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E se… Arthur Conan Doyle foi Jack the Ripper?

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Uma análise cronológica, biográfica e simbólica sobre a hipótese especulativa


Introdução

A hipótese de que Sir Arthur Conan Doyle — criador do icônico detetive Sherlock Holmes — possa ter sido o enigmático Jack, o Estripador, surge com frequência em discussões literárias e conspiratórias. Embora amplamente desacreditada no meio acadêmico, essa conjectura suscita uma reflexão interessante sobre a coincidência de contextos, formações e sensibilidades entre o autor e o criminoso. Doyle era médico, escritor em ascensão e vivia na Inglaterra durante os anos de 1888, quando ocorreram os assassinatos de Whitechapel. A suposição, portanto, embora não respaldada por provas concretas, abre espaço para um exame racional sobre coincidências cronológicas, perfis profissionais, ambiente sociocultural e implicações simbólicas.

Este artigo propõe uma análise acadêmica e crítica dessa hipótese, com o objetivo de identificar o que é sustentado por fatos históricos, o que pertence ao domínio da especulação e o que revela sobre o imaginário coletivo que conecta crime e genialidade.


1. Coincidência cronológica e biográfica

Arthur Conan Doyle nasceu em 1859, em Edimburgo, Escócia, e formou-se em medicina pela Universidade de Edimburgo em 1881. Em 1885, concluiu seu doutorado e passou a exercer a profissão de médico, ao mesmo tempo em que iniciava sua carreira literária. Em 1887, publicou Um Estudo em Vermelho, o primeiro romance a apresentar o detetive Sherlock Holmes.

Os crimes de Jack, o Estripador, ocorreram em Londres entre agosto e novembro de 1888. Assim, Doyle tinha 29 anos na época e vivia no Reino Unido, trabalhando como médico e escritor. Cronologicamente, portanto, é possível estabelecer uma coincidência temporal exata entre a vida ativa de Doyle e os assassinatos de Whitechapel.

Contudo, coincidência não implica correlação causal. Muitos profissionais e escritores da época partilhavam o mesmo contexto social. A presença de Doyle na Inglaterra, por si só, é insuficiente para sugerir qualquer vínculo com os crimes. No máximo, revela que ele viveu em um período em que o terror e o mistério dominavam o imaginário londrino — cenário que se tornaria fértil para suas criações literárias.


2. Perfil profissional e conhecimento anatômico

Formado em medicina, Doyle possuía amplo conhecimento anatômico e técnico. Em teoria, isso o colocaria entre os perfis possíveis descritos pela polícia vitoriana para o autor dos crimes, já que os ferimentos infligidos às vítimas indicavam certo grau de precisão e familiaridade com a estrutura corporal humana. Alguns investigadores da época acreditavam que o assassino poderia ser um cirurgião, um açougueiro ou um médico.

No entanto, essa correspondência é mais aparente do que substancial. Diversos peritos modernos questionam o grau de habilidade cirúrgica realmente demonstrado nas mutilações, considerando que as condições precárias de iluminação e o estado dos corpos impossibilitariam uma operação “técnica” no sentido médico. Além disso, a formação médica não é, em si, um indicador de comportamento criminoso; pelo contrário, a ética profissional e a cultura médica do século XIX já impunham restrições morais severas.

Portanto, embora Doyle possuísse o conhecimento anatômico compatível com o perfil técnico do Estripador, não há nenhum indício de comportamento, relato ou testemunho que o associe a práticas violentas ou mórbidas.


3. Localização geográfica e plausibilidade prática

A biografia de Doyle indica que, entre 1882 e 1890, ele viveu principalmente em Southsea, Portsmouth, onde mantinha seu consultório médico. Durante o período dos assassinatos, não há registro documentado de viagens frequentes a Londres. Embora fosse possível deslocar-se de trem — a distância aproximada de 120 quilômetros entre Portsmouth e Londres podia ser percorrida em algumas horas —, não existe qualquer evidência de que ele o tenha feito durante as datas dos crimes.

Adicionalmente, Doyle era um profissional conhecido em sua comunidade. Seus pacientes, amigos e familiares mantiveram registros e correspondências que nunca sugeriram comportamento suspeito. Do ponto de vista logístico e factual, portanto, não há base documental para afirmar que Doyle poderia ter estado em Whitechapel no momento dos assassinatos.


