolvimento profissional e ao exercício de todas as suas dimensões, o qual permite ser fiéis ao
    plano original de Deus que dá ao casal humano, de forma conjunta, a missão de melhorar a terra. A
    mulher é insubstituível no lar, na educação dos filhos e na transmissão da fé. Mas isto não exclui a
    necessidade de sua participação ativa na construção da sociedade. Para isso é necessário propiciar uma
    formação integral de maneira que as mulheres possam cumprir sua missão na família e na sociedade.
  140. A sabedoria do plano de Deus nos exige favorecer o desenvolvimento de sua identidade feminina
    em reciprocidade e complementaridade com a identidade do homem. Por isso a Igreja é chamada a
    compartilhar, orientar e acompanhar projetos de promoção da mulher com organismos sociais já
    existentes, reconhecendo o ministério essencial e espiritual que a mulher leva em suas entranhas:
    receber a vida, acolhê-la, alimentá-la, dar-lhe a luz, sustentá-la, acompanhá-la e exercitar seu ser
    mulher criando espaços habitáveis de comunidade e de comunhão. A maternidade não é uma realidade
    exclusivamente biológica, mas se expressa de diversas maneiras. A vocação materna se cumpre através
    de muitas formas de amor, compreensão e serviço aos demais. A dimensão maternal também se
    concretiza, por exemplo, na adoção de crianças, oferecendo-lhes proteção e lar. O compromisso da
    Igreja nesta esfera é ético e profundamente evangélico.
  141. Propomos algumas ações pastorais:
    a) Estimular a organização da pastoral de maneira que ajude a descobrir e desenvolver em cada mulher
    e nos âmbitos eclesiais e sociais o “gênio feminino253” e promova o mais amplo protagonismo das
    mulheres.
    b) Garantir a efetiva presença da mulher nos ministérios que na Igreja são confiados aos leigos, assim
    como também nas instâncias de planejamento e decisão pastorais, valorizando sua contribuição.
    c) Acompanhar as associações femininas que lutam para superar situações difíceis, de vulnerabilidade ou
    de exclusão.
    d) Promover o diálogo com autoridade para a elaboração de programas, leis e políticas públicas que
    permitam harmonizar a vida de trabalho da mulher com seus deveres de mãe de família.
    9.6 A responsabilidade do homem e pai de família
  142. O homem, a partir de sua especificidade, é chamado pelo Deus da vida a ocupar um lugar original e
    necessário na construção da sociedade, na geração da cultura e na realização da história.
    Profundamente motivados pela bela realidade do amor que tem sua fonte em Jesus Cristo, o homem se
    sente fortemente convidado a formar uma família. Ali, em uma essencial disposição de reciprocidade e
    complementaridade, vivem e valorizam para a plenitude de sua vida, a ativa e insubstituível riqueza da
    contribuição da mulher, que lhes permite reconhecer mais nitidamente sua própria identidade.
  143. Enquanto batizado, o homem deve se sentir enviado pela Igreja a todos os campos de atividade que
    constituem sua vocação e missão dando testemunho como discípulo e missionário de Jesus Cristo na
    família. No entanto, em não poucos casos, desafortunadamente, termina renunciando a esta
    responsabilidade e delegando-a às mulheres ou esposas.
  144. Tradicionalmente, devemos reconhecer que uma porcentagem significativa deles na América latina
    e Caribe, se mantém á margem da Igreja e do compromisso que nela são chamados a realizar. Deste
    modo, afastam-se de Jesus Cristo, da vida plena que tanto desejam e procuram. Esta condição de
    distância ou indiferença por parte dos homens, que questiona fortemente o estilo de nossa pastoral
    convencional, contribui para que vá crescendo a separação entre fé e cultura, a gradual perda do que
    interiormente é essencial e doador de sentido, a fragilidade para resolver adequadamente conflitos e
    frustrações, à fraqueza para resistir ao embate e seduções de uma cultura consumista, frívola e
    competitiva, etc. Tudo isto os faz vulneráveis diante da proposta de estilos de vida que, propondo-se
    como atrativos, terminam sendo desumanizadores. Em um número cada vez mais freqüente deles, vai se
    abrindo passagem à tentação de ceder à violência, infidelidade, abuso do poder, dependência de
    drogas, alcoolismo, machismo, corrupção e abandono de seu papel de pais.
  145. Por outro lado, uma grande porcentagem de homens se sentem cobrados na família, no trabalho e
    socialmente. Carentes de maior compreensão, acolhida e afeto da parte dos seus, de serem valorizados
    de acordo com o que contribuíram materialmente e sem espaços vitais onde compartilhar seus
    sentimentos mais profundos com toda liberdade, eles são expostos a uma situação de profunda
    insatisfação que os deixa a mercê do poder desintegrador da cultura atual. Diante desta situação, e em
    consideração às conseqüências mencionadas traz para a vida matrimonial e para os filhos, faz-se
    necessário estimular em todas nossas Igrejas locais uma especial atenção pastoral para o pai de família.
  146. Propõem-se algumas ações pastorais:
    a) Revisar os conteúdos das diversas catequeses preparatórias aos sacramentos, como as atividades e
    movimentos eclesiais relacionados com a pastoral familiar, para favorecer o anúncio e a reflexão ao
    redor da vocação que o homem é chamado e viver no matrimônio, na família, na Igreja e na sociedade.
    b) Aprofundar nas instâncias pastorais pertinentes, o papel específico que cabe ao homem na construção
    da família enquanto Igreja Doméstica, especialmente como discípulo e missionário evangelizador de seu
    lar.
    c) Promover em todos os campos de atividade da educação católica e da pastoral de jovens, o anúncio e
    o desenvolvimento dos valores e atitudes que facilitem aos jovens e às jovens gerarem competências
    que lhes permitam favorecer o papel de homem na vida matrimonial, no exercício da paternidade e na
    educação da fé de seus filhos.
    d) Desenvolver nas universidades católicas, à luz da antropologia e da moral cristã, a pesquisa e a
    reflexão necessárias que permitam conhecer a situação atual do mundo dos homens, das conseqüências
    do impacto dos atuais modelos culturais em sua identidade e missão, e pistas que possam colaborar no
    projeto de orientações pastorais a respeito.
    e) Denunciar uma mentalidade neoliberal que não vê no pai de família mais do que um instrumento de
    produção e ganância, relegando-o inclusive na família a um papel de mero provedor. A crescente prática
    de políticas públicas e iniciativas privadas de promover inclusive o domingo como dia de trabalho, é uma
    medida profundamente destrutiva da família e dos pais.
    f) Favorecer na vida da Igreja a ativa participação dos homens, gerando e promovendo espaços e
    serviços nos campos assinalados.
    9.7 A cultura da vida: sua proclamação e sua defesa
  147. O ser humano, criado a imagem e semelhança de Deus, também possui uma altíssima dignidade que
    não podemos pisotear e que somos convocados a respeitar e a promover. A vida é presente gratuito de
    Deus, dom e tarefa que devemos cuidar desde a concepção, em todas as suas etapas até a morte
    natural, sem relativismos.
  148. A globalização influi nas ciências e em seus métodos, prescindindo dos procedimentos éticos. Como
    discípulos de Jesus temos que levar o Evangelho ao grande cenário das mesmas, promover o diálogo
    entre ciência e fé e, nesse contexto, apresentar a defesa da vida. Este diálogo deve ser realizado pela
    ética e em casos especiais por uma bioética bem fundamentada. A bioética trabalha com esta base
    epistemológica, de maneira interdisciplinar, onde cada ciência contribui com suas conclusões.
  149. Não podemos escapar deste desafio de diálogo entre a fé, a razão e as ciências. Nossa prioridade
    pela vida e pela família, carregadas de problemáticas que são debatidas nas questões éticas e na
    bioética, conduz-nos a iluminá-las com o Evangelho e o Magistério da Igreja254.
  150. Hoje, assistimos hoje a novos desafios que nos pedem para ser vozes dos que não têm voz. A
    criança que está crescendo no seio materno e nas pessoas que se encontram no ocaso de suas vidas, são
    uma voz de vida digna que grita ao céu e que não pode deixar de nos estremecer. A liberalização e
    banalização das práticas abortivas são crimes abomináveis, assim como a eutanásia, a manipulação
    genética e embrionária, ensaios médicos contrários a ética, pena de morte e tantas outras maneiras de
    atentar contra a dignidade e a vida do ser humano. Se quisermos sustentar um fundamento sólido e
    inviolável para os direitos humanos, é indispensável reconhecer que a vida humana deve ser defendida
    sempre, desde o momento da fecundação. De outra maneira, as circunstâncias e conveniências dos
    poderosos sempre encontrarão desculpas para maltratar as pessoas255.
  151. Os desejos de vida, de paz, de fraternidade e de felicidade não encontram resposta em meios aos
    ídolos do lucro e da eficácia, da insensibilidade diante do sofrimento alheio, dos ataques à vida intrauterina, a mortalidade infantil, a deterioração de alguns hospitais e todas as modalidade de violência
    contra crianças, jovens, homens e mulheres. Isto sublinha a importância da luta pela vida e pela
    dignidade e integridade da pessoa humana. A defesa fundamental da dignidade e destes valores começa
    na família.
  152. A fim de que discípulos e missionários louvem a Deus dando graças pela vida e servindo à mesma,
    propomos as seguintes ações:
    a) Continuar a promoção, nas Conferências Episcopais e nas dioceses, de cursos sobre família e questões
    éticas para os Bispos e para os agentes de pastorais que possam ajudar a fundamentar com solidez os
    diálogos a respeito dos problemas e situações particulares sobre a vida.
    b) Procurar que presbíteros, diáconos, religiosos e leigos busquem estudos universitários de moral
    familiar, questões éticas e, quando seja possível, cursos mais especializados de bioética256.
    c) Promover foros, painéis, seminários e congressos que estudem, reflitam e analisem temas concretos
    da atualidade sobre a vida em suas diversas manifestações e, sobretudo, no ser humano, especialmente
    no que se refere ao respeito pela vida desde a concepção até sua morte natural.
    d) Pedir às universidades católicas para organizar programas de bioética acessíveis a todos e tomem
    posição pública diante dos grandes temas da bioética.
    e) Criar nas Conferências Episcopais um comitê de ética e bioética, com pessoas preparadas no tema,
    que garantam fidelidade e respeito à doutrina do Magistério da Igreja sobre a vida, para que seja a
    instância que pesquise, estude, discuta e atualize a comunidade no momento que o debate público seja
    necessário. Este comitê enfrentará as realidades que se apresentarão na localidade, no país ou no
    mundo, para defender e promover a vida no momento oportuno.
    f) Oferecer aos matrimônios programas de formação em paternidade responsável e sobre o uso dos
    métodos naturais de regulação da natalidade, como pedagogia exigente de vida e de amor257.
    g) Apoiar e acompanhar pastoralmente e com especial ternura e solidariedade as mulheres que
    decidiram não abortar e acolher com misericórdia aquelas que abortaram para ajudá-las a curar suas
    graves feridas e convidá-las a ser defensoras da vida. O aborto faz duas vítimas: certamente, a criança,
    mas, também, a mãe.
    h) Promover a formação e ação de leigos competentes, animá-los a que se organizem para defender a
    vida e a família e estimulá-los a participar em organismos nacionais e internacionais.
    i) Assegurar que se incorpore a objeção de consciência nas legislações e cuidar para que seja respeitada
    pelas administrações públicas.
    9.8 O cuidado com o meio-ambiente
  153. Como discípulos de Jesus, sentimo-nos convidados a dar graças pelo dom da criação, reflexo da
    sabedoria e da beleza do Logos criador. No desígnio maravilhoso de Deus, o homem e a mulher são
    convocados a viver em comunhão com Ele, em comunhão entre eles e com toda a criação. O Deus da
    vida encomendou ao ser humano sua obra criadora para que “a cultivasse e a guardasse” (Gn 2,15).
    Jesus conhecia bem a preocupação do Pai pelas criaturas que Ele alimenta (cf. Lc 12,24) e embeleza
    (cf. Lc 12,27). E enquanto andava pelos caminhos de sua terra não só se detinha para contemplar a
    beleza da natureza, mas também convidava seus discípulos a reconhecer a mensagem escondida nas
    coisas (cf. Lc 12,24-27; Jo 4,35). As criaturas do Pai dão glória “somente com sua existência”258, e por
    isso o ser humano deve fazer uso delas com cuidado e delicadeza259.
  154. A América Latina e o Caribe, estão se conscientizando da natureza como uma herança gratuita que
    recebemos para proteger, como espaço precioso da convivência humana e como responsabilidade
    cuidadosa do senhorio do homem para o bem de todos. Esta herança muitas vezes se manifesta frágil e
    indefesa diante dos poderes econômicos e tecnológicos. Por isso, como profetas da vida, queremos
    insistir que, nas intervenções sobre os recursos naturais, não predominem os interesses de grupos
    econômicos que arrasam irracionalmente as fontes de vida, em prejuízo de nações inteiras e da própria
    humanidade. As gerações que nos sucederão têm direito a receber um mundo habitável e não um
    planeta com ar contaminado. Felizmente, em algumas escolas católicas, começou-se a introduzir entre
    as disciplinas uma educação em relação à responsabilidade ecológica.
  155. A Igreja agradece a todos os que se ocupam da defesa da vida e do ambiente. É necessário dar
    particular importância à mais grave destruição em curso da ecologia humana260. Ela está próxima aos
    homens do campo que, com amor generoso, trabalham duramente a terra para tirar, à vezes em
    condições extremamente difíceis, o sustento para suas famílias e contribuir com todos os frutos da
    terra. Valoriza especialmente os indígenas por seu respeito à natureza e pelo amor à mãe terra como
    fonte de alimento, casa comum e altar do compartilhar humano.
  156. A riqueza natural da América Latina e do Caribe experimentam hoje uma exploração irracional que
    vai deixando um rastro de dilapidação, e inclusive de morte por toda nossa região. Em todo esse
    processo o atual modelo econômico tem uma enorme responsabilidade pois privilegia o desmedido afã
    pela riqueza, acima da vida das pessoas e dos povos e do respeito racional da natureza. A devastação de
    nossas florestas e da biodiversidade mediante uma atitude predatória e egoísta, envolve a
    responsabilidade moral daqueles que a promovem, porque coloca em perigo a vida de milhões de
    pessoas e, em especial, do habitat dos homens do campo e indígenas, que são expulsos para as terras
    improdutivas e para as grandes cidades para viverem amontoados nos cinturões de miséria. Nossa região
    tem necessidade de progredir em seu desenvolvimento agro-industrial para valorizar as riquezas de suas
    terras e suas capacidades humanas a serviço do bem-comum. Porém, não podemos deixar de mencionar
    os problemas que uma industrialização selvagem e descontrolada causa em nossas cidades e no campo,
    que vai contaminando o ambiente com todo tipo de dejetos orgânicos e químicos. Da mesma maneira é
    preciso alertar a respeito das indústrias extrativas de recursos que, quando não tem procedimentos para
    controlar e neutralizar seus efeitos danosos sobre o ambiente circundante, produzem a eliminação das
    florestas, a contaminação da água e transformam as regiões exploradas em imensos desertos.
  157. Diante desta situação, oferecemos algumas propostas e orientações:
    a) Evangelizar nossos povos para descubram o dom da criação, sabendo contemplá-la e cuidar dela como
    casa de todos os seres vivos e matriz da vida do planeta, a fim de exercitar responsavelmente o senhorio
    humano sobre a terra e sobre os recursos para que possam render todos os seus frutos em uma
    destinação universal, educando para um estilo de vida de sobriedade e austeridade solidárias.
    b) Aprofundar a presença pastoral nas populações mais frágeis e ameaçadas pelo desenvolvimento
    predatório e apoiá-las em seus esforços para conseguir uma eqüitativa distribuição da terra, da água e
    dos espaços urbanos.
    c) Procurar um modelo de desenvolvimento alternativo261, integral e solidário, baseado em uma ética
    que inclua a responsabilidade por uma autêntica ecologia natural e humana, que se fundamente no
    evangelho da justiça, da solidariedade e do destino universal dos bens, e que supere a lógica utilitarista
    e individualista, que não submete os poderes econômicos e tecnológicos a critérios éticos. Portanto,
    estimular nossos homens do campo a se organizarem de tal maneira que possam conseguir sua justa
    reivindicação.
    d) Empenhar nossos esforços na promulgação de políticas públicas e participações cidadãs que garantam
    a proteção, conservação e restauração da natureza.
    e) Determinar medidas de monitoramento e de controle social sobre a aplicação dos padrões ambientais
    internacionais nos países.
  158. Criar nas Américas consciência sobre a importância da Amazônia para toda a humanidade.
    Estabelecer entre as Igrejas locais de diversos países sul-americanos que estão na bacia amazônica uma
    pastoral de conjunto com prioridades diferenciadas para criar um modelo de desenvolvimento que
    privilegie os pobres e sirva ao bem comum. Apoiar a Igreja que vive na Amazônia, com os recursos
    humanos e financeiros necessários para que siga proclamando o evangelho da vida e desenvolva seu
    trabalho pastoral na formação de leigos e sacerdotes através de seminários, cursos, intercâmbios, visitas
    às comunidades e material educativo.
    CAPÍTULO 10
    NOSSOS POVOS E A CULTURA
    10.1 A cultura e sua evangelização
  159. A cultura, em sua compreensão maior, representa o modo particular com o qual os homens e os
    povos cultivam sua relação com a natureza e com seus irmãos, com eles mesmos e com Deus, a fim de
    conseguir uma existência plenamente humana262. Enquanto tal, a cultura é patrimônio comum dos
    povos e também da América Latina e do Caribe.
  160. A V Conferência em Aparecida olha positivamente e com verdadeira empatia as diferentes formas
    de cultura presentes em nosso continente. A fé só é adequadamente professada, entendida e vivida
    quando penetra profundamente no substrato cultural de um povo263. Deste modo, toda a importância
    da cultura para a evangelização aparece, pois a salvação dada por Jesus Cristo deve ser luz e força para
    todos os desejos, para as situações alegres ou sofridas e para as questões presentes nas culturas
    respectivas dos povos. O encontro da fé com as culturas purifica-as, permite que desenvolvam suas
    virtualidades, enriquece-as, pois todas elas procuram em sua última instância a verdade, que é Cristo
    (Jo 14,6).
  161. Com o Santo Padre damos graças pelo fato de que a Igreja, “ajudando os fiéis cristãos a viverem
    sua fé com alegria e coerência” tem sido, ao longo de sua história neste continente, criadora e
    animadora de cultura: “A fé em Deus tem animado a vida e a cultura destes povos durantes mais de
    cinco séculos”. Esta realidade foi expressa na “arte, na música, na literatura e, sobretudo, nas tradições
    religiosas e na idiossincrasia de suas gentes, unidas por uma mesma história e por um mesmo credo,
    formando uma grande sintonia na diversidade de culturas e de línguas!264.