4. Interesse em comportamento humano e mente criminosa

Arthur Conan Doyle demonstrou interesse profundo pelo funcionamento da mente humana e pela lógica dedutiva. Seu personagem Sherlock Holmes é a encarnação máxima do raciocínio analítico e da observação empírica. O próprio Doyle declarou que se inspirou em seu professor de medicina, Joseph Bell, famoso por sua capacidade de deduzir fatos sobre pacientes apenas pela observação.

É plausível, portanto, que Doyle tenha sido influenciado, não por participação em crimes, mas pela atmosfera de medo e mistério que dominava Londres. A cidade do final do século XIX era um espaço de contradições: ciência em expansão, desigualdade social extrema, repressão moral e crescimento urbano desordenado. O Estripador, como fenômeno social, tornou-se um espelho da crise moral e científica da época.

Dentro desse contexto, Doyle pode ser visto como o criador do “antídoto racional” para o caos do Estripador: Sherlock Holmes representa a mente científica que domina o desconhecido, enquanto Jack simboliza o terror incontrolável. Sob essa leitura, os assassinatos funcionam como o “laboratório social” que forneceu matéria-prima simbólica para a ficção dedutiva de Doyle.


5. Contexto científico e social da Londres vitoriana

A Inglaterra da era vitoriana era marcada por um entusiasmo crescente pela ciência, pela medicina legal e pelos métodos empíricos. Ao mesmo tempo, a cidade de Londres enfrentava pobreza, prostituição, alcoolismo e crimes violentos. A imprensa sensacionalista transformava cada assassinato em espetáculo público, alimentando tanto o medo quanto a curiosidade da população.

Esse ambiente produziu duas forças complementares: o criminoso invisível e o detetive racional. Enquanto Jack, o Estripador, encarnava o caos e a brutalidade da modernidade, Sherlock Holmes representava a esperança de que a razão científica pudesse decifrar o mal. A criação de Holmes, em 1887, um ano antes dos crimes, mostra que Doyle já refletia sobre o poder da observação e da dedução. Os assassinatos apenas confirmaram a relevância dessa abordagem racional, consolidando a popularidade do personagem.

Dossiê cronológico e analítico — Arthur Conan Doyle & os assassinatos de Whitechapel (Jack the Ripper)

Sumário executivo

Este dossiê apresenta uma linha do tempo integrada (1881–1890) com eventos biográficos de Arthur Conan Doyle e as datas-chave dos crimes atribuídos a Jack, o Estripador. Em seguida, lista (A) as correlações factuais que alguns intérpretes citam como “indícios circunstanciais” e (B) as evidências documentais que enfraquecem qualquer hipótese de autoria. Por fim, analisa criticamente a força probatória dessas correlações.


1. Linha do tempo integrada (eventos verificáveis)

  • 1859, 22 de maio — Nascimento de Arthur Ignatius Conan Doyle em Edimburgo. Wikipedia
  • 1876–1881 — Formação médica na University of Edinburgh; graduação em 1881. ACS+1
  • 1881–1885 — Exercício clínico inicial; obtenção formal de MD em 1885. ACS
  • Junho de 1882 — Estabelecimento de consultório em Southsea (Portsmouth); Doyle vive e trabalha ali durante grande parte da década. encyclopedia.pub+1
  • 1886–1887 — Composição e publicação de A Study in Scarlet (primeira aparição de Sherlock Holmes — escrita em 1886, publicada em 1887). yogebooks.com+1
  • 31 de agosto a 9 de novembro de 1888 — Série de assassinatos atribuídos ao chamado “Jack the Ripper” na área de Whitechapel (nomeadamente as cinco vítimas canônicas). Datas e detalhes dos crimes fazem parte do arquivo histórico conhecido como “Whitechapel murders”. Wikipedia+2JackTheRipper+2
  • Pós-1888 — Doyle continua a escrever, publica mais histórias de Holmes e mantém, nas décadas seguintes, carreira literária e envolvimento público (posteriormente também se torna espiritualista e figura pública). Biografias não registram condutas criminais associadas ao período. arthur-conan-doyle.com+1