  162. Com a inculturação da fé, a Igreja se enriquece com novas expressões e valores, manifestando e
    celebrando cada vez melhor o mistério de Cristo, conseguindo unir mais a fé à vida e contribuindo,
    assim, para uma catolicidade mais plena, não só geográfica, mas também cultural. No entanto, este
    patrimônio cultural latino-americano e caribenho se vê confrontado com a cultura atual, que apresenta
    luzes e sombras. Devemos considerá-la com empatia para entendê-la, mas também com uma postura
    crítica para descobrir o que nela é fruto da limitação humana e do pecado. Ela apresenta muitas e
    sucessivas mudanças, provocadas por novos conhecimentos e descobrimentos da ciência e da tecnologia.
    Assim se desvanece uma única imagem do mundo que oferecia orientação para a vida cristã. Recai,
    portanto, sobre o indivíduo toda a responsabilidade de construir sua personalidade e plasmar sua
    identidade social. Assim temos, por um lado, a emergência da subjetividade, do respeito à dignidade e à
    liberdade de cada um, sem dúvida uma importante conquista da humanidade. Por outro lado, este
    mesmo pluralismo de ordem cultural e religiosa, propagado fortemente por uma cultura globalizada,
    acaba por erigir o individualismo como característica dominante da atual sociedade, responsável pelo
    relativismo ético e pela crise da família.
  163. Muitos católicos se encontram desorientados frente a esta mudança cultural. Compete á Igreja
    denunciar claramente “estes modelos antropológicos incompatíveis com a natureza e a dignidade do
    homem”265. É necessário apresentar a pessoa humana como o centro de toda a vida social e cultural,
    resultando nela: a dignidade de ser imagem e semelhança de Deus e a vocação de ser filhos no Filho,
    chamados a compartilhar sua vida por toda a eternidade. A fé cristã nos mostra Jesus Cristo como a
    verdade última do ser humano266, o modelo no qual o ser humano se realiza em todo seu esplendor
    ontológico e existencial. Anunciá-lo integralmente em nossos dias exige coragem e espírito profético.
    Neutralizar a cultura de morte com a cultura cristã da solidariedade é um imperativo que diz respeito a
    todos nós e que foi um objetivo constante do ensino social da Igreja. No entanto, o anúncio do
    Evangelho não pode prescindir da cultura atual. Esta deve ser conhecida, avaliada e, em certo sentido,
    assumida pela Igreja, com uma linguagem compreendida por nossos contemporâneos. Somente assim a
    fé cristã poderá aparecer como realidade pertinente e significativa de salvação. Mas esta mesma fé
    deverá gerar modelos culturais alternativos para a sociedade atual. Os cristãos, com os talentos que têm
    recebido, talento apropriados deverão ser criativos em seus campos de atuação: o mundo da cultura, da
    política, da opinião pública, da arte e da ciência.
    10.2 A educação como bem público
  164. Anteriormente nos referimos à educação católica, mas, como pastores, não podemos ignorar a
    missão do Estado no campo educativo, velando de um modo particular pela educação das crianças e dos
    jovens. Estes centros educativos não deveriam ignorar que a abertura à transcendência é uma dimensão
    da vida humana, através da qual a formação integral das pessoas reivindica a inclusão de conteúdos
    religiosos.
  165. A Igreja crê que “as crianças e os adolescentes têm direito de ser estimulados a apreciar com reta
    consciência os valores morais, prestando a esses valores sua adesão pessoal e também de ser
    estimulados a conhecer e amar mais a Deus. A Igreja roga, pois, encarecidamente a todos os que
    governam os povos, ou que estão à frente da educação, procurem que a juventude nunca se veja
    privada deste sagrado direito”267.
  166. Diante das dificuldade que encontramos em vários países a esse respeito, queremos nos empenhar
    na formação religiosa dos fiéis que assistem às escolas públicas de gestão estatal, procurando
    acompanhá-los também através de outras instâncias formativas em nossas paróquias e dioceses. Ao
    mesmo tempo, agradecemos a dedicação dos professores de religião nas escolas públicas e os animamos
    nesta tarefa. Estimulamo-los para que promovam uma capacitação doutrinal e pedagógica. Agradecemos
    também àqueles que, pela oração e pela vida comunitária, esforçam-se por ser testemunho de fé e de
    coerência nestas escolas.
    10.3 Pastoral da Comunicação social
  167. A revolução tecnológica e os processos de globalização formatam o mundo atual como uma grande
    cultura midiática. Isto envolve uma capacidade para reconhecer as novas linguagens, que podem
    favorecer uma maior humanização global. Estas novas linguagens configuram um elemento articulador
    das mudanças na sociedade.
  168. “Nosso século tem sido influenciado pelos meios de comunicação social, por isso, o primeiro
    anúncio, a catequese ou o posterior aprofundamento da fé, não podem prescindir desses meios”.
    “Colocados a serviço do Evangelho, eles oferecem a possibilidade de difundir quase sem limites o campo
    de audição da Palavra de Deus, fazendo chegar a Boa Nova a milhões de pessoas. A Igreja se sentiria
    culpada diante de Deus se não empregasse esses poderosos meios, que a inteligência humana aperfeiçoa
    cada vez mais. Com eles, a Igreja ‘proclama a partir dos telhados’ (cf. Mt 10,27; Lc 12,3) a mensagem
    de que é depositária. Neles, encontra uma versão moderna e eficaz do ‘púlpito’. Graças a eles, pode
    falar às multidões”268.
  169. A fim de formar discípulos e missionários neste campo, nós, bispos reunidos na V Conferência,
    comprometemo-nos a acompanhar os comunicadores, procurando:
    a) Conhecer e valorizar esta nova cultura da comunicação.
    b) Promover a formação profissional na cultura da comunicação de todos os agentes e cristãos.
    c) Formar comunicadores profissionais competentes e comprometidos com os valores humanos e cristãos
    na transformação evangélica da sociedade, com particular atenção aos proprietários, diretores,
    programadores e locutores.
    d) Apoiar e otimizar, por parte da Igreja, a criação de meios de comunicação social próprios, tanto nos
    setores televisivos e de rádio, como nos sites de Internet e nos meios impressos;
    e) Estar presente nos meios de comunicação de massa: imprensa, rádio e TV, cinema digital, sites de
    Internet, fóruns e tantos outros sistemas para introduzir neles o mistério de Cristo.
    f) Educar na formação crítica quanto ao uso dos meios de comunicação a partir da primeira idade;
    g) Animar as iniciativas existentes ou a serem criadas neste campo, com espírito de comunhão.
    h) Promover leis para criar nova cultura que protejam as crianças, jovens e as pessoas mais vulneráveis
    para que a comunicação não transgrida os valores e, ao contrário, criem critérios válidos de
    discernimento269.
    i) Desenvolver uma política de comunicação capaz de ajudar tanto as pastorais de comunicação como os
    meios de comunicação de inspiração católica a encontrar seu lugar na missão evangelizadora da Igreja.
  170. A internet, vista dentro do panorama da comunicação social, deve ser entendida na linha já
    proclamada no Concílio Vaticano II como uma das “maravilhosas invenções da tecnologia”270. “Para a
    Igreja, o novo mundo do espaço cibernético é uma exortação à grande aventura da utilização de seu
    potencial para proclamar a mensagem evangélica. Este desafio está no centro do que significa, no início
    do milênio, seguir o mandado do Senhor, de “avançar”: Dunc in altum! (Lc 5,4)”271.
  171. “A Igreja se aproxima a este novo meio com realismo e confiança. Como os outros instrumentos de
    comunicação, ele é um meio e não um fim em si mesmo. A Internet pode oferecer magníficas
    oportunidades de evangelização, se usada com competência e uma clara consciência de suas forças e
    fraquezas”272.
  172. Os meios de comunicação, em geral, não substituem as relações pessoais nem a vida comunitária.
    No entanto, os sites podem reforçar e estimular o intercâmbio de experiências e de informações que
    intensifiquem a prática religiosa através de acompanhamentos e orientações. Também na família devem
    aos pais alertar seus filhos para o uso consciente dos conteúdos disponíveis na Internet, para
    complementar sua formação educacional e moral.
  173. Visto que a exclusão digital é evidente, as paróquias, comunidades, centros culturais e instituições
    educacionais católicas poderiam ser estimuladoras da criação de pontos de rede e de salas digitais para
    promover a inclusão, desenvolvendo novas iniciativas e aproveitando, com um olhar positivo, aquelas
    que já existem. Na América Latina e no Caribe existem revistas, jornais, sites, portais e serviços on line
    de conteúdos informativos e formativos, além de orientações religiosas e sociais diversas, tais como
    “sacerdote”, “orientador espiritual”, “orientador vocacional”, “professor”, “médico”, entre outros.
    Existem inumeráveis escolas e instituições católicas que oferecem cursos a distância de teologia e de
    cultura bíblica.
    10.4 Novos lugares e centros de decisão
  174. Queremos felicitar e incentivar a tantos discípulos e missionários de Jesus Cristo que, com sua
    presença ética coerente, continuam semeando os valores evangélicos nos ambientes onde
    tradicionalmente se faz cultura e nos novos lugares: o mundo das comunicações, a construção da paz, o
    desenvolvimento e a libertação dos povos, sobretudo das minorias, a promoção da mulher e das
    crianças, a ecologia e a proteção da natureza. E “o vastíssimo lugar da cultura, da experimentação
    científica, das relações internacionais”273. Evangelizar a cultura, longe de abandonar a opção
    preferencial pelos pobres e pelo compromisso com a realidade, nasce do amor apaixonado por Cristo,
    que acompanha o Povo de Deus na missão de inculturar o Evangelho na história, ardente e infatigável
    em sua caridade humana.