2. O que as coincidências cronológicas e profissionais realmente mostram (indícios circunstanciais)

A seguir, enumero os fatos que pautam a especulação — descritos aqui como indícios circunstanciais (isto é: correlações que exigem mais investigação para serem interpretadas como prova):

  1. Coincidência temporal — Doyle era um adulto jovem e ativo profissional e literariamente em 1888, quando ocorreram os assassinatos. Em termos estritamente cronológicos, sua existência e atividade no Reino Unido tornam possível, em princípio, qualquer tipo de interação com os acontecimentos nacionais daquele ano. Wikipedia+1
  2. Formação médica e conhecimento anatômico — Doyle formou-se em medicina (MD) e trabalhou clinicamente; tal formação é frequentemente mencionada quando se discute a “competência técnica” observada nas mutilações descritas nos crimes. Em teoria, formação médica conecta-se com o argumento de habilidade anatômica. ACS
  3. Proximidade relativa (possibilidade logística) — Doyle morava e trabalhava em Southsea (Portsmouth) durante a década de 1880. Embora Portsmouth esteja a cerca de 100–130 km de Londres, a rede ferroviária vitoriana permitia deslocamentos em algumas horas; portanto, logística pura não torna a hipótese absolutamente impossível. encyclopedia.pub
  4. Afinidade temática — Doyle já havia criado um personagem cuja metodologia consiste em observação clínica e dedução científica (Sherlock Holmes, 1887). A emergência pública de um criminoso aparentemente “metódico” (o Estripador) oferecia material simbólico e sociológico para reflexão literária — e pode ser lida como “laboratório cultural”. yogebooks.com+1

Esses quatro pontos são as bases empíricas que, em narrativas especulativas, são elevadas a “indícios” de possível envolvimento. Note que cada um é uma correlação (coincidência de tempo, formação, possibilidade logística e tema), não uma prova direta.


3. Evidências documentais que contrariam a hipótese de autoria (contra-indícios)

Ao pesar a plausibilidade, vários elementos factuais reduzem enormemente a força probatória das coincidências acima:

  1. Residência e prática em Southsea (Portsmouth) — Biografias detalhadas de Doyle indicam que, durante os anos 1880, ele mantinha prática em Southsea e era uma figura conhecida localmente. Documentos e cartas de pacientes e familiares não apontam para idas regulares a Whitechapel nas datas relevantes; não há registros de presença comprovada em Londres nas noites dos crimes. Isso fragiliza qualquer alegação de oportunidade comprovada. encyclopedia.pub+1
  2. Ausência de testemunho, diários ou provas materiais — Não existe, no arquivo biográfico canônico de Doyle, diário ou carta que aluda a comportamentos violentos, deslocamentos suspeitos, ou condutas que pudessem conectar-no aos crimes. As grandes biografias e artigos médicos sobre sua trajetória também não incluem indícios criminais. arthur-conan-doyle.com+1
  3. Debate forense sobre “habilidade anatômica” — Especialistas modernos divergem quanto ao real grau de habilidade cirúrgica demonstrado nos crimes. Alguns peritos argumentam que as mutilações, dadas as condições de pouca luz e pressa, não exigiriam técnicas cirúrgicas de alto nível; portanto a alegada necessidade de um médico-cirurgião é questionável. Isso enfraquece o peso do argumento “ele era médico → podia ter feito”. Wikipedia+1
  4. Existência de outros suspeitos com evidência mais direta — A historiografia do caso inclui suspeitos locais (por exemplo, trabalhadores e indivíduos com histórico de doença mental) e hipóteses baseadas em evidências geográficas e testemunhais que, para alguns pesquisadores, oferecem vetores explicativos mais plausíveis do que a hipótese de uma figura externa e socialmente conhecida. (Observação: a identidade do Ripper permanece objeto de controvérsia acadêmica.) WIRED+1

4. Linha do tempo comparada (detalhada) — eventos selecionados com impacto interpretativo

Aqui apresento datas e eventos-chave em coluna paralela (Doyle ↔ Whitechapel) para facilitar a visualização das coincidências e lacunas documentais.