  175. Uma tarefa de grande importância é a formação de pensadores e pessoas que estejam nos níveis de
    decisão. Para isso, devemos empregar esforço e criatividade na evangelização de empresários, políticos
    e formadores de opinião no mundo do trabalho, dirigentes sindicais, cooperativos e comunitários.
  176. Na cultura atual, estão se abrindo novos campos missionários e pastorais que se abrem. Um deles
    é, sem dúvida, a pastoral do turismo274 e do entretenimento, que tem um campo imenso de realização
    nos clubes, nos esportes, no cinema, centros comerciais e outras opções que diariamente chamam a
    atenção e pedem para ser evangelizados.
  177. Diante da falsa visão de uma incompatibilidade entre fé e ciência tão difundida em nossos dias, a
    Igreja proclama que a fé não é irracional. “Fé e razão são duas asas pelas quais o espírito humano se
    eleva na contemplação da verdade”275. Por isto, valorizamos a tantos homens e mulheres de fé e
    ciência, que aprenderam a ver na beleza da natureza os sinais do Mistério, do amor e da bondade de
    Deus, e são sinais luminosos que ajudam a compreender que o livro da natureza e da Sagrada Escritura
    falam do mesmo Verbo que se fez carne.
  178. Queremos valorizar sempre mais os espaços de diálogo entre fé e ciência, inclusive nos meios de
    comunicação. Uma forma de fazê-lo é através da difusão da reflexão e da obra dos grandes pensadores
    católicos, especialmente do século XX, como referências para a justa compreensão da ciência.
  179. Deus não é só a suma Verdade. Ele é também a suma Bondade e a suprema Beleza. Por isso, “a
    sociedade tem a necessidade de artistas da mesma maneira que necessita de cientistas, técnicos,
    trabalhadores, especialistas, testemunhas da fé, professores, pais e mães, que garantam o crescimento
    da pessoa e o progresso da comunidade, através daquela forma sublime de arte que é a “arte de
    educar”276.
  180. É necessário comunicar os valores evangélicos de maneira positiva e propositiva. São muitos os que
    se dizem descontentes, não tanto com o conteúdo da doutrina da Igreja, mas com a forma como ela é
    apresentada. Para isso, na elaboração de nossos planos pastorais queremos:
    a) Favorecer a formação de um laicato capaz de atuar como verdadeiro sujeito eclesial e competente
    interlocutor entre a Igreja e a sociedade e entre a sociedade e a Igreja.
    b) Otimizar o uso dos meios de comunicação católicos, fazendo-os mais atuantes e eficazes, seja para a
    comunicação da fé, seja para o diálogo entre a Igreja e a sociedade.
    c) Atuar com os artistas, esportistas, profissionais da moda, jornalistas, comunicadores e
    apresentadores, assim como com os produtores de informação nos meios de comunicação, com os
    intelectuais, professores, líderes comunitários e religiosos.
    d) Resgatar o papel do sacerdote como formador de opinião.
  181. Aproveitando as experiências dos Centros de Fé e Cultura ou Centros Culturais Católicos,
    trataremos de criar ou dinamizar os grupos de diálogo entre a Igreja e os formadores de opinião dos
    diversos campos. Convocamos nossas Universidades Católicas para que sejam cada vez mais lugar de
    produção e irradiação do diálogo entre fé e razão e do pensamento católico.
  182. Cabe também às Igrejas da América Latina e do Caribe criar oportunidades para a utilização da
    arte na catequese de crianças, adolescentes e adultos, assim como nas diferentes pastorais da Igreja. É
    necessário também que as ações da Igreja nesse campo sejam acompanhadas por um melhora técnica e
    profissional exigida pela própria expressão artística. Por outro lado, é também necessária a formação de
    uma consciência crítica que permita julgar com critérios objetivos a qualidade artística do que
    realizamos.
  183. É fundamental que as celebrações litúrgicas incorporem em suas manifestações elementos
    artísticos que possam transformar e preparar a assembléia para o encontro com Cristo. A valorização dos
    espaços de cultura existente, onde se incluem os próprios templos, é uma tarefa essencial para a
    evangelização pela cultura. Nessa linha, também se deve incentivar a criação de centros culturais
    católicos, necessários especialmente nas áreas mais carentes onde o acesso à cultura é mais urgente e
    reivindica melhorar o sentido do humano.
    10.5 Discípulos e missionários na vida pública
  184. Os discípulos e missionários de Cristo devem iluminar com a luz do Evangelho todos os espaços da
    vida social. A opção preferencial pelos pobres, de raiz evangélica, exige uma atenção pastoral atenta
    aos construtores da sociedade277. Se muitas das estruturas atuais geram pobreza, em parte é devido à
    falta de fidelidade a compromissos evangélicos de muitos cristãos com especiais responsabilidades
    políticas, econômicas e culturais.
  185. A realidade atual de nosso continente manifesta que existe “uma notável ausência no âmbito
    político, comunicativo e universitário, de vozes e iniciativas de líderes católicos de forte personalidade
    e de vocação abnegada que sejam coerentes com suas convicções éticas e religiosas”278.
  186. Entre os sinais de preocupação, destaca-se, como uma das mais relevantes a concepção que se tem
    formado do ser humano, homem e mulher. Agressões à vida, em todas as suas instâncias, em especial
    contra os mais inocentes e fracos, pobreza aguda e exclusão social, corrupção e relativismo ético, entre
    outros aspectos, tem como referência um ser humano, na prática, fechado a Deus e ao outro.
  187. Os fortes poderes, animados ou por um antigo laicismo exacerbado, ou por um relativismo ético
    que se propõe como fundamento da democracia, pretende refutar toda presença e contribuição da
    Igreja na vida pública das nações e a pressionam para que se retire para os templos e para seus serviços
    “religiosos”. Consciente da distinção entre a comunidade política e comunidade religiosa, base de sã
    laicidade, a Igreja não deixará de se preocupar pelo bem comum dos povos e, em especial, pela defesa
    de princípios éticos não negociáveis porque estão arraigados na natureza humana.
  188. São os leigos de nosso continente, conscientes de sua chamada à santidade em virtude de sua
    vocação batismal, os que têm de atuar à maneira de um fermento na massa para construir uma cidade
    temporal que esteja de acordo com o projeto de Deus. A coerência entre fé e vida no âmbito político,
    econômico e social exige a formação da consciência, que se traduz em um conhecimento da Doutrina
    Social da Igreja. Para uma adequada formação na mesma, será de muita utilidade o Compêndio da
    Doutrina Social da Igreja. A V Conferência se compromete a levar a cabo uma catequese social incisiva,
    porque “a vida cristã não se expressa somente nas virtudes pessoais, mas também nas virtudes sociais e
    políticas”279.
  189. O discípulo e missionário de Cristo que trabalha nos âmbitos da política, da economia e nos
    centros de decisões sofre a influência de uma cultura freqüentemente dominada pelo materialismo,
    pelos interesses egoístas e por uma concepção do homem contrária à visão cristã. Por isso, é
    imprescindível que o discípulo se fundamente no seguimento do Senhor que concede a ele a força
    necessária, não só para não sucumbir diante das insídias do materialismo e do egoísmo, mas para
    construir ao redor dele um consenso moral sobre os valores fundamentais que tornam possível a
    construção de uma sociedade justa.
  190. Pensemos em quão necessário é a integridade moral nos políticos. Muitos dos países latinoamericanos e caribenhos, mas também em outros continentes vivem na miséria, por problemas
    endêmicos de corrupção. Quanta disciplina de integridade moral necessitamos, entendendo essa
    disciplina no sentido cristão do auto-domínio para fazer o bem, para ser servidor da verdade e do
    desenvolvimento de nossas tarefas sem nos deixar corromper por favores, interesses e vantagens. É
    necessário muita força e muita perseverança para conservar a honestidade que deve surgir de uma nova
    educação que rompa o círculo vicioso da corrupção que reina absoluta. Realmente necessitamos de
    muito esforço para avançar na criação de uma verdadeira riqueza moral que nos permita pré-ver nosso
    próprio futuro.
  191. Nós, bispos reunidos na V Conferência, queremos acompanhar os construtores da sociedade, visto
    que é a vocação fundamental da Igreja neste setor, formar as consciências, ser advogada da justiça e da
    verdade e educar nas virtudes individuais e políticas280. Queremos chamar ao sentido de
    responsabilidade dos leigos para que estejam presentes na vida pública e mais concretamente “na
    formação dos consensos necessários e na oposição contra a injustiça”281.
    10.6 A Pastoral Urbana
  192. O cristão de hoje não se encontra mais na primeira linha da produção cultural, mas recebe sua
    influência e seus impactos. As grandes cidades são laboratórios dessa cultura contemporânea complexa
    e plural.
  193. A cidade se converteu no lugar próprio das novas culturas que estão sendo geradas e se impondo,
    com uma nova linguagem e uma nova simbologia. Esta mentalidade urbana se difunde também, no
    próprio mundo rural. Definitivamente, a cidade procura harmonizar a necessidade de desenvolvimento
    com o desenvolvimento das necessidades, fracassando freqüentemente neste propósito.
  194. No mundo urbano acontecem complexas transformações sócio-econômicas, culturais, políticas e
    religiosas que fazem impacto em todas as dimensões da vida. É composto de cidades satélites e de
    bairros periféricos.
  195. Na cidade convivem diferentes categorias sociais tais como as elites econômicas, sociais e políticas;
    a classe média com seus diferentes níveis e a grande multidão dos pobres. Nela, coexistem binômios que
    a desafiam cotidianamente: tradição- modernidade; globalidade-particularidade; inclusão-exclusão;
    personalização-despersonalização; linguagem secular-linguagem religiosa; homogeneidade-pluralidade,
    cultura urbana-pluri-multiculturalismo.
  196. A Igreja em seu início se formou nas grandes cidades de seu tempo e se serviu delas para se
    propagar. Por isso, podemos realizar com alegria e coragem a evangelização da cidade atual. Diante da
    nova realidade novas experiências se realizam na Igreja, tais como a renovação das paróquias,
    setorização, novos ministérios, novas associações, grupos, comunidades e movimentos. Mas se percebem
    atitudes de medo em relação à pastoral urbana; tendência a se fechar nos métodos antigos e de tomar
    uma atitude de defesa diante da nova cultura, com sentimentos de impotência diante das grandes
    dificuldades das cidades.
  197. A fé nos ensina que Deus vive na cidade, em meio as suas alegrias, desejos e esperanças, com
    também em meio as suas dores e sofrimentos. As sombras que marcam o cotidiano das cidades, como
    exemplo, a violência, pobreza, individualismo e exclusão, não podem nos impedir que busquemos e
    contemplemos a Deus da vida também nos ambientes urbanos. As cidades são lugares de liberdade e de
    oportunidade. Nelas, as pessoas tem a possibilidade de conhecer mais pessoas, interagir e conviver com
    elas. Nas cidades é possível experimentar vínculos de fraternidade, solidariedade e universalidade.
    Nelas, o ser humano é constantemente chamado a caminhar sempre mais ao encontro do outro, conviver
    com o diferente, aceita-lo e ser aceito por ele.
  198. O projeto de Deus é “a Cidade Santa, a nova Jerusalém”, que desce do céu, de junto a Deus,
    “vestida como uma noiva que se adorna para seu esposo”, que é “a tenda que Deus instalou entre os
    homens. Acampará com eles; eles serão seu povo e o próprio Deus estará com eles. Enxugará as lágrimas
    de seus olhos e não haverá morte nem luto, nem pranto, nem dor, porque tudo o que é antigo terá
    desaparecido” (Ap 21,2-4). Este projeto em sua plenitude é futuro, mas já está se realizando em Jesus
    Cristo, “o Alfa e o Ômega, o Princípio e o Fim” (Ap 21,6), que nos diz “Eu faço novas todas as coisas”
    (Ao 21,5).
  199. A Igreja está a serviço da realização desta Cidade Santa, através da proclamação e da vivência da
    Palavra, da celebração da Liturgia, da comunhão fraterna e do serviço, especialmente aos mais pobres e
    aos que mais sofrem e, dessa forma, através de Cristo como fermento do Reino vai transformando a
    cidade atual.
  200. Reconhecendo e agradecendo o trabalho renovador que já se realiza em muitos centros urbanos, a
    V Conferência propõe e recomenda uma nova pastoral urbana que:
    a) Responda aos grandes desafios da crescente urbanização.
    b) Seja capaz de atender às variadas e complexas categorias sociais, econômicas, políticas e culturais:
    pobres, classe média e elites.
    c) Desenvolva uma espiritualidade da gratidão, da misericórdia, da solidariedade fraterna, atitudes
    próprias de quem ama desinteressadamente e sem pedir recompensa.
    d) Abra-se a novas experiências, estilos e linguagens que possam encarnar o Evangelho na cidade.
    e) Transforme as paróquias cada vez mais em comunidades de comunidades.
    f) Aposte mais intensamente na experiência de comunidades ambientais, integradas em nível supraparoquial e diocesano.
    g) Integre os elementos próprios da vida cristã: a Palavra, a Liturgia, a comunhão fraterna e o serviço,
    especialmente aos que sofrem pobreza econômica e novas formas de pobreza.
    h) Difunda a Palavra de Deus, anuncie-a com alegria e ousadia e realize a formação dos leigos de tal
    modo que possam responder as grandes perguntas e aspirações de hoje e se inseriram nos diferentes
    ambientes, estruturas e centros de decisão da vida urbana.
    i) Fomente a pastoral da acolhida aos que chegam à cidade e aos que já vivem nela, passando de um
    passivo esperar a um ativo buscar e chegar aos que estão longe com novas estratégias tais como visitas
    às casas, o uso dos novos meios de comunicação social e a constante proximidade ao que constitui para
    cada pessoa a sua cotidianidade.
    j) Ofereça atenção especial ao mundo do sofrimento urbano, isto é, que cuide dos caídos ao longo do
    caminho e aos que se encontram nos hospitais, encarcerados, excluídos, dependentes das drogas,
    habitantes das novas periferias, nas novas urbanizações e das famílias que, desintegradas, convivem de
    fato.
    k) Procure a presença da Igreja, por meio de novas paróquias e capelas, comunidades cristãs e centros
    de pastoral, nas novas concentrações humanas que crescem aceleradamente nas periferias urbanas das
    grandes cidades devido às migrações internas e situações de exclusão;
  201. Para que os habitantes dos centros urbanos e de suas periferias, cristãos ou não cristãos possam
    encontrar em Cristo a plenitude de vida, sentimos a urgência de que os agentes de pastoral, enquanto
    discípulos e missionários, esforcem-se em desenvolver:
    a) Um estilo pastoral adequado à realidade urbana com atenção especial a linguagem, às estruturas e
    práticas pastorais assim como aos horários;
    b) Um plano de pastoral orgânico e articulado que se integre a um projeto comum às paróquias,
    comunidades de vida consagrada, pequenas comunidades, movimentos e instituições que incidem na
    cidade, e que seu objetivo seja chegar ao conjunto da cidade. Nos casos de grandes cidades nas quais
    existem várias Dioceses, faz-se necessário um plano inter-diocesano;
    c) Uma setorização das paróquias em unidade menores que permitam a proximidade e um serviço mais
    eficaz;
    d) Um processo de iniciação cristã e de formação permanente que retroalimente a fé dos discípulos do
    Senhor integrando o conhecimento, o sentimento e o comportamento;
    e) Serviços de atenção, acolhida pessoal, direção espiritual e do sacramento da reconciliação,
    respondendo á sociedade, ás grandes feridas psicológicas que sofrem muitos nas cidades, levando em
    consideração as relações inter-pessoais;
    f) Uma atenção especializada aos leigos em suas diferentes categorias: profissionais, empresariais e
    trabalhadores;
    g) Processos graduais de formação cristã com a realização de grandes eventos de multidões, que
    mobilizem a cidade, que façam sentir que a cidade é um conjunto, que é um todo, que saibam
    responder á afetividade de seus cidadãos e, em uma linguagem simbólica, saibam transmitir o Evangelho
    a todas as pessoas que vivem na cidade;
    h) Estratégias para chegar aos lugares fechados das cidades como grandes aglomerados de casas,
    condomínios, prédios residenciais ou nas favelas;
    i) Uma presença profética que saiba levantar a voz em relação a questões de valores e princípios do
    Reino de Deus, ainda que contradiga todas as opiniões, provoque ataques e se fique só no anúncio. Isto
    é, que seja farol, cidades colocada no alto para iluminar;
    j) Uma maior presença nos centros de decisão da cidade, tanto nas estruturas administrativas como nas
    organizações comunitárias, profissionais e de todo tipo de associação para velar pelo bem comum e
    promover os valores do Reino;
    k) A formação e acompanhamento de leigos e leigas que, influindo nos centros de opinião, organizem-se
    entre si e possam ser assessores para toda a ação social;
    l) Uma pastoral que leve em consideração a beleza no anúncio da Palavra e nas diversas iniciativas,
    ajudando a descobrir a plena beleza que é Deus;
    m) Serviços especiais que respondam às diferentes atividades da cidade: trabalho, descanso, esportes,
    turismo, arte, etc.
    n) Uma descentralização dos serviços eclesiais de modo que sejam muito mais os agentes de pastoral
    que se integrem a esta missão, levando em consideração as categorias profissionais;
    o) Uma formação pastoral dos futuros presbíteros e agentes de pastoral capaz de responder aos novos
    desafios da cultura urbana.
  202. No entanto, tudo o que foi dito anteriormente não tira a importância, de uma renovada pastoral
    rural que fortaleça os habitantes do campo e seu desenvolvimento econômico e rural, neutralizando as
    migrações. Deve-se anunciar a eles a Boa Nova para que enriqueçam suas próprias culturas e as relações
    comunitárias e sociais.
    10.7 A serviço da unidade e da fraternidade de nossos povos
  203. Na nova situação cultural afirmamos que o projeto do Reino está presente e é possível, e por isso
    aspiramos a uma América Latina e Caribe unidos, reconciliados e integrados. Esta casa comum é
    habitada por uma complexa mestiçagem e uma pluralidade étnica e cultural, “na qual o Evangelho tem
    se transformado (…) no elemento chave de uma síntese dinâmica que, com cores diversas segundo as
    nações, expressa de todas as formas a identidade dos povos latino-americanos”282.
  204. Os desafios que enfrentamos hoje na América Latina e no mundo tem uma característica peculiar.
    Eles não afetam a todos os nossos povos de maneira similar mas que, para ser enfrentados, requerem
    uma compreensão global e uma ação conjunta. Cremos que “um fator que pode contribuir notavelmente
    para superar os urgentes problemas que hoje afetam este continente é a integração latinoamericana”283.