  • 1881 — Doyle graduado em Medicina (Edimburgo). ↔ (sem evento Ripper)
    Interpretação: formação consolidada; base para eventual conhecimento anatômico. ACS
  • 1882–1887 — Estabelecimento em Southsea; início da escrita; A Study in Scarlet escrito em 1886, publicado em 1887. ↔ (anos imediatamente anteriores aos crimes)
    Interpretação: a figura literária de Holmes já existe antes das chacinas; Doyle explora dedução e observação. yogebooks.com+1
  • 31 de agosto a 9 de novembro de 1888 — Sequência das cinco mortes canônicas em Whitechapel. ↔ Doyle em atividade literária e médica, baseado em Southsea (sem registros públicos de presença nas cenas).
    Interpretação: cronologia coincide, mas lacunas de prova logística permanecem. Wikipedia+1
  • Pós-1888 — Doyle prossegue carreira literária e pública, sem alegações documentadas de conduta criminosa nos registros biográficos centrais.
    Interpretação: ausência de pegada documental é um argumento forte contra autoria. arthur-conan-doyle.com

5. Avaliação crítica: qual é o peso real desses “indícios”?

Ao aplicar princípios de metodologia histórica e forense (correlação ≠ causalidade; necessidade de prova direta, testemunhal ou documental), avaliamos o conjunto assim:

  • Força das correlações: alta em termos de coincidência temporal e compatibilidade teórica (Doyle era médico e estava ativo na Inglaterra); moderada em termos de simbolismo (a cultura do medo pode ter inspirado a obra); baixa em termos logísticos e materiais (ausência de registros de presença, testemunhos ou provas físicas). ACS+2encyclopedia.pub+2
  • Fragilidade probatória: muito alta. A ausência de evidência direta, somada ao fato de Doyle ser uma figura pública com vida documentada, torna improvável que ele pudesse ter cometido uma série de crimes sem deixar rastros identificáveis nas fontes biográficas e públicas. arthur-conan-doyle.com+1
  • Possibilidade explicativa alternativa: ao invés de autoria, a leitura mais robusta — segundo historiadores literários — é a de que Doyle transformou em literatura observações sobre método científico e o estado social de Londres, enquanto a sociedade consumia relatos sensacionalistas sobre Whitechapel. Holmes, nessa ótica, é a reação cultural racionalizadora, não a encarnação do crime. yogebooks.com+1

6. Observações metodológicas importantes (limites do dossiê)

  1. Ausência de prova não é prova de ausência, mas em investigação histórica o ônus da prova recai sobre quem alega. A hipótese de autoria requer evidência positiva (documental, testemunhal, material). Nenhuma fonte biográfica confiável fornece tal evidência para Doyle. arthur-conan-doyle.com
  2. Fontes secundárias e teorias populares podem amplificar coincidências e transformar correlações em narrativas persuasivas, sem respaldo probatório. Deve-se tratar tais obras como material para estudo de recepção cultural, não como provas. WIRED+1
  3. Diferenciação entre “laboratório simbólico” e “participação prática” é central: é historicamente legítimo investigar como eventos públicos (os crimes) moldaram a produção intelectual de um autor; já afirmar que o autor praticou os crimes exige outro nível de evidência.

7. Conclusão (síntese crítica)

A análise cronológica e factual mostra que existem coincidências reais entre a vida de Arthur Conan Doyle (formação médica, atividade literária em 1887–1888, residência no Reino Unido) e o período dos assassinatos de Whitechapel (1888). Essas coincidências, em conjunto com a afinidade temática entre observação médica e método dedutivo, explicam por que a hipótese atrai tanto interesse público e literário.

No entanto, essas coincidências não constituem prova. Pesos metodológicos fundamentais — ausência de testemunho, falta de rastros documentais relacionados a deslocamentos noturnos ou comportamento criminoso, debate forense sobre o nível real de habilidade anatômica exigida — transformam a hipótese de autoria em uma especulação frágil. Em termos judiciais e históricos, não há base suficiente para considerar Doyle um suspeito plausível; em termos culturales, porém, é perfeitamente legítimo estudar como o terror de Whitechapel serviu de “laboratório simbólico” para autores contemporâneos.

Em suma: a linha temporal mostra correlação, não causalidade. O exercício de mapear datas e perfis é útil como ferramenta historiográfica e para entender a imaginação vitoriana — mas não altera o estado factual das investigações históricas sobre Jack the Ripper.