  205. Por um lado, vai-se configurando uma realidade global que torna possível novos modos de
    conhecer, aprender e se comunicar, que nos coloca em contato diário com a diversidade de nosso
    mundo e cria possibilidades para uma união e solidariedade mais estreitas em níveis regionais e em nível
    mundial. Por outro lado, geram-se novas formas de empobrecimento, exclusão e injustiça. O Continente
    da esperança deve conseguir sua integração sobre os fundamentos da vida, do amor e da paz.
  206. Reconhecemos uma profunda vocação à unidade no “coração” de cada homem, por terem todos a
    mesma origem e Pai, por levarem em si a imagem e semelhança do próprio Deus em sua comunhão
    trinitária (cf. Gn 1,26). A Igreja se reconhece nos ensinos do Concílio Vaticano II como “sacramento de
    unidade do gênero humano”, consciente da vitória pascal de Cristo, mas vivendo no mundo que está
    ainda sob o poder do pecado, com sua seqüela de contradições, dominações e morte. A partir desta
    leitura cristã da história, percebe-se a ambigüidade do atual processo de globalização.
  207. A Igreja de Deus na América latina e no Caribe é sacramento de comunhão de seus povos. É morada
    de seus povos; é casa dos pobres de Deus. Convoca e congrega todos em seu mistério de comunhão, sem
    discriminações nem exclusões por motivo de sexo, raça, condição social e identidade nacional. Quanto
    mais a Igreja reflete, vive e comunica este dom de inaudita unidade, que encontra na comunhão
    trinitária sua fonte, modelo e destino, parece mais significativo e incisivo seu operar como sujeito de
    reconciliação e comunhão na vida de nossos povos. Maria Santíssima é a presença materna indispensável
    e decisiva na gestação de um povo de filhos e irmãos, de discípulos e missionários de seu Filho.
  208. A dignidade de nos reconhecer como uma família de latino-americanos e caribenhos envolve uma
    experiência singular de proximidade, fraternidade e solidariedade. Não somos um mero continente,
    apenas um fato geográfico com um mosaico ininteligível de conteúdos. Muito menos somos uma soma de
    povos e de etnias que se justapõem. Uma e plural, a América Latina é a casa comum, a grande pátria de
    irmãos e – como afirmou S.S. João Paulo II em Santo Domingo284 – “de alguns povos a quem a mesma
    geografia, a fé cristã, a língua e a cultura uniram definitivamente no caminho da história”. É, pois, uma
    unidade que está muito longe de se reduzir a uniformidade, mas que se enriquece com muitas
    diversidades locais, nacionais e culturais.
  209. A III Conferência Geral do Episcopado Latino-americano já se propunha a “retomar com renovado
    vigor a evangelização da cultura de nossos povos e dos diversos grupos étnicos” para que “a fé
    evangélica, como base de comunhão, projete-se no sentido de formar uma integração justa nos quadros
    respectivos de uma nacionalidade, de uma grande pátria latino-americana (…)”285. A IV Conferência
    em Santo Domingo voltava a propor “o permanente rejuvenescimento do ideal de nossos próceres sobre
    a Pátria Grande”. A V Conferência em Aparecida expressa sua firme vontade de prosseguir nesse
    compromisso.
  210. Não há, certamente, outra região que conte com tantos fatores de unidade como a América latina –
    dos quais a vigência da tradição católica é o cimento fundamental de sua construção – mas trata-se de
    uma unidade comprometida, porque é atravessada por profundas dominações e contradições, e é
    incapaz de incorporar em si “todos os sangues” e de superar a brecha de estridentes desigualdades e
    marginalizações. Nossa pátria é grande, mas será realmente “grande” quando a for para todos, com
    maior justiça. Na verdade, é uma contradição dolorosa que o Continente com o maior número de
    católicos seja também o de maior iniqüidade social.
  211. Nos últimos 20 anos apreciamos os avanços significativos e promissores nos processos e sistemas de
    integração de nossos países. As relações comerciais e políticas tem se intensificado. Uma comunicação e
    solidariedade mais estreita entre o Brasil e os países hispano-americanos e os caribenhos é nova. No
    entanto, há graves bloqueios que travam esses processos. Uma mera integração comercial é frágil e
    ambígua. Também é frágil e ambígua quando essa integração se reduz a questão de cúpulas políticas e
    econômicas e não se fundamenta na vida e na participação dos povos. Os atrasos na integração tendem
    a aprofundar a pobreza e as desigualdades, enquanto as redes de narcotráfico se integram mais das
    fronteiras. Não obstante que a linguagem política abunde sobre a integração, a dialética da
    contraposição parece prevalecer sobre o dinamismo da solidariedade e amizade. A unidade não se
    constrói pela contraposição a inimigos comuns, mas pela realização de uma identidade comum.
    10.8 A integração dos indígenas e afro-americanos
  212. Como discípulos de Jesus Cristo, encarnado na vida de todos os povos descobrimos e reconhecemos
    a partir da fé as “sementes do Verbo”286 presentes nas tradições e culturas dos povos indígenas da
    América Latina. Deles valorizamos seu profundo apreço comunitário pela vida, presente em toda a
    criação, na existência cotidiana e na milenária experiência religiosa, que dinamiza suas culturas, e que
    chega a sua plenitude na revelação do verdadeiro rosto de Deus por Jesus Cristo.
  213. Como discípulos e missionários a serviço da vida, , acompanhamos os povos indígenas e originários
    no fortalecimento de suas identidades e organizações próprias, na defesa do território e em uma
    educação intercultural bilíngüe e na defesa de seus direitos. Comprometemo-nos também a criar
    consciência na sociedade a respeito da realidade indígena e seus valores, através dos meios de
    comunicação social e outros espaços de opinião. A partir dos princípios do Evangelho, apoiamos a
    denúncia de atitudes contrárias à vida plena em nossos povos de origem e nos comprometemos a
    prosseguir na obra de evangelização dos indígenas, assim como a procurar as aprendizagens educativas e
    de trabalho com as transformações culturais que isso implica.
  214. A Igreja está atenta diante das tentativas de desarraigar a fé católica das comunidades indígenas;
    com isso elas ficariam em situação de falta de defesa e de confusão frente aos embates das ideologias e
    de alguns grupos alienantes, e isso atentaria contra o bem das mesmas comunidades.
  215. O seguimento de Jesus no Continente passa também pelo reconhecimento dos afro-americanos
    como um desafio que nos desafia para viver o verdadeiro amor a Deus e ao próximo. Ser discípulos e
    missionários significa assumir a atitude de compaixão e cuidado do Pai, que se manifesta na ação
    libertadora de Jesus. “A Igreja defende os autênticos valores culturais de todos os povos, especialmente
    dos oprimidos, indefesos e marginalizados, diante da força dominadora das estruturas de pecado
    manifestas na sociedade moderna”287. Conhecer os valores culturais, a história e as tradições dos afro-
    americanos, entrar em diálogo fraterno e respeitoso com eles, é um passo importante na missão
    evangelizadora da Igreja. Acompanha-nos nele o testemunho de São Pedro Claver.
  216. Por isto, a Igreja denuncia a prática da discriminação e do racismo em suas diferentes expressões,
    pois ofende no mais profundo a dignidade humana criada a “imagem e semelhança de Deus”. Preocupanos que poucos afro-americanos cheguem à educação superior, sem a qual se torna mais difícil seu
    acesso às esferas de decisão na sociedade. Em sua missão de advogada da justiça e dos pobres a Igreja
    se faz solidária aos afro-americanos nas reivindicações pela defesa de seus territórios, na afirmação de
    seus direitos, na cidadania, nos projetos próprios de desenvolvimento e consciência de negritude. A
    Igreja apóia o diálogo entre cultura negra e fé cristã e suas lutas pela justiça social, e incentiva a
    participação ativa dos afro-americanos nas ações pastorais de nossas Igrejas e do CELAM. A Igreja com
    sua pregação, vida sacramental e pastoral precisará ajudar para que as feridas culturais injustamente
    sofridas na história dos afro-americanos, não absorvam, nem paralisem a partir do seu interior, o
    dinamismo de sua personalidade humana, de sua identidade étnica, de sua memória cultural, de seu
    desenvolvimento social nos novos cenários que se apresentam.
    10.9 Caminhos de reconciliação e solidariedade
  217. A Igreja precisa animar cada povo a transformar sua pátria numa casa de irmãos onde todos
    tenham uma casa para viver e conviver com dignidade. Essa vocação requer a alegria de querer ser e
    fazer uma nação, um projeto histórico sugestivo de vida em comum. A Igreja precisa educar e conduzir
    cada vez mais à reconciliação com Deus e com os irmãos. Precisa somar e não dividir. Importa cicatrizar
    as feridas, evitar maniqueísmos, perigosas exasperações e polarizações. Os dinamismos de integração
    digna, justa e eqüitativa no interior de cada um dos países favorece a integração regional e, ao mesmo
    tempo, é incentivada por ela.
  218. É necessário educar e favorecer nossos povos em todos os gestos, obras e caminhos de
    reconciliação e de amizade social, de cooperação e de integração. A comunhão alcançada no sangue
    reconciliador de Cristo nos dá a força para sermos construtores de pontes, anunciadores da verdade,
    bálsamos para as feridas. A reconciliação está no coração da vida cristã. Ela é iniciativa própria de Deus
    em busca de nossa amizade, que comporta consigo a necessária reconciliação com o irmão. Trata-se de
    uma reconciliação da qual necessitamos nos diversos âmbitos e em todos e entre todos os países. Esta
    reconciliação fraterna pressupõe a reconciliação com Deus, fonte única de graça e de perdão, que
    alcança sua expressão e realização no sacramento da penitência que Deus nos concede através da
    Igreja.
  219. No coração e na vida de nossos povos pulsa um forte sentido de esperança, não obstante as
    condições de vida que parecem ofuscar toda esperança. Ela se experimenta e se alimenta no presente,
    graças aos dons e sinais de vida nova que se compartilha; compromete-se na construção de um futuro de
    maior dignidade e justiça e aspira “os novos céus e nova terra” que Deus nos prometeu em sua morada
    eterna.
  220. A América Latina e o Caribe não devem ser só o Continente da esperança. Além disso, devem
    também abrir caminhos para a civilização do amor. Assim se expressou o Papa Bento XVI no santuário
    mariano de Aparecida288: para que nossa casa comum seja um continente da esperança, do amor, da
    vida e da paz há que se ir, como bons samaritanos ao encontro das necessidades dos pobres e dos que
    sofrem e criar “as estruturas justas que são uma condição sem a qual não é possível uma ordem justa na
    sociedade…” Estas estruturas, continua o Papa, “não nascem nem funcionam sem um consenso moral
    da sociedade sobre os valores fundamentais e sobre a necessidade de viver estes valores com as
    necessárias renúncias, inclusive contra o interesse pessoal”, e “onde Deus está ausente (…) estes
    valores não se mostram com toda sua força nem se produz um consenso sobre eles”289. Essas estruturas
    justas nascem e funcionam quando a sociedade percebe que o homem e a mulher, criados a imagem e
    semelhança de Deus, possuem uma dignidade inviolável, a serviço da qual terão de conceber e atuar os
    valores fundamentais que regem a convivência humana. Este consenso moral e mudança de estruturas
    importam para diminuir a dolorosa iniqüidade que hoje existe em nosso continente, entre outras coisas
    através de políticas públicas e gastos sociais bem orientados, assim como do controle de lucros
    desproporcionais de grandes empresas. A Igreja estimula e propicia o exercício de uma “imaginação da
    caridade” que permita soluções eficazes.
  221. Todas as autênticas transformações se forjam no coração das pessoas e se irradiam em todas as
    dimensões de sua existência e convivência. Não há novas estruturas se não há homens novos e mulheres
    novas que mobilizem e façam convergir nos povos ideais e poderosas energias morais e religiosas.
    Formando discípulos e missionários, a Igreja dá resposta a esta exigência.
  222. A Igreja estimula e favorece a reconstrução da pessoa e de seus vínculos de pertencimento e
    convivência, a partir de um dinamismo de amizade, gratuidade e comunhão. Deste modo, neutralizamse os processos de desintegração e atomização sociais. Para isso, é necessário aplicar o princípio da
    subsidiariedade em todos os níveis e estruturas da organização social. Na verdade, o Estado e o mercado
    não satisfazem nem podem satisfazer todas as necessidades humanas. Cabe, portanto, apreciar e
    estimular os voluntariados sociais, as diversas formas de livre auto-organização e participação populares
    e as obras de caridade, educativas, hospitalares, de cooperação no trabalho e outras promovidas pela
    Igreja, que respondem adequadamente a estas necessidades.
  223. Os discípulos e missionários de Cristo promovem uma cultura do compartilhar em todos os níveis,
    em contraposição à cultura dominante de acumulação egoísta, assumindo com seriedade a virtude da
    pobreza como estilo de vida sóbrio para ir ao encontro e ajudar as necessidades dos irmãos que vivem
    na indigência.
  224. Compete também à Igreja colaborar na consolidação das frágeis democracias, no positivo processo
    de democratização na América latina e no Caribe, ainda que existam atualmente graves desafios e
    ameaças de desvios autoritários. Urge educar para a paz, dar seriedade e credibilidade à continuidade
    de nossas instituições civis, defender e promover os direitos humanos, proteger em especial a liberdade
    religiosa e cooperar para despertar os maiores consensos nacionais.
  225. A paz é um bem valioso, mas precário que todos devemos cuidar, educar e promover em nosso
    continente. Como sabemos, a paz não se reduz à ausência de guerras, nem à exclusão de armas
    nucleares em nosso espaço comum. Estas são conquistas já significativas, mas devemos promover a
    geração de uma “cultura de paz” que seja fruto de um desenvolvimento sustentável, eqüitativo e
    respeitoso da criação (“o desenvolvimento é o novo nome da paz” dizia Paulo VI) e que nos permita
    enfrentar conjuntamente os ataques do narcotráfico e do consumo de drogas, do terrorismo e das
    muitas formas de violência que hoje imperam em nossa sociedade. A Igreja, sacramento de
    reconciliação e de paz, deseja que os discípulos e missionários de Cristo sejam também, ali mesmo onde
    se encontrem, “construtores de paz” entre os povos e nações de nosso Continente. A Igreja é chamada a
    ser uma escola permanente de verdade e de justiça, de perdão e de reconciliação para construir uma
    paz autêntica.
  226. Uma autêntica evangelização de nossos povos envolve assumir plenamente a radicalidade do amor
    cristão, que se concretiza no seguimento de Cristo na Cruz; no padecer por Cristo por causa da justiça;
    no perdão e no amor aos inimigos. Este amor supera o amor humano e participa no amor divino, único
    eixo cultural capaz de construir uma cultura da vida. No Deus Trindade a diversidade de Pessoas não
    gera violência e conflito, mas é a mesma fonte de amor e da vida. Uma evangelização que coloca a
    Redenção no centro, nascida de um amor crucificado, é capaz de purificar as estruturas da sociedade
    violenta e gerar novas estruturas. A radicalidade da violência só se resolve com a radicalidade do amor
    redentor. Evangelizar sobre o amor de plena doação como solução ao conflito deve ser o eixo cultural
    “radical” de uma nova sociedade. Só assim o Continente da esperança pode chegar a se tornar
    verdadeiramente o Continente do amor.
  227. Reafirmamos a importância do CELAM e reconhecemos que tem sido uma instância profética para a
    unidade dos povos latino-americanos e caribenhos, e tem demonstrado a viabilidade de sua cooperação
    e solidariedade a partir da comunhão eclesial. Por isso nos comprometemos a continuar fortalecendo
    seu serviço na colaboração colegial dos Bispos e no caminho de realização da identidade eclesial latinoamericana e caribenha. Convidamos aos Episcopados de países envolvidos nos diferentes sistemas de
    integração sub-regionais, incluídos os da bacia Amazônica, a estreitar vínculos de reflexão e de
    cooperação. Também estimulamos que continue o fortalecimento de vínculos para a relação entre o
    Episcopado latino-americano e os Episcopados dos Estados Unidos e Canadá à luz da Exortação
    Apostólica “Ecclesia in América”, assim como com os Episcopados europeus.
  228. Conscientes de que a missão evangelizadora não pode seguir separada da solidariedade com os
    pobres e sua promoção integral, e sabendo que existem comunidades eclesiais que carecem dos meios
    necessários, é imperativo ajudá-las, imitando as primeiras comunidades cristãs, para que, de verdade,
    se sintam amadas. É imperativo, portanto, a criação de um fundo de solidariedade entre as Igrejas da
    América Latina e do Caribe que esteja a serviço das iniciativas pastorais próprias.
  229. Ao enfrentar tão graves desafios nos estimulam as palavras do Santo padre: “Não há dúvida de que
    as condições para estabelecer uma paz verdadeira são a restauração da justiça, da reconciliação e do
    perdão. Desta conscientização, nasce a vontade de transformar também as estruturas injustas para
    estabelecer o respeito da dignidade do homem, criado à imagem e semelhança de Deus… Como tive a
    ocasião de afirmar, a Igreja não tem como tarefa própria empreender uma batalha política, no entanto,
    também não pode, nem deve ficar à margem da luta pela justiça”290.
    CONCLUSÃO
  230. “Pareceu bem ao Espírito Santo e a nós…” (At 15,28). A experiência da comunidade apostólica
    primitiva mostra a própria natureza da Igreja enquanto mistério de comunhão com Cristo no Espírito
    Santo. S.S. Bento XVI nos indicou este “método” original em sua homilia em Aparecida. Ao concluir a V
    Conferência Geral do Episcopado Latino-americana e do Caribe constatamos que isto é, pela graça de
    Deus, o que temos experimentado. Em 19 jornadas de intensa oração, intercâmbios e reflexão,
    dedicação e cansaço, nossa solicitude pastoral tomou forma no documento final, que foi adquirindo
    cada vez maior densidade e maturidade. O Espírito de Deus foi nos conduzindo, suave mas firmemente,
    para a meta.
  231. Esta V Conferência, recordando o mandato de ir e fazer discípulos (cf. Mt 28,20), deseja despertar
    a Igreja na América Latina e no Caribe para um grande impulso missionário. Não podemos deixar de
    aproveitar esta hora de graça. Necessitamos de um novo Pentecostes! Necessitamos sair ao encontro
    das pessoas, das famílias, das comunidades e dos povos para lhes comunicar e compartilhar o dom do
    encontro com Cristo, que tem preenchido nossas vidas de “sentido”, de verdade e de amor, de alegria e
    de esperança! Não podemos ficar tranqüilos em espera passiva em nossos templos, mas é imperativo ir
    em todas as direções para proclamar que o mal e a morte não tem a última palavra, que o amor é mais
    forte, que fomos libertos e salvos pela vitória pascal do Senhor da história, que Ele nos convoca na
    Igreja, e quer multiplicar o número de seus discípulos na construção de seu Reino em nosso Continente!