Bibliografia consultada (seleção)

  • Observações biográficas e cronológicas sobre Arthur Conan Doyle (formação, residência, publicações). ACS+2encyclopedia.pub+2
  • Datas e descrição sumarizada dos assassinatos canônicos de Whitechapel (1888). Wikipedia+1
  • Publicação e contexto de A Study in Scarlet (1887) e influência de Joseph Bell sobre Doyle. yogebooks.com+2Internet Archive+2
  • Discussões e cronologias modernas sobre o caso Jack the Ripper (sintético). JackTheRipper+1

6. A ausência de provas e o valor simbólico da especulação

Não há registro histórico, testemunhal ou material que vincule Arthur Conan Doyle aos assassinatos de Whitechapel. Nenhuma biografia autorizada ou pesquisa histórica séria sustenta essa hipótese como plausível. A associação surge em círculos de especulação literária e popular, muitas vezes alimentada pela coincidência entre a inteligência lógica de Holmes e a astúcia perversa de Jack, o Estripador.

Do ponto de vista acadêmico, essa hipótese revela mais sobre a necessidade cultural de associar genialidade à loucura do que sobre o próprio Doyle. Trata-se de um reflexo do fascínio humano pela dualidade — a ideia de que a mesma mente capaz de criar o maior detetive da literatura poderia também conceber o assassino perfeito. Essa dialética entre razão e destruição, típica da modernidade, explica por que a teoria persiste como mito, mesmo diante da ausência total de evidências.

A Londres do final do século XIX fervia em mistério, medo e progresso. O vapor das fábricas se misturava ao nevoeiro dos becos, e o avanço científico coexistia com as sombras da criminalidade urbana. Nesse mesmo cenário nasceram dois mitos: Jack, o Estripador, o assassino que nunca foi capturado, e Sherlock Holmes, o detetive que tudo resolvia com método e lógica. Ambos simbolizam faces opostas da mesma sociedade — o caos e a razão.

A coincidência temporal entre os crimes de Whitechapel (1888) e o surgimento literário de Holmes (1887–1891) instigou debates e hipóteses curiosas. Uma delas, frequentemente citada em círculos culturais e acadêmicos, questiona: até que ponto Arthur Conan Doyle teria sido influenciado pelos crimes de Jack? Ou ainda, seriam os assassinatos uma espécie de “laboratório social” que alimentou sua ficção?

Contexto histórico e biográfico

Arthur Conan Doyle nasceu em 1859, em Edimburgo, e formou-se em medicina em 1881. Em 1882, estabeleceu-se como médico em Portsmouth, onde começou a escrever nas horas vagas. Em 1887 publicou Um Estudo em Vermelho, a primeira história de Sherlock Holmes. Quando os crimes de Whitechapel começaram, em agosto de 1888, Doyle tinha 29 anos e residia na Inglaterra, mas não em Londres — embora viajasse frequentemente para compromissos médicos e literários.

Essas datas coincidem, curiosamente, com o auge de sua produção inicial. A Inglaterra vivia um frenesi de medo diante dos assassinatos brutais atribuídos a Jack, o Estripador. Os jornais publicavam detalhes mórbidos, e o país inteiro discutia as limitações da polícia vitoriana diante de um assassino invisível.

O ambiente vitoriano e o nascimento da dedução científica

A era vitoriana foi marcada por uma revolução científica e moral. O positivismo e o método empírico influenciavam não só a medicina, mas também a literatura e a psicologia. Doyle, médico de formação, absorveu essa mentalidade e a canalizou em seu personagem Holmes, um detetive que tratava cada crime como um experimento controlado — observação, hipótese, teste e conclusão.

O contraste com Jack, o Estripador, é simbólico: enquanto o assassino representava o irracional e o mistério impenetrável, Holmes encarnava o triunfo da razão sobre o caos.

Jack, o Estripador como fenômeno social e midiático

Jack não foi apenas um assassino — foi um fenômeno de comunicação. Os jornais multiplicaram suas cartas (muitas forjadas), alimentando uma cultura de pânico e curiosidade mórbida. A sociedade vitoriana, reprimida por normas rígidas e desigualdades gritantes, encontrou no Estripador um espelho sombrio de seus medos e contradições.