    Somos testemunhas e missionários: nas grandes cidades e nos campos, nas montanhas e florestas de
    nossa América, em todos os ambientes da convivência social, nos mais diversos “lugares” da vida pública
    das nações, nas situações extremas da existência, assumindo ad gentes nossa solicitude pela missão
    universal da Igreja.
  232. Para nos converter em uma Igreja cheia de ímpeto e audácia evangelizadora, temos que ser de
    novo evangelizados e fiéis discípulos. Conscientes de nossa responsabilidade pelos batizados que
    deixaram essa graça de participação no mistério pascal e de incorporação no Corpo de Cristo sob uma
    capa de indiferença e esquecimento, é necessário cuidar do tesouro da religiosidade popular de nossos
    povos para que nela resplandeça cada vez mais “a pérola preciosa” que é Jesus Cristo e seja sempre
    novamente evangelizada na fé da Igreja e por sua vida sacramental. É preciso fortalecer a fé “para
    encarar sérios desafios, pois estão em jogo o desenvolvimento harmônico da sociedade e da identidade
    católica de seus povos”291. Não temos de dar nada por pressuposto e descontado. Todos os batizados
    são chamados a “recomeçar a partir de Cristo”, a reconhecer e seguir sua Presença com a mesma
    realidade e novidade, o mesmo poder de afeto, persuasão e esperança, que teve seu encontro com os
    primeiros discípulos nas margens do Jordão, há 2000 anos, e com os “João Diego” do Novo Mundo. Só
    graças a esse encontro e seguimento, que se converte em familiaridade e comunhão, transbordante de
    gratidão e alegria, somos resgatados de nossa consciência isolada e saímos para comunicar a todos a
    vida verdadeira, a felicidade e a esperança que nos tem sido dada a experimentar e nos alegrar.
  233. É o próprio Papa Bento XVI, quem nos convida a “uma missão evangelizadora que convoque todas
    as forças vivas deste imenso rebanho” que é povo de Deus na América Latina e no Caribe: “sacerdotes,
    religiosos, religiosas e leigos que se doam, muitas vezes com imensas dificuldades, para a difusão da
    verdade evangélica”. É um afã e anúncio missionários que precisa passar de pessoa a pessoa, de casa em
    casa, de comunidade a comunidade. “Neste esforço evangelizador – prossegue o Santo padre – a
    comunidade eclesial se destaca pelas iniciativas pastorais, ao enviar, sobretudo entre as casas das
    periferias urbanas e do interior, seus missionários, leigos e religiosos, procurando dialogar com todos em
    espírito de compreensão e de delicada caridade”. Essa missão evangelizadora abraça com o amor de
    Deus a todos e especialmente aos pobres e aos que sofrem. Por isso, não pode se separar da
    solidariedade com os necessitados e de sua promoção humana integral: “Mas se as pessoas encontradas
    estão em uma situação de pobreza – diz-nos ainda o Papa – é necessário ajudá-las, como faziam as
    primeiras comunidades cristãs, praticando a solidariedade, para que se sintam amadas de verdade. O
    povo pobre das periferias urbanas ou do campo necessitam sentir a proximidade da Igreja, seja no
    socorro de suas necessidades mais urgentes, como também na defesa de seus direitos e na promoção de
    uma sociedade fundamentada na justiça e na paz. Os pobres são os destinatários privilegiados do
    Evangelho e um Bispo, modelado segundo a imagem do Bom Pastor, deve estar particularmente atento
    para oferecer o divino bálsamo da fé, sem descuidar do ‘pão material’”.
  234. Esperamos que este despertar missionário, na forma de uma Missão Continental, cujas linhas
    fundamentais foram examinadas por nossa Conferência e que esperamos sejam portadoras de sua
    riqueza de ensinamentos, orientações e prioridades, seja ainda mais concretamente considerado
    durante a próxima Assembléia Plenária do CELAM em Havana. Requerirá a decidida colaboração das
    Conferências Episcopais e de cada diocese em particular. Procurará colocar a Igreja em estado
    permanente de missão. Levemos nossos navios mar adentro, com o sopro potente do Espírito Santo, sem
    medo das tormentas, seguros de que a Providência de Deus nos proporcionará grandes surpresas.
  235. Recobremos, portanto, o “fervor espiritual”. Conservemos a doce e confortadora alegria de
    evangelizar, inclusive quando é necessário semear entre lágrimas. Façamo-lo, como João, o Batista,
    como Pedro e Paulo, como os demais Apóstolos, como essa multidão de admiráveis evangelizadores que
    se sucederam ao longo da história da Igreja, com um ímpeto interior que ninguém, nem nada seja capaz
    de extinguir. Seja esta a maior alegria de nossas vidas entregues. E que o mundo atual – que procura ás
    vezes com angústia, às vezes com esperança – possa assim receber a Boa Nova, não através de
    evangelizadores tristes e desalentados, impacientes e ansiosos, mas através de ministros do Evangelho,
    cuja vida irradia o fervor de quem recebeu a alegria de Cristo e aceitam consagrar sua vida á tarefa de
    anunciar o Reino de Deus e de implantar a Igreja no mundo”292. Recuperemos o valor e a audácia
    apostólicos.
  236. Ajude-nos a companhia sempre próxima, cheia de compreensão e ternura de Maria Santíssima. Que
    nos mostre o fruto bendito de seu ventre e nos ensine a responder como ela fez no mistério da
    anunciação e encarnação. Que nos ensine a sair de nós mesmos no caminho de sacrifício, de amor e
    serviço, como fez na visita a sua prima Isabel, para que, peregrinos no caminho, cantemos as maravilhas
    que Deus tem feito em nós, conforme a sua promessa.
  237. Guiados por Maria, fixamos os olhos em Jesus Cristo, autor e consumador da fé e dizemos a Ele com
    o Sucessor de Pedro:
    “Fica conosco, pois cai a tarde e o dia já se declina” (Lc 24,29).
    Fica conosco, Senhor, acompanha-nos ainda que nem sempre tenhamos sabido reconhecer-te.
    Fica conosco, porque ao redor de nós as mais densas sombras vão se fazendo, e Tu és a Luz; em nossos
    corações se insinua a falta de esperança, e tu os faz arder com a certeza da Páscoa. Estamos cansados
    do caminho, mas tu nos confortas na fração do pão para anunciar a nossos irmãos que na verdade tu
    tens ressuscitado e que nos tem dado a missão de ser testemunhas de tua ressurreição.
    Fica conosco, Senhor, quando ao redor de nossa fé católica surgem as névoas da dúvida, do cansaço ou
    da dificuldade: tu, que és a própria Verdade como revelador do Pai, ilumina nossas mentes com tua
    Palavra; ajuda-nos a sentir a beleza de crer em ti.
    Fica em nossas famílias, ilumina-as em suas dúvidas, sustenta-as em suas dificuldades, consola-as em
    seus sofrimentos e no cansaço de cada dia, quando ao redor delas se acumulam sombras que ameaçam
    sua unidade e sua natureza. Tu que és a Vida, fica em nossos lares, para que continuem sendo ninhos
    onde nasça a vida humana abundante e generosamente, onde se acolha, se ame, se respeite a vida
    desde a sua concepção até seu término natural.
    Fica, Senhor, com aqueles que em nossas sociedade são os mais vulneráveis; fica com os pobres e
    humildes, com os indígenas e afro-americanos, que nem sempre encontram espaços e apoio para
    expressar a riqueza de sua cultura e a sabedoria de sua identidade. Fica, Senhor, com nossas crianças e
    com nossos jovens, que são a esperança e a riqueza de nosso Continente, protege-os de tantas
    armadilhas que atentam contra sua inocência e contra suas legítimas esperanças. Oh bom Pastor, fica
    com nossos anciãos e com nossos enfermos! Fortalece a todos em sua fé para que sejam teus discípulos
    e missionários!293
    SIGLAS
    AA Apostolicam Actuositatem
    AG Ad Gentes
    CCE Catecismo de la Iglesia Católica
    CDSI Compêndio da Doutrina Social da Igreja
    CIC Código de Direito Canônico
    ChD Decreto Christus Dominus
    ChL Christifidelis Laici
    DCE Deus Caritas est
    DI Discurso Inaugural de S.S. Bento XVI na V Conferência Geral do Episcopado Latino-americano
    DP Documento de Puebla
    DV Dei Verbum
    EAm Exortação Apostólica Ecclesia in América
    ECE Ex Corde Ecclesiae
    EMCC Instrução Erga Migrantes Caritas Christi
    EM Evangelii Nuntiandi
    EV Evangelium Vitae
    FC Familiaris Consortio
    FR Fides et Ratio
    GE Gravissimum Educationis
    GS Gaudium et Spes
    HV Humanae vitae
    IM Decreto Inter Mirifica
    LE Laborem Exercens
    LG Lúmen Gentium
    NAe Declaração Nostra Aetate
    NMI Novo millenio ineunte
    OT Optatam Totius
    PC Perfectae Caritatis
    PDV Pastores Dabo Vobis
    PG Pastores gregis
    PP Populorum Progressio
    PO Presbyterorum Ordinis
    RM Redemptoris Missio
    RVM Rosarium Virginis Mariae
    SC Sacrosanctum Concilium
    SCa Sacramentum caritatis
    SD Documento de Santo Domingo
    SRS Sollicitudo Rei Socialis
    TMA Tertio millenio adveniente
    UR Unitatis Redintegratio
    UUS Ut unum sint
    VC Vita consecrata
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Publicado em:Diário do Flogão - Previsão do Futuro e do Passado | Máquina do Tempo Online

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