Doyle, atento observador da psique humana, certamente percebeu esse fenômeno. É plausível supor que o mistério de Whitechapel tenha reforçado em sua mente a importância da dedução racional e da ciência como antídoto ao medo coletivo.

Sherlock Holmes: a resposta racional ao terror irracional

Sherlock Holmes surgiu como uma resposta simbólica à impotência da polícia diante do crime moderno. Onde a Scotland Yard falhou em decifrar o Estripador, Holmes triunfava em cada enigma. Muitos estudiosos sugerem que Doyle canalizou o trauma coletivo de Londres em uma narrativa onde a inteligência humana restaurava a ordem.

O personagem tornou-se uma forma de catarse social: o mesmo público que lia horrorizado sobre Jack também buscava conforto nas histórias de Holmes. Assim, Doyle transformou a escuridão do real em clareza literária.

A ideia de “laboratório literário”

No sentido teatral e psicológico, “fazer laboratório” significa experimentar emoções, comportamentos e ideias antes de transformá-los em arte. Sob essa ótica, os eventos reais de Whitechapel funcionaram como um laboratório moral e intelectual para Doyle. Ele observou o medo, o fracasso da investigação e a ânsia por respostas — e os converteu em narrativa científica.

Se Jack encenava o mistério perfeito, Doyle construiu a mente perfeita para solucioná-lo. O médico transformou o horror da carne em raciocínio puro.

Análise comparativa de perfil e linguagem

Tanto o modus operandi do Estripador quanto o método de Holmes revelam um fascínio pela anatomia e pela observação minuciosa. No primeiro, a dissecação era brutal; no segundo, era mental. Ambos expressam o espírito da época: o cientificismo levado ao extremo, onde o corpo e a mente se tornam objetos de estudo.

A linguagem de Doyle em Um Estudo em Vermelho e O Signo dos Quatro mostra clara influência médica — termos anatômicos, precisão descritiva, e interesse pela psicologia do crime. Embora essa coincidência alimente especulações, ela também evidencia apenas a formação científica do autor, não uma culpa oculta.

Conclusão crítica

A hipótese de que Arthur Conan Doyle possa ter usado os crimes de Jack, o Estripador, como um “laboratório” criativo é, no fundo, uma leitura simbólica da história. O médico-escritor observou o mesmo mundo em que Jack atuou — um mundo de sombras, nevoeiro e incertezas — e respondeu com luz, lógica e método.

Mais do que coincidência, o paralelo entre ambos revela o nascimento do pensamento moderno sobre o crime: o assassinato deixou de ser apenas moral e passou a ser científico. Doyle ajudou a criar o detetive racional, enquanto Jack encarnou o criminoso indecifrável. Juntos, formam o duplo arquetípico de uma era — a busca pela verdade em meio ao medo.

Assim, a verdadeira questão não é se Arthur Conan Doyle foi Jack, o Estripador, mas como o espírito de uma época dividida entre ciência e superstição gerou ambos os mitos — o do assassino sem rosto e o do detetive que tudo vê.


Conclusão

A análise da hipótese de que Arthur Conan Doyle teria sido Jack, o Estripador revela um conjunto de coincidências históricas e simbólicas interessantes, mas nenhuma base factual que sustente tal acusação. Cronologicamente, Doyle vivia na Inglaterra durante os assassinatos e possuía conhecimento médico compatível com o perfil teórico do criminoso. No entanto, logisticamente, socialmente e psicologicamente, não há qualquer indício de envolvimento real.

O que essa hipótese ilustra, na verdade, é a capacidade humana de construir narrativas simbólicas para explicar o mistério e a genialidade. Doyle criou Sherlock Holmes como uma resposta racional ao terror irracional de sua época. Assim, se há alguma relação entre o autor e o Estripador, ela é metafórica: o primeiro representa o triunfo da razão; o segundo, o abismo do instinto.

Portanto, o verdadeiro valor dessa especulação não está em determinar a culpa de Doyle, mas em compreender como o medo, a ciência e a ficção se entrelaçam na cultura vitoriana — e como, do caos de Whitechapel, nasceu a mente mais lógica da literatura mundial.

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Publicado em:Diário do Flogão - Previsão do Futuro e do Passado | Máquina do Tempo Online

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